Resumo: O presente artigo faz uma análise dos marcos interruptivos da prescrição tributária previstos no CTN, especificamente em seu artigo 174, aliando ao disposto no § 1º do artigo 219 do CPC, demonstrando que na realidade o próprio ajuizamento da execução fiscal já tem o condão de interromper a prescrição, colacionando ainda ementa de fundamentado acórdão relatado pelo Ministro Luiz Fux no julgamento do Resp 1.120.295/SP, submetido à sistemática dos recursos repetitivos prevista no art. 543-C do diploma processual civil, que analisa amplamente a questão.
Palavras-chave: crédito tributário. Prescrição. Interrupção. Ajuizamento. Execução fiscal.
Abstract: This paper is an analysis of limits interruptive prescription tax provided for in CTN, specifically in Article 174, by combining the provisions of § 1 of Article 219 of the CPC, showing that in fact the actual filing of tax enforcement already has the power to stop prescription, yet reasoned vote collating Minister Luiz Fux in the trial of Resp 1.120.295/SP, underwent systematic repetitive appeals provided for in art. 543-C of the civil procedural law, which largely examines the issue.
Keywords: tax credit. Limitation period. Interruption. Filing. Tax execution.
Sumário: 1 Introdução; 2 A prescrição no Direito Tributário; 3 Marcos interruptivos da prescrição; 3.1 O ajuizamento da execução fiscal como marco interruptivo da prescrição; 4 Considerações finais; Referências
1. Introdução
A prescrição é um importante instituto que garante estabilidade às relações jurídicas, impedindo que uma determinada obrigação venha a ser exigida indefinidamente, fazendo com que o devedor não possa mais ser obrigado ao seu adimplemento, caso haja inércia por parte do credor por um determinado lapso de tempo.
No campo do Direito Tributário este instituto ganha especial relevo, pois se apresenta como uma das hipóteses de extinção do crédito tributário previsto na seção IV, capítulo IV do Código Tributário Nacional.
Assim, inobstante não estar expressamente previsto no art. 174 do CTN, o presente artigo visa demonstrar que o ajuizamento da execução fiscal tem o condão de interromper a prescrição, nos termos do que dispõe o art. 219, §1º do CPC, conforme veremos a seguir.
2. A prescrição no Direito Tributário
A prescrição no Direito Civil é regulada pelos artigos 189 e seguintes do CC/02, tendo a característica de extinguir a pretensão, sobrevivendo, no entanto, a obrigação, que apesar de não poder mais ser exigida coercitivamente, poderá ser satisfeita espontaneamente pelo devedor.
Já para o Direito Tributário a prescrição tem o condão de fulminar o próprio crédito, e não só a pretensão como no direito privado, eximindo o sujeito passivo da obrigação de pagar o tributo, o que possui consequências como a ressaltada pelo professor Hugo de Brito Machado[1]:
“Se a prescrição atingisse apenas a ação para cobrança, mas não o próprio crédito tributário, a Fazenda Pública, embora sem ação para cobrar seus créditos depois de cinco anos de definitivamente constituídos, poderia recusar o fornecimento de certidões negativas aos respectivos sujeitos passivos. Mas como a prescrição extingue o crédito tributário, tal recusa obviamente não se justifica”.
Assim, dada a importância que é atribuída ao instituto da prescrição no ramo do Direito Tributário, tendo o poder de extinguir o próprio crédito da Fazenda Pública, resta-nos analisar os seus marcos interruptivos, conforme veremos a seguir.
3. Marcos interruptivos da prescrição
A prescrição começa a correr a partir da constituição definitiva do crédito tributário, o que se dá quando findo o procedimento administrativo de constituição, com julgamento de todas as impugnações e recursos, ou mesmo após a declaração do contribuinte, que tem o condão de constituir o crédito sem a necessidade de lançamento pela autoridade fiscal, sendo de cinco anos o prazo que a Fazenda Pública tem para cobrar o seu crédito.
Tal prazo sofre a influência de determinados acontecimentos que tem o poder de suspender, ou mesmo interromper o curso do lapso prescricional, suspendendo a contagem no primeiro caso, ou recomeçando do zero no segundo.
Valendo-nos das palavras de Leandro Paulsen[2] podemos distinguir suspensão de interrupção da seguinte forma:
“Na suspensão, computa-se o prazo decorrido até o advento da causa suspensiva e, quando não mais persista, prossegue-se a contagem pelo que resta. Na interrupção, reinicia-se a contagem de todo o prazo, desprezando-se o período já decorrido”.
Para o presente artigo nos ateremos aos marcos interruptivos da prescrição, aqueles que fazem com que o prazo prescricional recomece a ser contado do zero.
O texto original do CTN elencava em seu art. 174 os marcos interruptivos da prescrição, eventos que uma vez verificados, faziam com que o lapso prescricional voltasse a correr por inteiro. Vejamos o texto primitivo:
“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pela citação pessoal feita ao devedor;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.”
Por ser o foco do nosso estudo, analisaremos a previsão do inciso I, que com o advento da Lei Complementar 118/2005 ganhou novo texto, permanecendo inalterados os demais, vejamos:
“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;” (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Assim, após a LC 118/2005, o despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal passou a ser o marco interruptivo da prescrição, não sendo mais necessária a efetiva citação pessoal do devedor.
Mas ao analisarmos o texto acima, uma dúvida nos ocorre: se ajuizada a execução fiscal dentro do prazo prescricional, e o despacho determinando a citação do devedor vier a ser proferido depois de decorrido o lapso de tempo apto a ensejar a prescrição, esta realmente terá ocorrido?
A resposta a este questionamento veremos no tópico seguinte.
3.1. O ajuizamento da execução fiscal como marco interruptivo da prescrição
O instituto da prescrição no Direito Tributário, como visto, obriga a Fazenda Pública a promover a cobrança do seu crédito no prazo de cinco anos, contados da sua constituição definitiva, punindo eventual inércia do titular da ação com a extinção do seu direito creditório.
Mas caso o Fisco venha a promover o ajuizamento da execução fiscal dentro do lustro prescricional, e o despacho que determina a citação seja proferido apenas depois de decorrido este prazo, isto não afetará o crédito tributário.
Tal fato se deve à previsão do art. 1º da Lei de Execuções Fiscais – LEF (Lei 6.830/80) que estabelece a aplicação subsidiária do CPC ao seu procedimento. Por sua vez o diploma processual civil, em seu art. 219, §1º dispõe:
“Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 1o A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.” (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
Nesse diapasão, o feito executivo ajuizado dentro do prazo prescricional tem o condão de interromper a prescrição já que a citação retroage à data da propositura da ação, nos termos do art. 219, §1º do CPC.
Tal interrupção está condicionada à efetiva citação do devedor, mas já está consagrado na jurisprudência do STJ, por meio de sua súmula Nº 106, que a demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição, o que representa dizer que se a exequente empreendeu todas as diligências para viabilizar a citação, mas esta demorou em virtude da morosidade do judiciário, ela não será prejudicada.
Este entendimento é pacífico no âmbito do STJ, inclusive com julgamento em sede de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C do CPC, conforme ementa a seguir transcrita:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS). PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA. PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE NÃO PREVÊ DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO. (…)
13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN).
14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.
15. A doutrina abalizada é no sentido de que: "Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição. Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil: 'Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.' Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação. Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação é desqualificado pelo exercício da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição." (Eurico Marcos Diniz de Santi, in "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Ed. Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 232/233)
16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN. (…)
18. Consequentemente, tendo em vista que o exercício do direito de ação deu-se em 05.03.2002, antes de escoado o lapso quinquenal (30.04.2002), iniciado com a entrega da declaração de rendimentos (30.04.1997), não se revela prescrita a pretensão executiva fiscal, ainda que o despacho inicial e a citação do devedor tenham sobrevindo em junho de 2002.
19. Recurso especial provido, determinando-se o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 1120295/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010, DJe 21/05/2010) (grifo meu)
Este entendimento já foi reiterado pela corte em outros julgados, conforme ementa abaixo:
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO COM A CITAÇÃO DO DEVEDOR, QUE RETROAGE À DATA DE AJUIZAMENTO.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.120.295/SP, na sistemática do art. 543-C do CPC, firmou o entendimento de que a citação efetivada retroage à data da propositura da ação para efeitos de interrupção da prescrição, na forma do art. 219, § 1º, do CPC.
2. Recurso Especial não provido.” (REsp 1215801/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 04/02/2011) (grifo meu).
Assim, percebemos que, na realidade, não seria apenas o despacho do juiz que determina a citação do devedor que teria o poder de interromper a prescrição, mas a simples propositura da ação de execução fiscal, com a posterior citação do executado, já produziria este efeito, tendo em vista a retroação de efeitos prevista no art. 219, §1º do CPC.
4. Considerações finais
Por todo o exposto, podemos concluir que há um marco interruptivo da prescrição tributária que não está previsto no art. 174 do CTN, mas surge da interpretação conjunta deste dispositivo legal com a previsão do art. 219, §1º do CPC, fazendo com que o ajuizamento da execução fiscal seja hipótese de interrupção da prescrição.
[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 223.
Informações Sobre o Autor
Jonatas Vieira de Lima
Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Ciências Jurídicas e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ