Resumo: Este artigo traz considerações relacionadas ao instituto da fraude à execução fiscal, previsto no art. 185 do CTN, confrontando-o com o enunciado da Súmula n. 375, do STJ. Objetiva-se demonstrar que a decretação da fraude à execução fiscal prescinde da demonstração de má-fé do adquirente de bem garantidor da satisfação do crédito tributário. Será abordada também a evolução jurisprudencial do STJ sobre o tema, demonstrando que seu posicionamento evoluiu para adequar as especificidades da execução fiscal à súmula em questão.
Palavras-chave: Execução Fiscal, Fraude, Boa-fé, Alienação Patrimonial, Súmula 375, Artigo 185.
Abstract: This article presents considerations related to the institution of tax evasion enforcement, as provided for in art. 185 of the CTN, confronting him with the statement of No Precedent 375, the STJ. It aims to demonstrate that the enactment of tax fraud enforcement dispense with proof of bad faith of the buyer and guarantor of the satisfaction of the tax credit. Will be addressed also the evolution of jurisprudence from the STJ on the issue, demonstrating that its position has evolved to suit the specifics of the tax lien docket in question.
Keywords: Tax Foreclosure, Fraud, Good faith, Asset Disposal, 375 STJ Precedent, 185 CTN Article.
Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. A fraude à execução fiscal: exegese do art. 185 do CTN. 3. A prescindibilidade da boa-fé do adquirente. 4. A Súmula n. 375 do STJ. 5. Posterior adequação ao disciplinado pelo art. 185 do CTN. 6. Conclusão.
1. Considerações iniciais
O processo de execução, regulado pelo Livro II do Código de Processo Civil, está suscetível a atos perpetrados pelo sujeito passivo (devedor) cuja objetivo repercutirá negativamente na satisfação do crédito pelo sujeito ativo (credor). Tais atos comumente implicam no desfazimento de seu patrimônio, ou melhor, na sua alienação a terceiros.
Se esse desfazimento ocorre durante o curso do processo de execução forçada, o credor pode requerer a decretação de fraude à execução, cujo efeito principal será a declaração da ineficácia do ato de alienação do patrimônio do devedor.
2. A fraude à execução fiscal: exegese do art. 185 do CTN
A fraude à execução, na seara tributária, tem inequívoco regramento conferido pelo art. 185 do CTN, com redação modificada pela Lei Complementar n. 118/2005, cuja redação se transcreve:
“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.”
Sabe-se que o cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor é garantida pelo seu patrimônio. O autor Ricardo Alexandre, citando a definição de “obrigação” dada por Washington de Barros Monteiro, dá a exata dimensão do que ora se afirma:
“Obrigação é uma relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.” (ALEXANDRE, 2007, p. 255).
Assim, tem-se que a alienação do patrimônio pode frustrar o direito do credor seu crédito satisfeito.
Não é nenhuma novidade que a relação tributária é eminentemente obrigacional, assumindo o ente tributante o papel de credor, e o sujeito de direitos realizador do fato gerador previsto em lei o papel de devedor. Na ocasião em que o fato gerador é realizado, surge o dever jurídico de pagamento da obrigação tributária, cujo adimplemento é garantido pelo patrimônio do devedor.
Quando da inocorrência do pagamento do tributo, iniciam-se procedimentos administrativos que culminarão na propositura de execução fiscal contra o sujeito passivo da obrigação. Essa execução baseia-se num título executivo extrajudicial denominado “certidão de dívida ativa”, sendo que o processo para execução forçada do patrimônio do devedor é regulado principalmente pela Lei n. 6.830/80, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Se o devedor fiscal, ainda durante os procedimentos administrativos para a cobrança judicial de seu débito, pratica atos tendentes a diminuir seu patrimônio, mostra-se perfeitamente cabível a decretação da fraude à execução fiscal, independentemente da intenção do terceiro que adquire o bem garantidor da dívida fiscal.
Em outras palavras, mostra-se desnecessário a comprovação de má-fé do adquirente de bem cujo alienante é devedor fiscal.
Isso porque os requisitos para reconhecimento da fraude à execução fiscal são diferentes dos requisitos para se reconhecer a fraude à execução pura e simples. Como é notório, há um divisor de águas entre a fraude à execução fiscal e fraude à execução comum, regida pelo Código de Processo Civil; enquanto na execução comum aplicam-se somente os princípios do Código de Processo Civil, especialmente o art. 593, na execução fiscal há normas próprias, traçadas pelo Código Tributário Nacional e pela Lei de Execuções Fiscais, apenas com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, o art. 185 do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar 118/05 presume fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito em dívida ativa.
Obviamente que a aplicação do instituto da fraude à execução fiscal deverá ter um marco temporal, caso contrário o devedor tributário jamais poderá alienar seu patrimônio, sob pena de ter essa transação declarada ineficaz. Assim, entendemos que o devedor fiscal somente poderá ter contra si declarada a fraude à execução fiscal caso aliene seu patrimônio após ter ciência inequívoca da existência de regular inscrição em dívida ativa, devendo, portanto, haver uma comunicação formal acerca da inscrição (ALEXANDRE, 2007, p. 456).
Observar que, verificada a situação acima descrita, surge a presunção de alienação fraudulenta, o que autoriza que o MM. Juízo onde se processa a execução fiscal declare a ineficácia da alienação perante a Fazenda Pública credora.
Essa presunção de fraude é juris et de jure. Não importa, portanto, a data do fato gerador, do lançamento ou da propositura da execução fiscal. Inscrito o crédito em dívida ativa, haverá presunção absoluta de fraude quando os atos de alienação ou oneração, ou mesmo seu começo, caso ocorreram após o crédito tributário ter sido regularmente inscrito em dívida ativa. No mesmo sentido, eis a lição de Ricardo Alexandre:
“Se no passado era necessária a ciência oficial do processo de execução (citação), hoje deve ser considerada indispensável comunicação formal da inscrição em dívida ativa. Comprovada a ciência, a presunção será de natureza absoluta, não se aceitando qualquer prova em sentido contrário” (ALEXANDRE, 2007, p. 456).
Da doutrina de Helena Delgado Ramos Fialho Moreira (em trabalho que analisou pormenorizadamente as alterações trazidas pela Lei Complementar n. 118/2005), pode-se concluir inequivocamente que a fraude à execução fiscal enseja presunção absoluta:
“Com a nova disciplina dada ao art. 185 do CTN – em que foi suprimida do caput, quanto ao crédito tributário regularmente inscrito, a expressão ‘em fase de execução’ – , observa-se um sensível endurecimento no trato da presunção de fraude quando da alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública.
Para chegar a tal conclusão, deve-se primeiramente atentar para a circunstância de que a norma em comento veicula uma presunção absoluta de fraude, a subsistir ainda que evidenciada a boa-fé do desavisado adquirente, na ausência de outros bens do patrimônio do vendedor que sejam hábeis a responder pelo crédito tributário (exceção subsistente no parágrafo único do art. 185 do CTN)”. (MOREIRA, 2005, grifamos).
Assim, tem-se uma presunção absoluta de fraude, tendo como único argumento cabível para seu afastamento a reserva, pelo devedor, de bens ou rendas suficientes para total pagamento da dívida inscrita, conforme preceitua o parágrafo único do art. 185 do CTN. Percebe-se que o dispositivo ora analisado não prevê como requisito necessário para a decretação da fraude a má-fé do terceiro que adquire o patrimônio do devedor fiscal.
3. A prescindibilidade da boa-fé do adquirente
Dessa forma, pode-se concluir que o ordenamento jurídico não exige, para reconhecimento de fraude à execução fiscal, a má-fé do adquirente; se a má-fé fosse imprescindível, facilitar-ser-ia sobremaneira a frustração da busca pelo crédito tributário que, dada sua característica de ser público, deve prevalecer sobre o interesse particular. Afirma-se isto porque, dada a dificuldade de se comprovar a má-fé das partes em qualquer caso, bastaria que o devedor, ciente da existência de demandas fiscais contra ele, iniciasse a alienação de seus bens, em conluio com os adquirentes, desfazendo-se do patrimônio necessário para o cumprimento de suas obrigações tributárias, o que em último caso significa descumprimento de suas obrigações para com a sociedade.
Verificada hipótese de fraude à execução fiscal, não se perquire acerca da boa-fé do adquirente; a boa-fé é parâmetro cuja aplicabilidade deve ser restrita às execuções comuns, havidas entre particulares, cujos interesses estão na mesma hierarquia.
Na seara fiscal, na qual a responsabilidade dos devedores é muito mais rigorosa (tendo em vista a natureza do crédito perseguido), a norma (art. 185 do CTN) determina apenas requisitos objetivos para a caracterização da fraude à execução, quais sejam:
a) débito inscrito em dívida ativa;
b) alienação ou oneração do patrimônio do devedor; e
c) inexistência de remanescente patrimonial para pagamento da dívida inscrita.
Verificados os requisitos acima, tem-se uma presunção absoluta de fraude à execução, como visto acima, sem que se perquire acerca da intenção das partes pactuantes da alienação ou oneração patrimonial.
Corolário lógico do regime jurídico de direito público, para decretação de fraude à execução, no bojo de um processo de execução fiscal, o Fisco está sujeito a requisitos outros que um credor “normal”, em uma execução proposta em estrita observância à legislação ordinária.
Nesse sentido, devemos lembrar que tais prerrogativas são atribuídas à Fazenda Pública pela legislação especial tendo em vista a supremacia do interesse público ao interesse privado. Dessa forma, já que a Fazenda Pública atua preponderantemente na execução de créditos tributários, e que tais recursos ingressam nos cofres públicos para o cumprimento de metas estatais previamente fixadas, sendo as válvulas motrizes dos recursos públicos, a cobrança dos créditos tributários devem ser realizadas com observância de normas próprias. Tais cautelas têm como fundamento primeiro a proteção da sociedade como um todo, haja vista que o inadimplemento do crédito tributário redundará em menos recursos em “caixa” para construção de hospitais, escolas, estradas. Quando um crédito tributário não é quitado, não é um credor isolado que deixa ter seu direito satisfeito, mas sim a população como toda é prejudicada.
4. A súmula n. 375 do STJ
A despeito do que ora se argumenta, o Superior Tribunal de Justiça editou o verbete sumular n. 375, que contém os exatos dizeres:
“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.”
Não há como negar que esse enunciado contraria a dicção legal do art. 185 do CTN, pois, como visto acima, a lei indaga a intenção do adquirente para caracterizar a fraude à execução fiscal.
Imperioso frisar que a outra exigência da súmula, qual seja, o registro da penhora do bem alienado, também contraria o CTN, na medida em que a publicidade conferida à contrição serve para prevenir terceiros de boa-fé, ou ainda mais, caracterizar a má-fé do adquirente.
Mas repete-se: desnecessária é a aferição da intenção do adquirente quando se está diante de uma fraude à execução fiscal, cujos requisitos para configuração são apenas objetivos.
Num primeiro momento, dada a flagrante contrariedade ao CTN, cogitou-se que a súmula tinha como precedentes apenas execuções de títulos judiciais e extrajudiciais havidas entre particulares, sem a concorrência de crédito público. Mas não: da leitura detalhada dos precedentes que culminaram da edição do verbete, percebe-se a existência também de execuções de créditos tributários[1].
Entretanto, entendemos, a teor do disposto nos itens anteriores, que a Súmula n. 375 não poderia ser aplicada às execuções fiscais.
5. Posterior adequação ao disciplinado pelo art. 185 do CTN
O Superior Tribunal de Justiça, após a edição da referida súmula, vem evoluindo seu entendimento de forma a adequar o seu enunciado à determinação constante no Código Tributário Nacional. Desta feita, verifica-se que a literalidade da súmula não é pura e simplesmente aplicada aos casos de execução fiscal.
Já em alguns julgados contemporâneos à edição da súmula os Ministros apresentam ressalvas de posicionamentos, entendendo necessário o registro da penhora apenas para fins da presunção absoluta de fraude. A presunção relativa, por sua vez, é extraída da simples alienação patrimonial após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa. Veja-se, por exemplo, ementa do REsp. 726.323/SP, publicado no DJe de 17.08.2009, relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques que, apesar de curvar-se à jurisprudência da casa, ressalvou seu ponto de vista quanto ao teor da súmula ora comentada:
“PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 185, DO CTN. BEM ALIENADO APÓS A CITAÇÃO VÁLIDA E ANTES DO REGISTRO DA PENHORA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA N. 375, DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. 1. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Enunciado n. 375 da Súmula do STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 18⁄3⁄2009). 2. Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema: a) Na redação anterior do art. 185 do CTN, exigia-se apenas a citação válida em processo de execução fiscal prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorriam o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas até 8.6.2005); b) Na redação atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívida ativa prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 9.6.2005); c) A averbação no registro de imóveis da certidão de inscrição em dívida ativa, ou da certidão comprobatória do ajuizamento da execução, ou da penhora cria a presunção absoluta de que a alienação posterior se dá em fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente; (…)” (grifamos)
Importante observar que a ressalva de posicionamento já externava certa contrariedade, por Ministro pertencente à 1ª. Seção do STJ (compostas pela 1ª. e 2ª. turmas, responsáveis pela matéria tributária julgada na corte), relativamente ao teor da súmula 375, que não se refere às presunções relativas ou absolutas de fraude à execução.
Observa-se então que as decisões do STJ, notadamente provenientes da 1ª. Seção, foram conformando a dicção da súmula aos requisitos do art. 185 do CTN. Assim, gradativamente os julgados passaram a atribuir mais responsabilidades ao terceiro adquirente do bem que, a despeito da inexistência de registro da penhora, deveria comprovar que procedeu a consultas simples para verificação acerca da litigiosidade do bem que estava transacionando.
Assim, o STJ passou a acolher tese propagada pelas Fazendas Públicas no sentido de que apenas a verificação acerca de existência de penhoras eventualmente registradas não poderiam ser a única forma de se verificar a idoneidade dos vendedores do imóvel.
Isso porque existem outras diligências, perfeitamente exigíveis do homem médio, no sentido de se verificar a idoneidade do alienante do imóvel – a exigência de uma simples certidão de regularidade fiscal (conhecida como CND), emitida através da Internet no site da Receita Federal do Brasil, seria capaz de identificar a possibilidade de perda futura do imóvel em razão da alienação fraudulenta. Além disso, uma simples certidão emitida pelo cartório distribuidor de feitos executivos, muitas vezes obtida também pela internet, já seria suficiente para dar ao adquirente indícios de fraude à execução.
Para confirmar o que se afirma, imprescindível mencionar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça[2], no qual se decidiu que, na alienação de imóveis litigiosos, ainda que não haja averbação dessa circunstância na matrícula, subsiste a presunção relativa de ciência do terceiro adquirente acerca da pendência judicial, pois é impossível ignorar a publicidade do processo.
Ainda prosseguiu o tribunal no sentido de que, em razão da publicidade do processo, o terceiro adquirente deve acautelar-se, obtendo certidões dos distribuidores judiciais para fins de verificar a existência de processos de alienante que, por sua vez, possam acarretar riscos de perda futura do bem transacionado.
Por fim, o aresto foi taxativo: somente se pode considerar de boa-fé o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica de sua aquisição. Sobre essas cautelas, bem explicita a Relatora do acórdão, Ministra Nancy Andrighi:
“O adquirente de qualquer imóvel deve acautelar-se, obtendo certidões dos cartórios distribuidores judiciais que lhe permitam verificar a existência de processos envolvendo o vendedor, dos quais possam decorrer ônus (ainda que potenciais) sobre o imóvel negociado.”
Em artigo que abordou o tema sob um enfoque diferente, Daniel Amorim Assunção Neves afirmou que o posicionamento exarado no RMS 27.358/RJ foi inovador no sentido de que contrariou posicionamento sumulado pelo próprio Tribunal, o que teria causado estranheza no mundo jurídico (NEVES, 2010).
Ora, respeitada a posição do professor, ante a dicção do art. 185 do CTN, o entendimento exarado no julgado não poderia causar estranheza no mundo jurídico; o que seria apto a causar estranheza no mundo jurídico (o que efetivamente ocorreu) nem foi a edição da Súmula n. 375, mas sim a sua aplicação indiscriminada às execuções fiscais, em manifesta inobservância ao regramento previsto pelo CTN.
Observa-se que essa aplicação indiscriminada vem sendo mitigada pelo próprio STJ, adequando o conteúdo de sua súmula às especificidades que a execução fiscal exige.
A relativização do teor da súmula para as execuções fiscais foi sacramentada em comento ganhou contornos mais nítidos com o recente julgamento do Recurso Especial n. 1.140.990/PR, resolvido sob a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), no qual se decidiu que a Súmula n. 375 não se aplica às execuções fiscais. Pela relevância do julgado, transcrevem-se alguns trechos de sua ementa, alertando que a sua leitura integral é fundamental:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO – DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC N.º 118⁄2005. SÚMULA 375⁄STJ. INAPLICABILIDADE. 1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais. (…) 5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas. (…) 9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (…) (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das “garantias do crédito tributário”; (…) 11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08⁄2008.”
6. Conclusão
Considerando todo o discorrido, pode-se inferir que o instituto da fraude à execução possui regramentos diversos quando se está diante da satisfação de crédito público ou privado, justificando-se essa diferença em virtude da natureza do direito perseguido.
A prevalência do interesse público sobre o particular, pilar do Direito Administrativo, deve ser considerado no âmbito tributário para diminuir as execuções frustradas pela conduta dos devedores, de modo que eventual prejuízo do terceiro adquirente deve ser resolvido em ação de perdas e danos contra o alienante (devedor fiscal), em vez de ser distribuída por toda a sociedade.
A fraude à execução fiscal está disciplinada que art. 185 do CTN, que dispõe sobre requisitos objetivos para caracterização da alienação fraudulenta, sendo certo que não se perquire a respeito da intenção do adquirente.
A despeito do teor da norma, o STJ utilizou execuções fiscais como precedentes para a elaboração da sua súmula n. 375. Assim, a aplicação do entendimento sintetizado no verbete em execuções fiscais contraria frontalmente o regramento da fraude previsto no CTN.
Diante dessa contrariedade, o próprio STJ, inicialmente através de suas turmas responsáveis pelo julgamento da matéria tributária, evoluiu seu entendimento no sendo de adequar o enunciado da súmula ao teor do art. 185 do codex tributário.
A evolução jurisprudencial caminhou para a mitigação da aplicação da súmula aos executivos fiscais; após, finalmente, culminou em julgamento representativo de controvérsia que determinou a inaplicabilidade da Súmula n. 375 à decretação de fraude à execução fiscal.
Assim, entendemos que o atual estágio da jurisprudência do STJ repara entendimento equivocado originado na época da edição da súmula, posto que este verbete jamais poderia ser aplicado à execução forçada de créditos tributários.
Informações Sobre o Autor
Julio Cezar Pessoa Picanço Junior
Especialista em Processo Civil pela UNISUL. Pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Procurador da Fazenda Nacional em Franca/SP