“Todas as coisas já foram ditas, mas como ninguém escuta é preciso
sempre recomeçar”. André Gide (escritor francês, 1869-1951)
I – Introdução
Resumidamente, do ponto de vista técnico, poder-se-ia definir o
advogado como sendo o profissional formado em Direito, detentor da atribuição
de orientar, assessorar ou representar aqueles que têm interesses a pleitear ou
resguardar perante a esfera judicial. É ele o perito da norma, auxiliar
imprescindível na correta interpretação e na integral aplicação da lei, sujeito
ativo no constante aperfeiçoamento da nossa jovem democracia e na edificação de
um cotidiano mais justo.
Sob a óptica do coração, falar-se-á, sem exageros, que “ser advogado
significa haver renunciado a muitos sonhos e também haver sido esposado um alto
encargo, pleno de grandes responsabilidades. O homem e o jurista constituem uma
unidade inseparável e não há uma linha de fronteira entre aquele e o
profissional; encontram-se sempre entrelaçadas a dignidade do homem e o dever
da profissão na luta pelo direito, pois só esta é própria da advocacia” (1).
Funcionar como o farol que jamais se apagará na eterna busca da verdade,
superando os obstáculos, enfrentando a opressão, lutando por um amanhã mais
digno, mostrando que o ideal de justiça é possível… Eis a grande meta de todo
operador do Direito, eis a realização profissional diária do advogado.
Portanto, as obrigações da advocacia extrapolam os feitos de defender o
acusado ou representar a parte em juízo, haja vista que tal labor é calcado em
fundamentos maiores.
Intimamente o advogado é visto como defensor do inocente, daquele que
está sofrendo injustiça, figurando como a voz do oprimido e o eco da sociedade.
“Quando empresta seus conhecimentos ao cliente, ele é, via de regra, um
guerreiro que transforma em armas prodigiosas os seus estudos e as suas
palavras. E é por esses e outros motivos que os governos temem os advogados.
Afinal, quando estes se dispõem a defender a Justiça, a Liberdade, a Dignidade
e o Direito, oferecem – no mínimo – dificuldades aos usurpadores do poder
popular” (2). Clássica é a frase de Napoleão Bonaparte,
que, no auge de sua visão militarista e autoritária, asseverou que “os juízes
distorcem a lei enquanto os advogados a matam”. Mas “o advogado não altera a
verdade se consegue tirar dela aqueles elementos mais característicos, que
escapam ao vulgo. Não é justo acusá-lo de trair a verdade quando, pelo
contrário, consegue ser, como o artista, seu intérprete sensível” (3).
Logo, quebrando o silêncio face às iniqüidades, aos abusos de poder e
aos desvios na observância da legislação, a advocacia aborrece as elites,
traduzindo os anseios de toda uma nação, por constituir instrumento hábil a
encarar, sem medos, o braço regulatório e inquisitivo do Estado, fazendo valer
a máxima de que “ninguém está acima da lei” (4).
Viver é assunto complexo, e a vasta gama de obrigações a permear nossa
existência é episódio corrente e inegável. “O fato de que o homem é capaz de
agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar
o infinitamente improvável” (5). Noutros termos, o gênero humano
pode tudo, no vasto espectro de sua atuação civil, e por ser a convivência ato
repleto de riscos, se faz necessário o arcabouço da responsabilização pela
atividade desenvolvida, enquanto parte inconteste do imprevisível caleidoscópio
social.
Desde seu longínquo primórdio, a advocacia externa características e
parâmetros demasiadamente singulares, à medida que sintetiza a fusão entre
elementos exclusivos à iniciativa privada, inclusive revelando traços de
empreendedorismo, com vários preceitos da ordem pública, sendo considerada meio
“indispensável à administração da justiça“. Destarte, não é sem razão que sua
prática, bem como os aspectos ligados às suas responsabilidades, além da própria
valoração comportamental e ética exigidas pelo ambiente de trabalho, venham a
diferir de outras funções ditas liberais.
A labuta advocatícia, pela natureza pecuniária que encerra, os lucros
que almeja, os reflexos que suas ações podem ter no patrimônio alheio e a
projeção e o reconhecimento profissional que persegue, encontra-se devidamente
cerceada pelo Código Civil vigente. Também se acha inserta nas relações do
mercado de consumo, de modo que o advogado aparece como prestador de serviços,
passível dos limites estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor.
Igualmente, o advogado submete-se a um sistema profissional privativo,
com poderes regulatório, fiscalizatório e punitivo regidos pela Ordem dos
Advogados do Brasil, OAB, conselho da classe, a atuar regional e nacionalmente,
“instituição criada por lei, empresa humana que permanece animada por uma idéia
força, e é a principal interessada em conferir higidez aos seus quadros,
defendendo a prática do ofício e a respeitabilidade de seus membros integrantes”
(6), competente para o julgamento dos atos praticados pelos que nela
se encontram inscritos, consoante adequados Estatuto e Código de Ética e
Disciplina.
Assim, se sujeita o advogado a
sanções disciplinares por parte da OAB, sanções processuais, impostas pelo
juiz, e a processo judicial, tanto no campo civil como no criminal, caso sua
atuação afasta-se da diligência e zelo requeridos, acarretando prejuízo ao
cliente, uma vez que o bom advogado não pode se distanciar das virtudes que são
intrínsecas à excelência profissional.
Não obstante, depreende-se a urgência da temática desenvolvida ao longo
deste artigo, uma vez que nos Tribunais de Ética e Disciplina existem grande
número de representações contra profissionais da área. Além do que, há uma
certa quantidade de processos na justiça comum contra advogados, que, embora
não tão expressiva, serve de alerta para a categoria. Erros inescusáveis, e
seus reflexos, geralmente, dão causa a esses problemas. Aparentemente
“advogados são as únicas pessoas cuja ignorância da lei não é punida com a
cadeia” (7). E a tendência é de que as cifras aumentem, em
decorrência de muitos fatores, como queda na qualidade do ensino jurídico, o
maior numero de advogados, a maior informação e conscientização dos
consumidores quanto a seus direitos, o maior volume de ações judiciais etc.
Dentro dessa conjuntura, é precioso o debate relativo à responsabilização pelos
atos desenvolvidos na advocacia, como oportunidade de analisar, mesmo que
sucintamente, as ocasiões em que o dever de responder emana.
II – Breve explanação sobre responsabilidade civil
A regra da responsabilidade civil é o modelo fundado na culpa (a Lex Aquilia romana, que evoluiu, no
Código Napoleônico de 1804, para a teoria subjetiva), e é esta que deve
predominar para os profissionais. A teoria objetiva (teoria do risco), presente
em ordenamentos jurídicos mais recentes, estabelece que, perante dúbia acepção,
qual seja a que considera a dificuldade da prova e o risco da atividade, a
vítima estaria livre da incumbência de demonstrar a culpa do ofensor,
objetivando pronto ressarcimento da violação. E ambas as teorias convivem na
legislação pátria
Muitos são os conceitos de responsabilidade civil, mas se pode dizer
tratar-se da obrigação derivada que surge com o descumprimento de um dever
jurídico preestabelecido (em lei ou contrato), reparando-se eventual dano
gerado.
No que tange à responsabilidade civil do advogado, esta deve ser
entendida como a advinda de acontecimentos intrinsecamente relacionados ao seu
exercício profissional, vislumbrando-se, por exemplo, grave culpa em desfecho
desfavorável da demanda ou mesmo má condução da marcha processual.
III – Caracteres da responsabilização do advogado
a) Mandato
e locação de serviços
A doutrina, em geral, apresenta a relação entre cliente e advogado como
típico caso de mandato (início do
art. 37, CPC). Mas o serviço advocatício não se resume a isso. Com efeito, o
advogado não se restringe a representar a parte, tendo a obrigação de
orienta-la e aconselha-la.
Existem situações em que o advogado não assume a posição de mandatário,
como na hipótese de ser contratado para redigir um contrato, um parecer ou
assessorar o cliente no fechamento de um negócio. Portanto, há aqueles que
dizem que a advocacia se trata de locação
de serviços ou de obra. Porém, as duas considerações podem ser aplicadas, o
que nos leva a classificar prestação advocatícia como um contrato atípico,
misto de mandato e locação de serviços.
Ainda é preciso mencionar o exercício da advocacia assalariada, que
estabelece um contrato de trabalho
entre advogado e empregador.
b) Responsabilidade
contratual e extracontratual
O advogado responde contratualmente aos seus clientes, porém são
notórios os casos em que a responsabilidade do advogado decorre mais de
imposições ético-legais do que por força de contrato, a exemplo do sigilo
profissional. Sabe-se ainda que a responsabilidade extracontratual tem guarida
no art. 186 do Código Civil, ao passo que a contratual é tratada no art. 389 do
mesmo diploma. E o efeito mais perceptível dessa divisão ocorre na distribuição
do ônus da prova da culpa. Enquanto na extracontratual caberia ao autor provar,
além do dano e do nexo causal, que o réu agiu com culpa, na contratual seria
exigido do autor tão somente a prova da existência de um contrato e o
descumprimento de suas cláusulas, tendo o devedor que comprovar não ter agido
com culpa.
c) Obrigação
de meio e de resultado
Para atividades liberais, tais como a advocacia, a despeito dos
contratos firmados, emprega-se a separação entre obrigações de meio e de resultado.
Na obrigação de meio, o devedor se obriga a aplicar todo seu desvelo e
prudência na persecução de um resultado, sem, contudo, vincular-se a obtê-lo.
Na obrigação de resultado, o credor tem o direito de exigir a produção de um
epílogo favorável para o litígio, sem este, dar-se-ia a inadimplência do
compromisso.
Na de meio, o obrigado só será responsável se o credor provar a
ausência do comportamento exigido ou uma conduta pouco vigilante e leal. Na
obrigação de resultado, basta que a expectativa seja frustrada para que o
devedor tenha de indenizar pela inobservância contratual, só se isentando de
responsabilidade se provar que não agiu culposamente.
“Não é o advogado obrigado a aceitar o patrocínio de uma causa, mas se
firmar contrato com o cliente, assume obrigação de meio e não de resultado, já
que não se compromete a ganhá-la nem a absolver o acusado” (8). “No
entanto, existem áreas de atuação da advocacia que, em princípio, são
caracterizadas como obrigação de resultado. Na elaboração de um contrato ou de
uma escritura, o advogado compromete-se, em tese, a ultimar o resultado” (9).
Sintetizando, “normalmente o advogado assume obrigação de meio,
relativamente ao procuratório contencioso. Mas pode haver contratado obrigação
de resultado, quando se tratar de atividade consultiva ou de agir por algum
procedimento de jurisdição voluntária” (10).
Deve-se citar que o advogado tem obrigação de resultado frente a
determinados atos processuais, como a proposição da ação dentro do prazo
prescricional, a contestação da demanda, a interposição de recursos no tempo
certo e o comparecimento a audiências, mesmo que tais ações não venham
discriminadas em contrato assinado entre ele e o cliente, pois são atos básicos
da profissão, presos ao mero conhecimento da Lei.
IV – Legislação pertinente
A responsabilidade civil do advogado é considerada, nos seus diversos
aspectos, por uma preceituação complexa, advinda do Código Civil, do Código de
Processo Civil, do Estatuto da Advocacia, do Código de Ética Profissional,
afora a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor.
A CF, no art. 133, coloca o advogado como sendo “indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei”. Em idêntico sentido, o art. 2º do
Estatuto da Advocacia (Lei nº 8906/94), repete a firmação da Carta Magna em caput. Nos §§ 1º e 2º, o art. 2º
disserta:
“§ 1º. No seu ministério privado, o advogado
presta serviço público e exerce função social;
§ 2º. No processo judicial, o advogado
contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao
convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público;”
O art. 32, caput, do Estatuto
da Advocacia, dispõe ser o advogado “responsável por dolo ou culpa pelos atos
que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”. O art. 186 do
Código Civil esclarece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”, ficando obrigado a repará-lo,
consoante art. 927, caput, do mesmo
Código. Nesse diapasão, aplica-se o art. 389 do Código Civil, se considerado
que o advogado assumiu obrigações de resultado. Relevante também é o art. 3º do
Código de Defesa do Consumidor, define fornecedor,
e, em seu parágrafo único, expressa o significado de serviço, pois o advogado é entendido como um profissional liberal,
de forma que é ele espécie do gênero prestador
de serviço, estando na condição de fornecedor para a proteção
consumeirista. O § 4º, do art. 14, do CDC, se refere à verificação da culpa
para a responsabilização dos profissionais liberal.
Por concluir, o art. 34 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil elenca infrações disciplinares (para efeito deste trabalho,
traz-se apenas algumas delas):
“I – exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo ou
facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou
impedidos;
VI – advogar contra literal disposição de lei,
presumindo-se a boa fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na
injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;
VII – violar, sem justa causa, sigilo
profissional;
VIII – estabelecer entendimento com a parte adversa
sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário;
IX – prejudicar, por culpa grave, interesse
confiado ao seu patrocínio;
X – acarretar, conscientemente, por ato próprio,
a anulação ou a nulidade do processo em que funcione;
XI – abandonar a causa sem justo motivo ou antes
de decorridos dez dias da comunicação da renúncia;
XIV – deturpar o teor de dispositivo de lei, de
citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e
alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da
causa;
XV – fazer, em nome do constituinte, sem
autorização escrita deste, imputação a terceiro de fato definido como crime;
XVII – prestar concurso a clientes ou a terceiros
para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la;
XVIII – solicitar ou receber de constituinte
qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta;
XXI – recusar-se, injustificadamente, a prestar
contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;
XXIV – incidir em erros reiterados que evidenciem
inépcia profissional;
XXV – manter conduta incompatível com a advocacia;
XXVII – tornar-se moralmente inidôneo para o
exercício da advocacia;
“XXVIII – praticar crime
infamante”.
Para
constar, alguns doutrinadores são favoráveis à inversão do ônus da prova, do
art. 6º, inciso VIII do CDC, em casos de inequívoca hipossuficiência, diante de
questão especialíssima, a qual só poderia ser compreendida por perito na norma
em xeque.
V – Pressupostos da responsabilidade civil do advogado
Para
a caracterização da responsabilidade civil do advogado haverá a necessidade de
coexistirem três pressupostos: a conduta
culposa, o dano causado a
terceiro e o nexo causal entre a
conduta e a agressão percebida pela vítima.
a) Conduta culposa
A
conduta consiste em um comportamento humano voluntário, comissivo ou omissivo,
que gera conseqüências jurídicas. São elementos da culpa a imputabilidade do agente e o descumprimento
de dever jurídico preexistente,
seja por fato comissivo ou omissivo, caracterizado pelo dolo (intenção de
causar o dano), imprudência (fazer o que não deveria ou poderia), negligência
(não fazer o que deveria) ou imperícia (visível inabilidade técnica). A
responsabilidade aquiliana erigiu a culpa como fundamento para o dever de
indenizar, ao passo que a teoria objetiva prescinde da comprovação, conforme
anteriormente abordado. A teoria subjetiva é, segundo os arts. 186, CC, 32, caput, Estatuto da Advocacia, e 14, § 4º
do CDC, essencial para responsabilização civil do advogado, salvo a exceção do caput do art. 14 c/c o art. 20 do CDC.
Quando se tratar de responsabilidade por fato do serviço, o advogado possuíra
responsabilidade subjetiva, onde a culpa está na base do problema, por força da
excludente contida no § 4º do art. 14 do CDC, mas, quando se tratar de
responsabilidade por vício do serviço (especialmente o § 2º, art. 20, CDC), o
advogado responderia objetivamente.
Esta
última vertente de raciocínio estaria exemplificada na hipótese em que o
cliente contrata o advogado para propor uma ação e esta é rejeitada por ser a
petição inicial considerada inepta. O cliente, então, poderia exigir a
reexecução do serviço pelo próprio advogado ou por terceiro ou a devolução do
dinheiro. Contudo, se o prazo prescricional já tiver se exaurido, parece não
tratar-se mais de vício do serviço, mas de acidente do mesmo, em que haveria
que se comprovar a existência de culpa do advogado, ainda que numa obrigação de
resultado.
b) Grau de culpa
É
essencial a ocorrência de erro grave de direito (falha na interpretação da
legislação ou má utilização dos instrumentos jurídicos), para que se possa
falar em conduta culposa, já que a simples perda da causa, em si, não induz a
responsabilidade civil do advogado.
O erro de fato, caracterizado, por
exemplo, quando o advogado se ausenta da audiência, prejudicando seu cliente,
quando não traz testemunha que havia se comprometido a apresentar independente
de intimação, quando se afasta das instruções dadas pelo contratante ou mesmo
chega a extrapolar poderes recebidos em mandato, será sempre indenizável, não
havendo forma de escusa em alegar que não se deveu a erro grave.
Para sopesar a matéria, é correto afirmar que
o erro que dá margem à indenização é aquele injustificável, elementar para o
advogado médio.
Outro
dilema se formaria ao analisar-se que, se a escolha do cliente for feita
apoiada na conhecida especialização do advogado (tributarista, criminal,
empresarial), a culpa, mesmo não derivada falha grosseira, dependeria de uma
análise mais acurada, por ter tido aquele profissional a preferência justamente
por seu currículo na especialidade.
c) Ônus da prova
Embora
o art. 333, inciso I, do CPC determine competir ao autor provar o alegado na
ação, e o § 4º, do art. 14, do CDC, tenha criado uma excludente para situações
envolvendo profissionais liberais, é sim facultado ao juiz inverter o ônus da
prova em favor do consumidor, observado o art. 6º, inciso VIII, do CDC,
ponderando acerca do seu imperativo diante do caso concreto, consoante os
critérios de verossimilhança das alegações ou de hipossuficiência do
consumidor. Tal critério, não descaracteriza a responsabilização subjetiva do
advogado permitindo, quando a comprovação da culpa se torna um “peso” excessivo
à vítima, que o magistrado a dispense de comprová-la, transferindo o ônus ao
profissional. O entendimento a respeito deste ponto não é pacífico, e parte da
doutrina e da jurisprudência segue em sentido diametralmente oposto, mas soa
razoável a colocação.
d) Dano
Pode
haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.
E para que este seja indenizável ele precisa ser certo quanto à sua existência,
o que inclui o dano futuro (aquele em
que há certa previsibilidade). O art. 402 prevê que as perdas e danos abrangem,
além do que efetivamente se perdeu (dano
emergente), o que razoavelmente se deixou de lucrar (lucro cessante).
Aqui,
pois, vem à tona um dos principais problemas da responsabilidade civil do
advogado. Com efeito, em muitos casos, a conduta culposa do profissional impede
que o direito do cliente seja apreciado pelo judiciário. Nessa hipótese, a
atuação negligente do advogado impede a apreciação do mérito pelo juiz.
Todavia, resta a dúvida de que, mesmo que o advogado não tivesse cometido tais
erros, ainda assim a ação poderia ser julgada improcedente. Ou seja, o dano é
incerto, e a vítima poderia não ser ressarcida, por constituir dano hipotético.
Por
isso, na questão que envolva perda de uma
chance, analisa-se a probabilidade que o cliente teria de ganhar a ação,
para se determinar se houve ou não um dano indenizável. Logo, na perspectiva da
pretensão do cliente ter sido julgada procedente, o advogado será inteiramente
responsável pela perda da chance de submetê-la ao crivo do judiciário. Em
oposição, caso o insucesso ocorresse mesmo com a adoção de todas as medidas,
não seria admissível responsabilizar o advogado.
Uma vez fixado o dever de reparar, restará a
determinação do montante indenizatório. O princípio norteador é que a reparação
corresponda à extensão do dano, de modo que a vítima não sofra prejuízo, mas
também que não tenha um enriquecimento ilícito (art. 402 c/c art. 403, CC).
Entretanto, na responsabilidade civil do advogado a dificuldade reside em como
avaliar o dano pela perda de uma chance, por não haver uma regra definitiva.
Nesse caso, alguns defendem que a indenização tem que corresponder perda da
oportunidade apenas, e não à perda da causa, isto é, os valores não
necessariamente corresponderão ao que a parte ganharia se o advogado não
tivesse ocasionado o insucesso da causa, mas, mesmo assim, o numerário se
mediria pela extensão do dano e não pelo grau de culpa (art. 944, CC).
e) Nexo causal
Se a conduta do advogado, embora culposa, não for a
causa determinante para a ocorrência do dano, a responsabilidade deste
profissional estará descartada. Exemplo seria aquele advogado que perde um
prazo processual, o que constitui um erro grave, mas não sendo esta a causa do
prejuízo, a sua responsabilidade restará afastada (art. 399 do CC). Também há
de se contemplar os casos em que o comportamento da vítima pode excluir o nexo
causal, como quando o advogado solicita valores para o pagamento das custas
necessárias, e o cliente o deixa de fazer, ou não entrega os documentos
solicitados, ou sonega informações que poderiam mudar o entendimento do
profissional quanto ao melhor procedimento a seguir. Tudo dependerá da análise
da situação concreta.
VI
– Deveres profissionais do advogado
a) Diretrizes
básicas
Antes
de qualquer coisa, o advogado deve ser probo (honrado, incorruptível,
virtuoso). A diligência tem que ser sua
preocupação habitual, utilizando-se dos mecanismos adequados e dos meios
jurídicos ao seu alcance para que venha a realizar as providências necessárias
para o sucesso da causa em que esteja trabalhando. A prudência (cautela, prevenção, vigilância) não pode deixar de ser
observada em todos os passos que tomar no decorrer do processo, seguindo as
instruções que lhe foram transmitidas por seu constituinte, jamais se excedendo
ou esquecendo delas, ou usando-as de forma a causar prejuízos. Não concordando com
as orientações dadas, poderá o advogado renunciar à causa, desde que notifique
o cliente, persistindo na tarefa por mais 10 dias (art. 45 do CPC).
A lealdade e a independência para com o constituinte são muito importantes na
defesa da profissão. Ser leal à causa e aos interesses do contratante,
demonstrando independência ao agir apenas de acordo com a lei, desafeto a
influências.
O
advogado tem a função de aconselhar seu cliente, podendo ser civilmente
responsabilizado caso o faça erroneamente ou simplesmente o deixe de fazer no
momento oportuno. Além disso, em um
mandato ou consulta, a doutrina majoritária aponta que o profissional será dito
culpado quando o conselho estiver em
óbvio desacordo com a lei ou com a jurisprudência, e até com a doutrina específica.
No tocante a pareceres, se ele se destinar a orientar o cliente sobre seu
direito, o advogado responde pelo erro que cometa, mas se é emitido na condição
de jurisconsulto, com finalidade de
que seja apresentado em juízo como reforço de argumentação, este não poderá ser
responsabilizado pela opinião contrária à jurisprudência ou doutrina dominantes
que tenha externado.
A informação é outro dever inerente ao
advogado, tendo este que esclarecer o cliente, em linguagem acessível e no
tempo correto, sobre o andamento do processo, acontecimentos, chances, riscos e
possibilidade ou viabilidade das medidas que virão a ser tomadas. O art. 8º do
Código de Ética e Disciplina diz que “o advogado deve informar o cliente de
forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das
conseqüências que poderão advir da demanda”. Nessa mesma linha, o CDC, o Código
de Ética e Disciplina nos arts. 28 a 34, e o Provimento 94/2000 do Conselho
Federal da OAB. Em suma, não deve o advogado conduzir seu cliente numa aventura
judicial (art. 2º, inciso VII, do Código de Ética e Disciplina), seja por puro
despreparo ou por visar intenções mercantilistas, prolongando a ação ou usando
caminhos desnecessários e mais custosos, sob pena de responsabilizar-se pelos prejuízos
advindos. A própria promessa de resultado cairia no art. 20 do CDC,
caracterizando vício do serviço, impondo ressarcimento, independente da
existência de culpa do advogado, afinal, a advocacia encerra obrigação de meio,
desde que não haja disposição contratual em contrário.
O
art. 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB, em seus incisos, enumera o que
deve observar o bom profissional, a saber:
“Parágrafo único. São deveres do advogado:
I – preservar em sua conduta, a honra, a
nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade
e indispensabilidade;
II – atuar com destemor, independência,
honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;
III – velar pela sua reputação pessoal e
profissional;
IV – empenhar-se, permanentemente, em seu
aperfeiçoamento pessoal e profissional;
V – contribuir para o aprimoramento das
instituições do Direito e das leis;
VI – estimular a conciliação entre os
litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
VII – aconselhar o cliente a não ingressar em
aventura judicial;
VIII – abster-se de:
a) utilizar de
influência indevida, e seu benefício ou do cliente;
b) patrocinar
interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também
atue;
c) vincular seu nome
a empreendimentos de cunho manifestadamente duvidoso;
d) emprestar concurso
aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa
humana;
e) entender-se
diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o
assentimento deste.
IX – pugnar pela solução dos problemas da
cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos,
no âmbito da comunidade.”
b) Sigilo:
O
advogado que revela, sem justa causa, segredo que lhe é confiado pelo cliente,
pratica crime (art. 154, Código Penal). O profissional deve se recusar a depor,
e o Código de Processo Penal o proíbe de fazê-lo (art. 207), salvo se
desobrigado pela parte interessada. Já o Código de Ética e Disciplina da OAB
(art. 25, in fine) alarga as exceções
ao sigilo, permitindo tornar público o assunto a partir do instante em que
houver grave ameaça ao direito à vida, à honra ou quando o advogado se veja
afrontado pelo cliente, e, em defesa própria, tenha que dizer informações
privativas. De qualquer modo, a revelação sempre estará restrita ao interesse
da causa.
Mesmo
a comunicação via telegrama, fac-símile, e-mail etc., havida entre advogado e
cliente, são tidas confidenciais, não podendo ser levado ao conhecimento de
terceiros, sob pretexto algum (art. 27, Código de Ética e Disciplina da OAB).
d) Honorários
A
base para fixação dos honorários, sua correção e majoração, é o contrato
escrito, que deverá trazer especificada a forma de pagamento, inclusive no caso
de acordo. Os honorários devem ser fixados com moderação, e os critérios para
seu estabelecimento são previstos no Código de Ética (art. 36, incisos I a
VIII).
Os
valores mínimos fixados em tabela pela OAB, com fim de auxiliar a classe, não
podem ser reduzidos pelo advogado, de maneira a não comprometer o exercício
profissional, tanto seu como dos colegas, e, também, de assegurar um nível de
remuneração condizente à formação acadêmica e ao esforço desprendido na defesa
do cliente. Em contratando seu pagamento em cláusula que extraia a remuneração
do resultado econômico-financeiro da causa, o advogado não pode pretender obter
vantagem superior àquela em favor do constituinte.
VII – Conclusão
Por
tudo que acabara exposto, resulta a constatação do quão importante é a
atividade desenvolvida pelo advogado, a ponto de ser considerada parte
inseparável do exercício da cidadania e da manutenção do Estado democrático,
havendo todo um liame protetivo do fim maior da profissão, qual seja o de
atender bem, e com plenitude, ao objetivo do cliente de ver debatido seu direito.
E a responsabilização civil da advocacia, juntamente com os deveres
profissionais, servem justamente a isso, ou seja, conservar um padrão de
excelência no ato de servir a população, reparando as injustiças e punindo os
maus profissionais.
“Os advogados que esclarecem as questões
duvidosas e que, pelo vigor das suas defesas, tanto nas causas públicas como
privadas, põe a salvo os bens que estavam perdidos e recuperam os que estão em
perigo, são tão importantes ao gênero humano como aqueles que salvam a pátria e
os antepassados em meio a batalhas e ferimentos. Não cremos, pois, que militam
no nosso império somente aqueles que se esforçam com espadas, escudos e
armaduras, mas também os advogados, patronos das causas que, confiantes na
fortaleza de sua gloriosa palavra, defendem a esperança e a vida daqueles que
sofrem, bem como o futuro de seus pósteros”
(11).
Notas:
(1)
Adaptado de Eduardo Jorge Couture;
(2)
Adaptado de Gladston Mamede, A advocacia
e a Ordem dos Advogados do Brasil, Síntese, 1999;
(3)
Piero Calamandrei, Eles, os juízes,
vistos por nós, os advogados;
(4)
Richard Nixon;
(5)
Hannah Arendt, A condição humana,
Forense Universitária, 1993;
(6)
José Roberto Nalini, Ética geral e profissional, Revista dos
Tribunais, 2004;
(7)
Jeremy Bentham;
(8)
Rui Stoco, A teoria do resultado à luz do
Código de Defesa do Consumidor, nº 26, abr./jun., 1998;
(9)
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil:
contratos em espécie e responsabilidade civil, Atlas, 2001;
(10) Adaptado de Oscar Ivan Prux;
(11)
Imperadores Leão e Antêmio, Constituição Imperial de Constantinopla, 5º dia das
calendas de abril, ano de 469.
Informações Sobre o Autor
Thiago Nóbrega Tavares
Advogado Especialista em Direito Tributário e Mestre em Ciências Jurídicas