Resumo: Este artigo faz uma abordagem sobre a natureza jurídica da Sindicância, buscando traçar as diferenças entre ela e o Processo Administrativo Disciplinar.
Palavras-chave: Processo Administrativo. Sindicância. Natureza Jurídica.
Abstract: This paper presents an approach about the legal nature of the Inquiry Commission, in order to describe the differences between it and the Administrative Disciplinary Procedure.
Keywords: Administrative Procedure. Inquiry Commission. Legal Nature.
Sumário: Introdução. 2 Processo administrativo. 2.1 Diferença entre processo e procedimento. 2.2 Espécies de processos. 2.3 Tipos de processos administrativos. 3 Processo administrativo disciplinar. 3.1 Fases do processo administrativo. 3.1.1 Instauração. 3.1.2 Inquérito administrativo. 3.1.3 Julgamento. 4 Sindicância. Referências.
Introdução
O art. 145 da Lei nº. 8.112/90 prevê que da sindicância pode resultar as penas de advertência ou suspenção de até 30 dias. Entretanto, o art. 148 do mesmo diploma legal, dispõe que “o processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar a responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido”. Logo, há uma nítida contradição entre tais artigos.
Além disso, estudando o instituto da sindicância, observamos que alguns doutrinadores denominam o processo administrativo disciplinar ora de inquérito administrativo e ora de sindicância. Ademais, os próprios servidores públicos tem feito certa confusão entre estes institutos. Por vezes ouvimos dizer que o servidor “fulano” está respondo a inquérito administrativo.
Assim, no intuito de contribuir para melhor esclarecimento sobre esse instituto, propôs-se, neste trabalho, fazer uma análise sobre o tema, em especial sobre a natureza jurídica da sindicância, buscando ao final demonstrar sua diferença em relação ao processo administrativo disciplinar. Todavia, inicialmente será necessário fazer uma análise sobre o Processo Administrativo.
2 Processo administrativo
2.1 Diferença entre processo e procedimento
A palavra processo, segundo Carvalho Filho (2007, p. 2), “se origina do vocábulo latino procedere, palavra que se compõe do prefixo pro (para diante, para a frente) e cadere (caminhar, cair, levar um pé para a frente)”. Além disso, de acordo com o mesmo autor, traz a idéia de “seguimento, decurso, de algo que tenha sentido dinâmico, com direção para frente e para o futuro”.
Ernane Fidélis citado por Câmara (2008, p. 134) afirma que processo “é a soma de atos que têm fim determinado, não importando a marcha que toma para atingi-lo”. Já Carvalho Filho (2007, p. 03) leciona que “é possível definir o processo como o instrumento, de maior ou menor formalismo, constituído de atos, fatos e atividades e gerador de vínculos entre as pessoas envolvidas, com vistas a alcançar determinado objeto”.
Ademais, Carvalho Filho (2008, p. 02) ainda destaca, em sentido amplo e genérico, o processo “consiste exatamente no instrumento pelo qual se procede ao delineamento e à sequencia de fatos, atos e atividades com vistas a ser alcançado determinado fim”.
Já Merkel citado pro Bandeira de Mello (2005, p. 457) leciona que “o fenômeno processual existe quando ‘o caminho que se percorre para chegar a um ato constitui aplicação de uma norma jurídica que determina, em maior ou menor grau, não apenas a meta, mas também o próprio caminho, o qual, pelo objeto de sua normação, apresenta-se-nos como norma processual’”.
Com relação ao procedimento, Ernane Fidélis citado por Câmara (2008, p. 134) afirma que ele “é o modo pelo qual o processo se forma e se movimenta, para atingir o respectivo fim”.
Para Carvalho Filho (2007, p. 04) “no sentido de procedimento, cabe, mais precisamente, salientar o aspecto dinâmico do processo, em relação ao qual se estabelece o modo e a forma de desenvolvimento dos atos e das atividades processuais”. Assim, para ele, o procedimento “é que confere exterioridade ao processo indicando o modus faciendi para atingir ao objetivo desejado pelo Estado, qual seja, a solução dos litígios”.
Com efeito, “o processo não é o procedimento, mas o resultado da soma de diversos fatores, um dos quais é exatamente o procedimento (e os outros são o contraditório e a relação jurídica processual). […] O procedimento é um dos elementos formadores do processo, da mesma forma que uma ovelha é um dos elementos formadores de um rebanho, ou uma arvore frutífera um dos componentes de um pomar” (CÂMARA, 2008, p. 135).
2.2 Espécies de processos
No livro denominado “Espírito das Leis” o filósofo Montesquieu tratou da teoria de amplamente conhecida como “separação de poderes”. Essa teoria, na qual se baseia o constitucionalismo, tem por objetivo repartir o poder com o intuito de evitar que ele fique concentrado nas mãos de apenas algumas pessoas e, com isso, evitar a violência e o arbítrio.
Em sua obra, Montesquieu descreveu de forma detalhada e cuidadosa a separação dos poderes entre Executivo, Judiciário e Legislativo. O primeiro seria exercido pelo rei, que teria direito a vetos em relação às decisões do parlamento, fazendo com as decisões parlamentares não fossem absolutas.
Já o segundo teria a função de julgar as infrações e violações as leis e regulamentar o cumprimento delas. Por último, o legislativo dividido entre corpo de comuns (integrado por representantes dos comuns) e corpo de nobres (integrado por representantes dos nobres) que seria convocado pelo executivo, ou seja, pelo rei, e teria a faculdade de impedir as disposições da casa do povo. Com isso, segundo Montesquieu, o poder poderia controlar e frear o próprio poder. A esse fenômeno ele deu nome de “sistema de freios e contrapesos”.
Assim, considerando que o Brasil adotou a teoria da separação dos poderes na Constituição da República Federativa do Brasil atual, pode-se concluir que existem basicamente três espécies de processos que são o processo administrativo, o processo legislativo e o processo jurisdicional.
O processo judicial é, segundo Carvalho Filho (2007, p. 05/06) adequado ao “exercício da função jurisdicional típica, qual seja, a de dirimir conflitos de interesses para preservar a paz e a harmonia sociais e a ordem pública”. Já o processo legislativo, no entender do renomado jurista citado, é “aquele pelo qual se desenvolvem os atos, as atividades, os fatos e as manifestações volitivas dos participantes do procedimento, inclusive através do voto, sistema, aliás, inerentes aos integrantes do Poder Legislativo”.
No que concerne ao processo administrativo, ressalta-se que, conforme preceitua Carvalho Filho (2007, 06/07), é através dele que “se desempenha a função administrativa típica”.
Contudo, em nosso entender, melhor definição de processo administrativo existente na doutrina brasileira, é a que o conceitua como “o conjunto de medidas jurídicas e materiais praticadas com certa ordem cronológica, necessárias ao registro dos atos da Administração Pública, ao controle do comportamento dos administrados e de seus servidores, a compatibilizar, no exercício do poder de polícia, os interesses público e privado, a punir os seus servidores e terceiros, a resolver controvérsias administrativas e a outorgar direitos a terceiros. É toda e qualquer autuação efetivada pela Administração Pública no interesse e segurança da função administrativa” (DIÓGENES GASPARINI citado por CARVALHO FILHO, 2007, p. 20).
2.3 Tipos de processos administrativos
A doutrina brasileira cita vários tipos de processos administrativos tais como de mera tramitação, controle, contratual, revisional, outorga de direitos e o punitivo. O processo punitivo tem como objetivo “a averiguação de situações irregulares ou ilegais na Administração e, quando elas se positivam, ensejam também a aplicação de penalidade” (CARVALHO FILHO, 2005, p. 887).
Segundo Meirelles (2000, p. 637) “processo administrativo punitivo é todo aquele promovido pela Administração para a imposição de penalidade por infração de lei, regulamento ou contrato. Esses processo devem ser necessariamente contraditórios, com oportunidade de defesa e estrita observância do devido processo legal (due processo f law), sob pena de nulidade da sanção imposta”.
Além disso, Meirelles (2000, p. 638) sustenta ainda que “nessa modalidade incluem-se todos os procedimentos que visem à imposição de alguma sanção administrativa ao administrado, ao servidor ou a quem eventualmente esteja vinculado à Administração por uma relação especial de hierarquia, como são os militares, os estudantes e os demais frequentadores de estabelecimentos públicos sujeitos circunstancialmente à sua disciplina”.
Destaca-se também que a doutrina nacional do Brasil leciona que o processo punitivo pode interno ou externo. O primeiro se dá quando a apuração e a punição estão relacionadas com exercício funcional do servidor público para com o Estado, como por exemplo, processo que culmina na suspensão do servidor. Já o segundo, ocorre quando o objeto do processo é fato ocorrido entre Estado e administrados em geral, como por exemplo, processo que gera cassação de licença. De acordo com Carvalho Filho (2005, p. 887) “o processo com objeto punitivo interno denomina-se de processo administrativo disciplinar”.
3 Processo administrativo disciplinar
Conforme já mencionado na introdução o art. 148 da Lei nº. 8.112/90 dispõe que “o processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar a responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido”.
Carvalho Filho (2005, p. 896) entende que “processo administrativo-disciplinar é o instrumento formal através do qual a Administração apura a existência de infrações praticadas por seus servidores e, se for o caso, aplica as sanções adequadas”.
Não menos brilhante, Meirelles (2000, p. 638) entende que “Processo administrativo disciplinar, também chamado impropriamente de inquérito administrativo, é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos […]”.
Mal comparando, o processo administrativo disciplinar equipara-se ao processo judicial criminal. Neste ocorre à imposição de penas aos criminosos; já o processo administrativo disciplinar é utilizado para imputar aos infratores as penas administrativas correspondentes à infração.
Portanto, o processo administrativo disciplinar é o “processo penal administrativo”, isto é, o instrumento pelo qual é imputada acusação a alguém. Assim, é o instrumento que deve ser obrigatoriamente utilizado pela Administração Pública para apurar e punir as faltas supostamente cometidas por servidores públicos ocupantes de cargo público efetivo.
3.1 Fases do processo administrativo
O Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, a Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispõe em seu artigo 151 prevê que o processo administrativo disciplinar contém as seguintes fases: instauração; inquérito administrativo; e por fim, o julgamento.
3.1.1 Instauração
De acordo com Bandeira de Mello (2005, p. 468) “corresponde ao impulso deflagrador do procedimento. Tanto pode provir do administrado, ao requerer uma autorização, uma licença, uma permissão ou eventualmente uma consulta – porque há casos em que a autoridade é obrigada a responder a consultas -, quanto ser produto de uma decisão ex officio da Administração”.
O artigo 5º da Lei nº. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, dispõe que “o processo administrativo pode iniciar-se de oficio ou a pedido de interessado”. O artigo 143, caput, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, Lei nº. 8.112/90 determina que “a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata […]”.
Meirelles (2000, p. 634) “a instauração é a apresentação escrita dos fatos e indicação do direito que ensejam o processo. Quando provém da administração deve consubstanciar-se em portaria, auto de infração, representação ou despacho inicial da autoridade competente; quando provocada pelo administrado ou pelo servidor deve formalizar-se por requerimento ou petição”.
No mesmo sentido, Sérgio Ferraz (2001, p. 92) afirma que a instauração “pode ela exteriorizar-se mediante decreto, portaria, auto de infração, notificação, representação, despacho, ordem de serviço etc. Sempre e sempre, o veículo será um ato administrativo de carga determinativa: a instauração não contém manifestação opinativa ou dispositiva. Ela se cristaliza num mandamento, que deflagra, desde sua edição, efeitos e impulsos incoercíveis, eis que timbrado o processo administrativo também pelos princípios da oficialidade e da inquisitoriedade”.
O parágrafo 3º, do artigo 143 da Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, prevê também que “a apuração de que trata o caput, por solicitação da autoridade a que se refere, poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade, mediante competência especifica para tal finalidade, delegada em caráter permanente ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do respectivo Poder, órgão ou entidade, preservadas as competências para o julgamento que se seguir à apuração”.
Registre-se que da mens leges do artigo 144 da Lei 8.112/1990 extrai-se que há possibilidade de qualquer pessoa provocar o administrador, para que este instaure o processo administrativo por meio de denúncias, contudo, estas deverão ser de forma escrita e conter a identificação e o endereço do denunciante, conforme texto seguinte: “as denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade”.
Assim, o processo administrativo pode ter início com um ato do administrador e também por provocação de interessados externos à Administração.
3.1.2 Inquérito administrativo
A segunda fase do processo administrativo disciplinar merecedora de destaque é a denominada de inquérito administrativo. O inciso II do artigo 151 da Lei nº. 8.112/1990 prevê que a fase do inquérito administrativo será divida em três subfases: instrução, defesa e relatório.
A instrução consiste na coleta das provas necessárias à comprovação do fato e sua autoria narrados no ato instaurador. É o que dispõe o artigo 155 da Lei Federal n.º. 8.112/1990: “Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos”.
Carvalho Filho (2005, p. 902) afirma que nesta fase “a administração colige todos os elementos probatórios que possam respaldar a indicação de que a infração foi cometida pelo servidor”.
Na visão de Meirelles (1999, p. 634) “a instrução é a fase de elucidação dos fatos, com a produção de provas da acusação no processo punitivo, ou de complementação das iniciais no processo de controle e de outorga, provas, essas que vão desde o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as perícias técnicas, até a juntada de documentos pertinentes”.
No mesmo sentido, ensina Bandeira de Mello (2005, p. 469): “Nesta fase deverá ser ouvido aquele que será alcançado pela medida, se foi o próprio poder público que desencadeou o procedimento ou se a audiência deste for necessária quer para acautelar-lhe os interesses, quer para maior esclarecimento das situações. É neste estádio que se fazem averiguações, perícias, exames, para elucidar o que seja cabível a fim de chegar-se à fase subseqüente. [sic]”.
Coadunando com os entendimentos citados, Ferraz e Dallari (2001, p. 123) afirmam que, depois de aberto o processo administrativo, é necessário que sejam elucidados os fatos e deduzidos os fundamentos legais que regulam o assunto examinando, devendo estar patente os argumentos que darão embasamento ao convencimento da autoridade judicante. Para isso, são necessárias provas, sejam, documentais, periciais, testemunhais e pareceres técnicos e jurídicos.
Convém, ainda, expor o que prevê a Lei sobre o assunto em comento, que demonstra claramente que a fase de instrução está vinculada à comprovação dos fatos e da autoria da infração a fim de embasar a decisão. É o que se pode auferir do seu artigo 29: “As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão […]”. Logo, a instrução é a fase onde serão coletadas as provas documentais, periciais, testemunhais, que possam comprovar a ocorrência da infração e sua autoria.
Na fase de defesa, o servidor apresenta a sua versão dos fatos. É o momento em que é exercido o direito constitucional a ampla defesa e o contraditório. Meirelles (1999, p. 634) prevê que “a defesa, como já vimos, é garantia constitucional de todo acusado, em processo judicial ou administrativo (art. 5º, LV), e compreende a ciência da acusação, a vista dos autos na repartição, a oportunidade para oferecimento de contestação e provas, a inquirição e reperguntas de testemunhas e a observância do devido processo legal (due processo f law)”.
Allan Rondolph Brewer-Carías citados por Ferraz e Dallari (2001, 131) afirmam que “no processo administrativo o direito de defesa não é um imperativo apenas de justiça, mas, sim também de eficácia, na medida em que assegura melhor o conhecimento dos fatos, contribui para o aprimoramento da administração e dá garantias de uma decisões mais justa [sic]”.
Por isso, ainda segundo os citados autores, como decorrência do princípio do devido processo legal, devem ser proporcionados ao acusado todos os meios usuais de defesa, além de se lhe possibilitar conhecer com precisão todos os fatos inerentes ao que lhe é imputado, como também as disposições legais aplicáveis aos mesmos e, ainda, os meios de defesa disponíveis.
De outro modo, há possibilidade de ocorrer o instituto da revelia, que se concretizara no caso do indiciado, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo de 10 (dez) dias, sendo necessário que ela seja declarada nos autos do processo, a fim de surtir os efeitos dela esperados.
No entanto, visto que se trata de processo punitivo, o revel terá defensor nomeado pela autoridade que instaurou o processo, que deverá preencher os requisitos do § 2º do artigo 164 da Lei nº. 8.112/1990, quais sejam: ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.
Por fim, nesta fase, a comissão analisará a defesa apresentada e exporá sua opinião a respeito do caso, por meio de um instrumento denominado relatório, que deverá ser encaminhado à autoridade competente para julgamento. No relatório deve constar uma síntese das principais peças e provas apresentadas, bem como a conclusão da comissão sobre o caso em apreço.
De acordo com Meirelles (1999, pág. 635) “o relatório é a síntese do apurado no processo, feita por quem o presidiu individualmente ou pela comissão processante, com apreciação das provas, dos fatos apurados, do direito debatido e proposta conclusiva para a decisão da autoridade julgadora competente. É peça informativa e opinativa, sem efeito vinculante para a administração ou para os interessados no processo”.
Do mesmo entendimento comunga Carvalho Filho (2005, pág. 902/903), pois para ele o relatório é “peça formal elaborada pela comissão processante, na qual deve ficar descrito tudo o que ocorreu no processo, tal como ocorre na sentença judicial […]”. E mais, segundo ele, o relatório é uma opinião que a comissão fornece ao julgador e salienta que tal opinião deverá detalhar os fundamentos da sua opinião, sendo de suma importância para quem for decidir.
Concluído o relatório, o processo estará pronto para julgamento, devendo o mesmo ser remetido à apreciação da autoridade judicante, neste caso, àquela que determinou a instauração do processo. É o que prevê o artigo 166 da Lei Federal nº. 8.112/90: “O processo disciplinar, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade que determinou a sua instauração, para julgamento”.
Todavia, o artigo 47 da Lei 9.784/1999, que trata do Processo Administrativo Federal, prevê que “o órgão de instrução que não for competente para emitir a decisão final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada, encaminhado o processo à autoridade competente”.
Logo, no âmbito federal o relatório somente é necessário se o órgão de instrução for incompetente para proferir o julgamento. Em outras palavras, se o mesmo órgão tiver a atribuição de instrução e julgamento não é necessário que a comissão faça o relatório.
3.1.3 Julgamento
Esta é a última fase do Processo Administrativo Disciplinar. De acordo com o saudoso Meirelles (2000, pág. 635) “o julgamento é a decisão proferida pela autoridade ou órgão competente sobre o objeto do processo”.
Di Pietro (2005, pág. 559) afirma que a fase de decisão e a final. Nela “a autoridade poderá acolher a sugestão da comissão, hipótese em que o relatório corresponderá à motivação; se não aceitar a sugestão, terá que motivar adequadamente a sua decisão, apontando os elementos do processo em que se baseia”.
No mesmo sentido leciona Carvalho Filho (2005, pág. 903). Para ele, a autoridade julgadora realmente poderá acatar a opinião da comissão contida no relatório ou discordar dela. Contudo, neste último caso, a autoridade julgadora terá que expor no seu ato decisório “seus próprios fundamentos, os quais terão linhas diferentes dos fundamentos expendidos pela comissão. Em outras palavras, o motivo do ato decisório é diverso do motivo do opinamento da comissão, e, desse modo, é necessário que o julgador exponha detalhadamente seu motivo no ato para que o servidor possa identificar, com precisão, o que vai impugnar em eventual recurso administrativo ou ação judicial”.
Ressalta-se ainda que a própria Lei prevê que quando o relatório for contrário aos fatos e provas dos autos, o julgador não precisa acatá-lo (art. 168, caput, da Lei nº. 8.112/90).
Além disso, o §1º do art. 168 da Lei nº. 8.112/90 ainda dispõe que “quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade”.
Meirelles (2000, pág. 640) afirma que “no julgamento a autoridade competente deverá sempre fundamentar sua decisão, com motivação própria ou adoção dos fundamentos do relatório, tanto para a condenação quanto para absolvição. Permitido lhe é discordar do parecer da comissão para impor pena não pedida, minorar, agravar ou excluir a responsabilidade do acusado. O que não se admite é julgamento sem fundamentação, ainda que suscinta. Punição sem justificativa nos elementos do processo é nula, porque deixa de ser ato disciplinar legitimo para se converter em ato arbitrário […].
Portanto, desde que pautados nos fatos e fundamentos dos autos, o julgador pode prolatar decisão de forma diversa do relatório, até mesmo quando a deliberação consistir em prejuízo para o indiciado, haja vista que não há, in casu, a incidência do princípio da proibição da reformatio in pejus, pois trata-se o relatório de mera sugestão da comissão processante, bem como pelo fato de que o julgamento será de acordo com os fatos e provas dos autos.
Por último, destaca-se que, nos termos do art. 167, caput, da Lei nº. 8.112/90, a autoridade julgadora deverá proferir sua decisão no prazo de 20(vinte) dias. Entretanto, o art. 49 da Lei Federal nº. 9.784/99 dispõe que “concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada”. Portanto, no âmbito do Processo Administrativo Federal, o prazo para que a autoridade julgadora profira sua decisão é de 30(trinta) dias, podendo ser prorrogado tal prazo por igual período desde que de forma motivada.
Esclarece-se também que o “julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo” (§1º do art. 169 da Lei nº. 8.112/90). Todavia, deve-se ficar atento para os prazos de prescrição contidos no art. 142 da Lei nº. 8.112/90. De acordo com tal dispositivo legal, “a ação disciplinar prescreverá: I) em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão; III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência”.
Contudo, em se tratando das infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou destituição de cargo em comissão e suspensão, é muito difícil da prescrição ocorrer, visto que, de acordo com o art. 152 da Lei nº. 8.112/90 “o prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá a 60(sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação, por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem”.
4 Sindicância
No entendimento de Cretella Jr. citado por Carvalho Filho (2005, pág. 898) sindicância “é o meio sumário de que se utiliza a Administração Pública, no Brasil, para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos para a imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável”.
Meirelles (2000, pág. 641) afirma que “é o verdadeiro inquérito administrativo que procede o processo administrativo disciplinar”. Carvalho Filho (2005, pág. 898) destaca que a sindicância “visa a permitir uma apuração preliminar sobre a existência de ilícito funcional. É através da sindicância que se colhem os indícios sobre: a) a existência da infração funcional; b) de sua autoria; e c) do elemento subjetivo com que se conduziu o responsável”.
Além disso, Meirelles (2000, pág. 641) destaca que a sindicância “dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se tratar de simples expediente de verificação de irregularidade, e não de base para punição”.
Por sua vez, Carvalho Filho (2005, pág. 898), lecionado que a sindicância “reveste-se de caráter inquisitório, porque é processo não-litigioso; como conseqüência, não incide o princípio da ampla defesa e do contraditório. Caracteriza-se por ser procedimento preparatório, porque objetiva a instauração de um processo principal, quando for o caso, obviamente”.
A sindicância está para o processo administrativo disciplinar assim como o inquérito policial está para o processo criminal. Meirelles (2000, pág. 641) afirma que a sindicância é “equiparável ao inquérito policial em relação a ação penal”.
Capez (2002, pág. 75/76) leciona que o inquérito policial “caracteriza-se como inquisitivo, o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, não prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de oficio, empreendendo, com discricionariedade. […] É secreto e escrito, e não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, se não há acusação, não se fala em defesa”.
Ressalta-se ainda que a maior prova de que a sindicância é um processo administrativo preparatório ao processo administrativo disciplinar é o que dispõe o art. 154 da Lei Federal nº. 8.112/90. Segundo tal dispositivo, “os autos da sindicância integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da instrução”.
Portanto, a sindicância tem natureza de processo administrativo investigativo, inquisitivo, no qual não há a incidência dos princípios da publicidade, contraditório e da ampla defesa. É através da sindicância que a administração apura se a infração ocorreu e verifica quem é o seu autor. A sindicância é processo preparatório a instauração do processo administrativo disciplinar para punir o responsável pela pratica da infração. Neste sentido, dispõe o inciso III do art. 145 da Lei Federal nº. 8.112/90.
Conclusão
Assim, pode-se concluir que processo administrativo disciplinar e sindicância possuem natureza jurídica diversa um do outro, pois a sindicância tem função informativa, preparatória, a qual serve de subsidio para a instauração do processo administrativo disciplinar. Já o processo administrativo disciplinar possui natureza jurídica de processo contencioso ou litigioso por meio do qual a administração apura e pune os responsáveis pelas infrações cometidas em seu âmbito.
Na sindicância não há observância dos princípios constitucionais da publicidade, ampla defesa e do contraditório, é equiparada ao inquérito policial. Por outro lado, no processo administrativo disciplinar, equiparado ao processo judicial criminal, há observância de tais princípios é obrigatória e fundamental, sob pena de nulidade do processo e ineficácia das sanções impostos ao infrator através do mesmo.
Informações Sobre o Autor
Eliel Kiefer Seith
Bacharel em Direito. Especialista em Direito Processual e Direito Público e Privado. Servidor Público Federal dos Quadros dos servidores do Poder Judiciário Federal