O controle judicial dos atos administrativos discricionários

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Resumo: Este artigo tem o escopo de discutir a profundidade de os atos administrativos discricionários serem examinados pelo Poder Judiciário. Durante muito tempo, afirmou-se que o Judiciário não poderia efetuar qualquer controle de mérito sobre os atos administrativos discricionários, haja vista que competiria exclusivamente à Administração Pública a formulação de juízos de conveniência e oportunidade para editar um ato, agindo dentro da sua esfera de liberdade, desde que nos limites da lei. Contudo, não há dúvida da possibilidade de análise da legalidade destes atos. Aqui se pretende examinar a extensão do controle judicial do ato discricionário.


Palavras-chave: ato administrativo discricionário; controle judicial; administração pública, conveniência e oportunidade.


Abstract: This article is scope to discuss the profundity of discretionary administrative actions being considered by the Judiciary. For a long time, it was stated that the judiciary could not make any substantive control over the discretionary administrative acts, considering that compete solely on Public Administration in making judgments of convenience and opportunity to edit a transaction, acting within its sphere of free provided that the limits of the law. However, there is no doubt the possibility of examining the legality of these acts. Here we intend to examine the extent of the act of judicial discretion.


Keywords: act administrative discretionary; control order, public administration and convenience and opportunity.


Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Fato da Administração, atos da administração pública e fatos administrativos; 3. Fato jurídico; 4. Ato jurídico; 5. Conceito de ato administrativo; 5.1. Posição peculiar de Gordillo; 6. Atributos do ato administrativo; 7. Elementos/requisitos do Ato Administrativo; 8. Atos administrativos discricionários/vinculados; 9. A teoria dos motivos determinantes do ato administrativo; 10. Mérito Administrativo e discricionariedade; 10.1. Limites da Discricionariedade; 11. Da revogação do ato administrativo; 12. Da Anulação do ato administrativo; 13. Da admissibilidade do controle jurisdicional do ato administrativo discricionário; 14. Considerações Finais; Referencias Bibliográficas.


1. Considerações iniciais:


A noção de controle estatal é inerente à própria idéia de Estado Democrático de Direito. A Administração Pública, enquanto atividade estatal deve estar voltada para a realização do interesse público, afinal trata da gestão de interesses da coletividade e deve ser controlada através de instrumentos adequados para evitar a ocorrência de arbitrariedades, ilegalidades e lesões a direitos subjetivos.


A atividade administrativa se encontra subordinada ao império da lei, isto é, o administrador público, quando da prática de seus atos, deve sempre agir em observância aos ditames legais.


Nessa esteira, o presente artigo tratará do controle da Administração Pública. Todavia, o objeto de estudo ficará restrito ao controle dos atos administrativos discricionários realizados pelo Judiciário.


A partir do atual modelo de Estado de Direito Democrático[1] brasileiro, não há dúvidas de que os atos administrativos podem passar pelo crivo do Poder Judiciário. Isso porque o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, previu que não será excluída da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.


Assim, se alguém alega em juízo a invalidade de um ato administrativo, não poderá o órgão jurisdicional furtar-se de analisar a consonância do referido ato com o ordenamento jurídico. O ponto primordial que se coloca é verificar o alcance dessa análise.


Antes de abordar o ato administrativo como manifestação da vontade administrativa, torna-se necessário distinguir certos institutos de direito que como ele não se confunde.  


2. Fato da Administração, atos da administração pública e fatos administrativos:


A administração Pública, em seu cotidiano, pratica inúmeros atos, dentre os quais alguns que não são atos administrativos, mas atos da administração. Bandeira de Mello (2007, p.25) nos ensina: “não se deve confundir ato administrativo com ato da administração”. Este seria um gênero, do qual o ato administrativo é uma espécie.


Importa citar alguns atos da administração: os atos regidos pelo Direito Privado (locação de um imóvel para instalar uma repartição pública), os atos materiais (a pavimentação de uma rua), os atos políticos (sanção ou veto de lei) e, principalmente, os atos administrativos (manifestação de vontade do Estado, no exercício de sua prerrogativa pública).


Salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009) que ato da administração tem sentido mais amplo que ato administrativo, e constitui “todo ato praticado no exercício da função administrativa”.


Já o fato administrativo seria qualquer atividade material da Administração Pública, normalmente, conseqüência de um ato administrativo. Por não serem atos jurídicos, são comportamentos puramente materiais da Administração. Themístocles Brandão Cavalcanti (1973, p.43) salienta que “fato administrativo é uma ocorrência na esfera administrativa, que não pressupõe a manifestação da vontade, antes constitui um acontecimento verificado sem essa participação, pelo menos imediata”. Cita-se como exemplo desse tipo de fato a morte de um servidor público que resulta na vacância do seu cargo.


Assim, pode-se dizer que todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da Administração.


O direito civil faz distinção entre ato e fato jurídico, o primeiro imputável ao homem e o segundo decorrente de acontecimentos naturais que independem do homem ou que dele dependem indiretamente.


Passamos a discorrer sobre estes institutos que impõem reflexo no direito administrativo.


3. Fato jurídico


Nos ensinamentos do professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 432), fato jurídico:


“[…] conceitua-se como qualquer acontecimento que, nos termos da ordem jurídica normativa, com referência a determinada pessoa, produz efeito de direito. Exterioriza-se sob várias modalidades. Contudo, de um lado está o fenômeno natural, e de outro a atividade humana. Aquele se denomina fato jurídico objetivo; e este, fato jurídico subjetivo.”


Já nas palavras de José Cretella Júnior (2002, p. 147), fato jurídico “é todo acontecimento mediante o qual nasce, desaparece ou se altera a relação jurídica stricto sensu é o fenômeno do mundo, que atua na relação jurídica”.


O fato jurídico classifica-se entre objetivo e subjetivo. Objetivo é o fenômeno natural que ocorre independentemente da vontade humana e que produz efeitos jurídicos de que é exemplo a morte de um animal de criação no pasto, em razão da descarga elétrica proveniente de um raio. O fenômeno natural (morte) desencadeado por acontecimento alheio à vontade humana (raio) produz efeito jurídico relevante, pois afeta a propriedade do fazendeiro diminuindo o montante do seu patrimônio, agora desfalcado daquele animal morto.


Por sua vez, o fato jurídico subjetivo supõe a ação humana de caráter material, vez que gera efeitos jurídicos, entretanto, estes efeitos, dado a sua freqüência e simplicidade são indiferentes ao seu agente, por exemplo, “o indivíduo se veste, alimenta-se, sai de casa, e a vida jurídica se mostra alheia a estas ações, a não ser quando a locomoção, a alimentação, o vestuário provoquem a atenção do ordenamento legal” (PEREIRA, 2007, p. 457).


Neste sentido, trazendo para a seara do direito administrativo, diz-se que a ocorrência, descrita na lei, que produz efeitos no âmbito do direito administrativo trata-se de um fato administrativo.


“Longe de ser fato do mundo com repercussões no mundo administrativo, o fato administrativo é considerado pelos autores, em acepção absolutamente técnica e peculiar, como toda atividade material que tem, por objeto, efeitos práticos no interesse da pessoa jurídica que a executa, neste caso, a Administração, por intermédio de seus agentes. É qualquer ato material praticado pelo Estado no exercício da Administração”(CRETELLA JÚNIOR, 2002, p. 147-148).


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4. Ato jurídico:


Ao revés do que ocorre no fato jurídico, o ato jurídico pressupõe a manifestação da vontade humana, seja ativa, seja comissivamente tomada, que visa a produzir efeitos lícitos no mundo jurídico.


Classificam-se os atos jurídicos entre “puros” (stricto sensu) e “negócios jurídicos”.  Existe, entretanto, uma distinção conceitual de ambos, pois, ato jurídico stricto sensu é a manifestação volitiva lícita, cujos efeitos jurídicos decorrem da lei e visam principalmente a exteriorizar o conhecimento ou um sentimento.


Aqueles chamados de “negócios jurídicos” são os atos jurídicos que mediante a manifestação da vontade do agente, cria-se, modifica-se ou extingue-se direito, alterando a ordem jurídica em vigor, “ou, então, se declara direito, assegurando-o ou reconhecendo-o, ante a verificação de relação jurídica ou a apuração de fato material” (MELLO, 2007, p. 438).


São as declarações de vontade manifestamente tendentes às obtenções de resultados jurídicos chamamos, modernamente, de negócio jurídico, “é a declaração de vontade em que o agente persegue o efeito jurídico (Rechtsgeschäft)” (PEREIRA, 2007, p. 475).


Atos jurídicos puros, conforme ensinamentos do mestre Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 438):


“[…] são manifestações de vontade humana em que se expressam, apenas, conhecimento ou sentimento. Como mera exteriorização intelectiva ou sentimental, produz efeitos de direito que defluem direta e imediatamente dos textos legais, em vez de serem constituídos ou assegurados e reconhecidos por ato do próprio agente que os pratica. Sirva de exemplo de conhecimento ou opinião a certidão expedida por órgão competente da Administração pública sobre situações de direito ou de fato constantes de seus arquivos, que tem fé pública e pode ser obtida pelos interessados a fim de conseguirem, com sua exibição, os efeitos de direito que os textos legais lhe conferem”.


5. Conceito de ato administrativo


A clássica doutrina pátria pouco diverge sobre o conceito de ato administrativo. Cretella Júnior (2002, p. 152) afirma que:


“Ato administrativo é toda medida editada pelo Estado, por meio de seus representantes, no exercício regular de suas funções, ou por qualquer pessoa que detenha, nas mãos, fração de poder delegada pelo Estado, que tem por finalidade imediata criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, em matéria administrativa.”


Já Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 476) diz que é possível defini-lo:


“[…] no sentido material, ou objetivo, como manifestação da vontade do Estado, enquanto Poder Público, individual, concreta, pessoal, na consecução do seu fim, de realização da utilidade pública, de modo direto e imediato, para produzir efeitos de direito”.


Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, 368) ensina que este é:


“[…] uma declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.


No mesmo sentido, Odete Medauar (2008, p. 134) informa que é:


“[…] um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade.”


Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 189) conceitua o ato administrativo como “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle do Poder judiciário”.


Para José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 92), pode-se conceituar o ato administrativo como “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”.


Por sua vez, o mestre administrativista Edimur Ferreira de Faria (2007, p. 259), no seu conhecido Curso de Direito Administrativo Positivo, permite conhecer melhor o conceito de ato administrativo, com o ensinamento de que:


“[…] ato administrativo é a declaração unilateral da Administração Pública, manifestada por agente competente, com vistas ao interesse público, criando, mantendo, modificando ou extinguindo relações jurídicas ou ainda impondo deveres ao administrado e a si própria, com força de imperatividade”.


Ademais, na citada obra, o autor apresenta o conceito elaborado por ilustres juristas nacionais e estrangeiros, os quais, pela reconhecida excelência, pede-se licença para citar:


Marcelo Caetano (citado por FARIA, 2007, p. 258): Conduta voluntária de um órgão da Administração que no exercício de um poder público e para processamento de interesses – postos por lei a seu cargo – produza efeitos num caso concreto.


Jean Rivero (citado por FARIA, 2007, p. 257): Ato jurídico da Administração é, “como todo ato jurídico, um ato de vontade destinado a introduzir mudança nas relações de direito que existem no momento em ele se produz, ou melhor, a modificar o ordenamento jurídico”.


Andrés Sena Rojas (citado por FARIA, 2007, p. 257): O ato administrativo é uma declaração unilateral e concreta que constitui uma decisão executória, que emana da Administração Pública e cria, reconhece, modifica ou extingue uma situação jurídica subjetiva e sua finalidade é a satisfação do sistema Geral.


Otto Mayer (citado por FARIA, 2007, p. 258): A expressão do ato administrativo, que foi tomada da terminologia francesa, usa-se para designar aquela qualidade de ato em virtude da qual decide por via de autoridade a juridicidade o caso individual. Logo se procura diferenciar e classificar estes atos segundo a natureza especial da determinação jurídica produziu como respeito aos indivíduos.


Miguel Seabra Fagundes (citado por FARIA, 2007, p. 258): No sentido material, ou seja, sob o ponto de vista do conteúdo e da finalidade, os atos administrativos são aqueles pelos quais o Estado determina situações jurídicas individuais ou concorre para sua formação […]. Serão atos administrativos, no sentido formal, todos os que emanarem desse Poder Executivo, ainda que materialmente não o seja.


5.1. Posição peculiar de Gordillo  


Com uma visão autêntica, diferente da dos doutrinadores brasileiros, Gordillo dedica todo o Tomo III de sua obra para aclarar sua concepção de ato administrativo perfazendo longa digressão sobre o conceito deste.


Ensina que não é possível dissociá-lo da noção de função administrativa. Criticando os conceitos puramente materiais, ou puramente subjetivos de ato administrativo e de função administrativa, afirma que a raiz do ato administrativo afunda-se no terreno da função administrativa afirmando que “acto administrativo es el dictado em ejercicio de funcion administrativa, sin interessar qué órgano la ejerce” (GORDILLO, 2003, p. I-10) e que esta função é “toda la actividad que realizan los órganos administrativos, y la actividad que realizan los órganos legislativo y jurisdicionales, excluídos respectivamente los hechos y actos materialmente legislativos y jurisdicionales” (GORDILLO, 2003, p. I-6).


Aduz ainda, como característica do ato administrativo, a qualidade de produzir efeitos jurídicos, entretanto, faz diferença entre atos que produzem efeitos jurídicos mediatos e aqueles que os produzem imediatamente. Para o autor são atos administrativos os que influenciam o mundo jurídico imediatamente, como segue:


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“[…] es essencial, pues, al concepto de acto administrativo, que los efectos jurídicos sean inmediatos… han de emanar directamente del acto mismo: solo entonces son inmediatos, no basta decidir que la actividad es juridicamente relevante, o que produce efectos jurídicos y a que siempre es posible que surja, em forma indirecta o mediata,algún efecto jurídico: debe precisarse que el efecto debe ser directo e inmediato, surgir del acto mismo y por sí solo, para que la clasificación tenga entonces um adecuado sentido jurídico preciso” (GORDILLO, 2003, p. II-2).


Faz, também, uma crítica aos conceitos que traduzem ser o ato administrativo como declaração de vontade, “nosotros, em cambio, entendemos que no corresponde hablar de uma declaracion… destinada a producir efectos jurídicos” (GORDILLO, 2003, p. II-19), pois, para o autor argentino, esta definição provém de uma aceitação de que a vontade psíquica do agente é um fator primordial a ser considerado, o que, segundo ele não é totalmente exato afirmar.


“No debe, por tanto, hacerse énfasis em el aspecto subjetivo. Esto es asi porque  el acto administrativo nos es siempre la expresión de la voluntad psíquica del funcionário actuante: el resultado jurídico se produce cuando se dan lãs condiciones previstas por la ley y no solo porque lo funcionário haya querido” (GORDILLO, 2003, p. II-19).


Ao Estado cumpre a finalidade de promoção do bem estar de todos. Esta finalidade é alcançada mediante uma ação. Portanto, quando age, o Estado maneja “poderes” que são na verdade deveres para atender a um determinado fim. Estes deveres-poderes são trazidos ao mundo jurídico mediante os atos administrativos que lhes dão corpo. A manifestação destes deveres-poderes cria, altera ou extinguem direitos, além de suscitar conseqüências no campo material, o que é natural.


Tem legitimidade para ser titular da competência da emissão do Ato Administrativo o servidor público, para o qual a lei designou tal atribuição, ou terceiro que, mediante autorização legal também recebeu tal incumbência. Tenha-se em mente que por se tratar de delegação de competência, os atos administrativos são sempre subordinados à legalidade, não manejando seus prolatores qualquer poder discricionário, mas, apenas, competência discricionária legalmente atribuída. É uma manifestação dirigida ao caso concreto, não possui a generalidade e a abstração da lei, cumpre um objetivo determinado e dirigido para um motivo do mundo ôntico.


Assim, pode-se definir o ato administrativo como a materialização do poder-dever do Estado, na realização de sua função constitucional de promoção humanitária, normalmente declarativa, que pode gerar conseqüências materiais, cumprida por seu servidor ou terceiro legalmente designado, para o exercício de competência funcional plenamente vinculada, que produz efeitos jurídicos. É uma manifestação objetiva, dirigida ao caso concreto e subordinada à ordem constitucional.


6. Atributos do ato administrativo


Os Atos Administrativos distinguem-se dos atos de direito privado pelas suas características imanentes, que permitem afirmar que estão submetidos ao regime jurídico de direito público.


Diferentes doutrinadores atribuem aos atos administrativos diferentes características, contudo, entre eles existe uma quase unanimidade com relação à pelo menos três atributos que são amplamente citados, pede-se licença à Professora Maria Sylvia Di Pietro para citá-los a partir de sua obra (DI PIETRO, 2009, p. 208-211):


A Presunção de Legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; e presunção de veracidade, que tange aos fatos, os quais alegados pela Administração Pública são tidos como verdadeiros até prova em contrário. Milita em favor dos atos administrativos uma presunção juris tantum de legitimidade, o que implica na produção de efeitos do ato até que seja decretada sua invalidade. Além disso, cabe àquele que alega a existência de vício em relação ao ato administrativo fazer prova da mácula vertente. Assim, ocorrem com relação às certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública. O atributo da presunção de legitimidade está presente em todos os atos administrativos.


A Imperatividade ou coercibilidade ou poder extroverso é o atributo pelo qual os atos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Decorre da prerrogativa que tem o Poder Público de, por meio de atos unilaterais, imporem obrigações a terceiros. Não é todo ato administrativo que possui este atributo. Apenas aqueles que criam obrigações.


Já a Auto-executoriedade é o atributo pelo qual o ato administrativo pode ser posto em execução pela própria Administração Pública, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário, ou seja, a administração pública pode praticar os seus atos sem que para tanto proponha ação judicial. Este atributo só existe nos seguintes casos, ou seja, nem todo ato é auto-executório: quando a lei expressamente reconhecer; quando as circunstâncias exigirem atuação administrativa. Entende-se que, nesse caso, a autorização legal é implícita. Ex: chuva; não é auto executório: execução de multa – inscrição de dívida ativa – não pode executar a multa diretamente. Desapropriação, também é um exemplo; aplicar uma multa é auto-executório.


Entretanto, Maria Sylvia desdobra a auto-executoriedade em exigibilidade: significa que a administração pode praticar atos que se traduzem em meios indiretos de coerção, sem recorrer ao Poder Judiciário e também em executoriedade: significa que a administração pode praticar atos que se traduzem em meios diretos de coerção, sem recorrer ao Poder Judiciário, equivale a uma execução forçada. Ex: Fábrica que polui o meio ambiente.


A tipicidade também é atributo para a autora, neste caso, o ato administrativo corresponde a uma descrição legal, com efeitos previamente definidos pela lei. É uma decorrência do principio da legalidade. Significa que para cada ato há uma finalidade específica a ser perseguida pela Administração Pública.


7. Elementos/requisitos do Ato Administrativo:


São cinco os elementos alicerces do ato administrativo que são basilares para a sua constituição:


Sujeito: o sujeito é aquele a quem a lei atribuiu competência para a prática do ato, entendendo-se por competência o conjunto de atribuições fixadas pela legislação, ou seja, a competência decorre de norma expressa, não se presume: é inderrogável ou não se altera pela vontade das partes; é improrrogável, isto é, o sujeito incompetente nunca se torna competente; por fim, é irrenunciável, pela indisponibilidade do interesse público, mas admite delegação e avocação de competências, conforme artigos 11 ao 17 da lei 9784/99.


 Os vícios na capacidade têm as suas regras definidas pelo direito civil. Todavia, também vicia a capacidade a suspeição e o impedimento, baseado nos artigos 18 ao 20, Lei 9784/99. Importa dizer que os vícios na capacidade são SANÁVEIS.


Há também vícios na competência: 1 – Excesso de poder: ocorre quando o agente público exorbita a sua competência. Ex: Agente da vigilância sanitária aplica uma multa acima da prevista na lei; 2 – Abuso de poder: admite duas espécies: excesso de poder e desvio de poder; 3 – Função de fato: é o ato praticado pelo agente público de fato, aquele que não é agente de direito. É aquele que parece, mas não é. Foi ilegalmente investido na função pública. Seus atos serão válidos perante terceiros de boa-fé; 4 – Usurpação de função pública: art. 328, CP – Para a maioria da doutrina, trata-se de ato inexistente, pois o ato é criminoso. Na função de fato, o agente foi investido na função pública, mas de forma ilegal. Os vícios na competência são em regra sanáveis.


Outro elemento do ato administrativo é o objeto classificado como o resultado no mundo jurídico da prática do ato, ou seja, é o efeito imediato que dele decorre. Trata-se da transformação da situação jurídica pré-existente noutra situação, diferente, após a realização do ato. Em suma, é o efeito jurídico mediato que o ato produz.


Ocorre vício no conteúdo quando o objeto do ato for ilícito, impossível ou indeterminado. Trata-se de vício insanável.


Já a forma é o ato deverá observar a formalidade estipulada pela lei como condição para sua existência. No caso de não haver forma prescrita, pelo Princípio da Instrumentalidade das Formas, se o ato alcançou a sua finalidade sem prejuízo às partes, tem validade.


Considera-se vício de forma a ilegalidade na forma do ato administrativo ocorre quando a forma prevista em lei não for observada. Trata-se de um vício em regra sanável.


A Finalidade é o bem que se almeja com a prática do ato, o resultado que a Administração quer alcançar com a sua prática.


O vício na finalidade se traduz na teoria de desvio da finalidade – desvio de poder, na qual abuso de poder é gênero, que apresenta as seguintes espécies: o excesso de poder, que afeta a competência; o desvio de poder – afeta a finalidade e ocorre quando o agente público, embora competente e no exercício de sua competência, pratica ato visando finalidade diversa da prevista em lei.


Por fim, o motivo é o acontecimento no mundo das coisas que serve de fundamento do ato administrativo. Correspondem aos fatos, circunstâncias, e na realidade material. Ocorrências, que levam a Administração a praticar o ato. O vício no Motivo acontece quando o motivo apresentado for falso ou inexistente. Neste caso, o vício em regra é insanável.


8. Atos administrativos discricionários/vinculados:


A Administração Pública, quando da realização de sua atividade, pratica atos os quais podem ser vinculados ou discricionários. A doutrina costuma diferenciar os atos administrativos vinculados dos chamados atos discricionários. Trata-se de diferenciação das mais importantes, que apresenta inegável relevância jurídica, tanto de um ponto de vista prático quanto teórico.


Os atos discricionários seriam aqueles nos quais a lei confere ao agente público a possibilidade de escolher a solução que melhor satisfaça o interesse público em questão, ou seja, são aqueles cuja lei deixa a critério do administrador a escolha, dentre diversas alternativas, da mais adequada à realização da finalidade pública. Isto é feito através da emissão de valores acerca da oportunidade e da conveniência da prática de determinado ato – é o que se chama de mérito administrativo.


Ao contrário, os atos vinculados são aqueles cujo conteúdo encontra-se previamente definido na lei, não havendo margem para o gestor externar a sua vontade. Cabe ao mesmo somente executar aquilo que a lei prescreve. Diante de uma determinada situação fática ou jurídica, a autoridade administrativa, sem qualquer margem de liberdade, e sem poder fazer qualquer juízo de conveniência ou oportunidade, encontra-se obrigada a expedir determinado ato, no momento, na forma e com o conteúdo previsto em lei. Ou seja, a atividade é aqui, inteiramente vinculada. Exemplo clássico de ato vinculado é a licença para construir, expedida pela autoridade municipal competente, quando o construtor preenche todas as exigências previstas em lei.


Torna-se pertinente salientar, no entanto, que no caso do ato discricionário, não se confunde margem de escolha com liberdade absoluta, pois o ato discricionário deve sempre respeitar os limites legais e, segundo aduz Odete Medauar (MEDAUAR, Odete, 2003, p. 162) “o próprio conteúdo tem de ser consentido pelas normas do ordenamento; a autoridade deve ter competência para editar; o fim deve ser o interesse público”. Portanto, o administrador não possui total liberdade, estando sempre balizado pelas imposições legislativas.


9. A teoria dos motivos determinantes do ato administrativo


Originada na jurisprudência do Conselho de Estado Francês e reconhecida pelo STF, esta teoria entende que a validade do ato administrativo está diretamente relacionada à veracidade e a existência dos motivos apresentados. De tal modo, que se o motivo apresentado for falso ou inexistente, o ato será inválido. Aplica-se a todos os atos administrativos discricionários e vinculados.


Neste sentido, faz-se necessário mencionar que o motivo caracteriza-se como as razões de fato e de direito que autorizam a prática de um ato administrativo, sendo externo a ele, o antecedendo e estando necessariamente presente em todos eles.


Contudo, cumpre esclarecer que motivo não se confunde com motivação. A motivação feita pela autoridade administrativa afigura-se como uma exposição dos motivos, a justificação do porquê daquele ato, é um requisito de forma do ato administrativo.


De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello:


“é a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado” (MELLO, 2007, p. 366-367).


Estabelecidas as diferenças entre motivo e motivação, apresenta-se a teoria dos motivos determinantes, que segundo a qual o motivo é um requisito tão necessário à prática de um ato, que este fica fundamentalmente ligado a ele. Isso significa que se for provado a falsidade ou a inexistência do motivo, por exemplo, seria possível anular totalmente o ato.


Dessa forma, uma vez enunciados os motivos do ato pelo seu agente, mesmo que a lei não tenha estipulado a obrigatoriedade de motivá-los, o ato somente teria validade se estes motivos efetivamente forem verdadeiros e realmente justifiquem o ato.


Nesta esteira, surge a debatida discussão acerca da obrigatoriedade ou não de motivação de um ato administrativo.


Há vários posicionamentos a respeito do assunto: o primeiro seria aquele que alarga a extensão da necessidade de motivação dos atos administrativos; o segundo é o da obrigatoriedade de motivação apenas quando a lei impuser; o terceiro seria aquele que defende a motivação sempre obrigatória; e, por fim, o da necessidade de motivação depender da natureza do ato, exigindo ou não a lei.


Visando sanar a discussão sobre o tema foi criada a Lei 9.784/99, que estabeleceu no artigo 50, as situações em que os atos deverão necessariamente ser motivados:


Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:


I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;


II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;


III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;


IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;


V – decidam recursos administrativos;


VI – decorram de reexame de ofício;


VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;


VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo”.


Entretanto, embora a lei disponha expressamente os casos em que deve haver motivação, acredita-se que todo o ato discricionário deveria ser necessariamente motivado.


No que tange ao ato vinculado, a lei já definiu qual a única possibilidade de atuação do administrador diante do caso concreto. Assim, nas hipóteses não esculpidas na lei, em não havendo motivação, mas sendo possível se identificar qual o motivo, não há que se falar em vício, não havendo efetiva necessidade de motivação.


Todavia, relativo aos atos discricionários, entende-se pela sua necessária motivação, independente de designados ou não pela lei; caso não motivado estaria eivado de vício, pendendo à conseqüente invalidação.


Defende-se aqui o posicionamento que os atos discricionários devem ser motivados, isso porque o administrador apesar de possuir uma margem de liberdade de atuação, se encontra na qualidade de mero gestor dos anseios da coletividade, e, assim deve explicação à população como um todo, tem um “dever de boa administração” (FALZONE, 1953, p.55).


Celso Antônio corrobora com tal opinião:


“[…] o campo de liberdade discricionária, abstratamente fixado na regra legal, não coincide com o possível campo de liberdade do administrador diante das situações concretas. Perante as circunstâncias fáticas reais esta liberdade será sempre muito menor, e pode até desaparecer. Ou seja, pode ocorrer que, ante um comportamento seja, a toda evidência, capaz de preencher a finalidade legal. Em Suma – e antes de precisões maiores -, cumpre, desde logo, suprimir a idéia, muito freqüente, de que a outorga de liberdade discricionária na lei significa, inevitavelmente, que a matéria esteja isenta de apreciação judicial quanto à procedência da medida administrativa adotada” (MELLO, 2009, P.161).


Afinal, o fato de vivermos em um Estado Democrático de Direito confere ao cidadão o direito de saber os fundamentos que justificam o ato tomado pelo administrador.


Ressalta-se ainda que, se todas as decisões do Poder Judiciário, bem como as decisões administrativas dos Tribunais, devem necessariamente ser fundamentadas; há de ser motivado também o ato administrativo, principalmente o discricionário.


Ademais, destaca-se que a motivação deve ser sempre anterior ou concomitante a execução do ato, caso contrário, abrir-se-ia margem para a Administração, após a prática do ato imotivado e diante da conseqüente possibilidade de sua invalidação, inventar algum falso motivo para justificá-lo, alegando que este foi considerado no momento de sua prática.


Diante do exposto, defende-se a necessária motivação de todo o ato discricionário, de modo a fazer valer os princípios e valores basilares da Constituição pátria, como a democracia, a moralidade, a probidade administrativa e a publicidade, entre outros.


10 – Mérito Administrativo e discricionariedade


O mérito é a valoração ponderativa de certos fatos, levando em consideração aspectos de oportunidade e conveniência, bem como as regras de boa administração. O Superior Tribunal de Justiça posiciona-se dizendo que Poder Judiciário não poderá analisar o mérito do ato administrativo.


Segundo Germana de Oliveira Moraes: “Há de falar-se, atualmente, em oposição ao controle de mérito, em controle de juridicidade dos atos administrativos, o qual se divide em controle de legalidade e controle de juridicidade strictu sensu” (MORAES, 1999. p. 43).


Dessa forma, prossegue a referida autora explicando que, inicialmente deve-se analisar a legalidade dos elementos vinculados do ato discricionário, e posteriormente, proceder à análise de seus demais aspectos à luz dos princípios contidos no ordenamento jurídico.


Isso não significa, entretanto, que o mérito do ato administrativo discricionário tenha desaparecido totalmente, pois no que tange a aspectos não valorados juridicamente, não é possível ao Judiciário exercer seu controle.


A definição de mérito administrativo para Germana: “O mérito consiste, pois, nos processos de valoração e de complementação dos motivos e de definição do conteúdo do ato administrativo não parametrizados por regras nem princípios, mas por critérios não positivados”. (MORAES, 1999, p. 103).


Celso Antônio Bandeira de Mello (2009) propõe uma distinção entre a discricionariedade em abstrato, ou seja, aquela prevista no comando da norma, e a discricionariedade em concreto, diante de um fato no mundo real.


Parte-se da noção de que a lei, ao conferir discricionariedade ao Administrador Público, o faz para que este adote a medida mais eficiente ou mais adequada a cada situação, sempre tendo em vista a persecução do interesse público.


Vale dizer que, muitas vezes pode ocorrer que, não obstante a lei contenha previsão de liberdade de escolha entre diversas condutas diante do caso concreto, somente uma delas seja adequada a atender as necessidades públicas, chegando ao ponto até de suprimir a discricionariedade.


A liberdade do administrador é relativa e Celso Bandeira de Mello defende que o âmbito da liberdade pode ser delimitado nas situações reais, pois:


“[…] apesar de a lei permitir opção entre dois ou mais comportamentos – exatamente para que fossem sopesadas as circunstâncias fáticas, como requisito insuprimível ao atendimento do interesse tutelado -, estas mesmas circunstâncias evidenciem, para além de qualquer dúvida, que só cabe um comportamento apto para atingir o objetivo legal. Neste caso, dito comportamento é obrigatório, e não pode ser adotado outro” (MELLO, 2009, p.162)


A previsão de discricionariedade pela norma, apesar de ser condição necessária para sua existência, não é suficiente, sendo imprescindível que esta esteja também presente quando da análise do caso concreto, pois “sua previsão na ‘estática’ do direito, não lhe assegura presença na ‘dinâmica’ do direito” (MELLO, 2009, p. 105).


Ainda assim, não se poderá invocar a previsão da discricionariedade contida na lei para afastar o controle pelo Judiciário, pois o exame no caso concreto acerca da ocorrência da discricionariedade não constituirá invasão de mérito administrativo.


Neste contexto é feita a definição de mérito administrativo por Celso Antônio Bandeira de Mello:


“Mérito é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada à impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada” (MELLO, 2009, p.38)


Merece destaque também a observação feita por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1991, p.91) no sentido de que se deve tomar o devido cuidado para não se denominar mérito, impedindo o controle jurisdicional, o que na verdade se trata de questões que envolvem aspectos de legalidade e moralidade.


Desse modo, verifica-se uma tendência da doutrina administrativista brasileira em ampliar o domínio do controle da discricionariedade administrativa pelo Judiciário.


10.1. Limites da Discricionariedade:


Cumpre ainda tecer alguns comentários acerca dos seus limites da discricionariedade administrativa.


Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1991, p.48) aponta que a discricionariedade administrativa pode resultar:


“1) de disposição expressa em lei conferindo à Administração a possibilidade do seu exercício; 2) da insuficiência da lei em prever todas as situações possíveis; 3) da previsão de determinada competência pela lei, sendo ausente à previsão da conduta a ser adotada, que é o que ocorre muitas vezes no exercício do Poder de Polícia; e 4) do uso pela lei dos chamados conceitos indeterminados (e.g. bem comum, urgência, moralidade pública)”.


Na mesma esteira, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 19) diz que a discricionariedade pode decorrer:


“1) da hipótese da norma, quando esta define os motivos para a prática do ato de forma insuficiente ou se omite; 2) do comando da norma, quando esta possibilite ao administrador público a adoção de condutas variadas; e ainda 3) da finalidade da norma, pois muitas vezes esta é definida através de expressões que contêm conceitos indeterminados, plurissignificativos”.


Verifica-se que a lei sempre irá fundamentar a existência da discricionariedade, de forma que seu exercício, quando não autorizado pela lei, constituirá pura arbitrariedade, isso porque, como já dito, a discricionariedade deverá ser exercida nos limites contidos na lei e levando sempre em consideração o princípio da juridicidade, de forma que a discricionariedade não constitui um cheque em branco dado ao gestor público.


Ao tratar do assunto, José dos Santos Carvalho Filho (2005, p.26) defende a investigação dos limites do ato administrativo contidos expressamente ou implicitamente na lei da seguinte forma: “[…] deve o intérprete identificar dois pontos fundamentais para definição dos limites: um, os pressupostos da emanação volitiva; outro, os fins alvitrados na norma”.


A importância na determinação dos limites da discricionariedade administrativa se dá na medida em que possibilita definir a extensão do controle a ser realizado pelo Judiciário. Dessa forma, os atos discricionários que não observem seus respectivos limites devem ser fulminados do mundo jurídico, posto que são eivados de vícios.


11. Da Revogação do ato administrativo


Segundo conceitua Hely Lopes Meirelles (2002, p.195): “Revogação é a supressão de um ato administrativo legítimo e eficaz, realizada pela Administração – e somente por ela – por não mais lhe convir sua existência”.  Ou seja, a revogação é o ato praticado exclusivamente pela Administração Pública, pois envolve a análise da conveniência e oportunidade do ato, que não pode ser feita pelo Judiciário.


O fundamento da revogação é o interesse público. As freqüentes mudanças que ocorrem no dia a dia da Administração Pública podem implicar que um determinado ato praticado com vistas ao atendimento do interesse público não mais esteja apto a atingir este fim. A revogação permitirá, portanto, a adequação a esta nova realidade e contribuirá para uma administração mais dinâmica e eficiente.


É necessário mencionar que somente se pode revogar ato administrativo discricionário, ou seja, cuja prática é facultada pela lei à Administração Pública. É que não cabe à mesma decidir sobre a conveniência ou a oportunidade da prática de ato administrativo vinculado, já que este se encontra totalmente disciplinado em lei.


No entanto, a doutrina aponta a possibilidade de um ato administrativo vinculado vir posteriormente a ser disciplinado em lei como ato discricionário, hipótese em que será possível sua revogação.


Vale dizer, também, que não se pode revogar ato ilegal, estes devem ser anulados. A revogação diz respeito somente a atos administrativos legais. E por esta mesma razão, seus efeitos serão ex nunc, ou seja, devem ser resguardados todos os seus efeitos produzidos até o momento da revogação, posto que resultantes de ato perfeito e legal.


Em relação à competência para revogação dos atos administrativos, em regra, tem-se que é competente para revogar determinado ato aquele que também detém a competência para praticá-lo.


Já no que tange à possibilidade de um ato praticado por um subordinado ser revogado por seu superior hierárquico, tem-se que é perfeitamente aceitável. No entanto, adverte Odete Medauar (2002, p. 195) que “se a norma conferir à autoridade subordinada competência exclusiva para editar o ato, descaberá à autoridade superior revogá-lo”.


Há ainda certas limitações impostas à faculdade de revogar atos administrativos. Celso Antônio Bandeira de Mello elenca os seguintes atos irrevogáveis:


“1) os atos que a lei declare irrevogáveis; 2) os atos já exauridos, ou seja, que já produziram todos os seus efeitos; 3) os atos vinculados; 4) os meros atos administrativos (e.g. certidões, votos), pois seus efeitos derivam somente da lei; 5) os atos de controle; 6) os atos que integram um procedimento, uma vez que, através da sucessiva edição de atos, opera-se a preclusão com relação aos antecedentes; 7) os atos complexos, pois para sua constituição é necessária a conjugação de vontades de distintos órgãos; 8) os atos que geram direitos adquiridos, conforme dispõe a Súmula 473 do STF” (MELLO, 2007, p.404-405)


Então todo ato legal que se torne inconveniente e inoportuno pode ser revogado somente pela própria Administração Pública que o criou, sendo que o Poder Judiciário nunca poderá se utilizar do instituto da revogação.


12. Da Anulação do ato administrativo:


As nulidades no âmbito do direito administrativo são peculiares e devem receber tratamento diferenciado, não sendo, pois, aplicáveis à matéria os princípios da doutrina civilista. Alguns doutrinadores defendem a tese de que, assim como no Direito Civil, os atos administrativos podem ser divididos em nulos e anuláveis: os primeiros tidos como nulos são aqueles que ofendem norma de ordem pública indisponível, enquanto que os anuláveis seriam aqueles que ofendem normas de interesses privados, portanto disponíveis.


Não se pode aplicar tal tese no direito administrativo, haja vista que as normas de direito administrativo são todas fundadas no interesse público, sendo portanto, indisponíveis.


No que tange à graduação das nulidades, Hely Lopes Meirelles (2002) considera sempre nulo o ato eivado de vício, enquanto Celso Antônio Bandeira de Mello (2009) propõe a distinção entre atos nulos, anuláveis e inexistentes. Segundo o autor, ato inexistente é aquele cujo conteúdo possui um vício de tal gravidade que jamais pode ser objeto de prescrição, uma vez que o ordenamento jurídico expurga sua existência. Cita-se como exemplo aqueles atos cujo objeto seja a prática de algum crime.


O ato nulo é aquele cujo vício é insanável, ou seja, mesmo que a Administração Pública repita a sua prática, o vício persistirá. Já o ato anulável é aquele cujo vício pode ser sanado pela Administração Pública através da convalidação. Esta última nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 417) “é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos”.


A convalidação só poderá ocorrer se o ato não tiver sido impugnado administrativamente ou judicialmente.


Não sendo possível a convalidação do ato, a Administração Pública deverá proceder à anulação do ato eivado de vício. Essa anulação, também chamada por alguns doutrinadores invalidação, “consiste no desfazimento do ato administrativo, por motivo de ilegalidade, efetuada pelo próprio Poder que o editou ou determinada pelo Judiciário” (MEDAUAR, 2002, p.191).


Portanto, a partir do princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional (artigo 5º, XXXV da Constituição Federal), o Judiciário, quando provocado, deverá analisar a legalidade de ato administrativo e se for o caso, anulá-lo.


Além disso, a própria Administração Pública também pode, independentemente de provocação, conhecer da ilegalidade de seu ato e anular seus efeitos. Trata-se do exercício de sua prerrogativa de autotutela. A possibilidade de anulação do ato administrativo fundamenta-se no princípio da legalidade.


Os efeitos da anulação de ato administrativo ilegal ou ilegítimo são ex tunc, diferentemente da revogação. Dessa forma, o ato é comprometido desde a sua origem, uma vez que o vício o macula desde o seu surgimento no mundo jurídico.


Importa ressaltar proteção em a relação a terceiros de boa-fé, neste caso os efeitos da anulação ex tunc ou retroativos somente atingem as partes.


O prazo para promover a anulação do ato administrativo é objeto de controvérsias na doutrina. Uns sustentam que não há prazo para promovê-la. Almiro Couto e Silva (1997, p.188) defende que o prazo que se deve utilizar para determinar a preclusão ou decadência do direito que tem o Poder Público de invalidar seus próprios atos seja o mesmo previsto para a Ação Popular, ou seja, 5 (cinco) anos.


Ao tratar do assunto, Odete Medauar (2002) aduz que não há prazo para a Administração Pública anular seus atos quando eivados de vício, fazendo inclusive uma crítica ao entendimento anteriormente exposto:


Contudo, entende a maior parte da doutrina que anulação é grave e matéria de ordem pública, além disso, a limitação temporal ao poder de anular deve estar prevista de modo explícito e não presumido ou deduzido de prazos prescricionais fixados para outros âmbitos.


Atualmente, a tendência é de se flexibilizar tal entendimento para, de acordo com a análise de cada caso concreto, determinar a conveniência de se anular determinado ato já consolidado no tempo, ainda que eivado de vício desde sua origem, em nome dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica.


Para concluir, cabe ainda esclarecer acerca da obrigatoriedade da Administração Pública, ao verificar a existência de ilegalidade, proceder à anulação do ato. Odete Medauar e Maria Sylvia Zanella Di Pietro defendem que a Administração Pública tem o dever de anular, posto que deve sempre se nortear pelo princípio da legalidade, podendo deixar de fazê-lo, porventura, se for mais proveitoso ao interesse público que o ato persista. Já Hely Lopes Meirelles, ao tratar do assunto, dispõe acerca de uma faculdade que a Administração tem de anular seus atos.


Entende-se que a posição mais razoável é aquela que atenda ao interesse público. Sendo assim, a Administração Pública ao verificar a existência de ilegalidades, deve analisar cada caso em concreto de forma a verificar se a anulação do ato atenderá ao disposto na lei e ao interesse público, ou se acarretará maiores prejuízos, o que justificaria eventual permanência do ato.


13 – Da admissibilidade do controle jurisdicional do ato administrativo discricionário:


Nos últimos tempos a doutrina administrativista tem manifestado grande preocupação com o controle dos atos administrativos discricionários.


Tal preocupação coincide, em termos jurídico-políticos, com as idéias, valores e princípios positivados pela Constituição de 1988, que não só consagrou e revitalizou princípios antigos (república, federação, autonomia administrativa, igualdade), como inovou em muitos aspectos (princípio da moralidade, da legalidade, da publicidade), no propósito de fazer de suas coordenadas, mormente aquelas norteadoras da atividade administrativa, um marco referencial concreto para a construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput).


A reforma administrativa tem aspectos que podem ser considerados retrocesso, mas não há dúvida que a positivação do princípio da eficiência, pela amplitude de suas repercussões, principalmente como mais um referencial de controle da atividade administrativa discricionária, constitui-se, no âmbito do direito administrativo, um inequívoco avanço institucional. A perseguição ao interesse público também é controlado pelo princípio da eficiência.


É pacífico o entendimento de ser possível que os atos administrativos discricionários sejam controlados pelo Judiciário, no que tange a sua legalidade e a sua legitimidade.


A divergência se dá, no entanto, quando se fala da extensão desse controle, sobretudo a partir da introdução de uma nova concepção do princípio da legalidade, que passa a abranger não só a conformidade com a lei, mas também com os princípios norteadores do ordenamento jurídico, caracterizando o que muitos doutrinadores tais como Juarez Freitas, Germana de Oliveira Morais e Carmem Lúcia Antunes Rocha vêm chamando de princípio da juridicidade, que restringe o campo do chamado mérito administrativo.


O princípio da juridicidade consiste na conformidade do ato não só com as leis, decretos, atos normativos inferiores (regulamentos, portarias), como também com os princípios que estão contidos no ordenamento jurídico. Engloba o princípio da legalidade e acrescenta a este a necessidade de observância ao ordenamento jurídico como um todo.


No Brasil, verificamos a introdução do princípio da juridicidade com a positivação dos princípios informadores da Administração Pública no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]”.


Carmem Lúcia Antunes Rocha (1994, p.79-80) trata do princípio da juridicidade, ressaltando sua importância para se atingir à justiça material:


“O Estado Democrático de Direito material, com o conteúdo do princípio inicialmente apelidado de “legalidade administrativa” e, agora, mais propriamente rotulada de “juridicidade administrativa”, adquiriu elementos novos, democratizou-se. A juridicidade é, no Estado Democrático, proclamada, exigida e controlada em sua observância para o atingimento do ideal de Justiça social”.


Verifica-se, pois, que os doutrinadores pátrios já reconhecem a necessidade de que a atividade administrativa não seja norteada tão-somente pela idéia de legalidade formal, mas por um valor mais amplo que é a justiça, consubstanciada em todo ordenamento jurídico.


A redefinição no conteúdo da legalidade com o aparecimento do princípio da juridicidade acarreta alguns reflexos no âmbito da discricionariedade administrativa. Observa-se uma redução do conteúdo do mérito administrativo, elemento livre de apreciação através de controle jurisdicional.


É que, com a positivação dos princípios administrativos, aspectos que antes eram pertinentes ao mérito, agora dizem respeito à juridicidade do ato. Permite-se ao julgador examinar o ato à luz dos princípios não só da legalidade, mas também da impessoalidade, da igualdade, da eficiência, da publicidade, da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade.


Amplia-se, portanto, a possibilidade de controle judicial da administração, na medida em que se permite ao julgador examinar aspectos antes impenetráveis do ato administrativo.


A dificuldade existente seria traçar limites quando do exercício do controle judicial dos atos administrativos discricionários, principalmente quando da verificação de sua conformidade com o princípio da juridicidade, de forma que este controle não implique numa invasão da esfera de competência do administrador pelo órgão judicante, tendo em vista, por outro lado, a importância da sua realização como forma de conter possíveis arbitrariedades no exercício da discricionariedade administrativa.


Contudo, defende-se aqui que não pode a discricionariedade administrativa ser invocada para afastar o controle jurisdicional quando há indícios de violação a princípios administrativos.


A doutrina apresenta certa divergência sobre a natureza da discricionariedade. A grande maioria dos doutrinadores entende que se trata de um poder. Não obstante, há opinião contrária no sentido de que a discricionariedade consiste num dever. Celso Antônio nos informa que, devido ao caráter funcional da atividade administrativa, o que se chama de poder é, na verdade, um instrumento para realização de certos deveres impostos pela lei: “surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se cumpra o dever. Mas é o dever que comanda toda a lógica do Direito Público” (MELLO, 1998, p. 15).


Daí pode-se concluir que quando o ato administrativo discricionário viola direito subjetivo de outrem, cabe proteção judicial.


14. Considerações Finais


Após breve relato sobre os atos administrativos percebe-se ser plenamente possível à verificação de qualquer ato pelo Poder Judiciário.


Não se pretendeu aqui substituir o juízo do administrador acerca da oportunidade e conveniência de um ato administrativo discricionário. Apenas, demonstramos que mesmo o ato administrativo discricionário, muitas vezes, terá seu mérito com o âmbito reduzido.


Afinal, quando um ato discricionário viola a esfera de direito subjetivo do administrando, causando-lhe prejuízo, por ter sido efetuado ilegitimamente, cabe proteção judicial e para se apurar tal violação será indispensável uma investigação ampla sobre a adequação ou inadequação do ato administrativo, analisando-o a partir do paradigma da “boa administração”, que seria um dever-poder do administrador público.


Nota-se que, partindo da tese de que os atos discricionários deveriam ser motivados sempre, quando este motivo não fosse verdadeiro, ilegítimo ou contra a finalidade pública, o Judiciário também poderia atacar este ato e indiretamente estaria adentrando no mérito administrativo.


Verificou-se também que a discricionariedade administrativa deve não só ser exercida em conformidade com a lei que a autoriza, mas também de acordo todos os princípios que informam o ordenamento jurídico.


De fato, o mérito administrativo, que se resume no binômio oportunidade e conveniência, seria o aspecto do ato administrativo discricionário que não poderia ser objeto de controle pelo Judiciário. Contudo, com a introdução do princípio da juridicidade, verifica-se uma diminuição da sua amplitude, de forma que esta passa a consistir em critérios não positivados utilizados pelo gestor público para definir a sua escolha.


Portanto, cabe frisar que para manter-se legítimo, o ato discricionário há de respeitar os limites impostos pela lei, pelos princípios jurídicos e, principalmente, pelo dever de “boa administração”, o que decorre de uma racional adequação entre os atos praticados e a finalidade legal e pública que os justifica.


 


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Nota:

[1] A expressão “Estado de Direito Democrático” é utilizada pelos processualistas: Fix Zamudio (México), Andolina (Itália) e no Brasil pelos professores Baracho Jr e Rosemiro Leal. Além disso, Gomes Canotilho utiliza a expressão justificando “Nem todo Estado de direito é estado democrático, mas todo estado democrático é estado de direito” (CANOTILHO, 2001) 


Informações Sobre os Autores

Carlos Athayde Valadares Viegas

Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras, Mestrando em Direito Público pela Universidade FUMEC. Servidor Público da Justiça do Trabalho da 3 Região

Cesar Leandro de Almeida Rabelo

Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.


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