Nova Lei de Tóxicos: Anotações ao artigo 38 e parágrafos

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Preâmbulo

O novo texto legal que terá sua vigência a partir do dia 27 de fevereiro – Lei 10.409/2002 e que virá a alterar disposições da Lei 6.368/76, com esta coabitando, está a lembrar BISMARK, isto em razão da pusilanimidade de quem a vetou, quando afirmava o Chanceler que a feitura de leis e salsichas era algo que todos deveriam manter-se afastados, tamanho o asco que a confecção destas despertaria.

Não obstante, legem habemus e, malgrado o novo Frankstein jurídico que bate às nossas portas, o tempo agora não é mais o de lamentarmos a forma espúria e equivocada com que as leis penais no Brasil são tratadas. Temos, até com uma certa urgência, é que nos debruçarmos sobre a retalhada lei, cuja temática é questão cara e aflitiva a sociedade, indistintamente e, sobre esta, iniciarmos o natural debate jurídico que, a final, haverá de lançar luz sobre o tema.

Por ora, com os cuidados próprios de quem está a curvar-se sobre assunto tão novo e inarredavelmente polêmico, cuidaremos de opinar sobre instante inovador, garantístico  e crucial, albergado no artigo 38 e seus parágrafos da nova Lei de Tóxicos.

Anotações

Art. 38, caput:

Dispõe este que o Ministério Público, agora no prazo de 10 (dez) dias (conf. art. 37, caput) e nos casos em que entender plausível, ofertará a denúncia e o Juiz, na promoção da regularidade do processo (art. 251 do C.P.P.) ordenará a “citação” do acusado, isto no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para este responder a acusação, por escrito, também no prazo de 10 (dez) dias, contados da data da juntada do “mandato” (sic) aos autos ou da primeira publicação do edital de “ citação ”, e designará dia e hora para o interrogatório, que irá se realizar dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso.

De plano, uma impropriedade terminológica por parte do legislador há de ser observada: Citação não pode ser confundida com Notificação e não é possível falar-se já em citação quando a denúncia nem mesmo foi ainda recebida. A citação é ato introdutivo da instância penal que confere à relação processual a angularidade que a caracteriza como actum trium personarum, o que, nesta fase do artigo em comento, ainda não se instalou, podendo a denúncia vir até mesmo a não ser recebida. Seria o caso, a exemplo de procedimento análogo existente no art. 514 do C.P.P., de falar-se em Notificação.

Outro erro crasso e flagrante, é o legislador falar em “ mandato ”(sic) quando, por óbvio, o correto seria mandado. Ano de eleições…………

Entretanto, superada essa liliputiana crítica, vale registrar a verdadeira evolução que este artigo imprime no procedimento criminal que balizará a nova Lei de Tóxicos, em sentido claramente garantístico. Ao instituir a resposta escrita à acusação, antes do recebimento da denúncia, está-se, em última análise, a criar-se garantias de refutação, de possibilidades de enfrentamento do articulado na peça acusatória antes que esta deságüe, inquestionada e em vôo solo, em tormentosa Ação Penal que, em alguns casos, desde o início se mostra desarrazoada, por ausente o fumus commissi delicti , transformando-se em verdadeiras matrizes de erros judiciários.

Portanto, gera-se assim, eficácia garantística ao processo penal, conforme defende o professor Uruguaio DIEGO CAMAÑO VIEIRA: “En líneas generales, podría decirse que un proceso penal es eficaz cuando comete los menores errores respecto de los inocentes, lo que solo se logra dentro de un modelo de proceso penal cognoscitivo, que posibilite la reputación de las hipótesis acusatórias…..” 1 .

Este novo momento processual, se não for mitigado e dilacerado pelos Tribunais como aconteceu com o antigo despacho saneador, irá transformar-se em instante de verdadeira salvaguarda da sociedade, atuando como um verdadeiro filtro às acusações temerárias. Imprescindível, portanto, a observância da “citação” do acusado, sendo que, a nosso ver, nulo “ex-rádice” o procedimento que não a considere, por importar em óbvia violação do direito constitucional a ampla defesa. Esta diligência é tão imprescindível que a própria lei condiciona o recebimento da denúncia à resposta escrita do acusado, uma vez que esta poderá, inclusive, afastar todo o processo.

Art. 38, § 1º:

Tal resposta ou defesa preliminar, conforme lucidamente bem apreendido pelo notável Promotor RENATO FLÁVIO MARCÃO, que abrilhanta as hostes ministeriais bandeirante, “envolve o questionamento de toda e qualquer matéria defensória. Ao contrário do que parece a primeira vista, a resposta escrita deverá atacar, inclusive, o mérito da acusação, (…) a defesa poderá, entretanto, argüir matéria objetivando a rejeição da inicial acusatória, e, se for o caso, postular produção de provas com tal finalidade” 2.

De fato, o acusado terá amplo leque de conduta defensória, onde poderá analisar e contraditar o mérito do pedido acusatório; instruir sua peça com documentos e rol testemunhal ( prazo fatal ); argüir exceções; suscitar a inépcia da exordial acusatória, seja por falta de justa causa ou seja por falha exposição do fato ou de suas circunstâncias, não amoldando este a um tipo penal, e, por fim, especificar as provas que pretende produzir, pugnando por estas, tudo em busca de neutralizar a denúncia.

Importante gizar e não olvidar o direito à prova, o direito de propô-las e discutí-las a fim de também poder-se influir no convencimento judicial, o “ direito de defender-se provando ” como diz ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO 3 para que se atinja a verdade processual, qual seja, aquela alcançada através de provas e contraprovas, e, ao fazer-se tal ressalto, alertar-se para os cuidados que deverá ter o juiz ao jugular alguma prova especificada e pugnada.

Art. 38 § 2º:

O texto é límpido, remetendo o procedimento, em apartado, aos ditames dos artigos 95 a 113 do C.P.P.

Art. 38 § 3º:

Esta hipótese em comento estará, de plano, arredada no caso de citação por edital, haja visto que ao determiná-la, já deverá o Juiz ter nomeado defensor dativo no ato em que a determinou, correndo o seu prazo da primeira publicação deste edital.

Já, no caso de acusado “citado” pessoalmente vir a quedar-se inerte, no prazo de 10 (dez) dias o juiz nomeará a este um defensor para oferecer resposta escrita, que a lei está a demonstrar ser tão imprescindível quanto acima já o dissemos.

Questão interessante é o caso do acusado ter defensor constituído por sua escolha e que está a figurar nos autos desde o inquérito. Caso o acusado seja “citado” nesta situação, entendemos que também o seu Patrono deverá ser intimado do prazo de apresentação da resposta escrita e, se por questões de vertente defensória, quedarem-se, ambos, em silêncio e não apresentarem a resposta escrita, nada haverá para se fazer posto que, neste caso, por força do “foro de eleição” do réu, que é uma das mais vigorosas colunas do instituto da Ampla Defesa, a nomeação de outro defensor que não o escolhido do réu feriria tal princípio.

Art. 38, § 4º:

PRELIMINARMENTE, uma questão: Porque neste artigo está sendo dado ao Ministério Público oportunidade superior em quantidade (tem ele 02 (dois) momentos para defender seu ponto de vista) e qualidade (falará por último), desequilibrando-se assim, a “paridade de armas” e, via de conseqüência, o contraditório?

É flagrantemente ofensivo a tais princípios e ao Princípio de Igual Tratamento das Partes, este regramento desigual entre Defesa e Acusação, oportunizando-se ao Ministério Público esta nova e segunda opinião, facultando-lhe a chance de uma nova e segunda acusação.

Se o contraditório é duelo, e duelo se faz é com armas iguais, onde a lógica e a Justiça desta diferença de tratamento?

Superada esta questão, fica o término do parágrafo para comentarmos. Que decisão é esta que o Juiz irá proferir?

Parece-nos que a mais importante de todo o processo que envolva a nova Lei de Entorpecentes, encontrando-se no mesmo patamar da sentença final.

Esta decisão inaugurará o processo ou a ele não dará seguimento, e, para isto, nela se observará as condições da ação e deverão ser detidamente analisadas todas as teses propostas pela acusação e defesa. Também nesta decisão se tratará da necessidade ou não das provas pretendidas pelo Ministério Público e pelo Defensor.

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Portanto, não é mais possível aquele “simples, lacônico, seco e, ao nosso ver, nulo por inconstitucional“ despacho ”de recebimento da denúncia” 4 dado até aqui de forma automática, as vezes até por carimbo. Trata-se, agora, de decisão complexa, sobre questões nevrálgicas e centrais que, por isso mesmo, haverá de ser fundamentada, conforme, inclusive, comando constitucional (art. 93, IX da C.F./88) sob pena de prejuízo à acusação ou à defesa e, por via de conseqüência, pena de nulificar de forma absoluta o feito.

Nesse sentido já se posicionaram com o habitual brilhantismo o Promotor RENATO FLÁVIO MARCÃO5 e os notáveis LUIZ FLÁVIO GOMES, ALICE BIANCHINI E WILLIAM TERRA DE OLIVEIRA6.

Aliás, estes últimos escreveram algo que revela bem a dimensão deste novo procedimento: “Para se compreender o que está escrito no art. 38 sob análise é preciso fazer uma reprogramação mental completa. Não se pode raciocinar consoante os termos antigos em que o juiz recebia (burocraticamente) a denúncia sem a análise das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade para agir e interesse de agir = justa causa) e dos pressupostos processuais (órgão jurisdicional competente, pedido e partes) 7.

Art. 38, § 5º:

Em complementação, fica aqui pontuado que, daquelas diligências solicitadas pela acusação e pela defesa que o juiz, motivadamente, teve como imprescindíveis, será determinada a sua realização no prazo máximo de 10 ( dez ) dias.

Art. 38, § 6º:

O artigo é claro por si só. Nenhum comentário.

CONCLUSÃO

Não é a Lei que queríamos. A bem da verdade é uma meia-Lei para um País que cuida do Direito Penal e de coisas até mais importantes que este, pelas metades.

O novo diploma, vetado e costurado trará mais dificuldades do que propriamente soluções, posto que é só mais um fruto doente do movimento pendular que está a ocorrer já há um bom tempo no Direito Penal entre o Movimento de Lei e Ordem e o Direito Penal Mínimo e Garantístico. ( Até quando, Catilina ? …… ).

Mas não devemos perder a fé. Finalizamos compilando trecho do prefácio feito por ALBERTO ZACHARIAS TORON ao livro Crime Organizado, de LUIZ FLÁVIO GOMES e RAUL CERVINI, ed. RT, ano 1995, onde este cita a advertência de EDGAR MORIN:

“Estamos passando por um desencanto necessário. Temos de viver num mundo desiludido. Mas o mundo desiludido não é o mundo chão e prosaico dos interesses egoístas: É o mundo que se livrou da estupidez das soluções definitivas, do futuro radioso, do progresso indefinido e infinito: É o mundo estranho, terrível, patético, alucinante em que estamos, em que podemos e devemos arriscar nossas forças de amor, mas não nos falsos messias”.

Notas:
1 – VIEIRA, Diego Camaño., El Proceso Extraordinário Del Nuevo C.P.P. : Un enfoque garantista in Revista de Estudos Criminais 3, 2001, ITEC, pag. 26/27.
2 – MARCÃO, Renato Flávio. Anotações pontuais sobre a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos)Procedimento e Instrução Criminal. Disponível na INTERNET: http/www.ibccrim.org.Br, 04.02.2002.
3 – GOMES FILHO, Antonio Magalhães., Direito à  Prova no Processo Penal, ed. RT, 1997.
4 – FURTADO, Renato de Oliveira., Denúncia: Necessidade de fundamentação de seu recebimento, RT 682/405.
5 – MARCÃO, Renato Flávio. Ídem
6 – GOMES, L.F., BIANCHINI, A. e OLIVEIRA, W.T., Nova Lei de Tóxicos, curso pela internet in www.estudoscriminais.com.br , 20.01.2002.
7 – GOMES, L.F., BIANCHINI, A. e OLIVEIRA, W.T., ídem.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Renato de Oliveira Furtado

 

Advogado Criminalista. Professor de Processo Penal da Universidade Estadual de Minas Gerais – Campus Frutal. Membro IBCCRIM

 


 

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