A lei 12.010 de 29 de julho de 2009, rubricada como a nova lei de adoção, modificará importantes normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, Código Civil e Consolidação das Leis do Trabalho.
Mais que uma pontuação técnica, à luz de posicionamentos jurídicos variados, este artigo levanta questões de ordem social e político-administrativas presentes na citada lei.
A positivação dos comandos genéricos inseridos na encimada norma revela certa incoerência quanto ao trato do insidioso problema do abandono de menores, principalmente quando se foca a atenção, sobre a ingerência estatal e a efetividade das ações para garantir a assistência devida às crianças e adolescentes brasileiras não inseridas em um seio familiar.
Diante de alguns novos aspectos ínsitos ao estudado preceito, pode-se pontuar: a criação de maiores entraves legais para que seja feita a adoção internacional; a consideração de novas ordens de disposição familiar dentre as inúmeras presentes nos tempos modernos, embora ainda não enfrente a questão da adoção por casais homoafetivos; um terceiro ponto a ser citado é um maior relevo para com a qualidade da adoção realizada, no sentido de resguardá-la por meio de posterior acompanhamento interprofissional, dentre outras modificações.
Entretanto, as mudanças advindas fazem surgir diversas dúvidas que, infelizmente, não são respondidas pela lei, como por exemplo, até quando e como a avaliação multidisciplinar procedida após a adoção, será feita? Quais indicadores serão estabelecidos para que uma família possa ser considerada apta a manter o adotado no seio familiar?
Os novos artigos não parecem considerar questões como estas, ao contrário, a mesma reflete uma inação daqueles que possuem o poder legiferante, pois ignora situações demasiadamente concretas que surgem todos os dias, como a falta de servidores qualificados ou a morosidade que acomete não só o Judiciário, mas a toda Administração Pública brasileira, além das adversidades de ordem estrutural por todos conhecidas.
Talvez a característica mais relevante do novo diploma legal, traço marcante do ora escrito, é a reiterada e ampliada municipalização da gestão das políticas de adoção, seguindo forte tendência administrativa que confere aos gestores municipais uma maior influência sobre questões como educação, saúde, distribuição de renda, etc.
O alinhado regramento amplia, de forma consubstancial, o papel dos municípios, representados primordialmente pelos Conselhos Municipais, que detem responsabilidade fundamental para conferir concreção à lei de adoção.
Este tipo de postura gerencial leva em consideração a máxima de que o município, ente federativo que possui maior contato com a população, além de ser responsável por aplicações de medidas que privilegiem interesses locais, é o mais apto a aplicar e gerenciar projetos de interesse nacional, como ocorre com a adoção.
Destarte, surge uma indagação: Seria um ônus demasiado para o Município?
Uma das respostas pode ser extraída do próprio Judiciário, quando da negativa municipal em cumprir comando judicial que visa proteger os tutelados pelo ECA, sustentando ausência de dotação orçamentária e solidariedade entre os entes.
Já pela ótica administrativa, os artigos da lei não parecem considerar situações comuns, como Municípios extremamente pobres, além de Conselhos Municipais por vezes dependentes politicamente dos poderes constituídos, atuando, apenas, como braços políticos da Administração, o que, fatalmente, implicará na não efetivação das mudanças advindas da regra.
Assim, a decisão tomada pelo legislador quando da feitura da norma pode culminar em situações díspares, pois mesmo diante da proeminência da questão “transfere-se” elevado fardo ao Município.
A toda evidência não há mais espaços para crenças românticas de que simples leis resolverão problemas estruturais profundos, porquanto o abandono de crianças e adolescentes brasileiros é um fato, no qual urge a criação e implementação de medidas, não só profilática e paliativa, mas políticas efetivas para que seres humanos vivendo sob esta degradante situação possam ter garantidos sua dignidade como tais, evitando que seja aviltada a essência da nossa futura geração.
Só o tempo demonstrará os efeitos da municipalização, para tanto, deve haver maior acuidade legislativa no trato da adoção, eis que a sociedade não reclama pela feitura desmedida de leis – o pensamento é diametralmente oposto na medida em que se perquirem políticas sociais transformadoras da realidade.
Informações Sobre os Autores
Monique Dinz Brandão
Advogada. Membro da Comissão Permanente de Direitos Humanos Assunstos Legislativos e Defesa da Cidadania. OAB/RJ 8ª Ss
Thaisa Xavier Chaves
Advogada. Membro da Comissão Permanente de Direitos Humanos Assunstos Legislativos e Defesa da Cidadania. OAB/RJ 8ª Ss.