Resumo:[1] O presente trabalho pretende investigar se a pensão por morte pode ser considerada acessório da aposentadoria, quando de seu julgamento pelos Tribunais de Contas. O estudo deve-se à mudança no caráter da previdência social dos servidores públicos que, a partir da Emenda Constitucional n. 20/1998, passou a ser obrigatoriamente contributivo. A problemática deste trabalho surge, então, a partir da certeza de que os benefícios serão custeados pelo pecúlio formado a partir das contribuições obrigatórias; e da confiança do servidor público de estar devidamente coberto pela previdência, em razão daquele desconto mensal oriundo do cumprimento de seu trabalho. Desse modo, busca-se no presente verificar a natureza jurídica da aposentadoria e da pensão, bem como seu fato gerador e o alvo de sua concessão, para ao final concluir se a pensão por morte, quando se trata de registro pelos Tribunais de Contas pátrios, pode ou não ser julgada como acessório da aposentadoria.
Palavras-Chave: 1. Direito Administrativo; 2. Tribunal de Contas; 3. Servidor público; 4. Previdência; 5. Atos de aposentadoria e pensão.
Abstract: This study wants to investigate whether the pension death can be considered enhancement of retirement, when judged by the Court of Auditors. The study is due to the change in the character of the welfare of civil servants that the Constitutional Amendment 20/1998 made to become compulsory contributory. Thus the focus of this work comes from the certainty that the benefits will be paid by the estate formed from compulsory contributions, and the confidence of the public servant to be fully protected by the welfare system. This quest is to verify the legal status of the retirement and the pension, and its generator, and the fact of their granting target to conclude if the pension upon the death of the public servant, when it comes to being registered by the Brazilian Court of Auditors, may or may not be tried as an accessory for retirement.
Key words: 1. Administrative Law; 2. Court of Auditors; 3. Public servants; 4. Welfare; 5. Acts of retirement and pension.
Sumário: Introdução. 1. Definições dos Atos de Aposentadoria e Pensões. 1.1. Constituição Federal de 1988. 1.2. Legislação aplicável. 1.2.1. Lei n. 8.112/1990 1.2.2 Lei n. 10.887/2004. 2. Qual a razão de ser do controle? 2.1. Artigo 71, inciso III, da Constituição Federal de 1988. 2.2. A aposentadoria e a pensão são atos administrativos complexos, o que significa isso? 3. Ato Administrativo. 3.1. Conceito e Requisitos. 3.2. Aposentadoria e pensão enquanto atos administrativos. 3.3. Para efeito de controle são os dois institutos (aposentadoria e pensão) distintamente considerados? Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
A escolha deste tema surgiu com a mudança no caráter da previdência social, operada pela Emenda Constitucional n. 20, de 16.12.1998, que passou a ser contributivo. Assim, para se ter acesso aos benefícios previdenciários é necessário que o interessado contribua para a Previdência, no caso de servidor público, ele deve contribuir para o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS.
Quem contribui para o RPPS, mediante pagamento, é chamado segurado, e o faz com a finalidade de aferição dos benefícios do Programa Previdenciário, seja para si ou para seu dependente, sendo este o que, por conta da mesma contribuição paga pelo segurado, também está coberto pela Previdência. São dois os principais tipos de benefício previdenciário: aposentadoria e pensão. O segurado contribui no intuito de receber, ele próprio, aposentadoria e para seus dependentes legar pensão.
Os Tribunais de Contas, no exercício do controle externo, tem a competência constitucional de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de aposentadoria e pensão, entre outros. Esses atos são julgados legais ou ilegais, e conseqüentemente registrados ou não, de acordo com a sua adequação à legislação, respeitados os princípios e procedimentos administrativos para sua consecução.
A problemática aqui apresentada ampara-se na investigação para saber se uma pensão por morte, cujo segurado já havia se aposentado e seu ato ainda tramitava no Tribunal de Contas respectivo, poderá ser julgada ilegal e ter seu registro negado porque o ato de aposentadoria do segurado foi considerado ilegal? Ou melhor, a pensão por morte é acessório da aposentadoria?
Dessa maneira, pretende-se com este trabalho saber se, a despeito de existir contribuição pecuniária para ambos os benefícios previdenciários, e estes serem institutos diversos, os Tribunais de Contas podem considerar a pensão como algo que decorre da aposentadoria, ou seja, tratá-la como acessório desta, e destarte fazer com que seu julgamento siga a sorte do principal.
Há que se verificar, portanto, qual a natureza jurídica de cada instituto previdenciário – aposentadoria e pensão –, seu fato gerador e o alvo de sua concessão, para compreender se a pensão por morte pode ser tratada como acessório da aposentadoria.
Mister noticiar que os métodos de abordagem e procedimento empregados na pesquisa foram, respectivamente, o indutivo e o monográfico. No que se refere à técnica de pesquisa, utilizou-se a documentação indireta, com análise de bibliografia, legislação e jurisprudência.
Por fim, este trabalho encontra-se organizado em três capítulos. No primeiro, são apresentadas as definições dos atos de aposentadoria e pensões, de acordo com o ordenamento jurídico vigente no país. O segundo traz ponderações acerca da atividade de controle exercida pelos Tribunais de Contas. E, no terceiro capítulo, aborda-se o ato administrativo, relacionando seus aspectos às aposentadorias e pensões.
1 Definições dos Atos de Aposentadoria e Pensões
1.1 Constituição Federal de 1988
Nossa Carta Maior assegura em seu artigo 40, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 41 (19/12/2003), o regime de previdência dos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em caráter contributivo e solidário. Incluídos nesse regime previdenciário, a Lex Mater prevê os benefícios de aposentadoria e pensão.
Assim, nos incisos do §1º, do artigo 40, da CF/1988, têm-se, com seus respectivos requisitos a serem preenchidos para que haja a concessão do benefício, as hipóteses de aposentadoria, quais sejam: a) por invalidez permanente; b) compulsoriamente; c) voluntariamente.
Com relação ao benefício de pensão, ele encontra-se constitucionalmente previsto no §7º, do artigo 40. Contudo, a Constituição traz apenas a figura da pensão por morte, deixando para a legislação infraconstitucional regulamentar sua concessão.
Mister faz-se registrar que o primeiro e principal requisito a ser preenchido para aferição de quaisquer benefícios do regime previdenciário dos servidores públicos efetivos é a contribuição. Desse modo, como assevera Eduardo Rocha Dias “A contributividade é da essência da previdência social, e tal restou expressamente declarado nos arts. 40 e 201 da Constituição Federal.” (2004, p. 46), e adiciona “Somente aqueles que estiverem previamente filiados e, portanto, ostentarem a qualidade de contribuintes do sistema, terão direito à proteção previdenciária.” (2004, p.35).
Isto posto, conclui-se que para se ter direito às benesses da previdência social, especificamente aposentadoria e pensão, o servidor deve realizar uma contribuição pecuniária, que após a Emenda Constitucional n. 20 (16/12/1998) passou a ter caráter obrigatório.
Desta feita, a aposentadoria é o benefício previdenciário concedido ao segurado (servidor-contribuinte), cujo fato gerador de sua concessão é a perda laboral gradativa do servidor, em decorrência de sua idade ou invalidez. Por sua vez, a pensão é o benefício previdenciário concedido ao dependente, cujo evento gerador de sua concessão é a morte do servidor-contribuinte.
1.2 Legislação aplicável
1.2.1 Lei n. 8.112/1990
A Constituição Federal, em verdade, na competência atribuída pelo artigo 24, inciso XII c/c seus §1º e §2º, cuidou apenas de disciplinar em linhas gerais o regime de previdência dos servidores titulares de cargos públicos efetivos, razão pela qual há normas infraconstitucionais especificando o assunto, como é o caso, no âmbito federal, da Lei n. 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
A ora tratada norma traz de plano, em seu artigo 183, a determinação de que a União manterá Plano de Seguridade Social para o servidor e sua família. Seguidamente, nos incisos de seu artigo 185, especifica quais benefícios estão inclusos e quem são os dependentes previstos nesse Plano de Seguridade Social dos servidores efetivos federais, fazendo distinção quanto ao destinatário do benefício. Assim, quanto ao servidor tem-se, entre outros, a aposentadoria; e quanto ao dependente tem-se, entre outros, a pensão vitalícia e a temporária.
Nesta lei infraconstitucional, percebe-se com mais clareza a diferença entre segurado e dependente, em outras palavras, nota-se que há destinatários diferentes para os benefícios de aposentadoria e pensão.
Dessa maneira, o segurado é aquele que contribui, mediante pagamento, para a possível aferição dos benefícios do Programa Previdenciário, seja para si, no caso de aposentadoria, ou para seu dependente, no caso de pensão. E este é o que, por conta da mesma contribuição paga pelo segurado, também está coberto pela Previdência e, portanto, tem direito a receber pensão.
1.2.2 Lei n. 10.887/2004
Dispõe essa norma, em síntese, sobre a aplicação de disposições da emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003. Logo no seu artigo 1º, tem-se a base a ser utilizada para o cálculo de proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, qual seja, a média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado.
A redação desse artigo vem ratificar a noção de que o benefício previdenciário da aposentadoria será concedido considerando a contribuição previamente dada pelo servidor, uma vez que ela será utilizada como base para o valor dos proventos.
O artigo 2º da referida Lei estabelece que aos dependentes dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, falecidos a partir da publicação da tratada norma, será concedido o benefício da pensão por morte.
Percebe-se, novamente, que a própria lei faz distinção entre os benefícios de aposentadoria e pensão, reservando àqueles para os servidores que recolhem a contribuição previdenciária, e estes aos dependentes do mesmo servidor. Portanto, não há que se falar em identidade de beneficiários.
Contudo, há que se registrar que o pagamento efetuado a título de contribuição previdenciária pelo servidor efetivo gera um pecúlio que sustenta o programa de previdência, em outros termos, esse percentual pago concede ao contribuinte o direito de usufruir dos benefícios desse programa, que entre outros compreende a aposentadoria e a pensão.
Assim, realiza-se mensalmente um único desconto na remuneração do servidor efetivo em favor da previdência, mas este cobrirá não só o servidor como igualmente sua família.
2 QUAL A RAZÃO DE SER DO CONTROLE?
2.1 Artigo 71, inciso III, da Constituição Federal de 1988
Nossa Carta Magna traz na redação do seu artigo 71, caput, o controle externo, legando sua competência para o Congresso Nacional e determinando que o Tribunal de Contas da União o auxiliará.
O controle externo é, na lição do professor Hely Lopes Meirelles, “o que se realiza por um Poder ou órgão constitucional independente funcionalmente sobre a atividade administrativa de outro Poder estranho à Administração responsável pelo ato controlado” (2005, p. 647). Em outras palavras, é uma vigilância sobre a conduta funcional de determinado órgão exercida por outro órgão autônomo.
Ainda no magistério do i. professor Hely Lopes Meirelles, temos que o objetivo do controle externo é “comprovar a probidade da Administração e a regularidade da guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros públicos, assim como a fiel execução do orçamento” (2005, p. 685).
O eminente professor afirma, por fim, que esse tipo de controle “é, por excelência, um controle político de legalidade contábil e financeira” (2005, p. 685), e adiciona que o aspecto financeiro dessa legalidade fica a cargo do Tribunal de Contas e o contábil do Poder Legislativo.
Nesse sentido, temos o texto constitucional que, no artigo 70, atribui ao Congresso Nacional o dever de fiscalizar a União, mediante controle externo. E, em complemento, o parágrafo único desse mesmo artigo estabelece, em síntese, o dever de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada em prestar contas, caso utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos.
Assim, tem-se que o controle é exercido preponderantemente sobre o dinheiro público, gasto pelo Estado para a consecução dos seus fins. In casu, tanto a concessão de aposentadoria, quanto a concessão de pensão geram despesa, custo, para a Administração Pública, razão pela qual, de acordo com o comando constitucional expresso no inciso III, do art. 71, estão sujeitos ao controle exercido pelos Tribunais de Contas do país.
Sustentam os críticos que tal controle não se justifica de fato, considerando que o quantum gasto para realizá-lo é desproporcional ao valor dos recursos despendidos para o custeio dos benefícios. Contudo, como bem ensina o i. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes “embora cada ato tenha pouca expressão no conjunto das finanças, o longo período em que se potrai o pagamento – durante várias décadas – acaba por tornar relevante a despesa.” (2005, p. 278).
Desse modo, as Cortes de Contas julgam esses atos legais ou ilegais, de acordo com a sua adequação e obediência à legislação, ou, para utilizar a expressão constitucional, registra-os ou não. Registro é o ato através do qual o Tribunal de Contas confere aos atos concessivos de aposentadoria e pensão o título de legal, no sentido de estar de acordo com a lei, de modo que essas decisões atestam, entre outras coisas, a regularidade ou não das despesas decorrentes desses benefícios.
Assim, como diz Flávio Germano de Sena Teixeira “Registrado o ato, a despesa dele decorrente está coberta pelo manto da regularidade.”. (2004, p. 214). Ressalta-se que essa “[…] competência se exerce sobre a autoridade pública e não sobre o beneficiário do ato.”, como bem explicado por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. (2005, p. 280).
2.2 A aposentadoria e a pensão são atos administrativos complexos, o que significa isso?
A doutrina não é uniforme quando se trata de classificar os atos administrativos, em razão dos inúmeros critérios existentes que podem ser utilizados para enquadrá-los. Mas, quanto à formação, ao nascimento, do ato administrativo, é habitual classificá-lo em simples, complexo e composto.
Em breves linhas, o professor Hely Lopes Meirelles nos ensina que ato simples é o resultante “da manifestação de vontade de um único órgão, unipessoal ou colegiado”. Com relação ao ato administrativo complexo, “é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo”, e o composto “resulta da vontade única de um órgão, mas depende da verificação por parte de outro, para se tornar exeqüível” (2005, p. 171).
Ora, não há dúvida de que os atos concessivos de aposentadoria e pensão são atos administrativos, porquanto emanam unilateralmente da Administração, de acordo com a vontade desta, e declaram direitos ao beneficiário. Há, contudo, grande divergência doutrinária e jurisprudencial com relação à classificação desses atos, quanto à sua formação, tendo em vista que as Cortes de Contas apreciam sua legalidade, para fins de registro.
O ato complexo é apresentado doutrinariamente como uno, indivisível, no qual as vontades de órgãos diversos, decorrentes de um só conteúdo, integram-se com vistas a uma só finalidade. É uno, indivisível, porque ele somente se torna perfeito, completa-se, quando a vontade final da Administração é consubstanciada, sendo este o marco inicial para sofrer impugnações, sendo o caso.
É com esse raciocínio que os Tribunais Superiores pátrios entendem ser o ato de aposentadoria complexo, porque, depois de sua concessão, ele deve ser analisado por outro órgão para que possa se aperfeiçoar. E o doutrinador Evandro Martins Guerra explicita de forma clara esse posicionamento, quando leciona:
Então, esse registro realizado pelos Tribunais de Contas é ato final inserido numa cadeia seqüencial de atos necessários à formalização válida das admissões (salvo a exceção citada), aposentadorias, reformas ou pensões. O ato vestibular da Administração possui, de início, presunção de legalidade, gerando, por isso, efeitos no mundo jurídico. Entretanto, apenas a partir da anotação realizada pelas Cortes de Contas, concedida nos autos do processo administrativo, o ato jurídico alcança sua plenitude, adquirindo perfeição e confirmando sua validade, não podendo mais ser contestado. (GUERRA, 2005, p. 180).
Destarte, quando o Tribunal de Contas concede registro a determinado ato de aposentadoria ou pensão está conferindo a ele o status de ato jurídico perfeito, asseverando, conseqüentemente, para não olvidar de sua competência fiscalizatória, que essa despesa é regular.
3 Ato Administrativo
3.1 Conceito e Requisitos
Antes de se realizar qualquer consideração acerca do tema, necessário proceder à conceituação de ato jurídico. Sendo assim, nas palavras do i. Sílvio de Salvo Venosa, atos jurídicos são “aqueles eventos emanados de uma vontade, quer tenham intenção precípua de ocasionar efeitos jurídicos, quer não” (2005, p. 362). Logo, tem-se que o ato jurídico é essencialmente um ato de vontade, visando um fim.
No que tange à Administração Pública, esse ato de vontade recebe outra denominação, qual seja, ato administrativo. O professor Hely Lopes Meirelles ensina que “A Administração Pública realiza sua função executiva por meio de atos jurídicos que recebem a denominação especial de atos administrativos” (2005, p. 148). Explica, ainda, que esses atos diferenciam-se dos expedidos pelo Legislativo e pelo Judiciário devido a sua natureza, conteúdo e forma.
O ilustre professor, quando trata do conceito de ato administrativo, leciona que “é fundamentalmente o mesmo do ato jurídico, do qual se diferencia como uma categoria informada pela finalidade pública” (2005, p. 149). Afirma também que essa finalidade pública é própria da espécie, ou seja, é seu traço característico.
Diante do que foi exposto, verifica-se que o ato administrativo trará em sua essência a vontade unilateral da Administração em realizar determinado efeito jurídico. E, notadamente, essa vontade terá um escopo público.
Com relação aos requisitos indispensáveis à formação do ato administrativo, a Lei n. 4.717/1965 estabelece em seu artigo 2º os vícios dos atos administrativos, donde se pode retirar, a contrario sensu, a previsão dos seus elementos. São eles: competência, forma, objeto, motivo e finalidade.
Falando sobre o requisito competência, Toshio Mukai afirma que ele é “a medida de poder dada pela Constituição ou pela lei ao agente público para a prática de certos atos” (2008, p. 222). Desta feita, a competência está relacionada à prática do ato administrativo por determinado sujeito, constituindo-se em uma atribuição outorgada (e delimitada) por lei a um agente da Administração, para que ele possa desempenhar suas funções legais específicas.
O requisito forma cuida do modo como o ato administrativo exteriorizar-se-á, uma vez que a vontade da Administração exige procedimentos especiais e forma legal. Abrange tanto a figura concreta que o ato terá (ex. decreto, portaria etc.) quanto as formalidades procedimentais para a prática dele (ex. motivação, publicação etc.). Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que forma é “revestimento exterior do ato; portanto, o modo pelo qual este aparece e revela sua existência.” (2006, p. 367).
Por sua vez, o objeto, que sempre decorrerá da lei, refere-se ao conteúdo do ato ou, em outros termos, é o seu efeito jurídico. Por meio dele a Administração revela sua vontade e seu poder ou tão somente atesta situações preexistentes. Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra, traz a seguinte definição “objeto é aquilo sobre o que o ato dispõe” (2006, p. 367).
Sobre o requisito motivo, Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que ele “é o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato” (2006, p. 369). Em sentido similar, Toshio Mukai diz que ele relaciona-se “com a situação de fato ou de direito que deu azo e determinou a edição do ato […]” (2008, 223).
Então, o motivo diz respeito à situação de fato ou de direito que induz ou autoriza a Administração a realizar o ato administrativo, pode vir ou não expresso em lei. Em outras palavras, o motivo existe antes da prática do ato e é o seu ensejo.
O último requisito do ato administrativo, a finalidade é conceituada por Toshio Mukai como “a busca imposta ao agente público de um interesse público qualificado pela lei”. Por sua vez, no dizer do Celso Antônio Bandeira de Mello, finalidade é:
“[…] o bem jurídico objetivado pelo ato. Vale dizer, é o resultado previsto legalmente como o correspondente à tipologia do ato administrativo, consistindo no alcance dos objetivos por ele comportados. Em outras palavras: é o objetivo inerente à categoria do ato”. (MELLO, 2008, p. 377).
Sendo assim, A finalidade se apresenta sob dois aspectos. O primeiro é o interesse público, enquanto é notório ser esse o objetivo maior a ser resguardado pela Administração. O segundo é o resultado específico que, em obediência a comando legal, cada ato deve produzir.
3.2 Aposentadoria e pensão enquanto atos administrativos
No que tange a aposentadorias e pensões é desnecessário delongar-se comprovando que ambos são atos administrativos. Contudo, para ulterior conclusão deste trabalho, mister analisar esses dois institutos relacionando-os com os requisitos dos atos administrativos.
O primeiro deles, a competência. Quanto à expedição de atos de aposentadoria e de atos de pensão, ter-se-á norma de cada Poder regulamentando quem será a autoridade competente para realizar tal atribuição.
No que tange à forma, tanto os atos de aposentadoria quanto os atos de pensão serão exteriorizados de acordo com o formato previsto em lei. Assim, será Decreto, Portaria, ou Ato, dependendo de como a norma que os regular determinar.
O objeto, que se relaciona com o conteúdo (efeito jurídico) – como dito linhas acima, e será distinto para os dois atos. Quando se tratar de aposentadoria, o efeito jurídico a ser produzido é alterar a situação funcional do servidor, passando-o da atividade para a inatividade; ao passo que, quando se tratar de pensão, o efeito jurídico a ser produzido é o nascimento de um direito (pensão) para o beneficiário do servidor falecido.
Nos atos de aposentadoria e nos atos de pensão o requisito motivo, que é o pressuposto de fato e de direito a fundamentar o ato, apresentar-se-á de modo diverso somente quanto ao pressuposto de fato. Para ambos os atos, o pressuposto de direito é constitucional, uma vez que é nossa Carta Maior quem os disciplina. O pressuposto de fato diverge, porque o ato de aposentadoria nascerá quando o servidor preencher os requisitos constitucionais para inatividade; e o ato de pensão surgirá para o beneficiário quando o servidor falecer.
Por fim, o requisito finalidade (objetivo a ser alcançado pela Administração) se traduz, lato sensu, para ambos os casos, em finalidade pública. Mas finalidade pública distinta. Isto é, na aposentadoria, consistirá em prover ao servidor uma renda para sua velhice ou invalidez, ocasiões em que é sabido não ter mais o servidor condições de trabalhar; e na pensão, amparar a família do servidor falecido.
Pelo exposto, impende constatar que tanto os atos de aposentadorias quanto os atos de pensão têm, enquanto atos administrativos, objeto, motivo e finalidade distintos. E essa diferença mostra-se fundamental, uma vez que, em razão dela, ambas as figuras merecem análise específica pelos órgãos de controle.
3.3 Para efeito de controle são os dois institutos (aposentadoria e pensão) distintamente considerados?
Para responder este questionamento, é necessário proceder à análise de casos concretos, uma vez que, somente observando o controle realizado na prática, poder-se-á vislumbrar como os dois institutos estão sendo tratados.
Sendo assim, realizou-se pesquisa nos sítios dos Tribunais de Contas de todo o país, com o intuito de localizar decisões a respeito do tema. Verificou-se que algumas decisões proferidas são em sentido contrário ao defendido neste trabalho.
O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2006), no julgamento do processo de pensão n. 011247-02.00/04-9, Relator Conselheiro João Osório Ferreira Martins, Segunda Câmara, julgado em 29/06/2006, publicação em 08/08/2006, negou registro por unanimidade à pensão, por esta decorrer de aposentadoria. A ementa assim diz “PENSÃO. NEGATIVA DE REGISTRO. PENSÃO ORIUNDA DE ATO DE APOSENTADORIA, EM QUE FORA NEGADO REGISTRO.”
O Tribunal de Contas da União (BRASIL, 2007) mantém entendimento semelhante, como se depreende do Acórdão 1783/2007 – Primeira Câmara, Relator Ministro Marcos Bemquerer, Sessão de 19/06/2007, publicação em 22/06/2007.
“EMENTA: PESSOAL. APOSENTADORIA E PENSÃO CIVIL. PERCEPÇÃO CUMULATIVA DO VALOR INTEGRAL DA FUNÇÃO GRATIFICADA COM QUINTOS. ILEGALIDADE. É ilegal o ato concessório de aposentadoria, bem como a pensão civil dele decorrente, que inclui no cálculo dos proventos a percepção cumulativa de vantagem da remuneração do cargo e o valor integral da função comissionada, além da VPNI decorrente das parcelas incorporadas.”
Observe-se que ambas as decisões são posteriores a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 20/1998, que trouxe para nosso ordenamento a obrigatoriedade da contribuição previdenciária.
Em verdade, a matéria é demasiadamente controversa, vide outras duas decisões dos mesmos Tribunais acima, igualmente posteriores à Emenda, mas em sentido diverso.
O Tribunal de Contas da União (BRASIL, 2007) na Decisão 396/2002 – Primeira Câmara, Relator Ministro Lincoln Magalhães da Rocha, Sessão de 17/09/2002, publicação em 26/09/2002, julga ilegal a aposentadoria, mas mantém a concessão de pensão aos beneficiários.
“EMENTA: APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DE REQUISITO TEMPORAL. IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO À ATIVIDADE ANTE O FALECIMENTO DO SERVIDOR. ILEGALIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 106 DO TCU. DETERMINAÇÃO. ORIENTAÇÃO QUANTO À CONCESSÃO DA PENSÃO AOS BENEFICIÁRIOS.”
Por sua vez, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2004), no processo de pensão n. 005485-02.00/95-3, Relator Conselheiro Helio Saul Mileski, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2004, publicação em 13/05/2004, em determinou registro da pensão, por unanimidade, manifestando-se da seguinte maneira:
“EMENTA: PENSÃO. ADMISSÃO IRREGULAR. ÔNUS DO PODER PÚBLICO. EM QUE PESE A DENEGAÇÃO DE REGISTRO AO ATO DE ADMISSÃO DO SERVIDOR, TENDO O FALECIMENTO OCORRIDO EM ATIVIDADE, DEVERÁ O PODER PÚBLICO ARCAR COM O ÔNUS DA PENSÃO DOS DEPENDENTES, EM FUNÇÃO DA BOA-FÉ E DA PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS POR PARTE DOS ADMINISTRADOS.”
O i. Conselheiro Helio Saul Mileski, em seu voto, esposado no processo acima, inicia seu entendimento apontando o entendimento majoritário daquele egrégio Tribunal de Contas, afirma que:
“[…] Sempre foi o entendimento dominante nesta Corte que a regularidade e o conseqüente registro ao ato concessor da pensão encontram-se vinculados ao reconhecimento de legalidade ao ato admissional do instituidor do benefício, sendo que a decisão denegatória de registro ou restabelecimento da legalidade constitui elemento prejudicial ao registro de ato de pensionamento, eis que a concessão da pensão estaria na dependência da legalidade da relação funcional entre o servidor falecido e a Administração.” (RIO GRANDE DO SUL, 2004)
Na seqüência, o i. Conselheiro Relator posiciona-se de maneira divergente, asseverando que:
“[…] as pensões, em grande parte decorrentes de um sistema contributivo, deverão ser tratadas como uma contraprestação devida em decorrência de pagamentos prévios efetuados pelo servidor, envolvendo cumprimento de obrigação decorrente de seguro social, o que, no meu entendimento, desvincula o pagamento da pensão da regularidade ou não do ato de admissão do servidor no serviço público.” (RIO GRANDE DO SUL, 2004)
Na transcrição acima, apesar do paralelo ser realizado entre pensão e admissão, a idéia exposta pelo Relator coaduna-se com a defendida neste trabalho, uma vez que quanto à existência do direito ao recebimento de pensão, o i. Conselheiro explica que ela encontra-se “tão-somente no vínculo do servidor ao regime de previdência pertencente ao sistema de seguridade social, mediante regular contribuição.” (2004).
Por fim, o Conselheiro Helio Saul Mileski conclui entendendo que “nas mesmas diretrizes delineadas para a aposentadoria do setor privado, no âmbito do regime geral de previdência social, também as do setor público passaram a ser devidas em função das contribuições efetuadas […]” (2004)
Notadamente ao questionado no título desta seção e pelo exposto, somente nos resta apontar que a matéria ora tratada suscita muito mais perguntas que respostas, em razão de não existir decisões pacíficas em nossos Tribunais de Contas.
Assim sendo, quando se realiza o controle dos atos de aposentadoria e pensão, nota-se em alguns casos serem ambos os institutos distintamente considerados, de modo que o julgamento de um não interfere no do outro; em outros, eles são considerados conexos, sendo a pensão decorrente da aposentadoria e, portanto, tendo seu julgamento prejudicado se esta apresentar vícios.
Contudo, cumpre observar que o melhor posicionamento, ainda é pela manutenção do ato de pensão, a despeito da aposentadoria ser julgada ilegal. Isto porque enquanto o servidor está filiado ao RPPS, ele contribui mensalmente na expectativa de estar devidamente coberto pela previdência, com todos os seus benefícios; como, de fato, está, uma vez que com esse recolhimento está financiando a previdência.
Em outra linha de raciocínio, afastando o argumento do pecúlio formado pela contribuição compulsória, existe ainda, nesse bojo, a confiança do servidor depositada na Administração de que sua família estará em situação confortável ou pelo menos, não ficará desamparada, caso venha a falecer. Conseqüentemente, há se falar no aspecto subjetivo do princípio da segurança jurídica, que se traduz, justamente, no princípio da proteção à confiança.
O Professor Almiro do Couto e Silva ensina sobre o princípio da proteção à confiança, dizendo que:
“Este último princípio (a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe conseqüências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo supor que seriam razoavelmente mantidos.” (COUTO E SILVA, 2005, p. 4)
Desta feita, conforme explicitado linhas acima, por dois motivos deve-se considerar que o melhor entendimento não é tratar a pensão como acessório da aposentadoria, e sim tratar esse institutos de maneira independente entre si, inclusive para efeito do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas.
Primeiramente, porque existe uma contribuição pecuniária compulsória, constitucionalmente instituída com somente um objetivo, o de custear os benefícios previdenciários. E por segundo, deve ser respeitada a certeza que o servidor-contribuinte tem de que aquele desconto, efetuado mensalmente em seu contra-cheque, servirá para amparar sua família, depois da ocorrência de sua morte.
CONCLUSÃO
Buscou-se com esta pesquisa, inicialmente, apresentar os atos de aposentadorias e pensões, distinguindo a natureza jurídica e delimitando o fato gerador e alvo de concessão de cada um, para concluir, afinal, se a pensão por morte de servidor público é ou não acessório da aposentadoria, de tal modo que deverá seguir a sorte desta.
O objetivo do presente trabalho foi atingido, conquanto constatou-se que os benefícios previdenciários apresentados são institutos diversos, que devem ser distintamente considerados pelos Tribunais de Contas, quando da realização do controle externo exercido sobre esses atos.
A hipótese levantada foi igualmente apurada, uma vez que a partir da Emenda Constitucional n. 20 (16/12/1998), o Regime de Previdência Social passou a ser contributivo, razão pela qual a idéia da pensão como acessório da aposentadoria apresenta-se ultrapassada.
Mostrou-se, durante o trabalho, que a noção de dependência entre os dois atos não pode existir quanto aos efeitos do julgamento realizado pelo Tribunal de Contas, justamente pelo fato dos benefícios previdenciários serem devidos em virtude da contribuição pecuniária, depois da reforma operada pela Emenda acima mencionada.
Contudo, é necessário registrar, a título de complementação, que há identidade entre esses institutos previdenciários quanto ao regime jurídico remuneratório, no sentido do valor a ser percebido em ocorrendo a pensão por morte, mas não quanto ao direito à percepção desta, vez que esse não decorre objetivamente da aposentadoria, e sim de uma prévia contribuição realizada.
Assim, ainda que aposentadorias e pensões sejam tipos de benefícios previdenciários, que decorrem da contribuição obrigatória ao Regime Próprio de Previdência Social, elas se diferenciam quanto ao fato gerador e ao alvo da concessão.
Ademais, como atos administrativos com características diversas, principalmente no que se refere aos requisitos objeto, motivo e finalidade, a pensão não pode ser considerada como acessório da aposentadoria, principalmente quanto ao julgamento desses atos pelos Tribunais de Contas.
Por fim, cumpre ressaltar que a questão ainda é permeada pelo princípio da proteção à confiança, razão pela qual, também em respeito a ele, os benefícios de aposentadoria e pensão devem ter sua legalidade apreciada distintamente.
Informações Sobre o Autor
Atiaia Bandeira Barreto
Advogada. Assessora de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA.