Resumo: O artigo do art. 179, § único, da CF de 1937, que foi um retrocesso no controle da constitucionalidade das leis, pois permitia reexame de decisão judicial pelo legislativo.
Palavras-chave: Constituição 1937. Declaração de inconstitucionalidade. O artigo 179 e seu parágrafo único.
Sumário: 1. Introdução. 2. Carta de 1937. 3. Art. 179 . 4. A doutrina. 5. Conclusão.
1. Pesquisando sobre a fiscalização da constitucionalidade das leis, na França, cujo controle é atribuído unicamente a órgãos políticos, por razões históricas já bem definidas, decidimos pelo grau de dissemelhança e relação com o direito no Brasil, tecer considerações sobre a introdução parcial desse sistema europeu na Constituição de 1937, e também por destoar ele do judicial review do direito norte-americano, adotado aqui desde os primórdios do governo republicano (Carta provisória de 1890) e mantido até o presente.
2.Com pequenas alterações de redação foi mantido pela Carta outorgada de 1937, o controle da constitucionalidade por órgão judicial, pois repetiu, no art.101, item III, letra b e c, o disposto no art. 76, III, b e c, da Constituição de 1934, relativo à competência do Supremo Tribunal Federal para julgar, em grau de recurso extraordinário, as decisões das Justiças locais, em única e última instância: a) – quando se questionasse sobre a vigência ou validade da lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negasse aplicação à lei impugnada; b) – quando se contestasse a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgasse válida a lei ou o ato impugnado.
3. Revisão pelo Executivo e Legislativo de declaração da inconstitucionalidade pelo Judiciário.
A exigência constante do art. 179, da Constituição de 1934, foi repetida pela Carta de 1937, mas em seu parágrafo único, prescreveu-se que, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderia este submetê-la, novamente, ao exame do Parlamento. Se confirmada por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficaria sem efeito a decisão do Tribunal, declarando sua inconstitucionalidade.
4. Prescrevendo dispositivo de tal natureza, entendeu Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (“A Teoria das Constituições Rígidas”, 2ª. ed. J.Bushatsky, ed. 1980) que a “Carta de 1937 regrediu a respeito do sistema adotado, desde a Constituição de 1891, sobre o controle da constitucionalidade dos atos jurídicos do Legislativo e do Executivo.” Disse, ainda, que esse texto recebeu a defesa de Francisco Campos [1], sob o fundamento de que com ele se atenuava a supremacia do Judiciário sobre os outros poderes, e assim, melhor se estabelecia o sistema de freios e contrapesos que a teoria da separação dos poderes objetiva. Mas, sublinha o eminente jurista que a grande maioria dos juristas pátrios [2], foi contra esse indiscutível retrocesso, pois o governo dos juízes nunca existiu e limitam-se eles simplesmente ao exercício da função de julgar. Por conseguinte, não melhorou, mas piorou o sistema de freios e contrapesos, o parágrafo único acrescentado, que simplesmente perturbou o exercício de uma função jurídica por seu órgão próprio, substituindo-o por órgão a quem competia função política.
5. Como se vê, o artigo continha, no fundo, a possibilidade da coexistência de uma norma constitucional com uma lei com ela conflitante, pois aquela não seria revogada pela manifestação do Legislativo; apenas persistiria a existência e validade da lei, apesar de infringente do texto constitucional, o qual prevaleceria em relação a outras leis, como norma limitadora. Entretanto, o curto período de vigência da Carta não permitiu que toda a potencialidade nela contida alcançasse pleno desenvolvimento.
6. Conclui-se, assim, pelas razões aqui deixadas, que o sistema misto de controle da constitucionalidade das leis adotado na Carta de 1937, pelo regime ditatorial de então, implicou em verdadeira perturbação à atuação do Direito e da Justiça, procurando soluções jurídicas com preocupações políticas, de conveniência e oportunidade.
7.Como fecho, o alerta de RUI [3], no exílio, em sobre os regimes ditatoriais quando ignoram as soberanas prerrogativas da justiça: “Nos Estados Unidos, até os meninos de escola não ignoram o asilo supremo reservado nos tribunais pela constituição a si mesma e aos direitos que ela protege contra as invasões, quer do executivo, quer do Congresso. Entre nós, porém, a azáfama, com que propôs, e quis fazer-se transitar, o ano passado, por ambas as Câmaras, a absolvição das inconstitucionalidades perpetradas pela ditadura, mostra a ingênua idéia, em que se acham os nossos constitucionalistas, de que as maiorias parlamentares podem, com o seu voto, impor veto à competência judiciária neste assunto.”
8.Também, sabemos que os ditadores sempre buscam legitimidade outorgando cartas constitucionais, porque não o podem fazê-lo através de um poder constituinte originário, legítimo, que só uma grande revolução deve instalar. A história, nas Repúblicas periféricas, é um cemitério de Constituições (Paulo Bonavides, “Tendências/Debates”, Folha de S.Paulo 9/7/2007).
Informações Sobre o Autor
Sergio Miranda Amaral
Advogado (OAB 34438/SP) Procurador do Município (aposentado)