Resumo: No presente estudo buscou-se analisar o fenômeno social que é a família, seu conceito e origens, fazendo para isto uma análise histórica que começou no Direito Antigo, passou pelo Direito Intermédio e chegou ao Direito Moderno e Contemporâneo. Analisou-se também este instituto à luz da realidade do Direito Brasileiro, onde algumas peculiaridades foram ressaltadas. Percebeu-se, com isto, o quanto seu caráter mudou ao longo dos anos, saindo de uma situação de informalidade, passando pelo fenômeno da secularização – no Brasil ligado à entrada em vigor do Decreto 181, de 1890 –, culminando com o reconhecimento legal da situação de fato que é a união estável no fim do século XX. Consistiu também numa análise a respeito do instituto dos alimentos. Neste sentido procurou-se apresentar uma noção geral destes, enfatizando a importância assumida no direito de família. Fez-se também uma exposição sobre suas origens, pressupostos, características e modalidades. Em relação à união estável, buscou-se delimitar o caminho percorrido por esta até que assumisse o status de integrante da ordem familiar, em substituição ao chamado concubinato puro. Notou-se assim, que, o afeto passou a ser a base desta relação familiar, outrora tratada como negócio jurídico. Viu-se ainda que, embora a união estável seja reconhecida como entidade familiar recebe tratamento legislativo diferente do casamento, por esta razão, os alimentos possuem pressupostos de ocorrência e características diversas daqueles provenientes da extinção do matrimônio, principalmente no que concerne à questão da culpa pelo rompimento da relação a dois. No trato dos alimentos na união estável se observou o quanto a Constituição de 1988 influenciou esta realidade. Influenciou ainda a elaboração da Lei n.º 8.971/94 e da Lei n.º 9.276/96. Além das supracitadas leis, fez-se por fim, algumas observações atinentes ao novo Código Civil, inclusive quanto aos princípios norteadores da relação alimentar, em muito alterada com a entrada em vigor deste.
INTRODUÇÃO
O tema a ser tratado neste trabalho é, sem dúvida, um campo fértil para a discussão doutrinária e jurisprudencial. Afinal, desde que o mundo existe, o viver em sociedade tem sido uma constante na história da humanidade. Sendo a família a principal célula deste órgão, o tema se torna ainda mais relevante, sobretudo no contexto de enfraquecimento da base sobre a qual a família, por séculos, se assentou: o casamento.
Face ao imperativo constitucional de que a família, e não mais o casamento, deve ser a base da sociedade, o legislador pátrio ofereceu proteção jurídica à uma realidade até então apenas de fato, a da convivência com o intuito de formar uma família entre homem e mulher. Assim, o tema passou a se assentar em duas leis federais, ambas versando especificamente sobre união estável, o que veio a atender ao preceituado no art. 226, § 3º da CF. No contexto destas leis encontra-se tratamento para a extinção, para os direitos decorrentes da sucessão e para os alimentos devidos entre os companheiros, o novo nome que se dá aos antes denominados concubinos. Além disto, temos ainda a Lei n. 10.406/02 que, entrando em vigor no ano de 2003, trouxe mais apontamentos para o tema, pois embora seja uma lei geral, versa também sobre a problemática da união estável.
No que concerne aos alimentos, enfoque do presente estudo, a discussão se agiganta em razão da pouca técnica do legislador brasileiro. A situação em questão permite, por exemplo, que diplomas distintos tratem da mesma matéria, exigindo do intérprete um trabalho exegético cada vez maior. Assim, qualquer interpretação que se dê para um instituto nos dias de hoje deve ser feita tendo em vista à finalidade da norma, no atual contexto constitucional, fundada na chamada função social.
Quanto aos alimentos decorrentes da situação de fato que é a união estável, um trabalho mais envolvente de observação deve ser desenvolvido, antes de mais nada, para definir qual lei rege a matéria.
A Lei n. 8.971/94, em síntese, afirma que os companheiros que conviverem por mais de cinco anos, desimpedidos para a contração de matrimônio, ou mesmo separados judicialmente, terão direito a alimentos, comprovada a sua necessidade, enquanto não constituírem nova união. Esta disposição deve ser entendida a luz da Lei n. 10.406[1], pois, nesta, nem todos os impedimentos à contração de outro matrimônio são obstáculos à constituição da união estável. Assim as pessoas separadas de fato, embora não possam se casar, podem contrair união estável.
O lapso temporal de 5 anos, apontado na Lei n. 8.971, poderia ser sanado pela existência de filhos advindos da relação. Além disto, se os companheiros convivessem por mais de cinco anos e tivessem prole desta situação fática, emergiriam direitos sucessórios e o reconhecimento da sociedade de fato, no caso de morte de um deles.
A Lei n. 9.278 alarga o conceito trazido na primeira legislação no Brasil, cabendo ser destacada a abolição da imposição do lapso de tempo para a caracterização da união estável. A affectio maritalis, hoje denominada convivência more uxorio, passa a ser determinante para a configuração da situação em tela, independendo, portanto, do decurso do tempo. Outro ponto que merece destaque especial é o que elenca o art. 7º da lei em questão, onde se percebe a intenção do legislador de preservar o local da convivência entre os companheiros, instituindo assim o chamado direito real de habitação.
Em verdade, a primeira lei veio para disciplinar os alimentos, trazendo para a esfera jurídica do alimentando o direito subjetivo e a faculdade de se valer do disposto na Lei n. 5478/68, bem como de garantir direito sucessório. As questões atinentes à situação deixam de ser tratadas pelas Varas Cíveis, como se meros negócios jurídicos fossem, para serem tratadas pelas Varas de família. A segunda, por sua vez, veio para regulamentar o comando constitucional do § 3º do artigo 226.
As descrições a respeito do tema apontam quão essencial este é para o mundo jurídico, dada a concretude que assume numa sociedade onde as relações são cada vez mais de fato. Assim, o presente trabalho busca falar das várias facetas que possuiu e possui a família. Além disto, visa apontar como estas facetas influenciam em importante tema do direito de família, que é a questão alimentar.
1 CONCEITO DE FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS
A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e como tal deve ser protegida, como se conclui do disposto na “Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969.”[2]
No mesmo sentido, podemos citar outras convenções internacionais que reforçam o fato de ser a família pedra fundamental da sociedade, tais como a “Declaração Universal dos Direito Humanos”[3], o “Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos” [4], o “Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”[5] e a “Convenção sobre os Direitos da Criança.”[6]
Na posição de primeira e mais importante instituição organizada do mundo, uma vez que é base de todas as outras, a família deve ser considerada como principal unidade básica de desenvolvimento do ser humano.
Para todos os fins – e todas as possíveis interpretações –, é importante registrar que a família é um sistema muito complexo, passando por vários ciclos de desenvolvimento ao longo da história. Assim, transformou-se através dos tempos, acompanhando mudanças religiosas, econômicas e socioculturais.
Segundo Jacques Commaille[7], a família é a instituição jurídica e social resultante das justas núpcias, que dão origem à sociedade conjugal, da qual derivam três diferentes vínculos: o conjugal, o de parentesco e o de afinidade. Esse conceito certamente teve papel de destaque na história, mas cabe frisar que atualmente o casamento, enquanto único instituto a ensejar e a legitimar a família, perdeu importância.
Alargou-se, assim, o conceito de família, antes profundamente atrelado aos efeitos do casamento, considerado então a fonte geradora de suas normas básicas. O Estado deixa de interessar-se apenas pelo ato formal do casamento, preocupando-se, sobretudo, em resguardar o grupo familiar. Desta forma, a família não mais se baseia na concepção canônica de procriação e educação da prole, nem tampouco na concepção meramente legalista, mas na mútua assistência e satisfação sexual, o que permite que sejam vislumbradas novas possibilidades de entidade familiar, uma vez que o afeto passa a ser pressuposto de constituição dessas relações.
Essa mudança de entendimento pode ser compreendida à luz dos períodos históricos. A partir desta análise se constatam as transformações ocorridas no conceito de família, que hoje admite outras formas de constituição, dentre as quais a união estável.
1.1 NO DIREITO ANTIGO
Houve, ao longo da história, modelos diferenciados de família primitiva, sendo que a maior parte deles tinha como características essenciais a mútua proteção e a segurança. A constituição das famílias mantinha estreita ligação com a unidade de culto e com liames místicos. A formação da família era determinada pela necessidade de subsistência. Era essa necessidade de subsistência quem regulava as uniões e o número de filhos.
Na Grécia e na Roma antigas, predominavam as micro-religiões. A família tinha, portanto, seu próprio culto, sua justiça, seus costumes e tradições. O culto adotado era uma escolha do chefe da família, denominado pater[8]. Não era cabível, portanto, falar-se em “liberdade de culto”[9] tal como a conhecemos hoje, notando-se uma nítida sujeição dos membros do clã às determinações do pater.
O casamento romano tinha base nitidamente consensual, fundado num acordo, que se devia sempre renovar e permanecer, extinguindo-se quando esse acordo cessasse . O divórcio decorria, portanto, da natureza consensual do matrimônio e exigia igualmente o firme propósito de separação definitiva.
Não-obstante ter o casamento romano base nitidamente consensual, cabe frisar que seu caráter não foi absoluto, tanto que a união de patrícios e plebeus, através do casamento, era impedida. Assim, estes ligavam-se pela união de fato, onde havia coabitação sem a affectio maritalis. Sem esta característica de valoração da relação, não havia a possibilidade de se falar em casamento. Para os romanos, o que diferenciava o casamento da simples posse era a affectio maritalis. Assim, apesar de ter a afeição cunho subjetivo, face à imposição impeditiva de misturas de castas, esta possuía também caráter objetivo. Em razão de tal orientação, a conceituação de família passa a vincular-se à idéia da contração das núpcias justas.
Em Roma, o casamento era, por essência, monogâmico[10], definindo-se como a união entre o homem e a mulher com o fim de estabelecer uma comunhão de vida íntima e duradoura. No plano jurídico, era um estado de fato que não surgia, como o atual, da troca inicial de consentimentos, mas da permanência da união baseada na convivência e na intenção de ser marido e mulher. A colocação da mulher à disposição de seu marido era indispensável, sendo a entrada da mulher na casa de seu marido a melhor prova.
A evolução histórica apontou, todavia, no sentido de emergirem novos modos de formação da família, abrindo espaço ao concubinato.
No período clássico “o concubinato não gerava efeitos jurídicos, admitindo-se apenas doações à concubina e a legitimação dos filhos naturais no direito justinianeu.”[11] Tais concessões feitas pelo direito romano, ainda que dissipadas com o tempo, fizeram com que o concubinato recebesse tratamento mais dignificante, não sendo mais vinculado à devassidão e à prostituição.
No Baixo Império, torna-se verdadeiro “casamento inferior, embora lícito.”[12] Já com os imperadores cristãos começa a receber o “reconhecimento jurídico.”[13]
Em Roma, consistiu o concubinato na convivência more uxorio, não incestuosa nem adulterina, de um homem e uma mulher não unidos pelo vínculo do matrimônio. O concubinato romano era legalmente reconhecido, desde que as partes não fossem casadas e não tivessem outros concubinos.
Nos primeiros séculos do cristianismo – os últimos do império romano do ocidente –, o direito canônico começa a se fortalecer, influenciando assim o direito de família. Ainda assim, aponta Marco Aurélio Viana[14] que o direito canônico dos primeiros tempos não desconhecia totalmente o concubinato como instituição legal, tendo o Concílio de Toledo, realizado no ano 400, autorizado o concubinato de caráter perpétuo.
1.2 NO DIREITO INTERMÉDIO
Na Idade Média, o conceito de família passa pela forte determinação e influência da Igreja. Com o Cristianismo sendo reconhecido como religião oficial de praticamente todos os povos ditos civilizados, o culto familiar deslocou-se para as capelas, deixando o pater de ser o seu sacerdote. A família perde parte de suas funções, eis que o culto não é mais celebrado pelo patriarca, como ocorria em tempos passados.
Nos primórdios da Igreja Católica, esta não se opunha diretamente a outras formas de constituição da família que não o casamento. Entretanto, durante a Idade Média, a Igreja impôs a forma pública de celebração, criando o dogma do matrimônio/sacramento. O Cristianismo, então representado com exclusividade pela Igreja de Roma, reconheceu na família uma entidade religiosa, transformando o casamento, para os católicos, num sacramento. A família foi convertida em célula-mãe da Igreja, hierarquizada e organizada a partir da figura masculina.
Não-obstante a nítida mudança de posição da Igreja, aponta-se que “Santo Agostinho admitia o batismo da concubina, desde que esta se obrigasse a não deixar o companheiro. Santo Hipólito negaria a contração de matrimônio a quem o solicitasse para abandonar a concubina, salvo se por ela fosse traído primeiro”[15]
Na Idade Média surge também a idéia de que a família deve ser garantia de amparo aos seus membros doentes, inválidos e impossibilitados de prover o próprio sustento, idéia que hoje se confunde com o dever de prover alimentos. O conceito de assistência aos incapacitados é essencial neste período histórico, eis que as famílias produziam todos os bens necessários à sobrevivência, tais como alimentos, peças do vestuário e armas. A assistência implicava também no dever familiar de ajuda moral e psicológica aos membros.
Num momento histórico em que os nobres fechavam-se em seus feudos, vivendo da exploração de camponeses que dependiam de suas terras para a sobrevivência, onde o
Estado era apenas a representação de um homem – o Senhor Feudal –, a família era a única garantia de assistência recíproca entre seus membros.
Muito atrelada à religião, a procriação era, na Idade Média, considerada essencial para a constituição de uma família, eis que se interpretava literalmente o preceito bíblico: “Crescei e multiplicai-vos. Ide e enchei a terra.”[16] Assim, a família, surgida necessariamente com o casamento, enquanto instituição legítima, deveria reproduzir-se, sendo considerado um casal sem filhos inferior aos demais. O sexo dentro do casamento tinha apenas duas finalidades: a satisfação do desejo masculino – a mulher era considerada incapaz de sentir prazer –, e a geração de filhos, razão pela qual as famílias eram muito numerosas.
1.3 NO DIREITO MODERNO E CONTEMPORÂNEO
No início do século XVI, com a Reforma protestante, a Igreja Católica deixa de ser representante exclusiva dos preceitos cristãos. Diante deste contexto, ela se reúne no “Concílio de Trento”[17], realizado entre 1545 e 1563, na Itália, reafirmando alguns dogmas, dentre eles o do casamento, enquanto sacramento gerador da entidade familiar. Esse Concílio impôs, inclusive, excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira advertência, como afirmam as encíclicas 990 a 992. Os “matrimônios clandestinos”, realizados com o consentimento livre dos contraentes, seriam válidos e verdadeiros enquanto a Igreja não os declarasse nulos. Deduz-se da leitura destas encíclicas que a união de duas pessoas, mesmo sem impedimentos à contração do matrimônio stricto sensu, caracterizaria uma situação de pecado perpétuo, em não sendo atendida a advertência imposta pela Igreja.
Com a Reforma, altera-se o enfoque dado à família. Para os católicos, caberia somente à Igreja disciplinar o casamento; para os não católicos, caberia ao Estado, e tão somente a ele, a regulamentação dos atos nupciais. Nos países onde ocorreu a Reforma Protestante, surgiram as primeiras leis civis disciplinando o casamento não religioso e transformando-o no único válido legalmente.
Na Idade Moderna, o sistema feudal é substituído pela idéia de Estado Nacional, tirando da família outras de suas funções, entre as quais a de defesa e de assistência, já que os cidadãos passaram a contar, em tese, com a proteção estatal, em vez de recorrer à autotutela.
Com a Revolução Industrial, a família deixa de ser uma unidade de produção, sob o comando de seu chefe, passando cada membro a trabalhar dentro das fábricas. A família, antes produtora dos bens para a sua própria subsistência, passa a exercer função econômica, auferindo o seu sustento da produção, ora como proprietária, ora como proletária.
Com a Revolução Francesa – introdutora dos preceitos de liberdade, igualdade e fraternidade no mundo ocidental – mudam muitos dos paradigmas até então tidos como absolutos, permitindo assim a existência de novos modelos de família. Apesar disso, o direito francês não contemplou essas mudanças, pois, por influência do direito canônico, quaisquer outras formas de constituição da família que não o casamento formal, não produziam efeitos jurídicos. O próprio Código de Napoleão, produzido 15 anos após a Revolução e fonte inspiradora de diversas codificações modernas, dentre elas o Código Civil brasileiro de 1916, silenciou a respeito.
No século XX, simultaneamente ao distanciamento do Estado em relação à Igreja, chamado laicização, novos fenômenos surgiram. A liberação dos costumes, a revolução feminina, fruto do movimento feminista e do aparecimento dos métodos contraceptivos, e a evolução da genética, que possibilitou novas formas de reprodução, foram fatores que contribuíram para redimensionar o conceito de família.
À luz do direito contemporâneo, baseado em princípios democráticos de aperfeiçoamento e de dignidade da pessoa, consagrados na maior parte das constituições modernas, não mais se pode considerar como família apenas a relação entre um homem e uma mulher, ungidos pelos laços do matrimônio. Assim, rompidos os paradigmas identificadores da família, que antes se assentavam na tríade casamento/sexo/reprodução, necessário se faz buscar um novo conceito de família. Dentro deste novo conceito, pode-se vislumbrar novos modelos de família, dentre eles a união estável, tema a ser tratado no presente trabalho.
1.4 NO DIREITO BRASILEIRO
No Brasil, a influência no direito de família foi, num primeiro momento, exclusiva dos dispositivos canônicos. Já em 1564, Portugal tornou obrigatórias em todas as suas terras, incluindo as colônias, as Normas do Concílio de Trento relativas ao casamento. Estas foram entre nós introduzidas através das Ordenações Filipinas e vigoraram até a promulgação do Código Civil de 1916. Portanto, é nítida a influência do direito canônico na formação de nossos valores, bem como da religião e da moral na constituição dos vínculos familiares e na adoção das soluções legislativas.
A Constituição de 1824 ignorou o casamento civil, importando-se apenas com a família imperial, permitindo que as demais fossem instituídas livremente. Como era grande o número de católicos, o casamento eclesiástico era comumente o mais praticado.
Até o ano de 1861, a Igreja foi a detentora e a disciplinadora exclusiva dos direitos matrimoniais. Entretanto, com o aumento dos cidadãos não católicos e com as influências dos países protestantes e de seus imigrantes em nossas terras, algumas mudanças começaram a ocorrer neste campo.
Em 1861, foi publicada a Lei n. 1.144, conferindo efeitos civis ao casamento religioso realizado por outras religiões que não a católica. O Decreto n. 3.069, de 1863, que regulamentou a Lei n. 1.144, permitiu outras formas de celebração do casamento além do realizado pela Igreja Católica. Esta mudança fez com que a Igreja perdesse parte de seu poder e, ao mesmo tempo, abriu caminho para o surgimento do casamento civil.
No ano de 1890, com a proclamação da República, foram separados os poderes religiosos e estatais. Com a edição do Decreto n. 181, de 1890, introduziu-se no Brasil o casamento civil. Por conseguinte, retirou-se do casamento exclusivamente religioso qualquer valor jurídico.
A Constituição Republicana de 1891 cuidou de estabelecer que somente seriam reconhecidas as uniões fundadas no casamento civil, o que causou furor na sociedade, visto que a Igreja, mesmo estando desligada do Estado, ainda era formadora de opinião e havia disseminado entre os seus seguidores a idéia de que a união civil era uma heresia.
Praticamente toda a legislação da República ateve-se ao casamento civil como única forma de matrimônio. Na Lei n. 3.071 – o conhecido e recentemente revogado Código Civil de 1916 –, o legislador disciplinou o instituto do casamento em inúmeros artigos, consolidando a importância deste ato para a constituição da família enquanto comunidade legítima. Embora não tenha definido o instituto da família, “condicionou a sua legitimidade ao casamento civil”[18], sem fazer qualquer alusão ao casamento religioso. O primeiro grande efeito jurídico do casamento civil era legitimar a família.
A união de fato de pessoas de sexos diferentes, embora tenha sido sempre numerosa no Brasil, não foi devidamente regulamentada à época. Nossos civilistas tradicionais sempre compreenderam que a união sem casamento era fenômeno estranho ao direito de família, gerando somente efeitos obrigacionais.
O casamento civil, como única forma de constituição legítima da família, perdurou até 1937. Naquele ano, a Constituição volta-se para o casamento religioso, declarando que poderiam ser atribuídos efeitos civis ao mesmo, norma que foi mantida na Constituição de 1946.
Algumas leis ordinárias foram editadas para amparar situações fáticas de evidente injustiça e acabaram, paulatinamente, abrandando a rigidez dos dispositivos elencados no Código Civil. O reconhecimento dos filhos naturais após o desquite veio a ser permitido em 1942, com o Decreto Lei n. 4.737. A Lei n. 883/49 permitiu esse reconhecimento em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal.
A Lei n. 4.069/62, em seu art. 5º[19], aponta a concubina como beneficiária da pensão deixada por servidor civil, militar ou autárquico, solteiro, desquitado ou viúvo, que não tenha filhos.
A Constituição de 1967 trouxe um dado novo para o conceito de família, pois, ao contrário das demais, não declarou ser a família constituída pelo casamento civil indissolúvel.
Quanto à concubina, a Lei n. 6.015/73, art. 57 e parágrafos[20], com redação dada pela Lei n. 6.216/75, permitiu-lhe usar o nome do companheiro, se vivessem em comum por, no mínimo, cinco anos, ou em caso de haver filhos dessa união.
O Decreto n. 73.617/74, em seu art. 2º[21], considera a companheira dependente do trabalhador rural. A Lei n. 6.515/77, no art. 51[22], estatui o reconhecimento dos filhos ilegítimos durante a vigência da sociedade conjugal, desde que em testamento cerrado, além de permitir a ação de alimentos pelos mesmos, garantindo seu direito à herança, ainda que de forma limitada.
A Lei n. 7.087/82, em seu art. 28[23], institui a companheira como dependente do segurado perante o IPC – Instituto de Previdência dos Congressistas. A Lei n. 8213/91, art. 16, I, com redação dada pela Lei n. 9.032/95, regulamentada pelo Decreto n. 2.172/97, art. 13, I[24], permite a inclusão da companheira ou do companheiro na categoria de beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, com tratamento idêntico ao do cônjuge, ainda quando o (a) companheiro (a) não esteja inscrito como beneficiário.
Até a CF de 1988, o legislador pátrio identificou no casamento a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à realidade de um país onde boa parte das uniões era formada sem casamento. No contexto atual, deixa de ser o casamento o bem jurídico maior a ser tutelado, passando a ser dever do Estado assegurar “proteção à família,”[25] independente de sua forma de constituição. A família continua sendo a base da sociedade, independentemente de casamento. Não se promoveu uma equiparação entre casamento e união estável, mas afastou-se esta última do direito das obrigações. O legislador constitucional parece ter pretendido proteger as uniões que se apresentam como casamento, sem estabelecer um período determinado de duração dessa união.
Posteriormente à Constituição de 1988, foram editadas as Leis 8.971/94 e 9.278/96. A primeira dispõe a respeito do direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Já a segunda reconhece como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, estabelecida com o fim de constituir família.
Além das referidas leis cabe apontar as inovações trazidas pelo novo Código Civil. Enquanto o estatuto de 1916 fazia referência ao “homem”, o código atual emprega a palavra “pessoa”. Esta mudança veio adequar-se ao disposto na Constituição Federal de 1988, que estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
A modificação reflete, portanto, o objetivo de igualdade entre homem e mulher.
O novo código estabelece que o conceito de família passa a abranger as unidades familiares formadas por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e descendente, enquanto no código de 1916 a família legítima era aquela formada pelo casamento formal. A nova legislação estabelece que o casamento é a comunhão plena de vida, com direitos iguais para os cônjuges, obedecendo a regra constitucional segundo a qual os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Enquanto a legislação revogada dispunha que o objetivo do casamento era constituir família, o novo código considera o casamento apenas uma das formas de constituição da família.
O poder do pai sobre os filhos passa a ser chamado de poder familiar, exercido igualmente pelo pai e pela mãe. O homem deixa de ser o “chefe da família”, que é dirigida pelo casal, com iguais poderes para o homem e para a mulher. Se marido e mulher divergirem, por não mais haver a prevalência da vontade do pai, a solução será transferida ao Judiciário.
Seguindo a mesma orientação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90, o novo código dispõe que perderá o poder familiar o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho, deixá-lo em abandono ou praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.
Pelo novo código, parentes, cônjuges ou conviventes podem pedir pensão alimentícia, quando dela necessitarem. No código de 1916, ocorrida a separação, somente a mulher podia pedir alimentos, direito negado ao marido, apesar de admitido pela jurisprudência, principalmente no decurso da década de 1990, com base na Constituição.
Atualmente, por força do art. 1704 do CC, existe inclusive a possibilidade de que alimentos sejam fornecidos ao conjugue culpado pela dissolução do casamento. Esta aplicação não nos parece poder ser estendida ao companheiro culpado, uma vez que o referido artigo é expresso ao fazer referência apenas ao conjugue.
2 ALIMENTOS: NOÇÃO GERAL
De acordo ao dicionário jurídico, os alimentos seriam:
“(…) As pensões, ordenados, ou quaisquer quantias concedidas ou dadas, a título de provisão, assistência ou manutenção, a uma pessoa por outra que, por força de lei, é obrigada a prover às suas necessidades alimentícias e de habitação.
Em regra, os alimentos são prestados por uma soma em dinheiro; mas, excepcionalmente, podem ser prestados in natura, isto é, no próprio fornecimento dos gêneros alimentícios e de outras utilidades indispensáveis ao alimentado.
A prestação de alimentos alcança não somente a subsistência material do alimentado, como lhe cabe ser educado e instruído, quando menor, e vestido pelo alimentado.”[26]
O termo “alimentos” designa as importâncias “em dinheiro ou prestações in natura”[27] a que uma pessoa se obriga, por força de lei, a prestar a outrem, denominado alimentando. Todavia o art. 25 da Lei n. 5478/68[28] e o art. 1701[29] do CC, em seu parágrafo único, eliminam em parte essa faculdade do devedor, estabelecendo que a prestação não pecuniária só pode ser autorizada pelo juiz se com ela anuir o alimentando capaz. Ademais, o fornecimento direto de alimentos no próprio lar do alimentante – que caracteriza a denominada obrigação alimentar própria –, é pouco utilizada na prática, em razão das inconveniências que apresenta, visto que duas pessoas que litigam em um processo judicial tendem a manter uma convivência pouco harmoniosa. Deste modo, embora a lei faculte ao alimentante escolher a modalidade de prestação, o juiz poderá impor a forma que melhor atenda ao caso concreto.
Em nossa legislação, o conceito de alimentos não foi estabelecido com precisão, mas sua natureza jurídica aponta no sentido de serem prestações periódicas destinadas a prover as necessidades básicas de uma pessoa, indispensáveis ao seu sustento, proporcionando-lhe vida digna, conclusão que se retira da leitura do art. 1.920[30] do CC. Constituem-se em uma modalidade de prestação, contínua e sucessiva, fornecida a alguém ou a uma família, em dinheiro, assistência ou fornecimento de bens de uso pessoal, que visa a atender as necessidades de sobrevivência condigna do alimentando.
Os alimentos não se referem apenas à subsistência material do alimentário, mas também à sua formação intelectual. Além disso, é o meio através do qual “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros recursos que lhes permitam viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”[31], caracterizando verdadeira contribuição para custeio das necessidades do alimentando.
Na terminologia jurídica, a expressão alimentos tem sentido mais amplo do que aponta a linguagem comum, abrangendo não só o fornecimento da alimentação propriamente dita, como também habitação, vestuário, lazer, tratamento médico, etc. Portanto, nesta acepção, o termo alimentos compreende, além dos alimentos naturais, também os alimentos civis, constituindo-se numa modalidade de assistência imposta por lei para prover os recursos necessários à subsistência e conservação da vida no plano físico, moral e social do alimentando, decorrente de relação sangüínea ou civil, conforme o caso. Importante salientar, no exame da questão, a diferenciação feita pela doutrina entre os alimentos naturais e os civis. Aqueles compreenderiam apenas as chamadas necessidades vitais – alimentação, cura, vestuário e habitação –, e os últimos incorporariam também as necessidades morais e intelectuais, como instrução, educação e lazer.
Temos ainda que discernir a obrigação alimentar stricto sensu dos deveres de assistência que imperam na família, inclusive entre os cônjuges, ou dos pais em relação aos filhos menores em decorrência direta do “poder familiar”[32]. Na realidade, são conceitos distintos, apesar de entre eles haver claras semelhanças de cunho finalístico. O dever de assistência ao cônjuge é convertido em obrigação alimentar quando da separação judicial, na medida em que esta desfaz a sociedade conjugal. O dever de assistência à prole converte-se em obrigação alimentar quando esta, atingindo a maioridade, vem a necessitar dos alimentos. Portanto, a obrigação alimentar não se confunde com o dever de sustento dos pais aos filhos ou, ainda, entre os cônjuges, enquanto mantida a sociedade conjugal, e os companheiros, enquanto mantida a união estável.
No que se refere aos alimentos, a determinação legal impõe a conjugação do binômio necessidade/possibilidade: necessidade de quem os recebe e possibilidade de quem os presta.
Neste sentido, Venosa[33] aponta que o dever da promoção de alimentos decorre da premissa de que aquele que não pode prover a própria subsistência não deve ser relegado ao infortúnio. Baseia-se, portanto, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como no da solidariedade familiar.
Sabendo que os alimentos devem ser fixados pela conjugação da necessidade de quem os pleiteia com a capacidade econômica de quem é chamado ao pagamento, cabe então suscitar o julgado do TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo –, do qual foi relator o Des. Villa da Costa, donde se percebe a necessidade da combinação de tal binômio. Na referida lide deduzida em juízo, o ilustre desembargador não fez sequer menção à possibilidade de promoção alimentar pelo ex-marido, como se depreende da leitura do julgado. Daí o entendimento de que o juízo da possibilidade pressupõe o juízo de necessidade.
“Alimentos – Pensão – Ex. mulher – Genitora jovem que está apta para o trabalho, podendo prover o seu próprio sustento – Necessidade premente não demonstrada – Inteligência do art. 226, par. 5° da CF – RNP Os alimentos devem ser prestados desde que provada a necessidade de quem os recebe e a possibilidade de quem os presta. A necessidade implica, necessariamente, na impossibilidade absoluta de obter com o suor do rosto, o próprio sustento.” [34]
O Código Civil em vigor estabelece a obrigação da prestação alimentícia de forma mútua entre ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau. Desta forma, aquele que necessitar de alimentos deverá pedir primeiramente ao pai ou à mãe, e, na impossibilidade destes, aos ascendentes mais próximos. Não havendo ascendentes ou descendentes, independentemente da qualidade da filiação, ou ainda na impossibilidade de estes cumprirem tal obrigação, esta recairá sobre os irmãos, os colaterais mais próximos.
Com o desaparecimento do “chefe” da sociedade conjugal, face à constituição em vigor, caso o marido não tenha os meios necessários, a mulher é chamada a concorrer com seus recursos para manutenção do lar, e, em sendo dissolvida a sociedade, até mesmo a concorrer para manter o marido necessitado, prestando-lhe alimentos. Este é o preço a pagar pela isonomia.
O dever de alimentar é um instituto de cunho tipicamente familiar, a princípio fundado apenas no dever de mútua assistência conjugal e no parentesco, o chamado jus sanguinis. Atualmente, todavia, tem-se entendido, inclusive em nossa legislação, que o instituto dos alimentos, enquanto dever alimentar, deve ser estendido às uniões informais, em especial nas denominadas Uniões Estáveis, como se percebe da leitura da Lei n. 9.278/96, em art. 7º[35], caput.
2.1 ORIGENS
Primitivamente, a obrigação alimentar apresentou-se como fato natural, através do qual assegurava-se ao necessitado recursos essenciais à sua subsistência, caso este não tivesse possibilidade de adquiri-los por meios próprios. Esta obrigação decorria do dever moral, configurando o chamado officium pietatits[36], sem nenhuma ligação, portanto, com normas de direito positivo, mas sim com o dever ético de solidariedade humana, que impõe a obrigação moral de assistência mútua entre os membros de uma mesma família ou até mesmo de um grupamento social.
Os gregos entendiam que o pai tinha obrigação alimentar e de educar a prole, prevendo a reciprocidade da obrigação, na forma de obediência e respeito. A questão da reciprocidade é tão latente na relação alimentícia que, a Constituição Federal[37] em vigor, prevê tal instituto no capítulo VII, destinado ao trato da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso.
Os romanos previam os alimentos não como obrigação positiva, mas como um dever moral e de caridade em relação aos parentes de grau próximo. Naquela civilização, os alimentos são fruto de uma relação familiar constituída sob o modelo patriarcal, onde a autoridade principal era o pater familias, uma vez que este concentrava todos os poderes[38]. Cabe frisar que, neste modelo de organização familiar, não havia nenhum vínculo patrimonial entre o pater e os dependentes, eis que estes eram desprovidos de patrimônio[39]. Baseada no dever moral, a obrigação de alimentar se manteve, transformando-se em relação jurídica tão somente após o surgimento de regras ius positum[40]. Ulpiano já mencionava que os ascendentes e descendentes deviam prestar alimentos uns aos outros, quer do lado paterno, quer do lado materno.
O Direito Romano já admitia o pensionamento de alimentos ao filho natural. Esta obrigação poderia ser transmitida ao avô, nada muito diferente do que temos em nossa legislação atual. O direito justinianeu foi bem mais longe, “prevendo aos filhos legítimos a obrigação de alimentar os filhos naturais deixados por seu pai”[41]
O Direito Canônico, inspirado nos princípios de justiça e caridade dos Evangelhos, concedeu a todos os filhos naturais, mesmos os espúrios, a faculdade de pleitear alimentos dos pais.
No Brasil, a questão dos alimentos “foi prevista nas Ordenações do Reino.”[42] Sob a égide das Ordenações, cabe apontar que o filho natural, mesmo o espúrio, era criado de leite pela mãe até os três anos, tendo as demais despesas custeadas pelo pai. “Após três anos, ao pai competia criá-lo e mantê-lo, salvo se o filho tivesse bens.”[43]
A evolução do Estado aponta no sentido de que competiria a este desenvolver a assistência social, estimular o seguro e tomar medidas defensivas adequadas para prover a subsistência dos impossibilitados. Contudo, embora o Estado tenha avocado para si tais funções, é notório que não consegue exercê-las de forma eficaz. Deste modo, foi institucionalizado o dever de solidariedade no direito de família, previsto no Brasil, ainda que, a contrário senso, no art. 203 da CF[44]. Assim, para que a missão estatal seja efetiva, o direito impõe aos parentes do necessitado, ou às pessoas a ele ligadas por elo civil ou de fato – hipótese das uniões informais -, o dever de propiciar-lhe condições mínimas de sobrevivência, no caráter de obrigação judicial exigível. Nesta direção caminhou a redação do art. 396[45] do Código Civil de 1916. Mais ampla, face à sua especialidade, a Lei n. 5478/68, – a conhecida Lei de Alimentos -, trouxe maiores esclarecimentos neste campo. O Código Civil de 2002 trata da matéria de forma ainda mais abrangente, tendo inclusive reafirmado, no art. 1694, § 1º, a imposição da conjugação do binômio necessidade/possibilidade para a concessão de alimentos pelo juízo, matéria já encontrada no art. 400 do extinto Código Civil.
2.2 PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTAR
A condição fática sine qua non para o surgimento da obrigação de alimentar, no direito de família, é o vínculo sangüíneo ou civil entre alimentante e alimentado. Neste aspecto, deve ser salientado que nem todos os parentes são obrigados a prestar alimentos, uma vez que, de acordo com a lei, somente o são os ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau, irmãos, portanto, sejam estes unilaterais ou germanos.
De acordo ao art. 1696 do CC[46], podem os parentes exigir, uns dos outros, os alimentos de que necessitem[47] para subsistir. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. A prestação alimentícia prevista no referido artigo é, portanto, fundada no ius sanguinis.
A pretensão aos alimentos somente é viável se atendidos os pressupostos legais. O primeiro pressuposto/requisito que se exige para a concessão dos alimentos é a necessidade[48], esta se materializando quando quem os pretende não tem bens nem pode prover pelo trabalho o seu próprio sustento.
O segundo elemento é a possibilidade[49] do alimentante. Neste ponto, convém trazer à colação o pensamento de Venosa[50], que discursa sobre a indispensável capacidade financeira deste. De seu pensamento se conclui que o alimentante não tem este obrigação de dividir sua fortuna com o necessitado. Segundo este autor, o princípio dos alimentos não é esse, mas sim o pagamento periódico, tendo em vista a natureza dessa obrigação. Portanto, na fixação do quantum residiria a maior responsabilidade do juiz nessas ações, pois não há norma jurídica que imponha um valor ou padrão ao magistrado.
O terceiro requisito é a proporcionalidade, também apontada no art. 1694, § 1º, CC, onde se deduz que deve existir proporção entre as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado. Não é cabível exigi-los além do que o alimentando precisa, sendo certo que, na hipótese de necessidade decorrente de culpa do alimentando, estes devem ser apenas os indispensáveis para sua subsistência, o que se depreende do art. 1694, § 2º[51]. A conjugação desses pressupostos será, com a aplicação do binômio necessidade/capacidade financeira, o que sintetizará o princípio da proporcionalidade. Não se pode admitir, portanto, que os alimentos se tornem um fardo impossível de ser carregado. A busca da proporção é fundamental.
O quarto pressuposto é a reciprocidade, proclamado pelo art. 229 da CF[52]. A reciprocidade liga-se, antes de mais nada, a um preceito filosófico de preservação da espécie. Os mais velhos, em regra, cuidam dos mais novos, para que, quando a idade se tornar para eles um peso, possam ser assistidos pelos que assistiram, caracterizando, assim, a retribuição.
A ordem destes requisitos não é pacífica, eis que há autores que apontam como o primeiro pressuposto da obrigação alimentar o parentesco, seja este de que modalidade for. Neste caso, a ordem dos demais pressupostos é alterada.
2.3 CARACTERÍSTICAS
O direito aos alimentos é personalíssimo, concedido à pessoa do alimentando que se encontra em estado de necessidade. Assim, só podem ser reclamados a título de direito próprio, admitindo-se, todavia, aos incapazes o direito de representação. Constitui modalidade do direito à vida, que é protegido pelo Estado através de normas de ordem pública. Daí sua irrenunciabilidade, quando decorrente da relação de parentesco, atingir somente ao direito e nunca ao seu exercício. Deste entendimento decorre a premissa de que não se pode renunciar aos alimentos futuros e nem à postulação dos mesmos em juízo. A renúncia posterior é válida quando perdoa as prestações alimentícias vencidas e não pagas.
Neste sentido cabe apontar o verbete 379 da súmula do STF[53], do qual se deduz que os alimentos podem ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais, embora exista acordo quanto ao não pagamento de alimentos na separação judicial. Deste verbete emergem proposições no sentido de que a renúncia na separação seria mera dispensa provisória e momentânea da pensão alimentar, podendo posteriormente ser pleiteada, desde que provada a sua necessidade e a possibilidade econômica do pretenso alimentante, conclusão que se faz dos apontamentos de Venosa[54]. Luiz Edson Fachin[55] corrobora o magistério do citado doutrinador, pugnando também pela irrenunciabilidade dos alimentos.
Ensina o professor José Costa Loures[56] que a irrenunciabilidade é consectária do direito à vida. Pode o credor não exercer o seu direito, mas o não-exercício não deve ser confundido com renúncia. Aliás, a natureza do direito alimentar justifica as restrições legais no sentido de garantir a inviolabilidade prometida no texto, daí culminar com o reconhecimento de que é ele irrenunciável, não passível de cessão, compensação ou penhora.
Embora a união estável venha sendo tratada de forma aproximada ao casamento, chegando a ser afirmado pelo professor Fábio Alves Ferreira ser ela um “casamento não solene”[57], cabe trazer neste momento um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul onde se percebe que, em sede de dissolução da união estável, o tratamento é diferenciado do despendido à dissolução do casamento. Eis o julgado:
“Alimentos. Renúncia em Dissolução de União Estável. Impossibilidade de novo pedido. A dissolução judicial consensual de União Estável, como no divórcio rompe, salvante expressa exceções, todos os vínculos entre os ex-conviventes. Inaplicabilidade da sumula 379 do STF. O dever de assistência, somente persiste quando as partes o convencionam no acordo da dissolução da União. Também, inaplicável o disposto no art.404 do Código Civil, porque restrito as relações de parentesco. Carência de ação por parte da ex-convivente para pedir alimentos ao ex-companheiro. Apelação desprovida.(6fls)”[58]. (destacou-se)
A posição que preconiza a irrenunciabilidade dos alimentos, sem diferenciar a origem da obrigação, é majoritária na doutrina, sobretudo em razão da posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, cabe aqui delinear a posição do professor Leoni Lopes[59], que, na vigência do Código Civil de 1916, dizia serem renunciáveis os alimentos, quando não advindos de relação de parentesco. Pugnando também pela possibilidade da renúncia em relação aos alimentos, quando não fundados na consangüinidade[60], parece salutar apontar os ensinamentos de Belmiro Welter[61], uma vez que este autor afirma poder ocorrer renúncia aos alimentos tanto no casamento quanto na união estável, sendo certo que, uma vez renunciados, não podem mais ser reclamados.
Outra característica notável dentro da perspectiva de análise dos alimentos é a imprescritibilidade. A prescrição de que trata o art. 206[62] do CC atingiria tão-somente as parcelas vencidas e não pagas, mas não as futuras, como se depreende da Lei n. 5478/68 em seu art. 23[63]. A imprescritibilidade caracteriza a não perda do direito de ação pelo decurso do tempo.
São também os alimentos impenhoráveis. A impenhorabilidade, como aponta Orlando Gomes[64], resultaria da própria finalidade do instituto, que é a supressão do estado de miserabilidade do alimentando. Assim, seria um absurdo permitir-se aos credores fazerem o devedor voltar à situação de miserabilidade anterior ao recebimento dos alimentos.
A revisibilidade, prevista no art. 1699[65] do CC, é fruto de entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o julgado de relações continuativas não faz coisa julgada material. Assim o ato jurídico pode ser alterado na medida em que novas circunstâncias imprevistas possam alterar o anteriormente pactuado, homologado pelo juízo, ou ainda o objeto de decisão condenatória. Este entendimento é conseqüência, ainda que indireta, do princípio da razoabilidade, uma vez que as condições, tanto do alimentante quanto do alimentando, podem mudar com o passar do tempo e a obrigação alimentar, lembremos, deve, por pressuposto de existência, atender ao binômio necessidade/possibilidade.
Embora prepondere o entendimento de que o julgado nas ações continuativas, dentre as quais a que concede alimentos, não faz coisa julgada formal e material, cabe trazer à colação o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, em 1992, negou provimento ao Recurso Especial em que se alegava o não cabimento da ação rescisória contra Acórdão que havia fixado alimentos e entendeu que na ação de alimentos existe coisa julgada formal e material, quando assim consignou:
“Civil- Ação de Alimentos – Ação rescisória de acórdão que fixou alimentos em valor além do pedido. Alegação de não cabimento da demanda rescisória em matéria alimentar. A sentença que fixa alimentos pode ser objeto de ação rescisória, sob pressupostos próprios, diversos dos da ação de ‘modificação’ do valor dos alimentos. Coisa julgada formal e material e as ações de alimentosI”.[66]
Considerando que uma eventual nova ação terá como fundamento a nova realidade financeira do alimentante e do alimentando, entendemos que o julgado nas ações de alimentos faz coisa julgada. Este posicionamento decorre da premissa que, se mantido as realidades que fundamentaram a decisão, não se poderá intentar outra ação, eis que a causa de pedir seria a mesma.
Cahali[67] aponta que a espinha dorsal da obrigação alimentar sofreu substancial modificação no novo Código, pois neste, independentemente da origem da obrigação, os alimentos são dispostos no capítulo que trata dos alimentos decorrentes do parentesco, embora faça parte da máxima do senso comum de que marido mulher não são parentes, assim como não são os companheiros.
A renúncia à pensão alimentícia na dissolução amigável do casamento encontrou fértil campo de discussões. Na jurisprudência, pela sua relevância, culminou com o verbete 379 da súmula do STF. Todavia recente orientação do STJ[68] vem rejeitando a aplicação da Súmula, reconhecendo a possibilidade de renúncia à pensão quando não decorrente do vínculo sangüíneo, posicionamento não previsto no novo Código. Neste, o que prevalece é irrenuncialidade ao direito a alimentos, sem excepcionar a origem da obrigação, disposição literal do art. 1707.
Não se pode repetir, ou seja, é irrestituível, quer sejam provisórios, definitivos ou ad litem. Assim, uma vez pagos, os alimentos são irrestituíveis. Desta forma, mesmo que a ação venha a ser julgada improcedente, não cabe a restituição dos alimentos provisórios ou provisionais. Nesta seara, cabe trazer à discussão o julgado do TJSP, do qual foi relator o Des. Santos Andrade, onde se admitiu a restituição de valor descontado a maior na folha de pagamento. Eis o julgado: “Alimentos – Restituição de quantia descontada a mais na folha de pagamento do alimentante -Admissibilidade – Desconto efetuado que ocorreu com a base antiga. Valor que não era mais devido – Restituição mantida – Recurso não provido[69]”.
Uma característica também muito evidente, em se tratando de alimentos, é a que aponta ser este crédito o mais importante dentro da sistemática civil atual. É tão importante que, uma vez inadimplido, pode ensejar – sem discussão doutrinária e jurisprudencial, face ao que dispõe o Pacto de San Jose da Costa Rica – prisão civil, esta prevista na CF no art. 5º, LXVII[70]. Pacífica também é a possibilidade de aplicação desta modalidade de prisão tanto ao não-pagamento de alimentos provisionais como ao de alimentos definitivos.
Por outro lado, uma situação que tem suscitado diversos questionamentos é a duração da prisão civil do devedor de alimentos, eis que a lei geral, art. 733, § 1º CPC[71], preceitua privação de liberdade por um a três meses, ao passo que a lei especial, Lei n. 5478/68[72], preceitua prisão por até 60 dias.
José Carlos Barbosa Moreira[73], pondera que o prazo da prisão deve ser sempre o previsto no art. 733 do CPC, eis que este teria derrogado, nesta parte, o art. 19 da Lei de Alimentos.
Humberto Theodoro Júnior[74], a seu termo, afirma que, no caso de alimentos provisionais é de se aplicar o prazo previsto no art. 733 do CPC, logo de um a três meses e, para alimentos definitivos, o prazo seria o previsto no art. 19 da Lei de Alimentos.
Neste contexto, um argumento que parece muito salutar é a proposição de que a execução far-se-á do modo menos gravoso ao devedor, como se depreende da lição de Araken de Assis[75]. Este autor consubstancia tal entendimento se pautando no artigo 620 do CPC, devendo, portanto, ser observado o prazo menor. Além disto, com base na Lei n°. 6014/73 – que adaptou ao novo Código de Processo Civil as leis que menciona –, continuaria em vigor o art. 19 da Lei de Alimentos, que prevê uma prisão menor que o art. 733 do próprio CPC. Assim, o prazo da prisão deveria ser sempre de 60 dias.
Este entendimento é também esposado pelo professor Alexandre Câmara, onde lemos que, “parece-nos fora de dúvida que está em vigor o art. 19 da Lei de Alimentos”[76]. Tal entendimento decorre do fato de ser a Lei n.° 6014/73 posterior ao CPC e, tendo esta a incumbência de adequar leis extravagantes, dentre elas a Lei de Alimentos, a este, manteve na íntegra o art. 19 da Lei n.° 5478/68. “Assim sendo, parece-nos fora de dúvida que a prisão civil do devedor de alimentos jamais poderá exceder de sessenta dias, pouco importando se os alimentos devidos são provisórios ou provisionais.”[77]
No que se refere ao prazo mínimo, o CPC e a Lei de Alimentos também não são convergentes ao cominarem a pena. Naquele está expresso que a prisão será decretada pelo prazo de um a três meses, sendo a pena mínima cominada de um mês, portanto. Contudo, a Lei de Alimentos não fixa um prazo mínimo, limitando-se a dizer, em seu artigo 19, que este não excederá a sessenta dias.
Partindo do postulado defendido pelo professor Araken de Assis, postulado baseado na premissa encontrada no art. 620 do CPC, de que a execução se procederá da forma menos gravosa ao devedor, entendemos ser ponderável que o prazo mínimo seja o encontrado no artigo 733, CPC, uma vez que a Lei de Alimentos é omissa quanto ao prazo mínimo. Deste modo parece-nos que o prazo de 1 (um) mês deve ser o paradigma a ser seguido no que concerne à fixação do prazo mínimo.
No que concerne às características da prisão decorrente do débito alimentar, cabe apontar que esta não é pena, mas meio de coerção para impelir o devedor de alimentos a cumprir uma obrigação, como se depreende da lição de Álvaro Villaça: “A prisão por débito alimentar não é pena, mas meio coercitivo de execução, para compelir o devedor ao pagamento da prestação de alimentos. Esta prisão não existe, portanto, para punir o esse devedor, tanto que pagando-se o débito, a prisão será levantada.”[78]
2.4 MODALIDADES
A questão dos alimentos pode ser encarada sob dois aspectos. Em sentido lato abrangeria, dentre outras hipóteses, aqueles originários do ato ilícito e da vontade humana. Em sentido estrito, seria a obrigação que decorre do parentesco consangüíneo ou afim.
Os alimentos que decorrem da vontade podem ser inter vivos ou causa mortis. Inter vivos consiste em obrigação assumida contratualmente por quem não tinha a obrigação legal de pagar alimentos. Pertence, portanto, ao direito das obrigações.
Causa mortis são os alimentos encontrados em testamento, via de regra sob a forma de legado de alimentos, pertencendo ao campo do direito das sucessões, daí serem chamados alimentos testamentários. O legado de alimentos abrange a alimentação propriamente dita, as despesas para a manutenção da saúde, vestuário, habitação, além da educação, se o legatário for menor.
Caso especial é a obrigação alimentar que se origina da doação, podendo ser convencional ou eventual. Não sendo a doação remuneratória, fica o donatário obrigado a prestar ao doador os alimentos que este venha a necessitar. Se não cumprir a obrigação, ensejará a revogação da doação por ingratidão, a menos que se veja sem condições de prestá-los.
Os alimentos indenizatórios, também chamados de ressarcitórios, têm o condão de reparar uma conduta ilícita, na forma do art. 928[79] do novo Código. A obrigação alimentar surgida em conseqüência da prática de ato ilícito representa, portanto, forma de indenização do dano ex delicto, mas tem característica precipuamente obrigacional.
Os chamados alimentos legítimos assim se qualificam por serem devidos por força de uma obrigação legal e, em nosso ordenamento, são os que se devem por direito de sangue, ou relação de natureza familiar, pelo matrimônio ou pela união estável. Apenas esta modalidade de alimento é regida pelo Direito de Família.
O novo Código, ao contrário do revogado, diferencia os alimentos necessários dos civis, fazendo tal distinção no art. 1694. Os alimentos estritamente necessários à mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites das necessidades vitais, são chamados alimentos naturais. Se abrangidas as necessidades intelectuais e morais, inclusive a recreação do beneficiário, compreendendo necessidades outras da pessoa, são chamados alimentos civis.
Pelo teor do art. 1694, § 1°, os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. O § 2° do mesmo artigo traz um apontamento de cunho restritivo ao dizer que os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
O art. 1704[80] do mesmo diploma dispõe que, se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. No parágrafo único do mesmo artigo é encontrada uma disposição restritiva no sentido de que, uma vez sendo declarado culpado pela dissolução da sociedade conjugal, o cônjuge que vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, terá sua subsistência garantida pelo outro cônjuge, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.
Maiores esclarecimentos a respeito da expressão culpa encontrada nos referidos dispositivos estão dispostos no tópico 3.4.
Quanto à modalidade da prestação, os alimentos se dividem em próprios e impróprios. Os próprios correspondem ao cumprimento da obrigação que tem como conteúdo o fornecimento daquilo que é diretamente necessário à manutenção do beneficiário. Já os impróprios têm como conteúdo a prestação financeira e os meios idôneos à aquisição de bens correspondentes ao atendimento de todas as necessidades do alimentando.
Quanto à finalidade, os alimentos classificam-se em definitivos, provisórios e provisionais. Definitivos são os de caráter permanente, fixados por sentença homologatória de acordo ou condenatória. Provisórios são os arbitrados liminarmente em ação própria. Eles podem ser revistos a qualquer tempo, processando-se em apartado, conforme se depreende da Lei n. 5478/68. Provisionais são os previstos no art. 1706, do CC[81]. São os alimentos que a parte pede liminarmente, em cautelares, para o seu sustento e para os gastos processuais, enquanto durar a demanda.
Quanto ao momento em que podem ser reclamados, os alimentos classificam-se em atuais e futuros. São atuais os postulados a partir do ajuizamento, porque o pedido já está instruído com prova pré-constituída do pressuposto do direito. Futuros são os que decorrem da respectiva sentença, embora caiba frisar que os alimentos quase sempre serão devidos retroativamente à citação. No que concerne à retroatividade, deve-se apontar o verbete 277[82] da Súmula do STJ, segundo o qual, tratando da ação de investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.
Os alimentos podem ser provisórios ou provisionais. Os alimentos provisórios são aqueles previstos na Lei n. 5478/68 em seu art. 4º[83]. Constituem adiantamento da tutela, concedido pelo juiz no início da ação, visando a garantia do necessário à subsistência do autor, até que se decida sobre o direito aos alimentos e sua fixação definitiva. Cabe frisar que tal medida só merece proteção quando há pressuposição de que exista a obrigação, com apresentação de provas.
Os alimentos provisionais, por outro lado, encontram-se elencados nos artigos 852 a 854 do Código de Processo Civil, e artigo 1.706 do novo estatuto civil, possuindo desta forma natureza de medida cautelar. Os alimentos provisionais, ao contrário dos provisórios, abrangem tanto o necessário ao sustento do alimentante, como também habitação, vestuário e as despesas custeio da demanda, inclusive os honorários advocatícios. Por se tratar de medida cautelar, a ação principal deve ser proposta no prazo de 30 dias, como prevê o artigo 806 do Código de Processo Civil, sob pena de caducidade da medida, quando cautelar preparatória. Assim, os alimentos concedidos liminarmente na ação de alimentos em rito especial denominam-se alimentos provisórios. Se forem concedidos em ação cautelar preparatória ou incidental, são denominados alimentos provisionais.
Os alimentos provisórios, uma vez concedidos, são devidos até o julgamento final da ação, inclusive do recurso extraordinário, como se conclui da leitura da Lei n. 5.478/68, em seu art. 13 § 3º[84]. Assim, é vedado ao magistrado revogar os alimentos provisórios concedidos na ação de alimentos. “Pode haver variação ou mesmo diminuição, mas jamais supressão, devendo ser pagos até decisão final, inclusive do recurso extraordinário.”[85]
Por outro lado, os alimentos provisionais podem ser revogados a qualquer tempo, como ocorre com as demais liminares concedidas nas medidas cautelares em geral, por inteligência do art. 807[86] do Código de Processo Civil.
Em sede de união estável, tem se entendido pelo descabimento de alimentos provisórios, pela impossibilidade de atendimento ao requisito da prova documental exigida pela Lei de Alimentos. Mas, conforme sustenta Rejane Filippi , “inexistem dúvidas quanto ao cabimento do pedido de alimentos provisionais, pela via da medida cautelar, quando pleiteados com fundamento em relação concubinária.”[87]
3 ALIMENTOS NA UNIÃO ESTÁVEL
A família continua sendo a base da sociedade, constituída ou não pelo casamento. Este entendimento parece ser o único plausível dentro de qualquer interpretação que se faça do preceito constitucional insculpido no artigo 226 e parágrafos. O encampamento constitucional decorre do observar das sensíveis transformações de aspectos sociais ligados à moral, aos costumes, à solidariedade e inter-relacionamento humanos.
Com o advento da Constituição de 1988, um neologismo surgiu no mundo jurídico. É sabido que as palavras união e estável há muito integram o idioma português, mas a primazia de significar entidade familiar, constituída por um homem e uma mulher, é devida ao legislador constituinte brasileiro. A postura do legislador de 1988, na verdade, foi uma conduta de reconhecimento de uma relação que, de fato, foi sempre corriqueira. Certamente, ainda continua sendo uma união de fato, mas uma união tutelada pelo direito, eis que, como anteriormente dito, o bem jurídico a ser tutelado deixou de ser o instituto do casamento para ser o instituto da família. O casamento deixa de ser a única forma de constituição desta.
Passados seis anos desde a promulgação da Constituição brasileira, em 29 de dezembro de 1994, foi sancionada a Lei n. 8.971, por muitos chamada de o “Estatuto dos Concubinos”[88], vindo esta a regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Tratou restritamente dos alimentos e da sucessão entre os companheiros.
Em razão da regulamentação específica apontada pela lei de 1994, a necessidade da elaboração de outra, mais ampla, se tornou tão contumaz que, já em 1996, emergiu no ordenamento jurídico brasileiro a Lei da União Estável, regulamentando o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
Em 2003, quando ainda não haviam se assentado na doutrina e na jurisprudência os apontamentos a respeito das mencionadas leis, entrou em vigor o atual Código Civil, trazendo consigo novas disposições a respeito da união estável, inclusive na seara dos alimentos. Parece-nos, numa análise primeira, que este não teria revogado as tais leis, uma vez que aquelas tratam de matérias específicas e em grau de especialidade. Contudo, parece também razoável que, no que se mostrarem incompatíveis com a nova ordem civil, deverão ser interpretadas com vistas à nova sistemática legal.
A união de fato, agora nominada união estável, assim como qualquer união, também pode ser desfeita. Neste contexto, cabe fazer apontamentos quanto ao modo de extinção desta, eis que a Lei da União Estável se vale do vocábulo rescisão, enquanto o NCC chama a extinção, simplesmente, de dissolução. O legislador do CC valeu-se do vocábulo genérico, ao passo que o legislador de 1996 valeu-se do termo rescisão, termo específico para designar a quebra de um contrato na esfera civil por culpa de um dos contratantes. Tecnicamente, o uso deste vocábulo induz ao pensamento de que a união estável seria um negócio jurídico, condição que não nos parece assumir, uma vez que nesta, assim como no casamento, existem determinadas questões que são chamadas de ordem pública, portanto inafastáveis pela vontade das partes. Assim, tendo caráter de ato jurídico, nos parece que a melhor nomenclatura para designar o fim da união estável seria dissolução, embora seja sabido que este termo é genérico. Quanto à morte de um dos companheiros, é evidente que esta também será determinante para o fim da relação.
Desta dissolução certamente alguns direitos poderão nascer, dentre estes o direito à percepção de alimentos, tema que interessa diretamente ao presente estudo.
3.1 OCORRÊNCIA, PRESSUPOSTOS E CARACTERÍSTICAS
A associação de pessoas de sexos distintos constitui união estável desde que estes convivam de forma duradoura, pública, contínua, com o objetivo de constituir família[89] e como se casados fossem. Tem-se ainda que desta relação devem emanar, iguais e mutuamente, direitos e deveres de respeito, consideração, assistência moral e material, guarda, sustento e educação dos filhos comuns[90]. O elemento fundamental para a configuração da união estável é o volitivo.
Mesmo antes das Leis 8.971/94 e 9.278/96 o Judiciário já se via abarrotado de demandas fundadas em concubinato. Pleiteava-se não a prestação de alimentos, ou o partilhamento dos bens comuns, pois tais situações acarretariam a chamada carência de ação, conhecida no processo civil quando não estão aglutinados na mesma demanda a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade ad causam e o interesse de agir, este devendo ser visto sob o prisma da necessidade e da adequação. Assim, o que se pleiteava comumente era a “indenização por serviços domésticos”, como se percebe no acordão do STJ referente ao Recurso Especial 1994/0027645-1, julgado em 25 de novembro de 1997. Cabe aqui salientar que, mesmo já estando em vigor as leis supracitadas, tratando do tema em caráter especial, aplicou-se a este caso as regras dos negócios jurídicos, eis que a premissa do tempus regit actum foi observada, como se percebe da ementa abaixo:
“Familia. Concubinato. Serviços Domésticos. Indenização. Tem a concubina direito a pretensão postulada de receber indenização pelos serviços prestados ao companheiro durante o periodo de vida em comum. Recurso conhecido e provido.Data da Decisão 25/11/1997 Orgão Julgador T4 – QUARTA TURMA Decisão por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimentoII”[91]. (destacou-se)
A jurisprudência admitia indenizáveis os serviços prestados pela concubina ao amásio durante o período de vida em comum, mas isso em casos especiais, quando comprovadamente excepcionais os préstimos, com decisivos reflexos comerciais e sociais, perfeitamente destacáveis dos decorrentes do mero concubinato em si. “Tudo para não se consagrar o locupletamento indevido de um dos companheiros com o lavor do outro.”[92]
Este posicionamento, todavia, no sentido de se indenizar os conviventes, começou a ser questionado, tendo o professor Washington de Barros Monteiro[93] chegado a afirmar que este tratamento colocaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que a do próprio matrimônio.
O novo Código Civil[94] instituiu que, na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos aos critérios estabelecidos no art. 1.694, no que concerne à díade necessidade/possibilidade.
Observou ainda, no caput do artigo 1.704[95], que, se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. O parágrafo único ainda ressalvou que, “se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.”
Quanto aos companheiros, estes podem pôr fim à união estável sem que se discuta culpa, podendo, em sede de acordo, tratar dos alimentos, situação onde não. Ademais a culpa só pode ser discutida em juízo quando da instrução do processo.
No que concerne aos alimentos fixados judicialmente, em sede de união estável, não bastaria, segundo o professor Villaça, o conjugar da díade necessidade/possibilidade para o impor da obrigação via jurisdição. Dentro desta seara cabe trazer neste momento os apontamentos deste professor, onde lemos que:
“Desse modo, durante a união, os concubinos devem-se, mutuamente, alimentos. Após a ruptura da sociedade concubinária, serão eles devidos, se houver culpa, devendo o culpado pagar ao inocente alimentos, se destes necessitar. É expresso o art. 7º ao assentar que cuida de dissolução da União Estável, por rescisão, que não existe sem culpa.”[96] (destacou-se)
Esta posição, embora seja defensável, dentro da sistemática introduzida pelo novo código civil, nos parece que, não mais podemos sustentar que a culpa é pressuposto para o surgimento da obrigação alimentar, como se conclui da leitura do artigo 1694, § 2º.
Por outro lado, temos de frisar que a culpa encontrada no artigo 1704 não pode ser estendida aos companheiros. Assim sendo, o companheiro culpado pela dissolução da sociedade, não pode vir a pleitear alimentos, uma vez que o artigo 1704 trata especificamente da questão dos cônjuges. Portanto, sendo aferida a culpa na dissolução judicial, o companheiro inocente poderia se valer da decisão como meio de defesa, no sentido de se eximir de pagar alimentos ao companheiro culpado, uma vez demandado.
Luiz Augusto Gomes Varjão sintetiza que:
“A obrigação entre os companheiros decorre do dever de assistência, que é obrigação de fazer. Esse dever, após a dissolução da união estável, transforma-se, em razão dos vínculos de socorro que é obrigação de dar. Não pode exigir assistência material quem não foi solidário, isto é, não teve responsabilidade mútua ou interesse recíproco. Dessa forma, somente o companheiro não culpado pela dissolução da União Estável pode, em princípio, reclamar do outro pensão alimentícia.”[97] (destacou-se)
Pode-se dizer desta forma que, se houve culpa pela dissolução, certamente houve violação de um dever legal atinente aos deveres de convivência. Assim, o companheiro inocente não poderia vir a ser responsabilizado a pagar alimentos, como veremos no tópico 3.4.
3.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A UNIÃO ESTÁVEL
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 3º, reconheceu, para efeito de proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, e nesse efeito, instituiu, inclusive, norma programática no sentido de a lei facilitar sua conversão em casamento.
No texto constitucional, a família continua sendo a base da sociedade, mas independente de casamento. Através dela, o indivíduo se insere na sociedade, adquirindo as condições necessárias ao convívio harmonioso em seu grupo.
O preceituado em sede constitucional, na verdade, legitimou uma prática social aceitável: a da existência de uniões livres, com duração considerável e estabilidade afetiva. Tem-se que entender que este preceito não veio dar proteção jurídica às relações adulterinas. A atual Constituição, sensível à dinâmica da vida humana e atenta à necessidade de adaptação das normas jurídicas à nova realidade social, elevou a união estável existente entre o homem e a mulher ao status de família, passando a ter, este tipo de relacionamento, uma consideração maior pelo legislador, evidenciada pela proteção constitucional que lhe foi dispensada. Entretanto, convém ressaltar que a Constituição Federal não promoveu uma equiparação entre casamento e união estável.
O legislador ordinário atendeu ao preceituado na Constituição e regulou tal dispositivo, criando leis infra-constitucionais a fim de tutelar assunto polêmico, estabelecendo precisamente a noção de união estável, a forma de reconhecimento, além de fixar os efeitos dela decorrentes no âmbito do Direito de Família. Assim, foram editadas as Lei n. 8.971/94, que dispõe a respeito do direito dos companheiros à alimentos e à sucessão; e a Lei n. 9.278/96, regulando o § 3º, do art. 226, da Constituição Federal. O instituto constitucional consolidou-se ainda mais com as decisões judiciais, que, embora tenham relutado em reconhecer o caráter sócio-afetivo da relação a princípio, aos poucos foram sedimentando tal entendimento como conditio sine qua non para esta relação.
3.3 OS ALIMENTOS NO PERÍODO POSTERIOR À LEI N. 8.971/94
O artigo 1º da Lei n. 8.971[98] aponta como pressuposto jurídico à pretensão alimentícia a existência da união estável e a necessidade do credor, chamado alimentado. Cabe frisar, todavia, que esta leitura estrita não abrange a totalidade e as peculiaridades que assume o instituto dos alimentos em matéria de união estável. Além disso, pugna pela situação de pureza[99] da união.
Na hipótese da matéria em tela, irrelevante se mostrará, de um lado, a atual necessidade do pretenso alimentado e, do outro, a possibilidade do alimentante, se aquele foi quem, por culpa sua, deu causa ao fim da relação. Nesta hipótese, o companheiro culpado não teria direito à percepção dos alimentos, tratamento claramente diferente do dispensado aos cônjuges, eis que, na relação conjugal, o cônjuge que deu causa ao fim da sociedade pode, por força do art. 1704, § único, pleitear os alimentos necessários. A culpa, na hipótese conjugal, traria uma restrição ao alimentado, mas não um impedimento.
A lei não parece querer que o alimentando pereça, e por outro lado, também não deseja que o obrigado ao pagamento desfalque sua própria subsistência. Exige-se um equilíbrio entre as condições de um e as possibilidades do outro. Impõe-se o binômio, embora a referida lei tenha mencionado apenas necessidade. Todavia, por interpretação teleológica, nenhuma lei pode impor a alguém prestação de alimentos que sacrifique seu próprio sustento.
Por imperativo legal, se um ex-companheiro alimentando vir a se casar, ou mesmo constituir nova união, perderá direito aos alimentos. Cessada a nova situação, de direito ou de fato, que deu causa ao perdimento do direito alimentício decorrente da extinção da primeira união, não se restaura tal direito[100]. Além disso, aventar a hipótese de restabelecimento de direito feriria o princípio da razoabilidade. Seria o mesmo que admitir que a lei revogada voltasse a vigorar se declarada inconstitucional a que lhe revogou, criando o fenômeno da repristinação. Por força do que dispõe o art. 1º da lei em tela, o direito do alimentado e a obrigação do alimentante perdurarão enquanto não se constituir nova união.
Cumpre observar que a lei em questão fala apenas em nova união. Contudo, uma visão hermenêutica nos informa que ambas as uniões, a estável e a matrimonial, podem ensejar a perda ao direito aos alimentos. O direito alimentar neste caso é temporário, pois cessa quando o beneficiário constituir nova união, seja ou não matrimonial. Não se mostra razoável pugnar pela pretensão do legislador em se referir apenas à nova união estável. Parece-nos que este teria pretendido referir-se às novas uniões, matrimoniais ou não, conclusão também firmada por Caio Mário da Silva Pereira, onde se lê: “A possibilidade de pleiteá-los não é eterna. Os mesmos deverão ser requeridos tão logo consubstanciado o rompimento da vida em comum (…) Quanto ao futuro, a continuidade dos alimentos cessa se o alimentado vier a constituir nova união, ou se provar a desnecessidade por qualquer meio.”[101]
Logo, o direito à percepção dos alimentos perdurará enquanto deles necessitar, e puder honrá-los o devedor, e até que não seja constituída nova união, seja matrimonial ou não, quando então cessará automática e definitivamente o direito à prestação alimentícia.
Extinguir-se-á o dever alimentar, enfim, pela morte do alimentante ou do alimentário. A pessoalidade da obrigação alimentícia decorre de sua intransmissibilidade. Do mesmo modo, o caráter personalíssimo do direito impõe seja extinta a obrigação com a verificação do evento morte do alimentando.
Francisco José Cahali pondera: “Nestas condições, o nascimento de filho funciona exclusivamente como um evento suficiente em si mesmo para dispensar o decurso de prazo de convivência fixado na norma, tempo este que seria indispensável à produção dos seus efeitos, mas que não supre a necessidade de comprovação da União Estável.”[102]
De todo modo, não-obstante a inexistência de equiparação do casamento à união estável para fim de direito alimentar, tal direito aos companheiros parece inegável, ainda que guarde peculiaridades. A Lei n. 8.971 introduziu o direito aos alimentos entre os companheiros, direito que não se funda no jus sanguinis, nem decorre de parentesco. Resulta do dever de assistência material recíproca.
Acentue-se que: “É entendimento pacífico na doutrina que o nascimento de filho comum torna dispensável o prazo mínimo de duração da união, mas não a prova de sua estabilidade e seus demais requisitos, isto é, inexistência de impedimentos matrimoniais, coabitação, singularidade, publicidade e affectio maritalis. Não fosse assim, chegar-se-ia ao absurdo de se conceder pensão alimentícia à mulher que tivesse mantido relações sexuais com um homem uma única vez.”[103]
E, não-obstante o contido no artigo 1º da Lei n. 8.971/94, se restar comprovado que o companheiro casado estava separado de fato quando da vigência da união estável, e preenchidos os demais requisitos a amparar a concessão de alimentos, pode-se concedê-los em favor do outro companheiro.[104]
3.4 OS ALIMENTOS NO PERÍODO POSTERIOR À LEI N. 9276/96
Em 1996, sobreveio a Lei da União Estável, tratando igualmente da matéria no artigo 7º. Outra confusão se instaurou, porque esta trouxe requisitos mais brandos para o surgimento do direito a alimentos. Não houve mais referência ao estado civil dos companheiros, à existência de prole comum ou à duração mínima dessa união, como também não explicitou se a convivência de fato à margem do casamento em vigor seria protegida.
Washington de Barros Monteiro, entretanto, entende que:
“A Lei n. 9.278/96 não faz menção ao estado civil dos concubinos. Nesse ponto, porém, tem aplicação a Lei n. 8.971/94, que, ao reconhecer direitos sucessórios e alimentos entre os companheiros, determina que sejam solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos. Não se compadece com os objetivos da lei que pessoas casadas mantenham duas situações familiares semelhantes e concomitantes, uma sob a proteção do casamento, outra ao amparo da entidade familiar”[105]
E continua o professor: “A luz da Lei n. 9.278/96, não subsiste a exigência de filhos comuns, pois, comprovada a União Estável, em caso de rompimento, exsurge o direito a alimentos, de acordo com as necessidades de quem os pleiteia.”[106]
Tendo-se em vista tais ponderações, entendemos que a lei de 1996 não revogou a primeira, no que concerne aos alimentos, entendimento também esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde lemos que: “A instituição da Lei 9.278/96, que regula o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal (que reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar), não revogou o artigo 2º da Lei 8.971/94, que regula o direito de companheiros à herança e alimentos.”[107]
No que concerne ao novo Código Civil cabe trazer alguns apontamentos, cuidando para que regras basilares de hermenêutica sejam respeitadas. Neste sentido cabe trazer para a discussão o magistério de Marco Aurélio Sá Vianna:
“Não devemos ter como absoluto o princípio de que uma lei geral nunca derroga uma lei especial, ou vice-versa, porque é possível a incompatibilidade entre a lei geral e a especial, trazendo aquela dispositivo que se choca com esta, na mesma medida em que uma lei especial pode se revelar em contradição com uma lei geral. Devemos entender a questão em termos corretos: a generalidade de princípios numa lei geral não cria incompatibilidade com regra de caráter especial. A disposição especial disciplina o caso especial, sem afrontar a norma genérica da lei geral, que, em harmonia, vigorarão simultaneamente.”[108]
Com o novo Código Civil, na questão dos alimentos, um problema de ordem sistêmica parece emergir, eis que o legislador previu a possibilidade de o alimentando ter dado causa à sua necessidade quando determinou que os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando resultar de culpa de quem os pleiteia. Senão vejamos:
“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.” (destacou-se)
Mas de que culpa se trata esta parágrafo segundo?
___ O professor Norberto Ungaretti, desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, responde esta indagação com bastante precisão, quando consigna que:
“Note-se que a culpa há de estar ligada à situação de necessidade, numa relação de causa e efeito, clara e expressamente estabelecida pelo Código. Seria o caso, por exemplo, da pessoa que abandonou injustificadamente o emprego de que retirava o seu sustento, ou foi demitida por justa causa, ou até mesmo, simplesmente, não quer trabalhar. Ela está necessitada de alimentos, mas esta necessidade decorre de sua culpa. (…) o legislador está premiando a culpa, o que é um contra-senso.”[109]
A culpa prevista no artigo 1694, § 2º, não se confunde com a declaração de culpa insculpida no artigo 1704, parágrafo único, uma vez que neste está expresso que: “se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-lo, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”. Neste artigo a referência de culpa é no sentido de ter havido descumprimento de um dever conjugal como determinante do fim desta sociedade, o que, frise-se, não se confunde com o rompimento do vínculo conjugal, nem mesmo com a culpa lato senso encontrada no artigo 1694 onde, inclusive o companheiro, pode vir a ser alimentando, mesmo tendo sido causador do estado de necessidade.
Por este raciocínio o companheiro que pediu demissão pode vir a pleitear alimentos, embora o estado de necessidade decorra de sua deliberação. Contudo, se este for responsável por rescindir o companheirismo ao descumprir uma das regras de convivência, e, isto implique em necessidade, não poderia se valer do preceituado no mesmo parágrafo segundo.
O apontamento do parágrafo anterior se baseia na leitura sistemática do artigo 1704 conjugado com o artigo 1694. Naquele, o legislador tratando especificamente do rompimento da sociedade conjugal por culpa de um dos cônjuges, previu a possibilidade de que este possa figurar numa ação de alimentos como alimentando, o que entendemos não poder ser estendido à união estável.
Considerando que a culpa prevista no artigo 1704 não está contida no artigo 1694, sob pena de não se justificar a existência daquele, entendemos que o companheiro culpado pela rescisão da sociedade de fato, não pode se valer de uma ação de alimentos, mesmo que esta rescisão implique em necessidade. O dever de assistência familiar não pode ser estendido na hipótese de rompimento de todos os laços. Ademais, a referência a cônjuge do artigo 1704 “faz supor que se trate de situação passível de ocorrer quando ainda há casamento, porque se não há mais casamento não há falar em cônjuge”[110], mas sim ex-cônjuge. Como o dispositivo fala em “cônjuge declarado culpado”, se entende que a hipótese somente pode verificar-se estando os cônjuges separados judicialmente, em virtude de sentença proferida em ação de separação litigiosa, mas antes do divórcio.
Este artigo afronta a máxima nemo auditur propriam turpitidinem allegans, que em português é entendida como a premissa de que ninguém pode alegar a própria torpeza em seu benefício, brocardo que é verdadeiro princípio geral de direito desde o império romano, mas que parece ter sido esquecido pelo legislador ao tratar da problemática dos alimentos, no artigo 1694, § 2º, mas principalmente no artigo 1704, parágrafo único, sendo certo que este último não se estende à problemática do companheirismo.
Assim, para a seara da união estável, o novo Código Civil inova ao prever que o companheiro culpado pela causa de sua necessidade venha se tornar alimentando, o que entendemos não se estender à culpa pela rescisão do companheirismo por inobservância dos deveres de respeito e consideração mútuos, eis que o código é omisso ao tratar desta, embora reserve um artigo para tratar de culpa pelo fim da sociedade conjugal.
APONTAMENTOS FINAIS
Vimos que o conceito de família sofreu substancial modificação ao longo da história, culminando, no caso brasileiro, com a tutela de uma situação até então apenas de fato: A união estável.
Existirá união estável quando houver associação de homem e mulher, ambos livres e desimpedidos, para o fim de constituir família, convivendo como se casados fossem, por um lapso temporal juridicamente razoável, ininterrupto e não clandestino, gerando entre eles direitos e deveres de respeito e consideração mútuos; assistência moral e material recíproca; guarda, sustento e educação dos filhos comuns.
Esta mesma união poderá, a qualquer tempo, ser desfeita, seja pela vontade de ambos os companheiros, seja pela pré-disposição unilateral, quando o outro descumprir seus deveres de convivência, seja, enfim, pela superveniência do evento morte.
A obrigação alimentar entre os companheiros viveu tempos de impossibilidade jurídica, pois não resultava da lei, da declaração de vontade, ou de ressarcimento por ato ilícito. Não eram casados, nem tinham qualquer grau de parentesco. Comumente, nada havia de estipulação em seu favor no âmbito do direito de família. Admitia-se, todavia, indenizações na esfera cível por eventual sociedade de fato, aplicando, neste caso, as regras dos negócios jurídicos.
Quanto à espécie de união estável a ensejar ação alimentícia, certamente deve ela ser pura. Não pode ser adulterina ou incestuosa, pois tutelar tais situações seria o mesmo que o Judiciário anuir com uma conduta que, para efeitos penais, não passa de um crime. Os companheiros devem ser solteiros, separados judicialmente ou de fato, divorciados ou viúvos. A peculiaridade guardada neste âmbito refere-se ao separado de fato poder contrair união estável, quando, na verdade, a situação “separado de fato” não importa em status para ninguém, eis que não rompe nem a sociedade conjugal, nem o vínculo matrimonial. Houve, neste caso, um abrandamento das regras relativas aos impedimentos matrimoniais, previstos no art. 1521 do CC, no que se refere à união estável.
Relevante requisito que emerge da Lei n. 8.971 é o que aponta ser necessário ter havido convivência por mais de cinco anos. Não bastava a convivência ser estável e ter preenchido os demais requisitos da lei, tinha que ter no mínimo cinco anos. A existência da prole comum afastava a necessidade do decurso de tempo, mas não isentava da prova dos demais requisitos. Cabe, todavia, apontar que o requisito do lapso temporal foi suprido pela redação da Lei n. 9.278. Nesta, diz-se que a convivência deve ser more uxoria, sem fazer referência ao decurso do tempo. Retirou-se, desta feita, um aspecto objetivo de uma relação fundada no subjetivismo. Por um lado, esta mudança parece razoável, mas, por outro, retira do magistrado um importante norteador, uma vez que é muito mais difícil aferir a comunhão de vontades do que o transcorrer do tempo.
Na dissolução da união estável por culpa de um dos companheiros, configurando a rescisão encontrada no artigo 7º da Lei n.° 9.278/96, cabe apontar que o companheiro culpado, em razão de não ter observado um dos deveres de convivência, não poderá se valer do disposto no artigo 1704 do CC, eis que este trata especificamente da situação dos cônjuges. Desta feita fica bastante claro que a culpa prevista no artigo 1694, § 2º do CC não se confunde com aquela encontrada no artigo 1704 do mesmo diploma. Há que se esclarecer, portanto, que a regra do artigo 1694, § 2º, não alcança a culpa oriunda do descumprimento de um dos deveres de convivência, sob pena de não se justificar o artigo 1704 da lei substantiva civil.
O direito ao recebimento de pensão alimentícia condiciona-se ao período em que deles necessitar e enquanto não constituir nova união, estável ou matrimonial. A referência necessidade ora citada se refere à necessidade de se conjugar, na relação alimentária, o binômio necessidade/possibilidade. Por isso, para a fixação do quantum debeatur, vigorarão os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Esta razão justifica ainda a majoração da prestação alimentícia em face de índice oficial regularmente estabelecido. Também permite-se a alteração quantitativa decorrente da mudança na situação financeira, o que configura a hipótese de revisibilidade.
No que se refere à possibilidade de renúncia aos alimentos, o tema guarda algumas peculiaridades. Doutrina e jurisprudência apontam ser cabível a renúncia aos alimentos, pugnando assim pela não aplicação do verbete 379 da súmula do STF ao companheirismo. Esta admissão funda-se no postulado de não serem os companheiros parentes, na latente ordem isonômica constitucional, e na possibilidade do renunciante ter reservado bens e meios suficientes para se manter e sobreviver.
Embora os cônjuges, assim como os companheiros, também não sejam parentes, a aplicação do instituto da renúncia à extinção da sociedade conjugal não tem sido pacífica, e parece que as divergências tendem a aumentar com a modificação introduzida pelo novo Código Civil, pois neste, independente da origem da obrigação alimentar, a irrenuncialidade é estampada no art. 1707. Esta alteração parece ser um grande retrocesso, afinal, a jurisprudência dominante nos últimos tempos, inclusive no STJ, vinha se inclinando pela não aplicação do verbete 379 da súmula do STF quando os alimentos não se fundarem em laços de parentesco.
Este entendimento é fruto da nova ordem constitucional, o que provocou profundas alterações no âmbito do Direito de Família, sobretudo no que diz respeito à igualdade entre os sexos.
Não-obstante o verbete 379, esta imposição de isonomia levou o Supremo Tribunal Federal a rever seu entendimento quanto aos alimentos, admitindo, caso tenha havido por parte do renunciante reserva de bens e meios suficientes para manter a própria subsistência, a renúncia.
Em sede de dissolução da união estável, pouco importa ter havido ou não reserva de bens pelo renunciante. Assim, esta reserva do STF deve ser entendida como aplicável apenas à dissolução da sociedade conjugal.
O STJ, Corte não eminentemente política, tem entendido eficaz a renúncia, como também o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Igual posição vem sendo sustentada na doutrina, onde tem prevalecido o entendimento de que a renúncia vedada pela Lei refere-se apenas aos alimentos devidos entre parentes, o que não ocorre entre os cônjuges ou entre os companheiros.
<www.datavenia.net/artigos/1998/berenice.html > Acesso: 08 setembro 2010.
<www.datavenia.net/artigos/1998/berenice.html > Acesso: 08 setembro 2010.
Informações Sobre o Autor
Alessandro Marques de Siqueira
Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Conferencista do CONPEDI. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis. Concursado da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.