APUENTES PARA UNA TEORIA DE LA HISTORIA DEL DERECHO
“Vamos a exponer aquí algunas consideraciones -las más de las veces personales- sobre cuestiones que se prestan a muy amplios desarrollos. Por eso las he llamado “apuntes”, para poner en evidencia su carácter de esbozo preliminar susceptible de más elaboradas discusiones.
Lo primero que debe llamarnos la atención es el título mismo de nuestra materia. En él se incluyen dos disciplinas perfectamente diferenciadas, autónomas, que tienen métodos, objetos y finalidades muy diversos. La historia se ocupa del pasado; el derecho contempla un ordenamiento actual. Aquella se fundeai La investigación de los hechos ocurridos; Éste trabaja con ideas, conceptos o realidades que requieren más reflexión y análisis que búsqueda de datos. La primera aspira a mostrar un panorama social caduco; el segundo nos exhibe un sistema normativo que rige a una comunidad humana en el presente. Parecería entonces, que se trata de términos antitéticos, irreductibles, que no pueden llegar a formar otra disciplina orgánica con individualidad propia.
Para resolver este problema inicial es necesario precisar el significado que debemos dar a los términos historia y derecho. Ambos tienen un doble sentido. El primero se aplica tanto a los hechos ocurridos -res gestas- como al conocimiento que de elles tenemos: memoria rerum gestarum. Es lo que Bauer, utilizando un vocabulario que no nos satisface pero que ya es común, distingue señalando que se emplea la palabra historia ‘unas veces, objetivamente, como lo que sucede o ha sucedido; otras, subjetivamente, como el conocimiento del suceder”. Podemos decir, utilizando otros términos, que la historia es, o bien lo que ha acontecido en el pasado, independientemente de nuestro saber, o bien las noticias que tenemos acerca de lo que ha ocurrido antes y que, explicadas por los historiadores, han permitido construir una ciencia del pasado. Es obvio que debemos considerar a la historia bajo este segundo significado, como conocimiento de la evolución de la humanidad y de sus realizaciones anteriores.
Lo jurídico también puede contemplar-se – de entre otros- desde dos puntos de vista. Se llama derecho a un ordenamiento que regula ciertos aspectos de la vida social, y se utiliza también el mismo vocablo para designar a la ciencia que estudia ese ordenamiento”.
(Ricardo Zorraquin Becu, in Revista del Instituto de Historia del Derecho Ricardo Levene – Facultade de Derecho y Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires – Buenos Aires, 1978.)
1.1- ORIGENS
Não há como pretender conhecer as origens do direito comercial sem uma amostragem, ligeira que seja, do comércio – atividade que o precedeu e razão da sua criação e existência. Difícil, senão impossível, estudar o direito comercial dissociado do desenvolvimento do comércio.
Não estaria completo o estudo do direito comercial, se o fizesse isolado da atividade comercial. Seria o mesmo que, num feliz exemplo, pretender estudar a pena sem conhecer o prévio e correspondente delito; conhecer a cura sem saber da doença que lhe dá causa. Assim que, necessariamente, o estudioso terá que conhecer primeiro o COMÉRCIO num plano superior e original, para garantir serena admissão ao estudo do DIREITO COMERCIAL.
Mesmo, porque o COMÉRCIO é causa (pressuposto, segundo Sampaio de Lacerda)1 de cujos efeitos, um é o DIREITO COMERCIAL – ramo da ciência do Direito destinado a disciplinar as relações e os atos jurídicos decorrentes da atividade mercantil e dos comerciantes, seja entre si mesmos; seja entre esses e os não comerciantes. Melhor apanha essa questão Hernani Estrella: O direito comercial, algumas vezes chamado ‘direito do comércio’, pressupõe necessariamente o conhecimento do fenômeno econômico sobre que assentam muitíssimas de suas disposições e de onde se originam os institutos que foi chamado a regular. Em razão disso, quase todos os autores que escrevem sobre direito comercial, consagram atenção mais ou menos demorada, ao comércio, como preliminar do estudo da disciplina. 2
Foi-se o tempo em que alguns admitiam que o comércio e o direito comercial surgiram simultaneamente, ao mesmo tempo, defendendo que tal originou do fato de que o comércio e o direito comercial resultam de causas sócio-econômicas. Para aqueles, só quando estas despertaram interesse científico é que surgiu o comércio e sua concomitante disciplinação jurídica através do Direito Comercial. Defende esse entendimento, dentre outros, Octávio Médici3: A história do Direito Comercial se fez paralelamente à história do Comércio. Enquanto este não se erigiu em instituição sócio-econômica, aquele não tinha razão de ser.
Esse errôneo entendimento, porém, já foi revisto e vencido desde priscos tempos. Assim, porque nunca se teve dúvida de que o COMÉRCIO surgiu bem antes da economia social, na acepção científica dada pela doutrina. Ele é fruto da necessidade primária do homem obter as coisas indispensáveis à sua subsistência. Sampaio de Lacerda diz que originou do excesso de produção de mercadorias para o consumo próprio)4, e a economia social é uma das formas criadas para aperfeiçoa-lo. Surgiu, esta, indubitavelmente, muito depois do comércio. Pedro Barbosa Pereira parece encontrar melhor explicação para a situação não bem provada ao conjugar as duas assertivas propostas. Diz o autor pátrio: É sabido que nos primitivos agrupamentos humanos cada um chegou ao ponto de produzir mais do que necessitava. Mas, não produziu tudo de que necessitava.5 Então, cada um produzindo além do que necessitava para atender às suas exigências, permutava o excesso com outro que produzia o que lhe faltava para satisfazer às suas necessidades.
As necessidades pessoais e coletivas remontam aos tempos em que surgiram os primeiros grupos humanos e, vêm crescendo, umas e outros na mesma velocidade e proporção. O homem logo tornou-se incapaz de produzir tudo o que precisava para satisfazer as suas necessidades. Superada a forma primária de uso dos recursos pessoais e, esgotados os desforços pessoais investidos no trabalho, só restou-lhe servir-se das coisas tidas ou produzidas por outros.
De outro lado, desde que foi absorvido pela idéia de consumo, não foi mais capaz de obter por si só tudo o que necessita e deseja – condição que o arrastará por tempo inimaginável. Errado é pensar, então, que o comércio é originário da economia social; mas, correto, que resultou da necessidade básica do homem adquirir o que precisava para a sua existência e bem-estar.
Há notícia de que manifestações de cunho comercial, sob qualquer de suas formas ou práticas, têm antecedentes históricos que remontam às mais recuadas eras da humanidade6, tendo alguns afirmado que na idade da pedra polida praticaram trocas de coisas in natura, mercadoria por mercadoria7, até evoluir à fase da pecúnia, do dinheiro. Por certo que tais manifestações creditadas como de natureza comercial, em nada se pareciam com as práticas comerciais de hoje e de algum tempo atrás. Mesmo, porque o comércio evoluiu acompanhando e, as vezes, antecipando-se aos avanços sociais.
Os fenícios, que tanto praticaram o comércio na antigüidade – adiante sucedidos pelos libaneses -, não construíram regras especiais relativas às atividades comerciais. Apesar de lhes atribuírem a vanguarda do comércio entre a Ásia e a Europa, partindo de Sidon e Tiro, não se preocuparam em editar leis comerciais. Carregando em barcas, linho, cavalos, marfim, perfumes e escravos, retornavam da Europa com trigo, mármore, metais (cobre, prata e estanho, principalmente).
O crescente aumento do contingente humano que integrava as diferentes comunidades da época, somado à diversidade de interesses, desejos e necessidades de cada um dos seres ou grupos que as compunham, levou-os, ao cabo de algum tempo, criar forma capaz de solucionar a seguinte equação que se lhes apresentava: nem sempre o que um tinha em excesso, ao outro interessava na quantidade e qualidade oferecidas; muitas vezes o que um procurava, o outro não tinha para lhe fornecer. Em razão desse instigante mas compreensível fato, introduziram às trocas um novo elemento: a moeda.
Antes do surgimento da moeda as trocas eram praticadas dispensando o valor econômico das coisas trocadas. O valor (importância) atribuído a cada bem era restrito e variava segundo o maior ou menor interesse, necessidade ou desejo do adquirente. Assim que, além da dificuldade de encontrar reciprocidade entre as coisas ofertadas e as procuradas, existia um outro complicador: a falta de sincronia entre os valores pessoalmente atribuídos por cada um dos envolvidos aos bens sujeitos à transação. Essa compreensível dificuldade que, não raramente resultava em impraticabilidade, foi assim exemplificada: O tenente Cameron em sua viagem pela África (1884) narra como se arranjou para obter uma barca: ‘O homem de Said queria ser pago em marfim e eu não o tinha. Dei, então, a Ibn Guerib o eqüivalente em fios de cobre; este me deu em troca pano, que passei a Ibn Selib; este enfim, entregou a importância em marfim ao agente de Said; e eu obtive a barca’.8
No distante tempo da família patriarcal não existiu o comércio, porque o poderoso patriarca reunia em si a distribuição do trabalho e o resultado que ele frutificava, repartindo-os entre os súditos segundo livre e incontestável arbítrio.
No entanto, a forte predominância do regime autoritário, apesar de impedir o surgimento da livre economia de mercado através comércio, mesmo que na sua expressão mais pura, mais elementar, não foi capaz de impedir a presença da troca sob a forma primária do seu com o meu9.
Esse tipo de troca para alguns ainda não expressava o comércio. João Eunápio Borges seguindo esse entendimento explica que nela não se identifica a indústria mercantil, o comércio, como o fazia uma primitiva posição doutrinária, há muito superada e inspirada nas velhas definições de Ulpiano e de Scaccia. Nem se confunde com o transporte, como pretendia Verri10. Comerciar, no sentido econômico – explica Inglêz de Souza – é haver do productor a riqueza por elle destinada ao consumo, para offerecel-a ao consumidor. Assim, a funcção do commercio, economicamente encarado, é a de fazer circular e entregar ao consumo a riqueza produzida; ou, por outras palavras, o commercio toma a seu cargo a phase intermedia do cyclo que a riqueza deve percorrer e em cujos extremos se acham, de um lado, o productor e de outro, o consumidor.11
Pontearam em tais épocas, a pirataria tanto por terra como por mar, os nômades, os antigos mercadores, (mercadejadores), os peregrinos, todos constituindo verdadeiros organismos voltados para as trocas, sendo destacável que escolhiam ou formavam rotas por onde viajavam em caravanas. Se quem tinha necessidade de meios de vida se via na contingência de os buscar onde se achassem, não faltaram os cuja bastança levasse a movimento oposto, de oferecimento do desejado12.
Resultado das expedições organizadas por mercadores, peregrinos e seus auxiliares, foi o surgimento das primeiras sociedades mercantis. De igual sorte, foram responsáveis pelo aparecimento de povoados, vilas e cidades. Os caravaneiros se abasteciam não só de mercadorias e viveres para enfrentar as duras e demoradas e, por vezes, distantes viagens através dos desertos. Levavam guias, escoltas, sacerdotes, juizes e mais uma leva de auxiliares, formando verdadeiras sociedades itinerantes. Igual sorte de viagens praticavam por mar e por rios, oportunizando florescerem em suas margens, prósperas comunidades. Praticaram o comércio às margens do Nilo e do Eufrates e nas costas da Arábia e da Fenícia.
Com a peregrinação comercial surgiu a pirataria. Para uns, verdadeira cumplicidade. Waldemar Ferreira, em obra antes referida transcreve nota de Pierre Benaerts (Pierre Benaerts, Les Hommes, Paris, 1950): ‘nos tempos antigos, a prática da pirataria e do comércio muitas vêzes se associaram, o que explicaria a duplicidade simbólica ligada pela tradição aos deus Mercúrio. Os primeiros comerciantes da Fenícia, da Grécia ou de Creta, reputados navegadores ousados, não foram senão corsários, aventureiros, dedicados à pilhagem em regiões longínquas, pela fôrça ou pela astúcia, de mercadorias que revendiam em seu país natal em condições vantajosas: metais preciosos, gêneros alimentícios e escravos: “Que é mais a Odisséia se não panegírico da glória de pirata feliz que fêz belas prêsas?” (R. Cohen, Clio)’.
A partir da introdução da moeda inaugurou-se nova fase nas relações interpessoais, convertendo-se a troca, em larga escala, em compra e venda. Porém, a troca não desapareceu definitivamente, sendo praticada até hoje.
Modernamente não se admite a existência do COMÉRCIO sem interesse econômico, porém, isso já está noutra fase da história. Além do mais, o propósito sócio-econômico pode estar distanciado do interesse puramente econômico, explicado no interesse pelo lucro.13
A economia social, tal como o direito comercial, são ciências postas a serviço da sociedade e do comércio: fenômeno que os leva a profundo estudo e constante aprimoramento, para que, cada vez mais, melhor atendam às múltiplas exigências que resultam do binômio necessidade social/atividade comercial. A economia social e o direito comercial são instrumentos de que se utiliza o comércio para qualificar-se e disciplinar-se, tendo como objetivo melhor suprir o conjunto multidiversificado de valores humanos.
Por todo exposto, resta claro ser difícil precisar quando surgiu o COMÉRCIO. Todavia, isso não inibe saber quando surgiu o DIREITO COMERCIAL e qual a sua função precípua.
1.2- NOÇÃO HISTÓRICA
Tanto quanto ocorreu em relação ao comércio, há igual dificuldade em precisar quando surgiram as primeiras manifestações legislativas que, depois, resultaram no Direito Comercial. É grande a discordância entre autores, o que dificulta, senão impossibilita saber com exatidão quando surgiram as primeiras manifestações jurídicas de natureza estritamente comercial. A especialização da matéria até chegar ao atual Direito Comercial, adiante se verá, percorreu caminhos difíceis, marcados por disputadas lutas entre juristas em diferentes épocas e, em diversos países.
Apesar dessas dificuldades, é necessário e atrativo enveredar-se pelos caminhos sinuosos da história do direito, vez que é de suma importância conhecer toda a sua estrutura orgânica, cujo início remonta à distantes épocas e diferentes povos. O direito, nunca se teve dúvida, é um produto social e histórico. É clássico e elucidativo o ensinamento de J. X. Carvalho de Mendonça sobre o tema: O direito não se inventa, não nasce do arbítrio, nem surge espontâneamente dos congressos legislativos. Desenvolve-se no terreno social, num ambiente histórico em relação ao grau de civilização, aos usos e costumes, à organização política dos Estados14.
Por isso não é demais reafirmar o que constou em edição anterior desta obra, posto que se mantém intangível: O direito comercial não surgiu pronto, institucionalizado, a partir de determinado momento em que o ordenamento jurídico de certo povo ou certa nação o tenha pretendido ao capricho dos seus interesses. Ao contrário, ele veio se corporificando em respeito às necessidades dos diversos povos e nas diferentes épocas, até que, alcançando um larga gama de normas, tornou-se obrigatória a sua adjetivação, o seu credenciamento, sob pena de que, assim não o fazendo, tornar-se-ia dificultosa ou até impossível a sua aplicação.
É bem possível então que em meio a regras de outros ramos do direito, especialmente, do direito civil, contassem os povos da antigüidade com normas de direito comercial.
Rocco, citado por Walter T. Alvares diz que só na Idade Média é que o direito comercial aparece e se reafirma como direito autônomo15. E, é justamente essa autonomia, essa independência, esse verdadeiro credenciamento que lhe dá o ordenamento jurídico contemporâneo, que vem preocupando tantos quantos pretendem saber sobre as suas origens. Sem que tal se conheça bem a fundo, difícil será mergulhar no estudo particular desse ramo especial do Direito.
Coerente com o acima registado está a unânime informação da História, de que nas mais remotas épocas inexistiram normas de Direito Comercial. Não bastasse o fato do seu aparecimento ter-se condicionado à previa existência da atividade mercantil, as primeiras manifestações jurídicas sobre a matéria mais se aproximavam, ou mesmo se confundiam, com o Direito Administrativo e com o Direito Civil. Com esse último, mais acentuadamente. Só mais tarde o crescente e diversificado número de regras de cunho comercial foi-se corporificando, de tal sorte a exigir a especialização que resultou no atual DIREITO COMERCIAL.
De qualquer forma costuma-se estudar a história do Direito Comercial, dividindo-a em três épocas, a saber: Antigüidade, Idade Média e Tempos Modernos (ou História Contemporânea). Sobre o passado mais distante, quase nada se sabe, tendo levado a maioria dos autores afirmar que em tal época inexistiu direito comercial. A História não registra notas relevantes e com segura confiança sobre a presença de disposições legislativas especiais ao comércio ou aos comerciantes.
1.2.1 – O CÓDIGO DE HAMURABI
Algumas das mais antigas manifestações legislativas, materialmente comprovadas, foram registradas no Código de Hamurabi (a grafia correta é Hammurabi, embora muitos autores usem uma só consoante), do rei Hammurabi, sexto monarca da primeira dinastia da Babilônia, que afirmava tê-lo recebido do deu sol. Foi encontrado em escavações feitas por um grupo de arqueólogos franceses chefiados por Jacques de Morgan, nas ruínas da cidade islamita de Susa (Pérsia), em 1901 (Carvalho de Mendonça diz que as escavações foram feitas entre 1897-1899). Mantido no Museu do Louvre, em Paris, o Código foi gravada num pesado bloco de diorite, uma rocha de 2,25 metros de altura e 1,90 metros de circunferência na base, no século XXIII a.C.16 Monumento e marco de referência histórica do direito de vários dos povos da sua época, até hoje é citado nas principais obras de direito comercial, tanto no Brasil como nos demais países.
A festejada obra histórico-jurídica contém 282 artigos (parágrafos), foi decifrada e traduzida pelo erudito arqueólogo alemão Von Winckler. Tratava especialmente de regras de direito consuetudinário – umas das fontes e pilares do Direito Comercial contemporâneo. Mas, regulava quase que exclusivamente as atividades primárias, principalmente a agricultura e a pecuária: bases da economia daquela época.
De tal sorte que, tanto se preocupou com a agricultura, a pecuária e outras atividades e interesses, mas pouca importância deu ao comércio e nenhuma atenção aos comerciantes. Não deixou de ser um diploma voltado para profissionais, porque continha regras dirigidas aos médicos, pedreiros, oleiros, empreiteiros, alfaiates (definindo-lhes responsabilidades, salários e honorários), sobre a venda de bebidas em tavernas, contratos de depósito de cereais (prevendo responsabilidade para o depositário), de empréstimos (com juros e sem juros), de comissão, de mediação, de representação (exigindo-lhes forma escrita), referências à títulos ao portador, permutas, moeda, arquitetura, etc. Os §§ 101 a 107 que estão legíveis, referem a empréstimo de dinheiro ou gêneros: ao credor denomina damkaru ou damgar; ao devedor, samallo.
Registrou, ainda, normas de direito marítimo, especialmente, sobre a construção de barcos, abalroação e fretamento marítimo, navegação interior, fixação de taxas para arrendamento de barcos, responsabilidade do dono do barco e do barqueiro em caso de perda da própria coisa ou do carga.
Reservou alguns artigos para regular questões sobre imóveis, crimes, adultério, herança, adoção, pátrio-poder e normas processuais. Verdadeiro diploma multidisciplinar.
Apesar de já ser intenso o comércio naquela época, inclusive na Mesopotânia – sede do império assírio-babilônico – (Naum, 3,16, Antigo Testamento disse: os seus negociantes eram em maior número que as estrelas do céu), a maioria dos autores afirma não ter havido destacada preocupação em elaborar regras para disciplinar a atividade comercial. Por isso, só mais adiante é que surgem leis de acentuado interesse jurídico-mercantil. Ademais, a História revela que a edição do Código estava mais voltada para interesses políticos do que jurídicos, servindo de marco de uma fase monárquica regida por Hammurabi. De tal sorte que o direito nele regulado estendeu-se além fronteiras, sendo praticado em toda Ásia menor e até na Síria, para onde era levado pelos mercadores.
De outro modo, parte das inscrições do Código estão ilegíveis, principalmente em torno da estrela de Hammurabi, onde cerca de 35 artigos não foram decifrados, e a total reconstituição ainda não foi possível ser feita. Por esse motivo, alguns afirmam ser impossível assegurar que na Babilônia vigeu o direito comercial, a despeito de contrário entendimento de Eunápio Borges: Os dispositivos do Código de Hammurabi que, sem dúvida, se referem especialmente ao comércio, não podem ser integralmente conhecidos porque o comêço daquela série de normas encontra-se precisamente no lugar em que são ilegíveis.17 Posição radicalmente oposta tomou Octávio Médici referindo ao tema: Nada porém que indicasse atividade comercial propriamente dita.18
Importante que, sobre a legislação na Babilônia a única notícia histórica é a da existência do Código de Hamurabi.
Informações tiradas das partes decifradas indicam ter sido um diploma com regras bastante rígidas, contendo sanções tais, como a da pena de morte. O Prof. Walter T. Álvares da Universidade de Minas Gerais assim explica: …pena de morte para uma acusação falsa de assassinato; se o ladrão não devolvesse ao menos um décimo do que roubou, pena de morte, etc. Sua seqüência de lógica inumana, explana Schreiber, ia a ponto de punir com a morte do filho do construtor se o filho do proprietário da casa tivesse morrido por imperfeição da construção (164) – Schreiber, Der Mensch und seine Recht. 49. Darmstadt, 1945.19
1.2.2 – O COMPORTAMENTO NA GRÉCIA
Na Grécia existiram alguns tipos de contratos mercantis que evoluíram e foram aproveitados pelo Direito Comercial. Estariam aí, segundo historiadores, as primeiras manifestações jurídicas que mais tarde contribuiriam para a disciplinação do Direito Comercial, como um ramo autônomo, especial, direcionado a regular os atos de comércio e dos comerciantes. Fran Martins citando Vicente Agustin Y Gella, explica: Na Grécia começam a aparecer alguns contratos que mais tarde são aceitos no direito comercial, como câmbio marítimo, de que há referência nos discursos de Demóstenes, variando a taxa de 21% a 30%, em caso de feliz arribada dos navios.20
Creditam a Alexandre a surpreendente expansão do comércio na Grécia, tendo como seu esplendor a cidade de Atenas. Preocupado em ver difundido o sentimento helênico por todos os povos do mundo, o notável conquistador estimulou o nascimento da histórica fase helenística. Foi o grande salto desenvolvimentista do povo grego, destacado que foi nas artes, nas ciências, nos novos costumes e no comércio. Voltado para uma política que se expandia através da colonização, firmou bases pela via do Mediterrâneo, a partir do Mar Negro até a Sicília ou à Líbia.. Depois alcançou a Itália, a Espanha, a França e Marselha, a quem se atribui a sua fundação. Fundou colônias em todas as ilhas do Jônio e do Mar Egeu, em Siabaris, Taranto, Chipre, Crotona, Nápoles, Siracusa e Agrigento.
Sobressai-se no regime escolhido pelo soberano a predominância econômica sob forma imperialista. Desponta um capitalismo traduzido na livre troca, tendo por objetivo conquistar vários povos que se viam atraídos pelo novo modelo adotado. Não fortalecem, porém, o espírito de classe, mas crescem em número as sociedade mercantis, quase todas constituídas sob a forma de comandita.
Notadamente em razão de condições naturais, o desenvolvimento mercantil mais se expandiu para os infinitos limites do mar do que em terra. Tornou-se intenso e crescente o intercâmbio marítimo.
Grande incentivador do comércio marítimo, Alexandre foi responsável pelo incremento do intercâmbio internacional, a partir da Grécia. Preocupado em aumentar divisas, editou leis que regulavam e garantiam o florescente comércio internacional. Leis quase sem conteúdo comercial, mais de estímulo ao comércio. Ao invés de regular estritamente atividades comerciais, mais se destinavam a atrair povos alienígenas, oferecendo incentivos a quem participasse do crescente intercâmbio grego.
De outro lado, deram maior importância aos interesse privados do que aos públicos, dirigidos particularmente aos negócios externos, consolidados, acentuadamente, através de um direito consuetudinário não escrito. Vigora o princípio de que o uso se sobrepunha à lei. Apesar da destacada importância dada ao direito privado, se preocupavam com as coisas do Estado, que exercia severa vigilância quanto ao cumprimento das suas leis. Era a predominância política que se fazia presente no seio do Império, cujas bases do crescimento decorriam tanto dos incentivos oferecidos aos mercadores, quanto das suas implacáveis exigências.
Surge a figura do trapezitai ou trapezista (banqueiro), pessoa que recebia depósitos de outros – atividade mais tarde transferida para os templos gregos. Conquistada Alexandria, o embrionário e rudimentar sistema bancário atinge todo o Egito.
Surgem as denominadas leis ródias (lex Rhodia). Em que pese o direito grego não tenha alcançado o esplendor do direito romano, por este também foi aproveitado, não sendo poucos os costumes da Ilha de Rodes – notável centro comercial da época -, adotados em Roma e instituídos por sua rival, Cartago. Sua importância chegou até nossos dias, especialmente na regulação da avaria grossa (art. 764, II, do Código Comercial). Digesto, 14, 2, De lege Rhodia de jactu: “1 – Paulus libro II, Sentetiarum – Lhege Rodhia cavetur, ut, si leviandae navis gratia iactus mercium factus est, omnium contributione sarciatur, quod pro omnibus est”. Isto é, dispõe-se na lei Rhodia que se para aliviar um navio se fêz alijamento de mercadorias, seja ressarcido pela contribuição de todos o dano que em benefício de todos se causou21. Ainda sobre a sua notável influência no direito marítimo, o Digesto registra declaração do imperador Antonino Severo a litigante que pretendia decisão diversa da prevista na lei: ‘rex et dominus mundi sum; lex Rhodia, autem, regina et domina maris est’. – se ele era o rei e senhor do mundo, a lei ródia era a senhora e rainha do mar. – Sou eu o rei e senhor do mundo; mas senhora e rainha do mar é a lei Rhodia22.
A enorme ingerência política nos negócios privados decorria da preocupação do Estado em suprir a falta de iniciativa particular, vez que pairava no meio do povo a descrença na evolução da livre iniciativa. A liberdade em exercer o comércio não era sem ônus, pois continha responsabilidades que passavam a ser exigidas dos comerciantes.
Instituíram o empréstimo a risco (câmbio marítimo), possibilitando obter grandes recursos financeiros com vista ao crescente desenvolvimento que experimentavam. Não existindo mais a função do trapezista, destaca-se como referência histórica o Templo de Delos, que chegou ao seu apogeu como instituição de crédito, ao emprestar fundos para as administrações das cidades. Circulam títulos ao portador e à ordem, facilitando o desempenho das atividades comerciais.
1.2.3 – A IDADE MÉDIA
Com a invasão dos povos bárbaros e a queda do Império Romano, surgem novas formas de regramento jurídico. Inaugura-se novo critério na execução contra devedores. Surge a execução individual, recaindo a obrigação sobre a pessoa ou sobre os bens móveis do devedor. No primeiro caso, quando o executado não tinha bens capazes de responder pela dívida; no segundo, quando era solvente. Os imóveis, em razão do caráter corporativo dado à propriedade imobiliária, ficavam excluídos da execução.
Nessa fase histórica os povos europeus, em especial, já haviam alcançado considerável desenvolvimento comercial e industrial. Surgem as corporações comerciais contribuindo satisfatoriamente para o crescimento da economia – resposta aos anseios de um comércio mais capitalizado e independente. As corporações ou associações eram dirigidas por cônsules, constituídos mandatários, que juravam respeitar os costumes da entidade que chefiavam. Chamadas de Brevi dei Cosuli, essas normas se constituíam num rol de ordens as quais os cônsules deviam obediência.
Cresce o interesse em disputar os louros da economia com outras potências que afrontavam o mercado. De tal sorte que, sem a soma de esforços através de associações não chegariam a resultado vantajoso. Em razão dessa solidariedade calcada no capitalismo surgem novos usos, mais tarde transformados em leis que passaram a ser aplicadas pelas próprias corporações contra os seus concorrentes e contratantes. É nessa fase que desponta o Direito Comercial, como conjunto de regras jurídicas especiais, distintas daquelas previstas no Direito Civil.
Historiadores separaram essa fase em Alta Idade Média e Baixa Idade Média. Tem início a Alta Idade Média no século VII, quando começaram as invasões dos povos bárbaros, resultando na conquista do Mediterrâneo pelos árabes. Estende-se até o século XII, registrando episódios marcados de forma indelével na história universal, particularmente, a opressão sofrida pelo Ocidente, sujeito que se manteve a isolamento e conseqüente fragilidade e divisão da sua força política.
Em tal período tem predominância o regime feudal, caracterizado economicamente pela propriedade fundiária. Somava-se a isso as reduzidas formas de comunicação, e tem-se como resultado a dificuldade de circular a riqueza. Sobressai-se, então, o princípio da autonomia feudal em relação à produção.
Com o advento do século XII nasce novo período – o da Baixa Idade Média. Os árabes são expulsos, abrindo-se as portas do continente para um novo mundo europeu. O comércio e a indústria tomam novos contornos. O tráfego marítimo adquire maior amplitude. Surge novo modelo econômico – o artesanal – e a burguesia se alastra pelas cidades, estimulando o consumo. Com o crescente impulso do comércio marítimo, as cidades localizadas na orla mediterrânea se transformam em ricos centros comerciais. Como conseqüência, os proprietários feudais abandonam suas propriedades, fazem parceria (meação) com os servos, e se transferem para as cidades. Através das Cruzadas, desenvolve-se ainda mais o intercâmbio mercantil, e nas margens das estradas que ligam os diversos centros florescem novas comunidades voltadas para o comércio. Tem destaque como rico centro comercial Lyon, situada à margem da estrada entre o Reno ao Mediterrâneo.
Com o novo sistema nasce um outro instituto jurídico: o seqüestro. Com ele, o devedor que fugia sem cumprir com os seus contratos tinha seus bens móveis seqüestrados para garantir o cumprimento da obrigação. Perdia o devedor, assim, a propriedade e a administração do seu patrimônio. Surge a commenda, embrião da sociedade em conta de participação de nossos dias. Através dela, donos de grandes fortunas praticavam a agiotagem, emprestando somas em dinheiro a risco, a comandantes de embarcações. Apesar da reprovação do clero, vez que o direito canônico não a admitia, o negócio prosperou e se estendeu até o comércio em terra.
O processo de execução coletiva, porém, vigia somente nas cidades do norte da Itália, como Veneza, Gênova, Florença e Milão. Foi nessas cidades que surgiram normas que mais tarde serviram de modelo ao direito falimentar de vários países, inclusive o Brasil. Carvalho de Mendonça citado por Amador Paes de Almeida exalta: “O velho direito italiano constitui o laboratório da falência moderna.”23
O novo instituto passa a ter caráter de direito público. Embora o interesse jurídico fosse o de tutelar direito individual do particular, estava impregnado de caráter público, com a presença marcante do Estado exigindo o cumprimento da obrigação em favor do credor. Waldemar Ferreira, referido por Rubens Sant’Anna melhor explica: “Sobre o conceito e direito privado, estabeleceu-se o direito público. À Justiça cumpria apoderar-se do patrimônio devedor e zelar por sua liquidação e partilha. Não era em virtude de direito próprio dos credores, mas de acordo com a idéia de alta tutela do Estado, que o devedor se desapossava dos seus bens. Não podia ter essa tutela outro fim se não o de atender aos credores; mas essa finalidade não afastava o caráter público do instituto”.24
A figura do magistrado tem nova feição, sendo exigida a sua presença no ato de entrega dos bens. Surge a penhora gravando o patrimônio devedor em garantia do credor. Para requerer declaração de insolvência do devedor, o credor tinha que previamente provar sua qualidade. Só depois de atendida a exigência, o devedor era intimado a comparecer a juízo, sujeitando-se ao seqüestro do seu patrimônio, se fosse revel. Atendendo ao chamado judicial e confessando a insolvência, o devedor podia optar pelo benefício da cessio bonorum, ou pelo seqüestro de todo seu patrimônio. Podia ainda oferecer defesa negando a insolvência e, conseqüentemente, provada a solvência era compelido a pagar o credor.
Instituíram o princípio da proporcionalidade no rateio aos credores. Ao curator atribuíram a realização do ativo em dinheiro, mediante venda do patrimônio. Surge o princípio da retroatividade, prevendo a nulidade de atos fraudulentos praticados pelo devedor antes da data da declaração de insolvência. Reunidos em assembléia os credores escolhiam o síndico por maioria devotos, podendo ser indicado para o cargo, credor ou pessoa estranha ao feito.
O rigor exigido sobre a autenticidade dos créditos, podia levar o credor a confirmar a sua validade, sob juramento. Provado inautêntico o crédito, ao credor era imputada pena de recolher certa quantia que destinavam à comunidade. Se habilitasse valor superior ao devido, sofria pena de perder o direito sobre o respectivo crédito.
Com toda evidência o direito falencial italiano foi mais pujante que o francês, servido-lhe de referência. Amador P. de Almeida, sentencia: a Ordenação de 1675, em França, já dispunha sobre a falência.25 Walter Álvares: das cidades italianas, o instituto passou à França e já a Ordenação de 1663 dispunha sobre a matéria da falência e bancarrota.26 Sampaio de Lacerda: Os princípios do direito estatutário italiano penetraram facilmente em França, principalmente em Leão (regto. De 1667) e Champagne, cidades que mantinham intenso comércio com as cidades italianas.27 Rubens Sant’Anna: o direito estatutário influenciou o francês, especialmente a Ordenação de 1673, que disciplinava as falências e bancarrotas.28 Em que pese divergirem sobre o ano em que se deu a Ordenação Francesa, há unanimidade entre os autores quanto à penetração do direito estatutário italiano no sistema jurídico francês.
Sob a influência de Gobert, Ministro das Finanças de Luiz XIV, surgiu a primeira das ordenações em março de 1673. Continha 122 artigos distribuídos em 12 títulos regulando matéria sobre agentes de bancos, negociantes, sociedades, notas promissórias, letras de câmbio, juros comerciais moratórios, preclusão, falências, bancarrotas e outras matérias. Conhecida como Código de Savary, numa homenagem ao trabalho de um comerciante de mesmo nome vigeu por mais de um século. São criadas as lettres de répit, concedendo moratória vinculada ao instituto da preclusão na execução. Segundo Provincialli, esse é o ponto de origem da moderna concordata.
Ainda em França, criam ordenações distintas para negócios em terra e para o comércio marítimo. Surgem a Ordennance sur le commerce de terre, em 1673 e a Ordennance sur le commerce de mer, em 1681, consideradas por Hernani Estrella, marcos legislativos do direito mercantil.29 (Carvalho de Mendonça, Tratado, pg. 60, grafou Ordonnance, como adiante será observado, quando estudado o título: O CÓDIGO NAPOLEÔNICO). Darcy Arruda Miranda Júnior referindo às Ordenações assim exalta-as: As Ordenações ou Éditos de Luis XIV são verdadeiras codificações, pois contêm uma regulamentação mais ou menos extensa e sistematizada do direito comercial, e foram, pode-se dizer, conseqüência do grande impulso dado ao comércio, pela indústria e pela técnica, que encontravam insuficiente apoio no direito costumeiro ou escrito de então, determinando o surgimento das primeiras ordenações, assim chamadas por serem o resultado de uma ordem real.30
Em 1660, acompanhando o momento histórico, a Espanha publica sua primeira obra sobre matéria concursal.
1.2.4 – A CONTRIBUIÇÃO DOS ROMANOS
Para a maioria dos autores o direito comercial teve origem em Roma. Berço de institutos jurídicos aproveitados por vários povos, em todos os tempos, o direito romano foi responsável, também, pela formação de boa parte do direito comercial. Presente nas diversas áreas em que se ramifica o Direito, foi modelo e exemplo de cultura, tanto para povos antigos quanto para nações modernas. Banido há muito do cenário mundial, o histórico Império Romano continua presente através das instituições jurídicas que legou a tantos. Isso, pois, justifica o seu permanente estudo. Lendária em suas origens, Roma deixou contribuições jurídicas que até hoje são aproveitadas, algumas absolutamente intocáveis. No dizer de José Carlos Moreira Alves, é o conjunto de normas que regeram a sociedade romana desde as origens (segundo a tradição, Roma foi fundada em 754 a. C.) até o ano 565 d. C., quando ocorreu a morte do Imperador Justiniano.31
Guilherme Haddad citando Ihering (Geist des ronischen Rechts, vl. I, pgs. 8 e 9) melhor explica: ‘a importância do Direito Romano não consiste em ter sido por algum tempo a fonte ou origem do Direito. Esse valor foi passageiro. Sua autoridade reside na profunda revolução interna, na transformação completa que há feito experimentar todo nosso pensamento jurídico e em ver chegado a ser como o Cristianismo, um elemento da civilização moderna.’32 Com acerto, o Direito Romano foi valioso para o regramento social de vários povos, em todas épocas, não havendo erro ao comparar a sua influência sobre as civilizações modernas, como o foi o Cristianismo. Em razão de desenvolver economia assemelhada à dos gregos, destes, por muito tempo sofreu influência não apenas filosófica, mas também jurídica. Só após transformada em implacável poderio mundial, Roma construiu instituições sociais, econômicas e políticas próprias, diferentes das modeladas na Grécia.
Apesar de guerreiros se preocuparam com o comércio, mas só raramente o exerciam pessoalmente. Em Roma o comércio era praticado por escravos e estrangeiros (cerca de noventa mil, só em Roma), transformados em pequenos comerciantes e artejanos. Orgulhosos de sua nobreza, de suas conquistas, os romanos consideravam o comércio atividade desprezível. Mas, existia um comércio interno, exercido pelos filhos-famílias e mulheres. Estes, mesmo com o advento do jus gentium tinham suas atividades reguladas pelo jus civile que tratava, inclusive, sobre a capacidade do menor para exercer o comércio.
Criaram, pois, o jus gentium, instituto dirigido aos comerciantes e aplicado pelo praetor peregrinus – figura de destaque na sociedade romana, à época em que vigeu o denominado Direito pretoriano ou honorário. Tal a sua importância, além de poderes judicantes, exercia competência quase que legislativa. Separaram-no, assim, do jus civile, destinado a regular as relações jurídicas entre os cidadãos romanos. Apesar disso, não há notícia de que o direito comercial fora autônomo, independente do direito civil. Com referência à autonomia, explica Carvalho de Mendonça: Dessarte, nos justos conceitos de Levin Goldschmidt, Direito Comercial, em sentido próprio, como ramo distinto do Direito, quanto se saiba, não se depara nos povos orientais, mas, em germe, se bem que parte considerável do Direito clássico e também do germânico, surgido com as cidades, tenha tipo eminentemente comercial, criado essencialmente pelas necessidades do tráfico mercantil, como espécie do grande comércio internacional ou interno. A separação mais ou menos nítida, realizada entre os povos dos nossos dias, embora e diversa amplitude e variada forma, é obra do medievo italiano e das codificações modernas 1. (Levin Goldschimidt, Storia Universale del Diritto Commerciale, trad. Pouchain & Scialoja, Turim, 1913, pág. 33).33
Por se tratar de povo que mais se dedicou à agricultura, à pecuária, aos serviços públicos e à guerra – os romanos foram grandes conquistadores -, poucas foram as normas jurídicas de caráter mercantil. Possivelmente, porque os cidadãos romanos não praticaram o comércio, deixando-o para os estrangeiros e escravos. Exerciam-no, estrangeiros e escravos, como por delegação, para suprir as necessidades do provo romano. Nas questões comerciais, o pater familias se fazia representar por um de seus escravos ou filhos, os alinei iuris. Não raro, dessa representação resultavam abusos. Em razão de que os alieni iuris eram incapazes de se obrigar mas capazes para adquirir, na maioria das vezes os negócios que intermediavam resultavam em proveito exclusivo do pater familias.
O cumprimento da obrigação, no início, recaia sobre a pessoa do devedor, ao invés de onerar o seu patrimônio. Era o princípio da manus iniecto, uma das cinco ações da lei. Todavia, não podia exigir mais do que o sacrifício pessoal do devedor caso este não pudesse satisfazer pessoalmente a obrigação. Se o devedor não tivesse recursos patrimoniais para liquidar a dívida, antes de iniciada a execução devia apresentar-se voluntariamente para servir de escravo ao seu credor, pagando a dívida com o seu trabalho. Podia, inclusive, ser literalmente esquartejado e entregue ao lesado, através do mancipium ou do nexum. Essas e algumas outras formas que adiante serão referidas, parecem ter sido as mais cruéis dentre as previstas no ordenamento jurídico romano.
Deram velada importância ao rigor processual. As primeiras normas processuais civis eram reguladas na legis actiones, que se constituía no emprego de palavras e gestos rigorsamente manifestados segundo a Lei das XII Tábuas. A pretensão do litigante só era atendida se cumprisse rigosamente o previsto na legis actiones. O emprego indevido de um só gesto ou palavra resultava a perda da ação. Também, o maginus iniecto, que previa a presença do acusado na frente do magistrado, a fim de que confessasse a dívida e prometesse liquidá-la dentro de trinta dias. Cumprida a obrigação no prazo previsto, extingüia-se o processo; em caso contrário, era reconduzido à presença do juiz. Em tal situação, podia ser salvo pelo vindex – pessoa que se declarava solidário passivo da obrigação e, assumindo o compromisso de resgatá-la, impedia o seguimento da execução. Não surgindo o vindex, o devedor era amarrado e entregue ao credor que o levava consigo, prendendo-o por sessenta dias – forma de adjudicação, segundo Sampaio de Lacerda.34 Durante a vigência da adjudicação jure, as partes podiam acordar outra forma de liquidação da dívida. Vencido o prazo legal sem acordo, o devedor era exibido em feira e, se ninguém o adquirisse e liquidasse a obrigação, era condenado a morte. Havendo mais de um credor com direito sobre o devedor comum, partes do seu corpo eram divididas entre os diversos credores. Isso registra o surgimento de uma das primeiras formas concursais – verdadeiro juízo universal, prevendo o rateio entre credores. A divisão, porém, não era proporcional nem igual aos créditos, não havendo critério sobre que pedaço do corpo teria direito cada credor. Para assegurar garantia aos credores, se valiam do princípio do ut opinio mea est (reconhecimento de uns sobre outros credores).
Surge, depois, nova forma. Da repulsiva e selvagem execução pessoal, graças ao novo direito pretoriano passaram à execução patrimonial. Instituíram a lex poetilia, seguida pela actio pignoris capio, e pela bonorum sectio. A actio pignoris capio tratava da execução dos que faltassem às obrigações assumidas perante a ordem militar; a bonorum sectio, era instrumento para coagir devedores do tesouro público; a actio institoria (institoria actione, Digesto: 14.3), medida intentada contra o proprietário de estabelecimento público, por atos praticados por seus prepostos, os alieni iuris, a actio exhibendi; a quanti minoris; a rhebiditoria, a actio pauliana; a literarum obligatio. A afinidade entre essas leis era o caráter público que as envolvia.
Nova evolução experimenta o Direito Romano com a introdução do nexum, tipo de contrato mediante o qual o devedor se obrigava a prestar serviços ao credor, caso não pudesse saldar a dívida. Apesar das rigorosas e desumanas formas de execução os romanos bastante praticaram o crédito.
O moeda romana, tal a expressão internacional do Império, circulou por todos os países da bacia do Mediterrâneo, transformando-o numa sociedade capitalista. Fruto das conquistas, o Estado estocava-se de metais, especialmente ouro e prata subtraídos dos povos vencidos. Estes, não bastando terem que entregar as suas riquezas, ainda eram taxados com pesados tributos que recolhiam ao erário romano. Os latifúndios absorviam as pequenas propriedades rurais que, pouco a pouco desapareciam, para dar lugar ao aumento das glebas dos ricos senhores feudais. O comércio bancário acompanhando a mesma pujança aperfeiçoou o crédito. Em meio a tal apojeu, a vaidade cedeu vez ao luxo, só usufruído pelas classes dominantes. Dividiu-se assim a sociedade romana em duas classes sociais: a aristocracia e a plebe.
Com Rutilio Ruffo, pretor de Roma, é acrescentado ao processo romano a figura da bonorum vindito, que consistia em autorização do magistrado para transferir os bens do devedor para as mãos do seu credor. Todavia, a administração do patrimônio transferido era feita pelo curador, que se investia no cargo por nomeação judicial. Após nomeado o curador, ao demandado cabia dar publicidade do ato através do libellis, a fim de que eventuais outros credores que concorressem ao patrimônio do devedor comum, se habilitassem no prazo de 30 dias. Vencido o prazo, o curador promovia a venda do patrimônio e procedia ao pagamento dos credores, por rateio proporcional a cada crédito habilitado. O curador uma vez investido na administração do patrimônio, tinha foros de gerência, cumprindo-lhe zelar e conservar os bens, e prestar contas do atos praticados – assemelhando-se com o que hoje ocorre com o síndico da massa falida.
Apesar do comércio consistir em atividade inferior, só raramente praticada por cidadãos romanos, uma das condições para o plebeu obter cidadania era ter concessão para o exercício do commercium.
A queda do Império Romano levou toda Europa a viver clima de insegurança. Faltava à Coroa confiança e força política para garantir a paz dentro do seu território. De outro modo, simultaneamente desenvolvia-se o comércio marítimo entre povos estrangeiros. Despreparados, sem uma legislação comercial atuante e com condições efetivas de regular as relações mercantis, os romanos foram supreendidos com a nova ordem internacional, impotentes que estavam para enfrentar os desafios exigidos pelo comércio praticado além dos seus muros. Com bastante atraso e pouco experiência, lançaram-se a editar novas leis mercantis. Surgem o actio exercitoria (executoria actione, Digesto: 14.1), mandando o armador responder pelos atos praticados pelo seu preposto, o magister; o receptum nautarum (nautae, caupone, stabularii ut recepta restituant, Digesto: 4.9), garantindo ao dono da mercadoria exigir do armador perdas e danos pela carga perdida ou danificada (culpae scilicet suae si tales adhibuit), fundado no princípio da culpa in eligendo em relação aos seus empregados; o alijamento (lege Rhodia de iactu, Digesto: 14.2) regulando o rateio da indenização da carga alijada entre os proprietários da remanescente.; o foenus mauticum (nautico foenore, Digesto: 22.2), originário da Fenícia e também usado na Grécia, prevendo o contrato de dinheiro a risco e o câmbio marítimo, que em França diziam prêt maritime ou prêt à la grosse aventure; etc.
Fruto do enfraquecimento da autoridade e da incompetência para atender à crescente demanda criada pelas relações comerciais, começaram a surgir ligas, irmandades e associações de classe: confrarias religiosas, comunas, corporações de artes e ofícios, associações comerciais, todas em defesa da celeridade e desenvolvimento das atividades mercantis, e da liberdade individual sem intromissão do Estado. Uniram-se mercantes, industriais, artesãos, banqueiros e tantos outros, especialmente em Florença, Gênova, Pisa, Veneza, Pésaro, formando cada qual suas entidades corporativas (as corporações ou mercancias), cujo objetivo era poder desempenhar livremente suas profissões. Rigorosas em seus princípios e disciplinas, essas entidades regulavam seus próprios interesses e os dos seus associados, fossem eles jurídicos, econômicos ou políticos, transferindo para dentro de cada agremiação poder até então exclusivo do Estado. Dirigindo feiras, mercados e governando algumas cidades, davam proteção aos associados, a quem prestavam, inclusive, assistência religiosa e caritativa.
Reunindo profissionais de igual ou semelhante ofício, essas agremiações também os faziam reféns dos seus interesses, de tal sorte que tudo resultava em mera substituição da ingerência estatal pela intervenção de órgãos privados. A nova ordem, porém, não era ditada por normas expressas, mas, através de normas consuetudinárias, internas e não escritas. Surge o jus mercati, destinado a disciplinar feiras e mercados. Só mais tarde surgem os Estatutos formalizando essas normas costumeiras: o Constitutum Usum, os Breviae Curiae Maris, o Consulato del Mare ou Consolato Del Mare (Espécie de justiça consular, de autoria desconhecida, contendo 334 capítulos. Era exercida por juizes comerciais, em Pisa, mas aproveitada em todo o Mediterrâneo até o século XVIII. Os consules mercatorum (cônsules dos comerciantes) eram eleitos por assembléias de comerciantes, e reuniam funções executivas, políticas e judiciais, proferindo decisões sumárias: sine strepitu et figura judicii. Na Espanha vigeu até o ano de 1265, quando foi editada a Lei das Sete Partidas, de Afonso X); os Estatutos de Urbino, de Pésaro, de Amalfi (a Tabua Analfitana, de 1131); o Capitulare Nauticum (em Veneza); o Regulamento Florentino; as Ordenanças de Trani.
Outros institutos ainda surgiram em Roma, notadamente o Tractatus de Commerciis et Cambio editado por Sigismondo Sccacia35, em 1618, atribuído por alguns autores como manifestação de direito comercial autônomo, já separado do direito civil. De toda sorte, a pouca importância atribuída por Roma ao direito comercial, e a falta de interesse em separá-lo do direito civil é definida por João Eunápio Borges, ao citar Huvelin, nos seguintes termos: O direito romano clássico não conheceu um direito comercial diferente do direito civil. Jamais cuidaram os jurisconsultos romanos de separar doutrinàriamente o direito comercial do civil. Falta-lhes até uma palavra técnica para designar o comércio, sendo que ‘negotiatio’ é empregada para caracterizar o grande comércio, exclusivamente, ou então um operação isolada, e ‘mercatura’, no sentido compreende ùnicamente o comércio de mercadorias, no sentido restrito desta palavra.36 Huvelin, ob. cit. Pág. 7737. Mesmo assim, o mesmo autor pátrio, adiante ensina: Apesar disso não tem razão Ripert quando afirma nada dever o direito comercial ao direito romano, além de algumas regras gerais de técnica (19) Ripert, ob. cit., pág. 27. Ao contrário, como salienta Rocco, é enorme a importância do direito romano na história do direito comercial…(20) Rocco, ob. Cit., pág. 7. Mostra ainda Huvelin que os caracteres do direito comercial moderno – presunção de solidariedade, onerosidade, materialização das obrigações, simplificação do processo, redução do formalismo – encontram-se, embora em embrião e imperfeitamente, no direito comercial romano (ob. cit. Pág. 84).38
1.2.5 – O CÓDIGO NAPOLEÔNICO
Com a supressão das corporações les jurandes et les maîtrises em junho de 1791, em decorrência da lei Le Chapelier, somado aos movimentos que resultaram na liberdade para o trabalho, surge a necessidade da França proceder à reforma na legislação comercial.
Tomando frente nas discussões do Conselho de Estado, Napoleão teve papel destacado ou decisivo quando era proposta edição do Código Comercial francês. Costuma-se atribui-lhe responsabilidade pela parte do código que regula o instituto da falência, sendo conhecida a polêmica travada com Séguir, um dos conselheiros do Estado francês.
Séguir, querendo atenuar a rigidez imputada pela lei ao falido, tentava desfigurar a responsabilidade que recaia sobre a pessoa do devedor, sustentando que o insucesso dos comerciantes, maioria das vezes resultava de natureza fortuita. Defendia que o comércio, sujeito a fatores estranhos ao seu interesse, via-se não raro na dependência de acontecimentos políticos, como a guerra, a paz, e outros tantos, capazes de proporcionar bruscas, imprevisíveis e, porque não, por vezes insuperáveis mudanças nos negócios comerciais. De tal sorte que sustentava não ser justo imputar do falido caráter tão nefasto. Sampaio de Lacerda assim explicou essa celebre discussão: Convém evitar, dizia Séguir, em considerar o falido sempre como um desafortunado ou, então, como um malfeitor. Freqüentemente a falência é um naufrágio, culpa exclusiva do destino. O comércio tem suas tempestades como o oceano. Os acontecimentos do mundo, as desordens políticas, a guerra, a paz, a carestia da vida, a própria abundância provocam alterações imprevistas que se refletem rápido no comércio, burlando as mais certas das combinações. É freqüente um comerciante, enganado em sua confiança e agravado pela falência de outros comerciantes, achar-se constrangido a deixar de cumprir suas obrigações. Ao que Napoleão refutava: Não compreendo distinção entre falidos. Quem mata um homem ainda que acidentalmente, por exemplo, numa caçada, é detido como acusado de um crime; depois é que se examina se ele é culpado ou inocente. Atualmente a severidade é uma necessidade. A falência serve para citar uma fortuna, sem fazer perda de honra. Isto é, é preciso impedir que o falido ostente ares de triunfo ou de indiferença, que ele se apresente, pelo menos em público, com aspecto abatido de um home que foi vítima da desventura. A detenção do falido produzirá efeitos de correção.39
Deve-se, pois, à França a edição do primeiro código comercial, promulgado pelo Imperador Napoleão Bonaparte em 15 de setembro de 1807, mas com vigência a partir de 01 de janeiro de 1808. A comissão designada para elaborá-lo foi constituída em 03 de abril de 1801, sendo consumidos mais de seis anos de estudos e discussões até a conclusão dos trabalhos. Carvalho de Mendonça diz que com a edição do diploma francês, abriu-se a fase mais poderosa da atividade legislativa do século XIX. Reitera o tratadista pátrio, que foi em França que pela primeira vez o direito comercial teve a sua codificação. Antes disso, ocorreram meras tentativas de compilar regras relativas às relações mercantis, inclusive as marítimas. Mas foi o código napoleônico deu nova forma ao que já existia, ainda que mantendo os elementos tradicionais.40
O primeiro projeto submetido à apreciação dos tribunais, dentre estes o do Comércio e Justiça, não obteve aprovação total. Feitas as emendas propostas, o segundo projeto, por determinação de Napoleão que na época retornava da campanha na Itália, foi discutido pelo Conselho de Estado durante mais de nove meses (de 04.11.1806 a 29.08.1807), tempo em que realizou cerca de sessenta reuniões. Resultaram-lhe cinco leis distintas41. Sobre o trabalho, Rubens Requião diz que autores, dentre eles Escarra, observam que o Código considera empresa a repetição de atos de comércio em cadeia42. Não é outro, pois, o conceito previsto no art. 673 do diploma.
Comparado com as Ordenanças de Comércio terrestre (Ordonnance sur le commerce de terre), de 1673, e com as Ordenanças do Comércio marítimo (Ordonnance sur le commerce de mer), de 1681, o Código não registrou grandes diferenças43. Ainda que possa ter sofrido a influência do desenvolvimento mercantil da época em que foi elaborado, poucas foram as alterações de relevo. Contribuiu, porém, sobremodo, para a elaboração das leis comerciais da maioria dos povos latinos, dentre outras, às legislações de São Domingos e Costa Rica, ambos de 1850; de Toscara de 1808; de Nápoles de 1809; o Código Comercial espanhol de 1829; o de Portugal de 1833; do Haiti, de 1820; da Bélgica; do México, de 1854; do Brasil (Lei N. 556, de 25 de junho de 1850) que se baseou não só no francês, mas, também, no espanhol e no português. Em razão das conquistas de Napoleão Bonaparte, o novo diploma expandiu-se, ainda, praticamente, por quase todas as nações européias, destacadamente, em toda a Península italiana, com algumas modificações.
Marcante caráter objetivo disciplinou a matéria comercial prevista no novo diploma. Dando autonomia ao ato de comércio, desvincula-o da pessoa do comerciante, de modo que não reconhecia como comercial o ato, apenas porque fosse praticado por comerciante. Ao contrário, reconhecia como comerciante quem profissionalmente exercesse atos de comércio. Centrou, assim, no ato, não na pessoa, o caráter da atividade comercial. Sistema, aliás, dentre outros, adotada no direito comercial contemporâneo.44 Ampliou o campo de atuação do direito mercantil, e dotou-o de meios capazes de corresponder às exigências da dinâmica dos negócios comerciais. Simplificou o sistema de produção de provas e imprimiu celeridade processual, de modo a agilizar as decisões judiciais. Tem-se para alguns, que esse é o marco inicial da autonomia científica do direito comercial.
Composto inicialmente de 648 artigos, do diploma original restaram somente 40 artigos, dentro sofrido enorme reforma em 1838, a parte que trata das falências. Diferentemente do que prevê o código alemão, em França como aqui, a falência é restrita aos comerciantes.
Apesar da queda de Napoleão, a influência do Código manteve-se vigorosa, modelando a legislação comercial de vários povos, exemplificativamente: o da Sardenha, chamado Código Albertino em homenagem ao rei Carlos Alberto que o promulgou em 1842; o das Duas Sicílias, intitulado LEGGI DI ECCEZIONE PER GLI AFFARI DEL COMMERCIO, em 1819; o dos Estados Pontifícios, em 1842, sob o título de REGOLAMENTO PROVISORIO DI COMMERCIO. Ainda teve aplicação no Grão-ducado da Toscana, nos ducados de Placênia e Parma, na Lombardia, em Gênova, etc.
1.2.6 – O DIREITO COMERCIAL EM PORTUGAL
Não são muitas as notícias históricas do Direito Comercial português reveladas pela doutrina brasileira. Autores pátrios pouco têm discorrido acerca da História e do desenvolvimento do direito comercial em Portugal. Ademais, as escassas informações têm-se concentrado quase que no direito falimentar, relegando a notório abandonado o resto da matéria comercial.
Portugal, todavia, foi grande centro comercial, especialmente durante a denominada Era Manuelina, no século XVI. Lisboa, chamada por Júlio Dantas de Metrópole Comercial do Mundo era a grande cidade náutica e comecial.45
Tem início a presença do direito comercial em Portugal com as Ordenações Afonsinas (Código Afonsino para alguns), em 1446, assim denominadas em homenagem ao rei Dom Afonso V., e aplicadas no Brasil a partir do Descobrimento. Com notável influência romana, dentre outras a do instituto da cession bonorum e do direito estatutário italiano, continham também os princípios do Corpus Juris mais os das Decretais, do Papa Gregórico IX. De múltipla abrangência, incluía normas sobre direito civil, fiscal, administrativo, criminal, comercial, e, supletivamente, de direito canônico, particularmente quando a matéria regulada se tratasse de pecado. Vigeram as Ordenações Afonsinas até 1513, quando o rei Dom Manuel mandou substituí-las pelas Ordenações Manuelinas, também conhecidas por Código Manuelino, editadas em 1514.
Apesar de pouco alterarem a legislação anteriormente adotada, as Ordenações Manuelinas, ainda sofrendo influência do direito romano, imprimiram em suas normas um caráter mais rígido. Vigeram até 1569, ao serem substituídas por uma compilação de leis mandada fazer pelo cardeal Dom Henrique, durante o reinado de Dom Sebastião. De efêmera duração, em face de que Portugal aderiu ao Concílio de Trento, a compilação foi preterida por outro conjunto de leis que fortaleciam sobremodo o direito canônico. Perdia importância, assim, a influência romana que havia orientado do direito comercial português desde a implantação das Ordenações Afonsinas.
Em meados de março de 1597 foi promulgada a primeira lei relativa a direito comercial, cuja finalidade era fortalecer o crédito com a introdução de matéria sobre a quebra de comerciantes. Dessa forma, o soberano promovia forma de fortalecer e estimular as operações creditícias, até então, carentes das garantias indispensáveis aos seu desenvolvimento em Portugal.
Com a morte de Dom Seabastião, ascende ao trono português Dom Filipe II, da Espanha que, em 1598 foi substituído pelo seu filho Dom Filipe III. Querendo o retorno da influência romana na legislação portuguesa, em 1603 entram em vigor as Ordenações Filipinas, mandadas organizar ainda no reinado do Filipe II. Continham cinco livros disciplinando as seguintes matérias: no primeiro, sobre os regimentos dos oficiais de justiça e dos magistrados; no segundo, sobre as relações entre o Estado e a Igreja; no terceiro, contendo matéria processual civil e comercial; no quatro, sobre o direito das pessoas e das coisas; no quinto, sobre matéria penal. Devolviam as Ordenações Filipinas, a força quase absoluta que a Coroa vinha perdendo para a Igreja, especialmente durante o reinado de Dom Sebastião.
Em 13 de novembro de 1756 é editado alvará disciplinando as falências, contendo no seu texto a expressão até hoje usada. Criando a função de Governador-Geral da Junta de Comércio, com atribuição de julgar processos relativos à falência, o diploma é reconhecido como o mandamento básico do direito falimentar português. Em face do domínio da Coroa portuguesa, o alvará foi aplicado no Brasil durante o período colonial. O Tratado de Cayru,46 publicado entre 1798 e 1804, diz que instituía um processo específico para regular as causas comerciais, criando um juízo comercial, com uma ordem processual à época desconhecida. A ação iniciava com o pedido e falência, tomando impulso através dos seguintes procedimentos judiciais: apresentação do inventário patrimonial do devedor; depósito dos bens relacionados no inventário; publicidade do pedido de falência; abertura de sindicâncias; habilitações de créditos; julgamento do processo; liquidação do ativo da massa; rateio entre os credores habilitados, dos valores apurados na liquidação; extinção das obrigações do devedor. Previa, ainda, a ressurreição civil, concedendo ao falido direito de retornar ao exercício do comércio, após declaradas extintas as obrigações. De nota, o motivo ainda desconhecido de denominar de ressurreição civil, em época em que diferenciavam o processo civil e do comercial.
Eram causas para fundamentar o pedido de falência:
a) a impontualidade, representada pela falta de pagamento da obrigação na data marcada para o vencimento;
b) o ponto, definido pela absoluta falta de pagamento dos compromissos assumidos pelo devedor;
c) a quebra, entendida pela comprovada impossibilidade do devedor liquidar os seus compromissos;
d) a bancarrota, caracterizada pela quebra fraudulenta, situação que condenava os devedores criminosos a pena de serem declarados públicos ladrões.
Regeu também o direito comercial português a conhecida Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769, em face da qual ficavam sujeitas à legislação portuguesa, em matéria comercial, as leis adotadas nas nações cristãs iluminadas e polidas que com elas estavam resplandecendo na boa, depurada e sã jurisprudência.
Ainda por determinação de Dom Filipe II, foi criada a inducia moratória, o chamado armistício da mora, a trégua na mora, concedida diretamente pelo soberano aos comerciantes. Instituiu, ainda, a inducia creditória , que se assemelhava a atual concordata. Forma mais amena do que a da falência, como hoje ainda ocorre.
Sob impulso da Revolução de 1789, em França cresce a inspiração fundada nos ideais de Napoleão Bonaparte, de cuja pretensão resulta a edição do Code de Commerce de 1807, sobre o qual há boa referência neste livro sob o título 1.2.5 – O CÓDIGO NAPOLEÔNICO. Como já foi dito, o precedente francês incentivou outras nações que, imitando o avanço galicista foram construindo seus códigos de comércio. É dessa época e por tal pressuposto que Portugal promulgou o seu primeiro Código Comercial em 18 de setembro de 1833, de autoria de José Pereira Borges. Em que pese se afastasse um pouco dos princípios estatuídos no código francês, o diploma português dele sofreu inegável influência, como do espanhol e de outros. Adiante, sofreu reforma, especialmente na parte que disciplinou os cheques, em 1827. Em 01 de janeiro de 1889 novo código foi editado em Portugal.
Com o passar do tempo o novo diploma foi-se ampliando e atualizando, introduzindo reformas como a que disciplina as sociedades anônimas, em 1896; as falências, em 1899; as sociedades por cotas de responsabilidade limitada, em 1901.47
1.2.7 – RESENHA DA HISTÓRIA BRASILEIRA
A especulação mercantil da produção nativa local, antecedeu à atividade comercial brasileira. Mesmo antes de iniciada a atividade comercial no Brasil, o seu patrimônio nativo já era vendido em Portugal e, através dos portugueses, noutros países da Europa. António Baião melhor demonstra na volumosa obra História da Colonização Portuguesa no Brasil.48
O pau brasil e outros produtos nativos que podiam ter servido de pórtico para as nossas divisas, sofriam fundas restrições em relação aos brasileiros. Ainda durante o período das capitanias severas penas eram previstas para quem o traficasse. Paulo Merêa assim mostrou na obra acima referida: A coroa reservava para si o monopólio do pau brasil. O capitão e moradores podia, aproveitar-se dêle na medida do necessário, mas não traficar com êle sob pêna de severas sanções. Reservava-se igualmente a coroa o exclusivo das especiarias e drogas, bem como dos escravos. Àlém disso, pertencia-lhe o quinto dos metais e pedras preciosas. Finalmente, na qualidade de grão-mestre da Ordem de Cristo, ao rei devia também ser pago o dízimo de todos os produtos da terra.49
O Professor Hélio Vianna fala em ocorrências anteriores à essa época: Assim, já da viagem de Vicente Yañez Pinzón, que em princípios de 1500 atingiu a costa Nordeste de nosso país, consta o carregamento de 350 quintais de pau-brasil. E, de acôrdo com Gaspar Correia, nas ‘Lendas da Índia”, a própria nau da frota de Pedro Álvares Cabral que regressou de Vera Cruz para comunicar a notícia do descobrimento do Brasil, também daqui levou uma primeira partida de pau-brasil. Restringe, porém, o valor desta informação, o silêncio a respeito mantido pelo meticuloso Pêro Vaz de Caminha, em sua carta ao Rei D. Manuel I.
Se não data da primeira expedição portuguêsa ao Brasil a notícia da existência, aqui, da valiosa madeira, procede, entretanto, da segunda, essa divulgação. É o que consta das discutidas cartas de Américo Vespúcio, relativas à viagem de exploração de 1501/1502.50
Diversos autores costumam dividir a História do direito comercial brasileiro em três grandes fases ou períodos:
a) do Brasil colonial;
b) do Brasil imperial;
c) do Brasil republicano.
A fase do Brasil colonial identificada pelo período que vai do Descobrimento até a Proclamação da Independência, em 1822. Segue-lhe a fase do Brasil imperial, que inicia a partir dessa marca histórica e vai até a Proclamação da República, em 1889. É de tal época a Lei Nº 3.150, de 04 de outubro de 1882, regulamentada pelo Decreto Nº 8.821, do mesmo ano, que desvinculou as sociedades anônimas do Código Comercial, e fixou, pela primeira vez, o número mínimo de sete sócios para a constituição do tipo social – hoje restrito a dois sócios. Também, introduziu no direito brasileiro a emissão de debêntures. Ab-rogada pelo Decreto Nº 164, de 17 de janeiro de 1890, a matéria prevista na Lei Nº 3.150/1.882 passou ser regulada pelo Decreto Nº 434, de 04 de julho de 1891 e, posteriormente, revogada a matéria pelo Decreto-lei Nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, que dispõe sobre as sociedades por ações ou companhias que dependem de autorização governamental, nacionais e estrangeiras. O Decreto Nº 858, de 10 de novembro de 1851, regulando os Agentes de Leilões ou leiloeiros para a praça do Rio de Janeiro, estendidas as suas disposições à Bahia, através do Decreto Nº 915, de 24 de fevereiro de 1852; para Pernambuco, pelo Decreto Nº 939, de 20 de março de 1852; para o Maranhão, através do Decreto Nº 1.001, de 26 de junho de 1852; para o Estado do Pará, pelo Decreto Nº 1.956, de 12 de agosto de 1857; Também, os Decretos Nºs. 3.346, de 14 de outubro de 1887 e 2.682, de 23 de outubro de 1875, respectivamente, reconhecendo o direito de marcas de produtos manufaturados ou comercializados, e regulando o registro de marcas de fábrica e de comércio. Ainda, a Lei Nº 3.129, de 14 de outubro de 1882, regulamentada pelo Decreto Nº 8.820, do mesmo ano, que disciplinou a concessão de patentes aos autores de invenção e descobridores industriais. É também dessa época, como logo será exaustivamente comentado, a edição do Código Comercial Brasileiro. A terceira e última fase, vai dessa marca até os nosso dias. Alguns autores têm prolongado a segunda fase – a do Brasil imperial – até o ano de 1890, fazendo coincidir com a edição do Decreto Nº. 916, de 24 de outubro de 1890 de Manoel Deodoro da Fonseca, que cria o registro de firmas ou razões comerciais e com o Decreto Nº. 917, também, de outubro de 1890, de responsabilidade do Ministro da Justiça Campos Sales, que retirou do Código Comercial a parte que tratava das quebras. Daí em diante, para esses historiadores, é que inicia a fase do Brasil Republicano.
São também de tal época ou logo depois, dentre outros diplomas, o Decreto Nº 434, de 04 de julho de 1891 que regula as disposições legislativas e regulamentares sobre as sociedades anônimas; o Decreto Nº 177-A, de 15 de setembro de 1893, que regula a emissão de empréstimos em obrigações (debêntures) das companhias ou sociedades anônimas; o Decreto Nº 2.519, de 22 de maio de 1897, que regulamenta para execução o art. 5º, da Lei Nº 177-A, de 15 de setembro de 1893; o Decreto Nº 149-B, de 28 de julho de 1893, que dispõe sobre os títulos ao portador; a Lei Nº 2.044, de 31 dezembro de 1908, que define a letra de câmbio e a nota promissória e regula as operações cambiais, todos intimamente ligados à atividade mercantil e correlatas.
Carvalho de Mendonça no Tratado sugere uma divisão diferente, iniciando a presença de matéria legislativa mercantil a partir do ano da Proclamação de Independência, encerrando esse ciclo, com o ano de edição do Código Comercial. Daí, reabre nova fase que vai até o ano da Proclamação da República. Finalmente, desse marco até os nossos dias:
Da primeira fase (1822-1850)
Da segunda fase (1850-1890)
Da terceira fase (1890 em diante)
No período que vai do Descobrimento até a chegada de Dom João VI, em 1808, as relações jurídicas eram reguladas exclusivamente com base na legislação portuguesa. O acervo legislativo aplicado na Colônia descia de embarcações lusas que aqui aportavam, fazendo-a exigida contra os nativos e contra aqueles que com esses contratassem.
Sob profunda influência do direito canônico e do direito romano, vigeram por aqui as Ordenações Afonsinas (também chamadas de Código Afonsino) Promulgadas por Dom Afonso V, em 1446, desde o Descobrimento, em 1500, se tornaram obrigatórias contra os nativos e quem mais ocupasse o território brasileiro. Depois, as Ordenações Manuelinas Código Manuelino), do Rei Dom Manuel, a partir de 1514, quando já descoberto o Brasil. Por último, as Ordenações Filipinas (Código Filipeno), de 1569, mandadas editar pelo rei Dom Filipe II, mas promulgadas quando era regia a Coroa portuguesa seu filho, Dom Filipe III. Os títulos dados às Ordenações, são homenagens aos dignitários da Coroa em suas respectivas épocas: Dom Afonso V, Dom Manuel e Dom Filipe II (tributo a este que mandou proceder aos seus estudos, embora tivesse sido promulgada por Dom Filipe III).
Como Dom João VI só chegou ao Brasil em 1808, oportunidade em que efetivamente inicia a vida política no território pátrio, há muita obscuridade sobre fatos políticas e jurídicos acontecidos antes dessa época. Passaram-se mais de três séculos (de 1500 a 1808), tempo durante o qual pouco ou nenhum registro existe sobre as relações existentes entre nativos, capaz de despertar interesse para o estudo jurídico. Os habitantes tinha vida muito rudimentar, não despertando interesse pela ciência do Direito e, por óbvio, do direito comercial. A população era composta predominantemente por nativos, que habitavam o território desde antes do Descobrimento. Esses indígenas eram reunidos e organizados em grupos tribais, não praticando sequer a troca no seu aspecto mais elementar. As organizações era chefiadas por um patriarca que ditava os costumes e as normas a serem aplicadas e obedecias no clã. A obediência às regras livremente escolhidas e ditadas pelo patriarca eram incontestavelmente acatadas por todos os componentes do grupo. O suprimento de gêneros (víveres) era feito através de conquistas, os quais eram incondicionalmente entregues ao chefe, logo que apreendidos ou conquistados ou adquiridos por outra forma.
Ameaçada pelo exército napoleônica que perseguia a família real, em 1808 a Corte procurou refúgio para proteger os seus membros e o seu patrimônio em solo brasileiro. Acossada pelo iminente avanço da força inimiga, aportou na Bahia, onde inicialmente se alojou com ânimo de permanência demorada. Aqui, em razão da distância que os separava dos adversários, os portugueses sentiram-se protegidos contra a efetiva e mais imediata agressão.
Logo que os portugueses aqui chegaram, não bem tinham-se instalado e organizado, já faziam brandir a estrutura jurídica aplicada em Portugal. Foi assim que, em 28 de janeiro de 1808, após Dom João VI aportar na Bahia, através da Carta Régia e ouvidos os louvores de José da Silva Lisboa, adiante Visconde de Cayru (alguns autores grafam Cairu), declarou abertos os portos brasileiros para o comércio com as nações amigas. Esse fato registra a primeira importante manifestação político-econômico-jurídica ditada pela Corte portuguesa em território brasileiro. Resultou disso enorme expansão comercial e industrial dentro dos limites do nosso território, visto que até então o comércio externo da Coroa e da Colônia, era feito exclusivamente em Portugal e, através de Portugal.
Paralelamente ao crescimento e aprimoramento do comércio interno e exterior, surge a necessidade de uma legislação de cunho econômico para melhor regular e garantir os novos negócios. É criada em 23 de agosto de 1808 a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, com a finalidade de incentivar o desenvolvimento da economia na Colônia. Fran Martins explica: …com a finalidade muito ampla, não apenas de reunir os comerciantes de uma Praça de Comércio, a fim de tratarem de ‘suas transações e empresas mercantis’, como igualmente, de possibilitar o estudo do direito comercial, estimular o desenvolvimento da indústria mediante a concessão de prêmios ‘aos que mais se avantajarem em algum gênero de indústria, introduzindo ou apresentando alguma nova máquina que poupe os braços, ou qualquer invenção útil nas artes, na agricultura e navegação, por maneira que os adiantem, e promovam’ e ainda com o propósito de ‘distribuir sementes para a melhoria da agricultura e abrir estradas para maior facilidade do comércio interno’.51 Eram, pois, imensas e diversificadas as finalidades atribuídas à Real Junta, criada com o propósito de fortalecer as relações mercantis entre os comerciantes de uma mesma praça de comércio e, também, de incrementar e estimular o desenvolvimento industrial nas suas diversas formas, criando prêmios a quem se destacasse nas diferentes áreas de sua abrangência, que incluía, além do comércio e da indústria, as artes e o estudo do direito comercial.
É nessa época que surge pela primeira vez o interesse em criar um código comercial brasileiro. A Corte designou o Visconde de Cayru para que procedesse aos estudos preliminares, para a construção de um diploma que regulasse as relações mercantis aqui realizadas. Todavia, a pretensão não logrou resultado, vez que foi sufocada pelo movimento político à época instalado, que desaguou na Proclamação da Independência.
Por alvará de 12 de outubro de 1808 é fundado o Banco do Brasil, com finalidade de operar com descontos, depósitos, saques de fundos, emissões de bilhetes ao portador, comissões, etc.52
Em julho de 1809, por ordem do Príncipe Regente são dados recursos ao Tribunal da Real Junta do Comércio, para o pagamento das suas despesas, dentre essas, em especial, as relativas aos deputados e oficiais. Com o mesmo alvará é liberado numerário para a construção da Praça de Comércio.
Proclamada a Independência, em 1823 é convocada a Assembléia Constituinte e Legislativa que, promulgando a Lei de 20 de outubro do mesmo ano, mandou aplicar no Império as leis portuguesas vigentes até 25 de abril de 1821, e os diplomas adiante promulgados pelo príncipe regente Dom Pedro de Alcântara, sem exclusão da denominada Lei da Boa Razão, data de 18 de agosto de 1769. A Lei da Boa Razão, que foi aqui referida sob o título O DIREITO COMERCIAL EM PORTUGAL, mandava aplicar à legislação portuguesa, em matéria comercial, as leis adotadas nas nações cristãs iluminadas e polidas que com elas estavam resplandecendo na boa, depurada e sã jurisprudência. Passa, assim, a Lei da Boa Razão a ser aplicada no território brasileiro. Era imperioso, a tal altura, especialmente em razão de que o Brasil já havia conquistado a independência política, que fosse elaborada uma legislação nova, estruturada nas aspirações e necessidades do povo brasileiro, em detrimento das leis portuguesas que continuavam a ser aqui aplicadas, indiscriminadamente.
O fato singular de oportunizar a penetração do direito estrangeiro no corpo do direito lusitano e, por conseqüência, no brasileiro, é destacado por Rubens Requião ao citar Carvalho de Mendonça, nos seguintes termos: Por isso, observa J. X. Carvalho de Mendonça, que o Código Comercial francês, de 1807, com irradiação intensa pelo mundo inteiro, e, mais tarde, os Códigos Comerciais da Espanha de 1829 e de Portugal de 1833, aliás, sem a autoridade do primeiro, passaram a constituir a verdadeira legislação mercantil nacional.53
A Constituição de 25 de março de 1824, ventilada por outras inspirações, teve a pretensão de elaborar a codificação das leis civil, comerciais e criminais. São pleiteados, então, recursos para a criação de um tribunal especial de comércio. A idéia vingou e foi nomeada comissão para organizar um projeto de código mercantil. Volta José da Silva Lisboa a ser convocado pela Real Juntado Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação para presidir os trabalhos. A idéia, porém, de igual sorte não logrou sucesso.
Em 14 de março de 1832 a Regência nomeou comissão formada por Antônio Paulino Limpo de Abreu (adiante Visconde de Abaeté), José Antônio Lisboa, Guilherme Midosi, Lourenço Westin e Honório José Teixeira. Este último declinou do convite e foi substituído pelo cônsul da Suécia, Inácio Ratton. Presidida inicialmente por Antônio Paulino Limpo de Abreu, tinha por fim proceder aos estudos para a criação de um código comercial. Vencidas as suas metas, a comissão remeteu o projeto à Câmara em 1834. Após demorada tramitação, o documento consegue ser transformado em lei. Sancionada em 25 de junho de 1850, resulta no vigente CÓDIGO COMERCIAL BRASILEIRO.
Em verdade, foi demasiado longo o tempo gasto pela Câmara para discutir e aprovar o projeto que resultou no Código Comercial – cerca de dezesseis anos. Entregue à Câmara em 1834, o projeto foi à debate nas duas Casas legislativas que a compunham, resultando em 1835 na criação de uma comissão mista (deputados e senadores), integrada pelos Senadores João Antônio Rodrigues de Carvalho, Marquês de Maricá e Francisco de Paula e Souza, e pelos deputados Visconde de Goiana, João José Moura Magalhães e Joaquim do Amaral Gurgel. Não tendo alcançado aprovação unânime, ficou cerca de oito anos fora de pauta, só retornando à discussão em 1843. Tendo sido dissolvida a Câmara em 1844, a matéria sujeitou-se a nova demora, só voltando a ser debatido em meados de 1845. Nessa ocasião foi constituída comissão especial da própria Câmara, com a finalidade de rever o documento. Findos os trabalhos da comissão especial, o projeto, afinal, foi aprovado em 03 de julho de 1845 e remetido novamente ao Senado. Ali permaneceu até o ano de 1848 quando foi aprovado com emendas. Novo impulso, e foi remetido novamente à Câmara dos Deputados para que aceitasse ou rejeitasse as emendas feitas pelo Senado. Para melhor sorte, em 06 de março de 1850 a Câmara aprovou integralmente o projeto. Sancionado, transformou-se na LEI Nº 556, DE 25 DE JUNHO DE 1850 – CÓDIGO COMERCIAL BRASILEIRO.
Situação estranha, não bem explicada, mas bastante apontada na doutrina, foi a ausência do Visconde de Cairu como integrante da comissão nomeada pela Regência para estudar e editar o Código.54 Em buscas feitas às páginas de várias obras jurídicas, parece convincente o comentário de Sampaio de Lacerda: Explicam essa omissão ou por moléstia que impedia de nela funcionar, ou por questão política, já que pertencente era do partido da oposição ao governo. Talvez seja, de fato, a última hipótese a verdadeira, em face do ofício a ele dirigido pela Regência, em 11 de abril de 1832, dando-lhe satisfação pela exclusão de seu nome, ofício esse que resultou, aliás, da censura levantada pelo jornal ‘A Verdade’, do Rio de Janeiro.55
Apesar de ter demorado cerca de dezoito anos (dois com a Comissão e dezesseis no Parlamento), o projeto transformado em lei contém valor científico capaz de causar inveja à muitas nações adiantadas.
O projeto foi concluído pela comissão escolhida pela Regência com um total de 1.299 artigos, distribuídos em três partes: a primeira, sobre contratos e obrigações mercantis; a segunda, sobre o comércio marítimo; e, a terceira, sobre as quebras. Após as emendas que sofreu no Legislativo, foi promulgado com 913 artigos, mais um Título Único com 30 artigos. Estava dividido ainda em três partes, mas com alteração na primeira parte do projeto original: a primeira, DO COMÉRCIO EM GERAL; a segunda, DO COMÉRCIO MARÍTIMO; a terceira, DAS QUEBRAS.
Promulgado o Código (Lei Nº 556, de 25.06.1850), foi editado o Regulamento Nº 737, de 25 de novembro de 1850, com vigência a partir de 01.01.1851, disciplinando a sua regulamentação. Tal a perfeição técnico-legislativa do referido diploma, foi alvo de elogios de muitos juristas. Joaquim Nabuco referindo ao Regulamento disse constituir-se da mais perfeita de nossas leis. Carvalho de Mendonça, referido por Rubens Requião, assim expressou-se: …representa um monumento soberbo de nossa legislação…56
Os elogios, todavia, não se limitam ao Regulamento Nº 737, mas, em igual ou maior intensidade ao próprio Código Comercial, apesar da contrariedade de alguns autores, como adiante será revelado. Mas, Hernani Estrella comentando a importância do trabalho assim retratou-a: Tal era a excelência do trabalho, que a comissão mista do Congresso assim se manifestou: ‘O Código do Comércio do Brasil nada tem a invejar à legislação da França, da Inglaterra, de Portugal e da Espanha: apresenta em um todo sistemático o que há de melhor nesses códigos, modificadas as suas doutrinas segundo as opiniões dos escritores mais entendidos nessas matérias, e adaptadas às circunstâncias do Brasil’. João Gualberto de Oliveira, o Sueco Lourenço Westin colaborador do Código Comercial Brasileiro, São Paulo 1950, pág. 19.57
Vencidos os primeiros anos, o código começou a sofrer alterações. Primeiro, o art. 2º, do Decreto Nº 1.597, de 01 de maio de 1855, alterou a parte que trata da qualificação do comerciante. Adiante, a Lei Nº 2.662, de 1875, extinguiu os Tribunais de Comércio que haviam sido regulamentados pelo Decreto Nº 738, de 25.11.1850. O Decreto Nº 916, de 24 de outubro de 1890, criando o registro de firmas ou razões comerciais. A Lei Nº 1.350, de 1866, de iniciativa de Nabuco de Araújo, tornou facultativo o juízo arbitral, que antes era obrigatório. O Decreto Nº 370, de 02 de maio de 1890, mandando observar o regulamento para execução do Decreto nº 169-A, de 19 de janeiro de 1890, que substituiu as Leis Nº 1.237, de 24 de setembro de 1864 e Nº 3.272, de 05 de outubro de 1885, e do Decreto Nº 165-A, de 17 de janeiro de l890, que tratava sobre operações de crédito móvel.
Mais adiante, seguem novos diplomas mudando ou aperfeiçoando a matéria comercial, notadamente, dentre outros, o Decreto Nº 1.102, de 21 de novembro de 1903, instituindo regras para o estabelecimento de empresas de armazéns gerais e, estabelecimento direitos e obrigações para as referidas empresas; a Lei Nº 2.591, de 07 de agosto de 1912, regulando a circulação de cheques, especificando no §1º, do art. 1º, que consideram-se fundos disponíveis para saque dos cheques: a) as importâncias constantes de conta-corrente bancária; b) o saldo exigível de conta-corrente contratual; c) a soma proveniente de abertura de crédito; o Decreto Nº 14.728, de 16 de março de 1921, aprovando o regulamento para a fiscalização dos bancos e casas bancárias, na conformidade do art. 5º, do Decreto Nº 14.182, de 13 de novembro de 1920, definindo que o serviço de fiscalização será executado pela Inspetoria Geral dos Bancos, sob a superintendência do Ministério da Fazenda; o Decreto Nº 15.788, de 08 de novembro de 1922, regulando a execução de contratos de hipoteca de navios e Decreto Nº 15.809, de 11 de novembro de 1922, aprovando o regulamento especial para execução dos contratos de hipoteca naval previstos no Decreto Nº 15.788/22; o Decreto Nº 5.372-B, de 10 de dezembro de 1927, criando ofícios privativos de notas e registros de contratos marítimos, e mandando que neles sejam lavrados e registrados todos os contratos de direito marítimo, quando a escritura pública for substancialmente exigida para validade dos mesmos contratos; Decreto Nº 5.453, de 16 de janeiro de 1928, dispondo sobre as letras hipotecárias emitidas por sociedades de crédito real garantidas pela União e pelos Estados, prevendo no art. 1º que, além de tais garantias públicas, só garantiriam as transações os imóveis hipotecados; o Decreto Nº 19.009, de 27 de novembro de 1929, dando nova regulamentação aos corretores de navios, estabelecendo a necessidade de habilitação para tais profissionais e limitando número de até o máximo de trinta, no Distrito Federal (na época, no Rio de Janeiro).
Essas e outras normas foram dando nova fisionomia ao Código, que foi-se adaptando, modificando e atualizando paulatinamente. Porém, cada vez mais prosperavam idéias favoráveis à construção de um novo diploma, de tal sorte que os Professores Sampaio de Lacerda58 e Castro Rebêlo, bem depois, o consideraram ultrapassado, tendo o último de tais autores verberado em aula inaugural, que o Código já nasceu velho.
Movido por esses e outros fatores, em 20 de setembro de 1867 Augusto Teixeira de Freitas, tentara, ao invés de uma reforma ou substituição do Código Comercial por outro mais moderno, a unificação do direito privado através uma consolidação da legislação civil. Designado por decreto Imperial de 11 de janeiro de 1859, propôs a elaboração de dois diplomas: um, que denominou Geral, abrangeria regras relativas às pessoas, bens, fatos e efeitos jurídicos, e unificaria o direito público e o direito privado; outro, chamado Civil, que regularia matéria sobre os efeitos civis, os direitos pessoais e os direitos reais, e incluiria matéria comercial.59 Tendo adoecido tempo depois, apesar do entusiasmo de alguns juristas e do próprio Governo Imperial, o trabalho ficou paralisado. No início do período republicano, em 1889, Coelho Rodrigues foi escolhido para elaborar projeto de codificação das leis civis, que acabou unificando todo o direito privado, dentre ele, a matéria comercial. Tendo recebido parecer contrário da Comissão Revisora, não teve seqüência. Mas, em 1898, durante o governo de Campos Sales deu-se nova tentativa de organização do Código Civil, desta feita, porém, sem que nele fosse regulada a matéria mercantil. Em socorro da autonomia do direito comercial, Clóvis Beviláqua apresentou o seu projeto de Código Civil, que excluiu a matéria comercial.
Durante o governo do Marechal Hermes da Fonseca, Inglês de Souza foi autorizado pelo Decreto Nº 2.378, de 04 de janeiro de 1911, a transformar projeto de elaboração de um novo Código Comercial em projeto de Código de Direito Privado. Apresentado ao Congresso Nacional, onde permaneceu em torno de dezoito anos – até 1930, o projeto não vingou. Dividia a matéria em seis livros: das pessoas; das coisas; das obrigações e contratos; da indústria da navegação; da falência; dos registros. Por volta de 1928 sofreu aperfeiçoamento técnico, em razão das emendas propostas, mas, como foi dito, não prosperou.
Inglês de Souza pertencia à corrente de juristas favoráveis à unificação do direito privado. Convencido das idéias medievais que atribuíam ao direito comercial caráter de direito humano – segundo essas idéias, o crescente progresso da civilização decorria do notável desenvolvimento comercial -, o jurista ampliou de tal sorte a matéria comercial dentro do projeto, que quase nada restava para regular matéria de natureza civil.60
A partir da Revolução de 1930 que depôs o Presidente Washington Luís e dissolveu o Congresso, instalado o Governo Provisório, foi editado o Decreto Nº 19.459, de 06 de dezembro do mesmo ano , regulamentado pelo Decreto Nº 19.684, de 10 de fevereiro de 1931, nomeando uma Comissão Legislativa integrada por dezoito Subcomissões destinadas a elaborar uma nova lei. Dessas Subcomissões, cinco se destinavam a apreciar a matéria comercial. Como nas demais tentativas, não chegou a resultado.
Fechado o Legislativo, inaugura-se durante o Governo Provisório uma fase marcada por abundante legislação de exceção. É de tal época o Decreto Nº 19.473, de 10 de dezembro de 1930, regulando os conhecimentos de transportes de mercadorias por terra, mar e ar, além de outras providências, com remissão aos arts. 74 e 82, do Decreto-lei Nº 483, de 08 de junho de 1938 (Código Brasileiro do Ar); o Decreto Nº 19.754, de 18 de março de 1931, modificando parte do anteriormente referido; o Decreto Nº 20.454, de 29 de dezembro de 1931, regulando os conhecimentos de frete emitidos não à ordem (art. 1º – O conhecimento de frete nominativo pode ser emitido não à ordem, mediante cláusula expressa inserida no contexto.); o Decreto Nº 20.704, de 24 de novembro de 1931, promulgando a Convenção de Varsóvia, de 12 de outubro de 1929, em face da Segunda Conferência Internacional de Direto Privado Aéreo, para a unificação de certas regras relativas aos transporte aéreo internacional; o Decreto Nº 20.881, de 30 de dezembro de 1931, dando novo regulamento à Bolsa de Mercadorias do Distrito Federal; o Decreto Nº 21.499, de 09 de junho de 1932, criando a Caixa de Mobilização Bancária; o Decreto Nº 21.638, de 14 de julho de 1932, determinando a aplicação do previsto no art. 172, nº 5, do Código Civil, às obrigações de natureza mercantil (a matéria prevista do Código Civil, é a que trata da interrupção da prescrição, por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito do devedor; o Decreto Nº 21.854, de 21 de setembro de 1932, isentando os contratos de seguro marítimo da obrigatoriedade do regirstro a que se referem os Decreto Nº5.372-B, de 10 de dezembro de 1927 e o 18.399, de 24 de setembro de 1928; o Decreto Nº 21.981, de 19 de outubro de 1932, que regula a profissão de leiloeiro no território da República; o Decreto Nº 22.339, de 19 de dezembro de 1932, regulando as sociedades cooperativas, dentre muitos outros, só para restringir-se aos primeiros anos da década de trinta.
Em 1936, a Câmara dos Deputados nomeou comissão especial para elaborar novo projeto do Código Comercial. Dela participaram Levi Carneiro, como presidente e Waldemar Ferreira, como relator. Todavia, com o fechamento do Legislativo em 1937, o trabalho só retornou à apreciação do Congresso Nacional em 1946, quando da volta à normalidade institucional brasileira.
Em 1950, sob a presidência do Marechal Eurico Gaspar Dutra, sendo ministro da Justiça Adroaldo Mesquita da Costa, foi nomeada comissão para construir projeto de reforma do Código Comercial. Animava-os, além do mais, a idéia de comemorar o centenário de promulgação do código vigente com um reforma à altura da importante obra jurídica. Resultou disso, o chamado esboço de anteprojeto de Código Comercial, cuja organização coube ao desembargador Florêncio de Abreu, ex-professor da cadeira de Direito Comercial da Faculdade de Direito de Porto Alegre-RS. A matéria, contendo uma parte introdutiva (Introdução) e outra, ao final, relativa às Disposições Gerais, era distribuída em quatro livros inspirados no projeto de Vivante: I – Das Pessoas; II – Das Coisas; III – Dos Contratos e Obrigações; IV – Do Registro do Comércio. Todavia, Getúlio Vargas, no início do seu último governo não o prestigiou, tendo nomeado Francisco Campos para organizar novo projeto. Como resultado, nenhuma das iniciativas vingou.
1.2.8 – AS TENTATIVAS DO CÓDIGO DE OBRIGAÇÕES
Começa em 1941 a idéia de um anteprojeto de código de obrigações brasileiro, mediante trabalho elaborado em conjunto por Philadelpho Azevedo, Hahnemann Guimarães e Orozimbo Nonato, respeitando, todavia, a intangibiliade da matéria comercial. A proposta não era exclusiva, pois já implantada na Suíça, com o Código de Obrigações de 1881; revisto em 1911 e 1936 e, aditado através de diversas leis, em 1941 e 1943. Seguiram-se-lhe, o da Turquia (verdadeira cópia do diploma suíço), de 03 de abril de 1926; o do Líbano, de 09 de março de 1932; e, o da Polônia, de 27 de outubro de 1933. A despeito disso, em todos esses países continuou a viger os respectivos códigos comerciais.
Em 1949, Florêncio de Abreu foi escolhido para compor um anteprojeto, mas, como das vezes anteriores, não chegou a ser concluído. Adiante, quando presidente Jânio da Silva Quadros, nova tentativa entusiasmou juristas e políticos. Com o Decreto Nº 5.005, de 20 de julho de 1961 foi nomeada Comissão de Estudos Legislativos, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, integrada por vários relatores, com a finalidade de elaborar anteprojeto de código de obrigações, embora alguns historiadores digam que o propósito era de apenas reformar o velho Código Comercial. Era Ministro da Justiça o Dr. João Mangabeira, e a comissão era integrada por Castro Rebêlo (para tratar da parte relativa à navegação); Theóphilo Azeredo dos Santos (para a parte dos títulos de crédito); Silvio Marcondes (para a parte relativas às sociedades comerciais); e, Caio Mário da Silva Pereira (para a parte das obrigações). Apesar da inesperada renúncia do Primeiro Mandatário a motivação não arrefeceu. Encaminhado em 1965 pelo Executivo ao Legislativo, através da Mensagem Nº 804, resultou no Projeto de Lei Nº 3.264 do mesmo ano. Apesar da inesperada renúncia do primeiro mandatário a motivação não arrefeceu-se de imediato.
Outra tentativa foi feita durante o governo militar que resultou do movimento político de 1964, quando era presidente o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Naquela ocasião foi nomeada nova comissão, pois entendiam que a matéria do Projeto de Lei Nº 3.264/76 estava um tanto desatualizada. O anteprojeto foi elaborado por comissão integrada por Orozimbo Nonato, Caio Mário, Orlando Gomes, Sylvio Marcondes, Nehemias Gueiros e Theóphilo Azeredo dos Santos. Meses depois, ainda no governo do mesmo mandatário, em face da prioridade dada ao projeto de revisão do Código Civil Brasileiro, o estudo do código de obrigações foi preterido. Aliás, os dois projetos encalharam. Resta esperança de que num futuro próximo a imperiosa modernidade do direito mercantil se torne realidade; seja através de profunda e ampla reforma do Código Comercial; seja mediante a disciplinação da matéria mercantil no propalado Código de Obrigações.
A Exposição de Motivos encaminhada por Sylvio Marcondes em 11 de junho de 1964 ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, sustentava, dentre outros tantos fundamentos que justificavam a necessidade de um ‘código unificado’, a elevação e disseminação da cultura, o enorme progresso científico, a expansão da produção e circulação de tôda sorte de bens como que responsáveis pela condução de um processo de democratização da riqueza, favorável à multiplicação dos atos econômicos e da sua prática por pessoas em número cada dia maior. Dizia, ainda: Acelera-se o que, tão a gôsto da doutrina francesa, se tem admitido chamar ‘comercialização do direito civil’ corroborando um ‘civilismo do direito comercial’. Para bem emoldurar tão incisivos e argumentos, arrematava: A discutida dicotomia daquele ramos do direito não constitui embaraço a fórmulas de unificação. As razões da famosa retratação de VIVANTE, continuam válidas, como substrato metodológico e econômico da especialização técnica e científica do direito comercial, mas nem por isso excluem a coordenação unitária de atos jurídicos concernentes ao fenômeno econômico.
Com efeito, atribui-se a Vivante o despertar na maioria dos povos, da idéia de unificar o direito privado. A partir da publicação de um estudo que defendia a unificação da matéria comercial e da civil num só diploma, ou num só direito comum – per uno codice unico delle obligazione (1888), surge destacado interesse na criação de um código de direito privado que, adiante, evoluiu até chegar à idéia de criar um código de obrigações. Para justificar a quebra da autonomia do direito comercial, argumentava que os atos de comércio tanto podiam ser praticados por comerciantes, como por qualquer outra pessoa. Para ele, a autonomia se mantinha quase que exclusivamente por tradição. Seguiram-no, dentre outros, Alfredo Rocco, Spencer Vampré, Bento de Faria, Clóvis Beviláqua, dentre outros. Rebatia-o, no entanto, Vidari, ferrenho defensor da autonomia do direito mercantil, no que foi seguido, dentre outros, por Carvalho de Mendonça, Alfredo Valadão, Bolaffio, Inglês de Souza, Castro Rebêlo.
Mais tarde, todavia, o próprio Vivante repensando os seus ideais, admite não ser oportuna a unificação do direito comercial e do direito civil, vez que traria prejuízos ao desenvolvimento do direito privado.
Em 1919 foi criada na Itália, comissão presidida por Cesare Vivante, encarregada de apresentar proposta de reforma da legislação comercial. Quando todos acreditavam que o jurista italiano não deixaria escapar a oportunidade para implementar em definitivo e na prática, as suas idéias de unificação do direito privado, Vivante recuou, justificando que o momento não era oportuno para incorporar o Código Civil e o Código Comercial num só diploma. Aduzia, em defesa da manutenção dos dois códigos, que o estado de maturidade dos dois ramos do Direito é muito diverso. Além do mais, que a diversa velocidade com que se elabora o conteúdo dos dois códigos provavelmente oporia sempre grande obstáculo para unificá-los.
Sampaio de Lacerda, sustenta que a coexistência dos dois códigos é prejudicial à economia dos julgamentos e à certeza do direito, trazendo dificuldade em se determinar se tal ou qual matéria pertence ao campo do direito civil ou do direito comercial. Esse é problema que não se restringe a hipótese, pois toda a questão de limites, em seu extremo, é, por seu natureza, indecisa e indefinida. Disse, ainda: A divisão do direito privado exerce perniciosa influência sobre o progresso científico. Assim, quem estuda os institutos do direito comercial não tem em vista a atenção para a teoria geral das obrigações, que pertence a outra disciplina distinta nos Códigos, na doutrina e no ensino. Disse mais, mais: A coexistência de dois Códigos prejudica ainda o exercício do direito pela dificuldade que pode haver em se combinar as suas disposições, quando, ao mesmo tempo, regularem o mesmo instituto.61
Continha, ainda, a Exposição de Motivos: O propósito uniformizador, que ora se manifesta na elaboração legislativa brasileira, recebe estímulo de dois autorizados precedentes, cujo eco ainda perdura, a obra pioneira de Teixeira de Freitas e os projetos de Inglês de Souza. Aquêle, evoluindo do Esbôço do Código Civil, para o plano dos códigos unificados; êste, oferecendo, ao lado do Projeto de Código Comercial, o de emendas destinadas a transformá-lo em Código de Direito Privado. Partidas de pólos opostos, visando a meta idêntica.
No capítulo relativo à MATÉRIA MERCANTIL, a Exposição de Motivos justificava: A atividade mercantil, entretanto, se coloca no campo mais ativo do processo econômico nacional e, por isso, o Código de 1850, encolhido nos poucos preceitos que lhe restam, não pode servir de paradigma à nova codificação. Elaborado na ausência de direito comum consolidado, produziu frutos de sabedoria e prudência, ainda reconhecidas nos textos que resistiram à ação do tempo. Mas sua sistemática foi estilhaçada pela superveniência de necessidades e, em conseqüência, de institutos, novos ou remodelados, numa legislação especial que lhe muda a extensão e a figura…
…O direito mercantil vem sendo submetido, no último século, a transformações que não se limitaram à atomização do seu quadro legal, fixado, no Brasil, em 1850. Elas vão além, pois abalam a sua própria estrutura conceitual, fundada subjetivamente no comerciante e objetivamente nos atos de comércio. Atos que perdem, em si mesmos, o antigo tratamento especial, mas que, por outro lado, despertaram um nôvo interêsse, quando coordenados em atividade, desenvolvida em emprêsa, criada e mantida pelo empresário. Fenômenos de que resultam, junto a importantes conseqüências econômicas, renovadas concepções jurídicas, já acolhidas no nosso direito e de prestância relevante para informarem a atualização da matéria mercantil, no código projetado.
Na parte reservada para discursar sobre a ATIVIDADE NECOGIAL, a Exposição de Motivos mostrou demorada preocupação sobre o conceito econômico da empresa: O conceito econômico de emprêsa – como organização dos fatôres da produção de bens ou de serviços, para o mercado, coordenada pelo empresário, que lhe assume os resultados – tem sido fonte de contínua discussão sôbre a natureza jurídica da emprêsa, entre autores que já não mais consideram suficiente a lição de VIVANTE, aliás consagrada na doutrina brasileira, de que “o direito faz seu aquêle conceito econômico”. Entretanto, suscitada na hermenêutica dos códigos comerciais do tipo francês, e acirrada pela exegese do nôvo código civil italiano, a disputa encontrou afinal seu remanso. Segundo esclareceu Asquini – apresentando o fenômeno econômico de emprêsa, perante o direito, aspectos diversos, não deve o intérprete operar como preconceito de que êle caiba, forçosamente, num esquema jurídico unitário, de vez que emprêsa é conceito de um fenômeno econômico poliédrico, que assume, sob o aspecto jurídico, em relação aos diferentes elementos nêle concorrentes, não um, mas diversos perfis: subjetivo, como empresário; funcional, como atividade; objetivo, como patrimônio; corporativo, como instituição
Sobre o título DO EMPRESÁRIO, faz um radiografia que, apesar de identificá-lo a partir de uma versão tripartite, não deixou claro se, para qualificar-se como tal, o comerciante precisará reunir as três condições decantadas pelos Eminentes Juristas que elaboraram o valioso anteprojeto, ou se, mesmo com o exercício de apenas uma dessas, isoladamente das demais, estará identificado o profissional. Senão, vejamos o que diz a Exposição de Motivos: Tomando a emprêsa em seu perfil subjetivo, o anteprojeto conceitua o empresário por traços definidos em três condições:
a) exercício de atividade econômica e, por isso, destinada à criação de riqueza, pela produção de bens ou de serviços para a circulação, ou pela circulação dos bens ou dos serviços produzidos;
b) atividade organizada, através da coordenação de fatôres de produção – trabalho, natureza e capital – em medida e proporções variáveis, conforme a natureza e o objetivo da emprêsa;
c) exercício praticado de modo habitual e sistemático, ou seja, profissionalmente, o que implica dizer, em nome próprio e com ânimo de lucro.
Esclarece, ainda: Dessa ampla conceituação exclui, entretanto, quem exerce profissão intelectual, mesmo com o concurso de auxiliares ou colaboradores, por entender que, não obstante produzir serviços, como o fazem os chamados profissionais liberais, ou bens, como o fazem os artistas, o esfôrço criador se implanta na própria mente do autor, de onde resultam, exclusiva e diretamente, o bem ou o serviço, sem interferência exterior de fatôres de produção, cuja eventual concorrência é, dada a natureza do objeto alcançado, meramente acidental.
A questão, secularmente discutida na doutrina, por vezes identifica ou caracteriza o empresário sob prismas diferentes, distinguindo as figuras do empresário e do comerciante. Afinal, longe de esquecer que o empresário, para muitos, inclusive para o autor, é considerado gênero, do qual, uma das espécies é o comerciante.
A partir deste enfoque, o próprio Código Comercial francês, no art. 1º define os comerciantes como as pessoas que exercem ato de comércio e deles fazem profissão habitual. Dois, pois, o requisitos assinalados por Fran Martins: 1) a prática de ato de comércio; 2) a profissionalidade habitual.62 O anteprojeto do código de obrigações exclui os profissionais liberais e os artistas, nomeando empresários, apenas, os comerciantes clássicos ou ortodoxos. Para esses, então, não há melhor caracterização do que a firmada em quatro atos: 1) o da intermediação (ou intromissão) na compara e venda de bens (mercadorias); 2) realizada por conta e risco próprios do comerciante (o que exclui a consignação); 3) desempenhada em caráter não eventual; 4) e, com escopo de lucro.
O anteprojeto, que é obra da história contemporânea brasileira, no que trata da matéria comercial ou a esta relacionada, regula ainda questões relativas às sociedades: a SOCIEDADE EM COMUM …O grupo das sociedades não personificadas compreende no anteprojeto, duas espécies: a que denomina sociedade em comum e a clássica sociedade em conta de participação. Neste tópico, cuida-se da primeira…Por êstes fundamentos, o anteprojeto considera a sociedade, na fase antecedente à personificação, não como um produto bastardo, que denominado sociedade de fato, a lei atual manda viver nos quadros do direito comum, mas perfilhando-a à linguagem societária, no grupo das sociedades não personificadas. Aí, levada em conta a titularidade dos sócios, ainda não desligada do patrimônio especial que lhe serve de supedâneo, recebe o nome de sociedade em comum, regida por preceitos específicos e suprida pelas normas aplicáveis da sociedade simples, cuja estrutura mais adiante se verá.
Revigora a Sociedade em Conta de Participação, pouco prestigiada pelos nossos tribunais, especialmente, os do Trabalho, que a enxergam, mais das vezes, como forma de descaracterização da relação de emprego. Têm entendido alguns tribunais, que através desse tipo jurídico de sociedade mercantil, o sócio ostensivo procura desfigurar uma verdadeira relação de trabalho que mantém com os seus empregados, contratando-os como sócios ocultos, que o anteprojeto denomina de sócios participantes.. E, sintetiza o anteprojeto: …a sociedade em conta de participação desempenha, por seu modo peculiar, papel da maior importância, na captação de economias particulares, em prol do desenvolvimento da atividade mercantil. O anteprojeto, fiel à linha tradicional do instituto, pretende ter aperfeiçoado sua configuração, livrando-o das incertezas que o código de 1850 suscita entre os intérpretes.
Institui a denominada SOCIEDADE SIMPLES, não prevista na ordenamento vigente. Após discorrer sobre os motivos que justificam a criação do novo tipo jurídico, alinhando-os, em três premissas maiores: Primeiro, porque as disposições, ditas gerais, não alcançam todas as sociedades personificadas, do que são exemplos as sociedades por ações. Segundo, porque, por outro lado, excedem o quadro das sociedades personificadas e se aplicam, embora supletivamente, às não personificadas. Terceiro, porque precisam servir de esquema para a composição das sociedades civis e, quanto a estas, funcionam como normas especiais. Cria, então o novo tipo, para contemplar situações até então imprevistas, tanto na parte que trata dos preceitos gerais das sociedades, no Código Comercial, quanto no Código Civil. É o que chamou de um compartimento comum, de portas abertas para receber e dar solução às apontadas questões.
Mantém, com algumas pertinentes alterações – fruto da modernidade que estão a desejar tais tipos jurídicos – a Sociedade em Nome Coletivo, a Sociedade em Comandita Simples, a Sociedade Limitada, a Sociedade em Comandita por Ações, a Sociedade Anônima e a Sociedade Cooperativa. Excluiu a Sociedade de Capital e Indústria, vez que pode ser constituída segundo as previsões para a Sociedade Simples.
Com referência à Sociedade em Nome Coletivo, prevê que só pessoas físicas dela podem participar como sócios. Outra boa nova foi suprimir a exigência da primeira parte do art. 315 do Código Comercial, segundo a qual, pelo menos um dos sócios deva ser comerciante; situação que já vem sendo retocada pela doutrina e pelos tribunais. Diz o art. 315: Existe sociedade em nome coletivo ou com firma, quando duas ou mais pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem para comerciar em comum…Ora, admitida a existência da pessoa jurídica, desaparece o interesse do requisito legal, criado para que foi, dar cunho de comercial à sociedade constituída sob esse tipo jurídico. Omitiu, ainda, a obrigação prevista na segunda parte do mesmo artigo, que veda a participação de pessoas que não sejam sócios comerciantes. A finalidade era impedir que a integrassem, sócios exclusivamente capitalistas. Como se trata de verdadeira sociedade de pessoas, nada mais justo que a lei exigia a participação direta de todos os sócios, nas atividades sociais. Se determinado sócio pretende participar apenas com efeitos patrimoniais, sem desejar participar diretamente dos atos sociais, que escolha outro tipo jurídico para associar-se. O projeto acerta, não de todo, ao proibir o credor particular do sócio liquidar a quota do devedor, antes de dissolvida a sociedade. Essa questão, bem que podia ser diferente, autorizando a liquidação da cota do devedor em favor do seu credor particular, uma vez que pagos ou garantidos todos os credores sociais.
A Sociedade em Comandita Simples também sofre fundas alterações. O Código prevê duas categorias de sócios: dos comanditados, que necessariamente devem ser comerciantes (situação corrigida pela doutrina e pelos tribunais, tal como previsto para o caso da Sociedade em Nome Coletivo, acima comentada) e obrigam-se solidariamente pelos compromissos firmados pela sociedade.; dos comanditados, que sendo meros prestadores de capitais, não se obrigam além dos fundos declarados no contrato. O anteprojeto, ao contrário, veda a participação da pessoa jurídica como sócio de responsabilidade solidária e ilimitada. Diz o art. 78 do anteprojeto: Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os solidários, necessariamente pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; os comanditário, obrigados somente pelo valor de sua quota no capital social. Enquanto o Código autorize omitir os nomes dos comanditários no Registro do Comércio, obrigando que se declare, apenas, o valor total dos fundos postos em comandita, o anteprojeto diz que o contrato social deve nomear os sócios de cada uma das categorias.
A Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, atualmente regulada pelo Decreto Nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, com o anteprojeto perderá parte do extenso nome: propõe chamá-la, apenas, Sociedade Limitada. A adoção de firma ou denominação social vem disciplinada no Título III – DOS INSTITUTOS COMPLEMENTARES – Capítulo II – do Nome Comercial. Fora, pois, do Título II, destinado a regular a constituição das sociedades. Atualmente, o tema vem regulado no Decreto Nº 3.708/19. A matéria que trata da dissolução social, tal como na legislação vigente, é regulada em caráter geral, aplicável a todos os demais tipos de sociedades contratuais. No caso das companhias, o anteprojeto também não apresenta novidade, pois regula a dissolução no corpo do capítulo que trata exclusivamente das sociedades anônimas. Atualmente, as sociedades anônimas se dissolvem segundo previsão na própria Lei Nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as sociedades por ações.
A Sociedade em Comandita por Ações, apesar de se tratar de tipo raramente adotado, o anteprojeto a mantém revigorando a conformação que lhe dá a lei vigente e que se afigura satisfatória para as finalidades a ele reservadas. O anteprojeto omite a obrigação de constar em seguimento à denominação ou firma, as palavras “Comandita por Ações”, por extenso ou abreviadamente – exigência prevista no parágrafo único, do art. 281, do da Lei Nº 6.404/76.
Traz para o corpo do Código a matéria relativa às Companhias, retirando-lhe mais da metade dos artigos (133 contra os atuais 300), simplificando ou dispensando algumas solenidades, o que resultará em facilitar a sua criação e funcionamento, sem perda de importância e rigor técnico-legislativo. Todavia, em razão da distante época em que foi projetado, ainda exige número mínimo de sete pessoas para a subscrição do capital social.
Também regula no Código as Sociedades Cooperativas, fixando quatorze categorias. Treze, relacionadas no art. 249: de produção agrícola; de produção industrial; de trabalho, profissional ou de classe; de beneficiamento de produtos; de compras em comum; de consumo; de abastecimento; de seguros; de construção de casas populares; de cultura intelectual; editoras e de cultura intelectual; escolares; e, mistas. Mais as de crédito, previstas no art. 308, que as disciplina sob forma de caixas rurais e de bancos populares. Deixa aberta oportunidade para a constituição de outras modalidades, que serão consideradas de categoria indeterminada e assemelhadas àquela que oferecer mais aproximada analogia.
Notas:
1. J. C. Sampaio de Lacerda, Lições de Direito Comercial Terrestre, Forense, pg. 10
2. Hernani Estrella, Curso de Direito Comercial, José Konfino, pg. 21
3. Octávio Médici, Direito Empresarial Mercantil, Jalovi, pg. 24
4. J. C. Sampaio de Lacerda, Lições de Direito Comercial Terrestre, ob. cit. pg. 10: O excesso de produção de produção de mercadorias para o consumo próprio foi que deu origem à troca. Atualmente não mais há riquezas produzidas para o consumo (próprio). A produção é destinada à troca. Os produtos passaram a ser considerados como mercadorias, isto é, como coisas destinadas à troca. Os produtos devem satisfazer as necessidades dos outros e não exclusivamente às nossas. É com esse intuito, assegura Rocco, que destinamos a nossa indústria, a nossa habilidade e a nossa inteligência.
5. Pedro Barbosa Pereira, Curso de Direito Comercial, Rev. dos Tribunais, vol. I, pg. 3
6. Hernani Estrella, Curso de Direito Comercial, José Kofino, pg.11: O comércio é um fenômeno econômico, cujos antecedentes históricos remontam às mais recuadas eras da humanidade. No testemunho de autores que se têm dedicado a essas investigações, já na idade da pedra polida, eram conhecidas e praticadas trocas de bens ‘in natura’.
7. Edson Baccarin e Cristina M. Baccarin da Silva, Tratado Teórico e Prático de Direito Comercial Terrestre, Javoli, vol. I, pg. 51
8. Edson Baccarin e Cristina M. Baccarin da Silva, ob. cit., pg. 46
9. Waldemar Ferreira, Tratado de Direto Comercial, Saraiva, Vol. I., pg. 14: A predominância incontrastável do princípio de autoridade, peculiar à economia dirigida, tão antiga quanto o mundo, impediu-lhe o desabrochar, não porém, que se manifestasse sob a forma primária da troca do seu com o meu.
Nenhuma tribo ou povo se libertou da fatalidade dessa lei econômica, profunda e eminentemente humana. Generalizou-se ela, entretanto. Multiplicou-se no tráfico íntimo de cada grupo, depois de grupo em grupo, desde que se erigiu o princípio da propriedade privada, permitindo a cada qual livremente dispor do seu onde e como lhe conviesse.
10. João Eunápio Borges, Curso de Direito Comercial Terrestre, Forense, vol. I, pg. 12: Na venda direta que o produtor faz ao consumidor existe troca, mas, econômicamente, não ha ‘comércio’. Apesar do respeito que devoto à obra do mestre, nesse tipo de venda (direta entre o produtor e o consumidor), por vezes também há comércio. Bastará que resulte de atividade não eventual e com escopo lucrativo, para que se a reconheça e declare comercial.
11. Alberto Biolchini, Direto Comercial – Preleções do Dr. Inglez de Souza, A Editora, pg. 1
12. Waldemar Ferreira, ob. cit. pg. 22: Nem tardou que surgissem os que, de maior poder de iniciativa e dotados de espírito de aventura, se dispusessem a adquirir aqui o que faltava ali, de molde a poder trocar alhures e conduzir para mais longe gêneros e utensílios aos prováveis consumidores, ao longo das ruas e das estradas
13. Inglez de Souza, compilado por Alberto Biolchini, ob. cit., pg. Mas, do mesmo modo que o productor, ao desfazer-se da riqueza que produziu, procura para si uma utilidade; do mesmo modo que o consumidor aufere della uma utilidade, pela satisfação da necessidade correspondente, assim tambem aquelle que, pela sua intromissão, facilita a um e outro a utilidade almejada, tem e deve ter o intuito de colher uma vantagem, visa o lucro.
14. J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. I, pg. 46
15. Walter T. Álvares, Direito Comercial, Sugestões Literárias, vol. I, pg. 57.
16. Octávio Médice, diz que a publicação do Código de Hamurabi deu-se no século XIX a.C.; João E. Borges, refere o ano 2.083 a. C.; J. X. Carvalho de Mendonça refere o ano 2..250 a. C.
17. João Eunápio Borges, ob. cit., pg. 26
18. Octávio Médici, ob. cit., pg. 27
19. Walter T. Álvares, ob. cit., pg. 60
20. Fran Martins, Curso de Direito Comercial, Forense, pg. 33: Não se pode, com segurança dizer que houve um direito comercial na mais remota antigüidade. Os fenícios, que são considerados um povo que praticou o comércio em larga escala, não possuíam regras especiais aplicáveis às relações comerciais. Na Grécia começam a aparecer alguns contratos, que mais tarde são aceitos no direito comercial, como o câmbio marítimo, de que há referência nos discursos de DEMÓSTENES, variando a taxa de 21% a 30%, em caso de feliz arribada dos navios (26) Cf. Vicente Austín Y Gella, Curso de Derecho Mercantil Comparado, 2a. Ed., Zaragoza, 1948, pág. 23.
21. João E. Borges, ob. cit., pg. 27
22. João E. Borges, ob. cit., pg. 28
23. Amador Paes de Almeida, Falências e Concordatas, Saraiva, pg. 21
24. Rubens Sant’Anna, Falências e Concordatas, Síntese, pg. 16
25. Amador Paes de Almeida, ob. cit., pg. 21
26. Walter T. Álvares, ob. cit. Pg. 38
27. J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de Direito Falimentar, Forense, pg. 29
28. Rubens Sant’Anna, ob. cit., pg. 17
29. Hernani Estrella, ob. cit., pg. 26: Nos tempos modernos, a França tem a primazia e assume a liderança do grande movimento de ordenação e sistematização legislativa do direito comercial. Sob o reinado de Luiz XIV, sendo ministro Colbert, vieram à luz as duas ordenanças…
30. Darcy Arruda Miranda Júnior, Curso de Direito Comercial, Saraiva, 1º vol., pg. 17
31. José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, Forense, vol. I,
32. Guilherme Haddad, Ementas de Direito Romano, José Konfino, pg. 5
33. Waldemar Ferreira, ob. cit. , pg. 38
34. J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de Direito Falimentar, ob. cit., pg. 27
35. Octávio Médici, ob. cit, pg. 31 grafou Segismundo Scaccia; Geraldi Viveira, Curso de Direito Comercial, Síntese e Campos, pg. 22, grafou Sigismondo Sccacia.
36. João Eunápio Borges, ob. cit., pgs. 30/31: Nos primeiros tempos,, porém, no período compreendido entre a fundação de Roma e a primeira guerra púnica, na época do primitivo ‘jus quiritium’ a palavra ‘commercium’ tanto em Roma, como nas cidades estrangeiras, compreendia, segundo HUVELIN, o direito do mercado, a faculdade de participar em atos jurídicos internacionais, geralmente de caráter mercantil, desprovidos das solenidades do ‘jus civile’..Os autores latinos, lembra HUVELIN, (9) apresentam o commercium sob um aspecto unilateral, como um direito dos estrangeiros em Roma, como exemplo de Ulpiano, que se refere aos ‘peregrini, quibus commercium datum est’. Mas o commercium é recíproco, sendo concedido aos romanos nas cidades estrangeiras, à base de reciprocidade.
37. João Eunápio Borges, ob. cit., pg. 35
38. J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de Direito Falimentar, ob., cit., pgs. 29/30
39. J. X. Carvalho de Meonconça, ob. Cit., pg. 61: (2) A primeira obra de codificação, inciada no século XVIII, foi a do Código Geral Prussiano (allgemeines Landrecht) de 1794, não falando de Códigos parciais anteriores. Certo é, porém, que a idéia de codificação remonta a período anterior ao século XVIII, mas sem êxito prático digno de menção. Nesse século Leibnitz proclamava a necessidade de um Código ‘brevis, clarus, sufficiens’.
40. Waldemar Ferreira, ob. cit., pg. 66, diz que o Código dividiu-se em quatro livros. O do comércio em geral (comerciantes, livros comerciais, sociedades, bôlsa, penhor, comissários, compra e venda, letras de câmbio, bilhetes à ordem). O do comércio marítimo. O da falência. O da jurisdição consular ou comercial. Igual entendimento tem Fran Martins, ob. cit., pg. 40: O Código francês compunha-se, inicialmente, de 648 artigos, divididos em quatro livros, compreendendo o primeiro o comércio em geral, o segundo o comércio marítimo, o terceiro, o terceiro as falências e bancarrotas (titulo acrescido em 1838) e o quarto a jurisdição comercial.
41. Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, ob. Cit., pg. 13: Mas, como observam os comentadores do Código Napoleônico, entre os quais o Prof. Jena Escarra, o Código considera ‘empresa’ a repetição de atos de comércio em cadeia. ‘De “de sorte que esta concepção se apresenta como síntese de dupla noção do ato de comércio e comerciante, que tem por conseqüência confundir os julgamentos que distinguem o sistema subjetivo de comercialidade do sistema objetivo”.
42. J. X. Carvalho de Mendonça, ob. cit., pg. Pg. 61, assim refere-se: Não obstante terem sido as ordenanças de 1673 e 1681 o resultado dos conhecimentos científicos dos jurisconsultos mais notáveis do tempo merecido grandes louvores, tornaram-se insuficientes, principalmente devido ao progresso da riqueza móvel, ao acréscimo da fortuna pública e privada, à atividade do tráfico mercantil e ao desenvolvimento do comércio.
43. João E. Borges, ob. cit., pg. 51, assim explica: A grande inovação do código francês foi o caráter objetivo que imprimiu ao direito comercial. Rompendo com a tradição que via nele o direito de uma classe – o direito dos comerciantes, – o código francês quis unicamente o direito dos ‘atos de comércio’. O ato de comércio adquire autonomia, desprende-se da pessoa do comerciante, objetiva-se e passa a constituir a base do direito comercial. Mas, ao revés, as pessoas serão comerciantes quando praticarem profissionalmente atos de comércio. Deslocou-se da pessoa para o ato a tônica do direito comercial. (32) O legislador francês não conseguiu, porém, vencer o peso da tradição e traduzir exatamente no Código de 1807 a concepção puramente objetiva imposta pela ideologia revolucionária e pelas de 1791.
44. Júlio Dantas, História da Colonização Portuguesa do Brasil, Lloyd’s Greater Britain Publishing Company, Ltd., vol. I, pgs. 4 e 5, assim relata a MARAVILHOSA Lisboa do século XVI: Evoco-a com orgulho e com delumbramento. Tenho-a nos olhos e no coração. Ouço o seu tumulto, céga-me o seu esplendor. Era a grande cidade náutica e comercial que abrira, como uma romã ao sol, o velho burgo judengo e sombrio de D. João II. Era a segunda Veneza, o grande entreposto europeu aberto ao comércio do Oriente, luminosa Cosmópolis onde pululavam os novos-ricos da Renascença; os comerciantes da pimenta, do outro de Sofala, do marfim da Guiné, do ambar, do benjoím, das lacas; os oportunistas da exportação da prata em reais castelhanos; os mercadores genoveses, biscaínhos, sevilhanos, ingleses, flamentos, árabes, que inundavam de produtos o mercado lisboeta e vinham procurar nêle as especiarias para as derramar pelo mundo inteiro. Um só rua bastava para dar a impressão do seu movimento e da sua grandeza. Segue o autor, descrevendo a rua Nova dos Mercadores, uma das principais artérias comerciais de Lisboa, agora, segundo compilou do livro Horas de D. Manuel, de autoria de António de Holanda: Uma só rua bastava para dar a impressão do seu movimento e da sua grandeza: a Rua Nova dos Mercadores…com suas lojas sumptuosas, herdeiras do comércio da Síria e de Alexandria, cheias de pratas, de panos de Flandres, de sêdas da China, de marlotas de Constantinopla, de brocados de Florença, de corais, de espelhos, de lacas, de âmbar, de pérolas, de benjoím, de almíscar, como a pintam, na sua relação de viagem, os embaixadores de Veneza, Tron e Lippomani…Era a rua dos banqueiros (já então havia seis na arqui-avó da rua dos Capelistas!), dos ‘mercadores de tôda a mercadoria’, dos vendedores de porcelanas da Índia, dos livreiros (contavam-se 54, pojados de obras latinas, francesas, portugueses e castelhanas), dos lapidários, dos tapeceiros, dos guadamecileiros, dos luveiros, dos douradores, dos perfumistas, de ‘tutti quanti’- formidável bazar cosmopolita diante do qual passeavam elegantes lisboetas do século XVI…
45. João E. Borges, ob. cit., pg. 55: A legislação comercial portuguêsa foi transcrita por José da Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu, no seu monumental ‘Princípios de Direito Mercantil’ e ‘Leis da Marinha’, obra composta de oito tratados, publicados entre 1798 a 1804. Na época anterior a 1640, não havia própriamente legislação comercial em Portugal; ‘havia neste ponto tanta esterilidade que, segundo testifica Linschotten, nem as leis Rhodias eram conhecidas, tratando do alijamento brutal praticado na navegação oriental, em que os sacrificados pela salvação comum não eram indenizados’, pág. 383 da Introdução. No entanto, no século XIV (de 1366 a 1383), Portugal teve algumas leis promulgadas por D. Fernando I, tratando do direito marítimo, sobretudo de seguros (pág. 135 da Introdução).
46. J. X. Carvalho de Mendonça, ob. cit., pg. 65: O Código Comercial Português de 1833 baseou-se principalmente nos Códigos francês e espanhol, mas, declara Ferreira Borges, teve por fonte também o Código da Prússia (Allgemeines Landrech), de 1794, o de Flandres, que não chegou a entrar em execução em virtude da revolução belga de 1830, o projeto do Código italiano, as leis comerciais da Inglaterra e da Escocia, as ordenanças da Rússia e algumas particulares da Alemanha. A sua extensão, 1.860 artigos, explica-se pela falta de um Código Civil. Acrescentamos que Portugal hoje tem um Código Civil.
47. História da Colonização Portuguesa do Brasil, ob. cit., vol. II, pg. 339: A madeira cujo nome consagrou a terra do Brasil figurava entre as mercadorias que Portugal dava à Europa. Vê-se dalista de mercadorias permutadas, durante o reinado de D. Manuel, com os estados de Flandres e Barbante e publicada no ‘Archivo Historico Portuguez’, que entre elas figura o brasil, não só o da Índia, aludido na minuta atrás, como também o brasil de Santa Cruz.
De Antuérpia participava o feito João Brandão, em 8 de Agosto de 1509, que o brasil de Santa Cruz valia a 28 soldos o cento. (88-Tôrre do Tombo, Corp. Chr., I, 17, 120) .Da carta datada de Bruxelas a 6 de Maio de 1516 e escrita por Rui Fernandes, consta que nessa data já o pau brasil tinha cotação em Flandres. Eis textualmente a pssagem da carta que nos interessa e de cujo origial copiámos.(89-Archivo Historico Portuguez, vol. VII, pág. 64):’Quanto ao preço das espeçiarias, que teveram esta feira de pascoa ella foy muito roim e teveram mao despacho as mercadorias por caso destes bancos rotos que romperam dous mercadores com XX mil crusados que fez grande perda, a terra está perdida de todo, a pimenta valleo antes da vinda das naos a 20 dinheiros e a 20 ½ e com a vinda veo a 19 ½ e a ¼ por as grandes finanças que se fezeram logo porque a terra está mynguada della, gengyvre 13 dinheiros, o da Veneza 18, canella longa 4 soldos, 8 a curta, 3 soldos e 2 dinheiros maças, e soldos e 2 dinheiros nozes, 26 dinheiros cravo escolhido, 10 soldos e em balla 8 soldos e 10 dinheiros malagueta, 7 dinheiros brasyl…
48. História da Colonização Portuguesa do Brasil, ob. Cit., vol. III, pg. 176.
49. Helio Vianna, História do Brasil, Melhoramentos, tomo I, pg. 108. ’
50. Fran Martins, ob. cit., pg. 44
51. Pedro Barbosa Pereira, ob. cit, vol. I, pg. 32, refere que a data de fundação do Banco do Brasil foi 01.10.1808.
52. Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, ob. cit., pg. 15
53. Darcy Arruda Miranda Júnior, Curso de Direito Comercial, Saraiva, 1º vol. Pg. 48, em contrário afirma: A Constituição outorgada de 25-3-1824 previu um Código Civil e um Código Penal, não se referindo a um Código Comercial. Isso parece indicar que, pelo menos até então, a necessidade de um código especial não era premente, razão talvez pela qual José da Silva Lisboa não chegou a ser pressionado, e retardou por muitos anos a elaboração do projeto, que, sem dúvida, graças a sua vivência e notável saber, traria no seu bojo algo de original. Somente em 1831 é que, por iniciativa de José da Costa Carvalho, Marquês de Monte Alegre, Deputado por São Paulo e terceiro diretor dos cursos jurídicos, se cogitou do projeto de um Código Comercial.
54. J. C. Sampaio de Lacerda, Lições de Direito Comercial Terrestre, ob. cit., pg. 39
55. Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, ob. cit., pg. 16
56. Ernani Estrella, ob. Cit., pg. 51
57. J. C. Sampaio de Lacerda, Lições de Direito Comercial, ob. cit., pg. 41: Diante dessa enorme elaboração legislativa, pensou-se sempre em reformar o nosso Código Comercial, em face de sua vetustez. De fato, o nosso Código já nasceu velho, como acentuou, certa feita, o professor Castro Rebêlo, em aula inaugural, por encontrar a base legislativa de seus princípios no Código francês de 1807, que, por sua vez, já era velho ao nascer, como notou Jean Escarra, desde que seus redatores, por comodidade, se inspiraram quase sempre nas Ordenações de 1673 e de 1681, que a seu turno, se baseavam, em grande parte, na legislação estatutária das Repúblicas itálicas da Idade Média. Preferível, contudo, para poder elaborar-se uma legislação comercial que atenda às necessidades da época, fôsse, primeiramente, organizada uma consolidação das normas esparsas. Várias, porém, têm sido as tentativas de reforma do Código Comercial
58. Alguns trechos da extensa proposta encaminhada por Teixeira de Freitas ao Governo Imperial, em 20.09.1867, em resposta ao trabalho até então elaborado, em face de sua designação para elaborar projeto de Código Civil, transcrita, na íntegra, por Waldemar Ferreira, Tratado, vol. I, pgs. 150 a 161:
…O Govêrno quer um projeto de Código Civil para reger como subsídio ao complemento de um Código existente com a revisão, que lhe destina: e hoje minhas idéias são outras, resistem invencìvelmente a essa calamitosa duplicação de leis civis, não distinguem no todo das leis desta classe algum ramo, que exija um Código do Comércio.
Meus esforços na codificação empreendida lutavam constantemente com duas dificuldades de gênero oposto, pelas quais afinal foi vencido. Tal é o poder do comércio; intenta conservar o Código Comercial que domine a legislação inteira.
De um lado, matérias superiores a todos os ramos da legislação, forçoso foi concluí-las no Código Civil, como até agora se tem feito, já que delas carecia e não havia outra parte da legislação em que delas se tratasse.
O Govêrno só pretende de mim a redação de um projeto de Código Civil, e eu não posso dar êsse Código, ainda mesmo compreendendo o que se chama Direito Comercial, sem começar por um outro Código, que domine a legislação inteira…
…De outro lado matérias privativas do Código Civil forçoso foi excluí-las, ou parti-las como também até agora se tem feito, já que havia um Código do Comércio em que delas se tratava. Além disto, sem definir, sem distinguir, sem dividir, nunca já foi possível formular a parte imperativa das matérias; e sempre, ante mim erguido, o aforismo do perigo das definições acusava-me de um falta, e com êle o preceito dos mestres, preceito que, infelizmente, ainda ninguém soube guardar! Como sair de tais embaraços se o contrato de 10 de janeiro de 1859 só autorizou-me a preparar um projeto de Código Civil pelo método da ‘Consolidação das Leis Civis’…
…Todos os Códigos Civis tratam das pessoas e das coisas, e imitou-os o nosso ‘Esbôço’ com uma secção mais sôbre os fatos, seguindo os escritores da escola germânica; e quem ousará dizer que não sejam êstes os elementos de todos os direitos possíveis em tôdas as esferas da vida jurídica?
Não há tipo para essa arbitrária separação de leis, a que deu-se o nome de Direito Comercial ou Código Comercial; pois que todos os atos da vida jurídica, excetuados os benéficos, podem ser comerciais ou não comerciais, isto é, tanto pode ter por fim o lucro pecuniário, como outra satisfação da existência.
Não há mesmo alguma razão de ser para tal seleção de leis; pois que em todo o decurso de um Código Civil aparecem raros casos, em que seja de mister distinguir o fim comercial dos atos, por motivo de diversidade no efeitos jurídicos.
Entretanto a inércia das legislações, ao inverso do progressivo desenvolvimento das relações jurídicas, formou lentamente um grande depósito de usos, costumes e doutrinas, que passaram a ser leis de exceção, e que de leis passaram a ser códigos, com seus tribunais de jurisdição restrita e improrrogável. Eis a história do Direito Comercial! Eis falsificada a instrução jurídica e aturdidos os espíritos com a frívola anatomia dos atos até extrair-lhes das entranhas o delicado critério!
59. Waldemar Ferreira, Tratado, vol. I, pg. 170: …Alargou e tal maneira a matéria comercial, que a matéria civil restaria amofinada em quase nada. Tão pouco lhe tinha ficado, que, com simples projeto de emendas aditivas ao próprio projeto de Código Comercial, êste se transfiguraria, como por golpe de mágica, em majestoso Código Brasileiro de Direito Privado.
60. Sampaio de Lacerda, Lições de Direito Comercial Terrestre, ob. cit., pgs. 31 e 32
61. Fran Martins, Curso de Direito Comercial, ob. cit. pg. 147
Bibliografia
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Informações Sobre o Autor
Ayrton Sanches Garcia
Professor de Direito Comercial na FURG/RS
Advogado no Rio Grande/RS