“Tratei de descrever da melhor forma possível, se bem que naturalmente em rápidas pinceladas, o mecanismo do processo civil e penal, um mecanismo, se me permite a metáfora, que deveria fornecer ao público um produto tão necessário ao mundo como nenhum outro bem: a justiça. É oportuno repetir que os homens têm, antes de tudo, necessidade de viver em paz; mas, se não existe justiça, é inútil esperar pela paz. Por isso não deveria haver nenhum serviço público ao qual o Estado dedicasse tantos cuidados quanto ao que leva o nome de processo. Esta observação a faço, antes de tudo, porque me vejo na necessidade de acrescentar que nem a opinião pública toma consciência da maior importância que tem para a organização social um instituto como o processo, nem correlativamente o Estado faz pelo processo tudo que deveria fazer. Os interessados, ou seja, entre os técnicos do processo, juízes, advogados e partes, têm a consciência de que o mecanismo funciona mal. Esta consciência aflora ocasionalmente nos ambientes legislativos, mas quase nunca parece que houve outra coisa a fazer a não ser modificar as leis processuais, sobre as quais costuma-se colocar a responsabilidade do mau serviço judiciário, para empregar uma palavra que já entrou no uso corrente. Também ouvimos falar em reformas urgentes do Código de Procedimento Penal e do Código de Procedimento Civil, e todos parecem acreditar não apenas que com estas reformas o Estado tenha cumprido seu dever, como também que dessas reformas surgirão, Deus sabe como, melhorias na administração da justiça. Tenho o dever de desenganar o público a quem me dirijo, dissuadindo-o de cultivar estas que não seriam esperanças, mas verdadeiras ilusões. Certamente, nossas leis processuais não são perfeitas, mas, em primeiro lugar, são bastante menos más do que se diz; em segundo lugar, se bem que fossem muito melhores, as coisas não andariam melhor, pois o defeito está, muito mais do que nas leis, nos homens e nas coisas.”
1. A ineficiência do processo como instrumento de pacificação social
É de Francesco Carnelutti o texto acima transcrito, extraído de seu livro “Como se Faz um Processo”, em edição traduzida no Brasil por Hiltomar Martins de Oliveira, pela editora Líder (Belo Horizonte, 2001 – pgs. 119/120). Essas palavras do professor da Universidade de Milão, algo desalentadas, parecem dizer respeito ao processo civil brasileiro e aos problemas aqui enfrentados, sobre a morosidade da justiça, sobre a sua ineficiência, sobre as reformas a serem empreendidas; mas em verdade referem-se ao processo italiano e baseiam-se em fatos ocorridos há cerca de 40 anos atrás.
Como se vê, mal funcionamento do sistema judiciário, morosidade, falta de efetividade da prestação jurisdicional, não são particularidades do contexto brasileiro, muito menos provêm da modernidade das relações jurídicas, influenciadas pelo avanço tecnológico, muito embora este último fator as acirre.
Países de primeiro mundo, como Itália, França, Inglaterra, enfrentam dificuldades com a efetividade da prestação jurisdicional, principalmente em relação à demora no desenvolvimento do processo. Há dados de administração judiciária, que indicam como tempo médio de duração de um processo na Itália, entre 1991 e 1997, em torno de 4 anos em primeiro grau de jurisdição; no Japão, alguns feitos chegam a mais de 10 anos de tramitação; morosidade esta também verificada na Inglaterra, onde, em 1999, rompeu-se com a tradição da common law, para instituir-se um código de processo civil, com vistas a empreender maior proficiência à prestação jurisdicional, pelo flanco da tempestividade da jurisdição (in, “Os Reflexos do Tempo no Direito Processual Civil (Uma Breve Análise da QuaIidade Temporal do Processo Civil Brasileiro e Europeu” – Fernando da Fonseca Gajardoni – Juris Síntese 041/03). É certo, por outro lado, que não se pode deixar de atribuir razão a Carnelutti, quando este imputa muito mais aos homens e às coisas, o problema da falta de efetividade da prestação jurisdicional, do que às leis – assim inferindo o mestre de Udine, por detectar na sociedade em que vivia a ausência de moralidade, na medida em que baseada esta sociedade “exclusivamente no plano econômico”, avultando-se a litigiosidade na mesma proporção em que verificado o crescimento da economia (ob. cit. pg. 120).
Contudo, menos certo não é, ter presente que, ainda assim, mesmo atribuída aos homens e às coisas, a maior parcela de responsabilidade pela falta de efetividade do processo, mesmo considerando que uma tal anomalia decorre do próprio crescimento econômico e da litigiosidade que lhe é peculiar, lastreada esta na amoralidade, cabe ao Estado, detentor do monopólio da jurisdição, desenvolver mecanismos para que o processo suplante esta crise e volte a se posicionar como instrumento eficaz de pacificação social.
É de Giuseppe Chiovenda a célebre assertiva de que “o processo deve dar, quando for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (in, “Instituições de Direito Processual Civil”, Bookseller, Campinas, 1998, vol. I, pg. 67), frase esta que parece reverberar ainda mais intensamente nos dias atuais, soando como verdadeiro tormento aos operadores do direito, que convivem com um processo prenhe de formalidades e simbolismos, por isso mesmo intrincado e moroso e que sabem, porque se conscientizaram disso ao longo do tempo, que a garantia do Estado não deve referir-se apenas ao “devido processo legal”, mas acima de tudo a um processo justo e efetivo, para isso desenvolvido em tempo razoável.
Processo é instrumento, e como tal deve servir ao direito material, e não este àquele. Tanto assim que os escopos primordiais do processo, dizem Cintra, Grinover e Dinamarco, são de três ordens: social (pacificação social), político (preservação do ordenamento jurídico e da autoridade do próprio Estado) e jurídico (atuação da vontade concreta da lei), e só a efetividade da prestação jurisdicional haverá de satisfaze-los (in, “Teoria Geral do Processo”, Malheiros, 2002, pgs. 24/25).
2. A efetividade do direito material pela via do processo
Neste contexto, principalmente a partir a segunda metade do século passado, iniciou-se um processo de modificação do direito processual civil, máxime nos países melhor desenvolvidos, primeiro na doutrina e depois na legislação, no sentido da busca da efetividade da prestação jurisdicional, do “acesso à justiça”, cujos principais precursores foram Mauro Capelletti e Vittorio Denti. (“A Reforma do Processo Civil”, Cândido Rangel Dinamarco, Malheiros, 1995, pg. 19).
No Brasil não foi diferente, principalmente com o advento da nova Constituição Federal, quando teve início ou pelo menos acelerou-se um processo de modernização da legislação processual, voltada mais ao interesse coletivo do que ao individual. A partir de então, prestigiou-se o acesso aos órgãos jurisdicionais; garantiu-se de forma expressa o contraditório, inclusive na esfera civil; explicitou-se a observância do devido processo legal, mesmo em sede administrativa; legitimou-se à tutela coletiva outros entes, além do Ministério Público; preconizou-se a fundamentação das decisões judiciais como princípio constitucional; preocupou-se com um “direito processual constitucional”, com vistas à tutela das liberdades. E à edição da Constituição Federal seguiram-se várias “mini-reformas” do próprio Código de Processo Civil, com a implantação tópica de modificações e a criação de institutos jurídicos novos, cuja finalidade era não só a da simplificação do processo, mas também e principalmente a da sua efetividade, como meio hábil à tutela de direitos.
3. O artigo 461 do CPC – tutela específica e resultado prático equivalente
No caso específico deste trabalho, e nos limites estreitos em que o mesmo deve se desenvolver, interessa primordialmente o previsto no artigo 461 do CPC, com a redação que lhe deram as Leis 8.952/94 e 10.444/02, e que, como se verá nos articulados seguintes, empreendeu considerável transformação no processo civil, agora sincrético em alguns aspectos, não mais adstrito em compartimentos estanques: processo de conhecimento e processo de execução.
Confira-se, abaixo, a atual redação do mencionado artigo 461 do CPC:
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (artigo 287)
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Em verdade, a própria redação do caput do mencionado artigo, com a estrutura que lhe atribuíram as leis acima mencionadas, bem demonstra a disposição do legislador processual, no rumo da efetividade do processo. Nesse sentido a especial ênfase dada no aludido dispositivo legal, à obtenção da “tutela específica da obrigação” ou do “resultado prático equivalente ao do adimplemento”, relegando a transformação da obrigação descumprida em perdas e danos, apenas para a hipótese de o autor assim requerer, ou para o caso de ser impossível o seu adimplemento ou a obtenção de resultado prático equivalente – fazendo-se oportuno relembrar, neste ponto, a clássica divisão de obrigações de fazer em fungíveis e infungíveis, estas últimas passíveis de se converterem em indenização, pela impossibilidade de cumprimento por outrem, ainda assim, se tal infungibilidade for natural, e não meramente jurídica.
E aqui, como leciona Dinamarco, rompe-se, mais uma vez, com dogmas cultivados pela tradição francesa pandectista, no sentido da intangibilidade da vontade humana, que se negando a uma obrigação contraída, de fazer ou de não fazer, seria suficiente a que outro caminho se buscasse à satisfação do credor, comumente através das perdas e danos, pois impossível o constrangimento pessoal do devedor (ob. cit. pg. 150); nisso revigorando o que preconizado por Chiovenda, como dito linhas atrás, a respeito da finalidade instrumental do processo, e de sua vocação em propiciar a quem tenha um direito, exatamente este direito. Por “tutela específica”, assevera Cássio Scarpinella Bueno, “deve ser entendida a maior coincidência possível entre o resultado da tutela jurisdicional pedida e o cumprimento da obrigação caso não houvesse ocorrido lesão do direito no plano material” (in, “Código de Processo Civil Interpretado”, Antonio Carlos Marcato e outros), ed. Atlas, 2004, pg. 1404) – o que não significa dizer que o “resultado prático equivalente ao do adimplemento” seria um outro direito, uma outra tutela a ser empreendida pelo juiz, senão que uma forma diferente de obter a mesma tutela, o mesmo bem da vida vislumbrado pelo autor, através de medidas que levem a tal resultado. A esse respeito, J.E. Carreira Alvim fala em “tutela específica” e em “tutela assecuratória” (in, “Ação Monitória e Temas Polêmicos da Reforma Processual”, Ed. Del Rey, 1995, pg. 210).
Por outras palavras, a diferença entre “tutela específica” e “resultado prático equivalente” reside apenas na maneira de se obter a tutela, nos mecanismos a serem empreendidos pelo órgão jurisdicional, para a obtenção do cumprimento da obrigação.
Relembrem-se, neste ponto, porque importantes, os conceitos de pedido imediato e pedido mediato, expressões correntias no sistema processual, a primeira referindo-se ao tipo de tutela requerida pela parte, o tipo de prestação jurisdicional que considera adequado aos seus interesses, e a segunda ao próprio bem da vida cuja tutela se pretende.
Fala-se então, em sede de obtenção do “resultado prático equivalente ao do adimplemento”, na possibilidade de variação no que tange ao pedido imediato, no sentido de o juiz valer-se, ex-officio, de providências que assegurem a efetiva fruição do direito por seu titular; e não, propriamente, na possibilidade de alteração do pedido mediato, do próprio bem da vida postulado pela parte, o que se traduziria no malferimento ao próprio princípio da adstrição do juiz ao pedido da parte.
4. A completa inserção, no ordenamento jurídico pátrio, das tutelas mandamental e executiva “lato sensu”.
Por outro lado, ao empreender maior prestígio à tutela específica, e ao conceber um sistema voltado à obtenção expedita desta tutela, ou à consecução do resultado prático equivalente ao do adimplemento, o novel dispositivo legal parece ter contribuído, de forma decisiva, não para que se implementasse no sistema processual a classificação quinária das ações (declaratórias, condenatórias, constitutivas, mandamentais e executivas “lato sensu”), pois uma tal feição já possuía o ordenamento jurídico pátrio, como sustenta Ovídio A. Baptista da Silva (in, “Curso de Processo Civil”, vl. 2, pg. 21), o que também já era pacífico na lição de Pontes de Miranda (in, “Tratado das Ações”, Bookseller, Tomo I, pgs. 224/225); mas sim para que uma tal concepção firme-se, de vez, entre os operadores do direito, o que, entretanto, ainda encontra injustificável resistência.
Com efeito, o mencionado artigo 461 do CPC, ao prestigiar a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento, nas obrigações de fazer e não fazer (caput do artigo), e ao estabelecer que em tal sentido poderá o juiz, na própria sentença cognitiva ou em decisão que antecipe os seus efeitos, impor multa diária, como forma de obter o cumprimento do preceito (§ 4o), assim como qualquer outra medida necessária à obtenção desse desiderato (§ 5o), estabeleceu verdadeiro sincretismo processual, fazendo com que ações cognitivas espraiem também efeitos próprios do processo de execução, materializem a sanção prevista na sentença, sem que se tenha de utilizar do processo específico de execução – nisso aflorando-se as tutelas mandamental e executiva “lato sensu”.
Aliás, neste aspecto grassa certa controvérsia entre os estudiosos, principalmente a respeito do posicionamento topográfico-estrutural que deve ser observado em relação às ações mandamentais e executivas “lato sensu”. Pontes de Miranda as colocava dentre as ações cognitivas, enquanto Ovídio A. Baptista da Silva lhes atribui feições executórias, exatamente porque preconizadoras de efeito tendente à materialização do preceito sentencial, o que entende estar afeto ao processo de execução tão-somente (Ovídio, ob. cit. pgs. 21/22). Parece correta, entretanto, a posição de Pontes de Miranda, hoje reforçada pela própria colocação tópica do artigo 461 do CPC, inserido no capítulo do Código de Processo Civil que cuida das sentenças cognitivas. Tanto é assim, diga-se, que o artigo 644 do CPC foi alterado pela Lei 10.444/02, para estabelecer que sentenças preconizadoras de obrigação de fazer e não fazer, executam-se pelos termos do artigo 461 do CPC, relegando-se à execução prevista no capítulo III do diploma processual, apenas as obrigações de fazer fundadas em titulo executivo extrajudicial (CPC, 645).
5. Distinção entre ações mandamentais e executivas “lato sensu”
Ações de tal natureza, mandamentais e executivas “lato sensu”, de fato empreendem maior efetividade à prestação jurisdicional, já que não dependem de uma segunda relação processual, de cunho executório, para que o comando sentencial se materialize, pois a própria sentença cognitiva já contém instrumentos para tanto.
“É nessa perspectiva de eficácia da tutela antecipada que se conta com a feição ora mandamental ora executiva lato sensu da decisão judicial que lhe dá expressão, daí porque, à falta de expressa norma em contrário, não se reclama a instauração de uma segunda e intervalada relação processual para sua efetivação, prescindindo-se, conseqüentemente, de nova citação da parte sujeita ao adimplemento da providência ordenada, cuja eventual resistência, mediante requerimento, haverá de ser exercitada dentro dos mesmos autos da ação em curso, e não por meio de embargos do devedor, sempre ressalvada a via recursal. Importante, porém, não deslembrar que o terceiro, consoante Athos Gusmão Carneiro, ‘este sim, poderá apresentar embargos de terceiro’ ”. (Sérgio Luiz Kukina, in, “Juris Síntese Millennium”, CDROM – 046/04).
Sentenças mandamentais, diz a doutrina, pretendem extrair do devedor o cumprimento voluntário da obrigação (e não espontâneo, o que é diferente), pois assim o fará o devedor, pelo fato da imposição de penalidades por parte do juiz, até mesmo ex officio, capazes de coagir o obrigado a cumprir a obrigação por ele assumida. Trata-se de “mandamento” dirigido ao devedor, especificamente, aguardando-se dele próprio o cumprimento da obrigação reconhecida em sentença.
Sentenças executivas “lato sensu”, diferentemente do que ocorre nas mandamentais, têm feição sub-rogatória, realizando-se o cumprimento da obrigação assumida pelo devedor, independentemente da vontade deste ou até mesmo contra ela, através de atos materiais, substitutivos do “agir” do devedor, determinados pelo juiz, sem necessidade de processo específico, tudo de forma a suprir a atividade esperada do obrigado.
O ponto de convergência entre esses dois tipos de eficácia sentencial – mandamental e executiva “lato sensu”, está no fato da prescindibilidade do processo de execução. Os mecanismos engendrados no artigo 461 do CPC, para a obtenção da tutela específica, ou para a consecução do resultado prático equivalente, estatuídos nos seus parágrafos 4o e 5o, referem-se tanto a medidas de feição mandamental, como multas diárias ou por tempo de atraso, quanto de características executivas, como a busca e apreensão, o desfazimento de obras, etc.
A enumeração das medidas de apoio preconizadas no dispositivo em análise, não é taxativa, mas exemplificativa, por isso mesmo autorizado o juiz, a requerimento do interessado ou mesmo de-ofício, empreender todas as medidas e providências necessárias à efetivação da sentença.
Dentre tais medidas, entretanto, não se insere a de prisão, porque assim proibida nos termos do artigo 5o, LXVII da atual Constituição Federal. Note-se que a prisão vedada pela constituição é a prisão civil e não a penal. Esta última poderá ocorrer quando cometido crime de desobediência (CP, 330), na medida em que descumprido preceito mandamental, descumprida uma ordem judicial. Prisão penal que pressupõe processo penal, regularmente desenvolvido, com todas as garantias constitucionais preservadas.
6. A necessidade de contínua busca da efetividade do processo
O movimento em busca da efetividade do processo tem avançado ainda mais. Além dos preceitos contidos no artigo 461 do CPC, que disciplina a tutela relacionada às obrigações de fazer e de não fazer, a Lei 10.444/02 acresceu ao estatuto processual civil o artigo 461-A, cujo objetivo foi empreender o mesmo rito próprio das tutelas mandamental e executiva “lato sensu”, às demandas baseadas em obrigação de entrega de coisa.
Trata-se de uma caminhada gradativa, rumo, senão ao abandono do processo de execução, ao menos à sua restrição às hipóteses em que tal sistemática se faça absolutamente necessária.
É certo e não se nega, que no processo de conhecimento não se tem certeza a respeito do detentor da razão. Trata-se de lide de pretensão resistida, cuja solução demanda dilação probatória, tratamento igualitário, possibilidade de recursos, tudo dentro do “devido processo legal”. Mas uma tal feição assumida pelo processo de conhecimento, não pode se transformar em dogma intransponível, capaz de se sobrepor ao grito por maior efetividade e praticidade do processo, que como dito de início, é instrumento que deve servir ao direito material, e não este àquele.
Nos dias atuais, de grandes convulsões sociais, de litigiosidade ainda mais acirrada, certamente muito maior do que nos tempos de Carnelutti, nada parece impedir e tudo parece aconselhar, que já no processo de conhecimento, na sentença que dirima o pleito, ou mesmo antes disso, quando antecipados os efeitos da tutela meritória, sejam traçados e implementados mecanismos hábeis à materialização do preceito judicial, sem que se tenha de recorrer a uma outra relação processual, que mesmo baseada em lide de pretensão insatisfeita, onde já se tem a certeza sobre a quem pertence o direito, é traumática, tormentosa e morosa.
Para demonstrar a autonomia científica do direito processual civil, leciona Humberto Theodoro Júnior, os estudiosos da matéria procuraram afasta-lo, o quanto possível, do direito material, analisando os grandes conceitos e as grandes categorias, as grandes linhas mestras do processo civil, em completa abstração em relação aos institutos próprios do direito civil. Uma tal separação produziu grandes resultados científicos, como informa o ilustre jurista, mas de efeitos práticos quase nenhum (in, “Tutelas Especificas de obrigações de fazer e não fazer”, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, 015, pág. 16).
É hora de aproximar-se, novamente, o direito processual do direito material, não para fundi-los numa única substância, como o fazia o artigo 75 do antigo Código Civil, mas para entrosa-los, fazer com que a tutela jurisdicional se amolde às especificidades do direito cuja tutela se pretende, daí a noção de tutelas diferenciadas como forma de lhes dar efetividade, o que está bem deslindado no artigo 461 do CPC e no novel artigo 461-A do mesmo diploma legal.
“O direito processual desfruta de autonomia científica, para efeitos pedagógicos, mas sua compreensão só se torna útil quando se volta para determinar de que modo o processo pode concorrer para a realização das metas do direito material, dentro do convívio social.” (Theodoro Jr., ob. cit.).
7. Conclusão
Carnelutti, como dito nas primeiras linhas deste trabalho, tinha absoluta razão em atribuir responsabilidade pela falta de efetividade das leis processuais à própria amoralidade reinante na sociedade atual, produtora de incontáveis litígios facilmente resolvidos pela boa vontade e pela honestidade.
O Estado, entretanto, há que seguir cumprindo o seu papel, no sentido de empreender prestação jurisdicional célere e justa, dessa forma atendendo aos escopos do processo moderno, fomentando paz social.
Um tal objetivo há que se perseguir com insistência e energia, mas também com criatividade e bom senso, ainda que para tanto seja necessário rever certas verdades até aqui tidas por intransponíveis.
O artigo 461 do CPC, mexendo com a estrutura do sistema processual atual, mesclando atividades cognitivas e executivas num único procedimento, reconhecendo o direito e já lhe empreendendo materialização, parece se constituir num exemplo emblemático do que esta por vir.
Informações Sobre o Autor
Levi Rosa Tomé
Especialista em Direito Processual Civil. Professor de Direito Processual do Trabalho nas Faculdades Integradas de Ourinhos. Juiz do Trabalho em Ourinhos-SP