O depósito do valor da parcela na ação consignatória


“Por ação consignatória principal entende-se a que tem por único objetivo o depósito da res debita para a extinção da dívida do autor. O depósito em consignação, por outro lado, é incidente, quando postulado em pedido cumulado com outras pretensões do devedor… Em qualquer das hipóteses, porém, o pedido de depósito incidente tem como característica seu aspecto acessório e secundário”.


Nesse norte, indispensável que à consignação incidental estejam presentes os requisitos inerentes à tutela cautelar, eis que representa tal pretensão verdadeira medida de urgência destinada a tentar impedir a caracterização da mora.


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Com efeito, para a ação de consignação em pagamento e a possibilidade de o devedor, potestativamente, depositar o valor que entende devido, indispensável a observância das hipóteses de cabimento previstas nos incisos do artigo 890 da lei adjetiva, que, segundo a doutrina abalizada, Humberto Theodoro Júnior (Op.cit., p.19.), Antônio Carlos Marcato (MARCATO, Antônio Carlos. Procedimentos Especiais: São Paulo, 2006, editora Atlas, p.71.) e Vicente Greco FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro: São Paulo, 2002, 3º volume, 15ª edição, editora Saraiva, p.53.) podem ser divididas em duas situações fáticas, que comportam espécies peculiares, a saber, impossibilidade real do pagamento voluntário (recusa injusta de receber a prestação por parte do credor; ausência de conhecimento ou inacessibilidade do sujeito ativo da obrigação) e insegurança ou risco de ineficácia do pagamento (recusa do credor em fornecer quitação; dúvida fundada quanto à pessoa do credor; litigiosidade em torno da prestação entre terceiro; falta de quem represente legalmente credor incapaz).


Veja-se que de todas as hipóteses versadas inexiste a subsunção à consignação incidente verificada no caso dos autos, eis que não há, em relação à agravada qualquer dúvida objetiva quanto ao credor ou recusa deste em receber a quitação, muito menos a ausência ou divergência do credor apto a receber o pagamento.


Ou seja, a existência de dúvida fundada quanto à legalidade dos encargos exigidos pela instituição financeira não tem o condão de autorizar o direito potestativo do devedor consignar o valor que entende devido, já que, em última análise, inexiste impossibilidade real do pagamento voluntário ou insegurança ou risco de ineficácia em seu adimplemento.


Nesse norte, não havendo dúvida fundada quanto à existência, conhecimento ou recusa do credor em aceitar o pagamento, incabível a consignatória principal, devendo o depósito em consignação requerido pelo autor, de modo incidental, ser analisado como medida cautelar, cujo objetivo é garantir o resultado útil da sentença meritória.


Desse modo, ostentando a pretensão da parte agravada natureza eminentemente cautelar, não há qualquer prejuízo ou perigo de dano aos litigantes caso determinado o depósito integral da prestação mensal, já que afastada a possibilidade de exercício potestativo pelo credor no sentido de consignar o que entende devido, por ausência dos requisitos de cabimento da ação consignatória principal.


Vale dizer, “não se admite, portanto, que o autor da consignação venha a utilizar o procedimento especial dos artigos 890-900 para impor o depósito de uma prestação cuja existência jurídica pressuponha sentença constitutiva, como as oriundas de inadimplemento contratual ou de anulação de negócio jurídico por vício do consentimento ou social. Enquanto pelas vias ordinárias, não se apurar a existência definitiva da obrigação e não se definir, com precisão, o seu montante, a iliquidez e incerteza afetarão o relacionamento jurídico das partes e inviabilizarão o depósito em consignação no importe que o devedor repute devido”( JUNIOR, op.cit., p.21.) Grifo Nosso.


Ademais, cumpre não olvidar que a tutela de urgência pressupõe, para sua concessão, o risco de dano grave ou de difícil reparação, e, no caso em tela, nenhuma das partes litigantes sairá prejudicada na determinação de que seja consignado em juízo o valor integral da parcela mensal prevista no contrato objurgado, já que, de um lado, o devedor desincumbe-se de seu ônus contratual, podendo discutir os encargos excessivos no curso da relação jurídica processual, demonstrando, inclusive, sua boa-fé na execução da avença, e de outro, para o credor, permite-se a retirada da parte reputada incontroversa, não sofrendo sérios gravames em sua atividade empresarial, por garantir, com o levantamento parcial do débito consignado, no mínimo, a quitação do custo que suporta ao prestar o serviço credíticio concedido à parte recorrente.


“Adianta-se provisoriamente a tutela pretendida pelo autor como meio de evitar que, no curso do processo, ocorra o perecimento ou danificação do direito afirmado. Em outras palavras, antecipa-se em caráter provisório para preservar a possibilidade de concessão definitiva, se for o caso”.( Op.cit, p.74.)


Em suma, não há qualquer prejuízo ou danificação do direito afirmado pela agravada, se concedido ao final, já que, caso a sentença de mérito determine a revisão, julgando procedente o pedido, a autora poderá levantar, com juros e correção monetária, a diferença consignada em juízo.


Ao contrário, vislumbro o perigo de dano inverso, já que, caso mantida a consignação no valor que o autor entende devido, se, ao final, seu pedido for julgado improcedente, deverá, automaticamente e de uma só vez quitar toda a diferença dos valores consignados em favor da instituição financeira, sob pena de não consolidar a propriedade em seu nome, causando-lhe, nessa situação, prejuízo maior do que depositar integralmente a prestação mensal no curso da relação jurídica processual.


De igual modo, não pode prevalecer a decisão no tocante à exclusão do nome da agravada nos cadastros de proteção ao crédito, eis que considerou apenas os depósitos no valor que agravada entendia devido.


É que, como cediço, não pode o provimento jurisdicional ser proferido condicionalmente ou submetido a evento futuro ou incerto, sob pena de trazer insegurança às relações jurídicas e, ainda, não delimitar com precisão a pretensão postulada e concedida, já que a ação revisional ainda pende de dilação probatória.


Frise-se, no mais, que nada obsta que os litigantes, em caso de ameaça superveniente ao seu direito de crédito ou de propriedade, exerçam seu direito de defesa, promovendo medidas que reputar cabíveis.


Sobre o pedido de consignação em pagamento, a questão merece maior aprofundamento diante das argumentações lançadas na introdução desta decisão. Este juízo vinha admitindo o depósito nos montantes declinados pela parte interessada na inicial.


Sucede que o art. 335 do Código Civil reza que:


“A consignação tem lugar: I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; II – se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; III – se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; se pender litígio sobre o objeto do pagamento.”


Assim, em uma análise superficial, verificam-se presentes os requisitos norteadores do direito de ação dessa natureza, que via de regra, é aceitável perante a recusa de recebimento de pagamento, cuja motivação deva ser examinada na seqüência do processo até prolação de mérito.


No presente caso, a divergência entre as partes recai sobre o “quantum” efetivamente devido, instalando-se um impasse concernente ao valor da prestação e, conseqüentemente, do contrato.


Ocorre que, o caso em análise é mais um daqueles que se vê em grande quantidade no dia-a-dia forense, envolvendo contratos de aquisição de veículos, mediante garantia fiduciária do bem adquirido. Verifica-se que se trata de contrato firmado com parcelas com valor mensal fixo. Diante dessas circunstâncias da relação negocial, a situação merece tratamento adequado.


Entende-se, pois, que, ainda que possa haver alguma dúvida sobre eventuais taxas que integram o valor do contrato, não se pode admitir o depósito de valor aleatório informado pela devedora-requerente, diferente daquele constante do contrato.


Diante destes argumentos, objetivando resguardar eventuais direitos de ambas as partes, diante do princípio do equilíbrio das relações contratuais e em observância do princípio da boa-fé que deve embasar todos os contratos, como já frisado, resolve-se admitir o depósito judicial do valor da prestação contratada, a fim de permitir a definição do efetivo valor devido.


Essa medida garante a parte autora, pois ao final do processo poderá ver-se ressarcida do valor a maior depositado, devidamente atualizado, simplesmente com o levantamento do depósito dessa diferença, e de igual forma ressalva a parte requerida, pois caso seja vencedora poderá levantar imediatamente o valor em discussão, ressaltando o processo como instrumento de pacificação social.


Neste sentido também já se manifesta nossa Corte Estadual, conforme denota-se do seguinte julgado, in verbis:


“No que tange ao objeto do pagamento, como é sabido, ao credor assiste o direito de receber a integralidade do crédito, ou da coisa, ou da obrigação. Não é possível obrigá-lo a receber nem mais nem menos, não importando qual a prestação, se consistente em dinheiro ou bens. Assim, o valor a ser consignado deve ser aquele correspondente ao débito havido entre as partes. Mesmo nos casos de ação de consignação em pagamento incidental, em que há cumulação do pedido consignatório com revisional de cláusulas contratuais, em que o devedor fica dispensado do depósito integral das prestações, as quantias depositadas devem representar o valor devido. Vale dizer, o devedor não poderá consignar qualquer valor ou valor algum. Ademais, as relações contratuais devem ser regidas pelos princípios da boa-fé objetiva, do dirigismo contratual e da função social do contrato.


Em havendo depósito do valor integral do financiamento, como já vinha ocorrendo desde a celebração consensual do contrato, não haverá qualquer prejuízo às partes. Isso porque, sendo a ação revisional julgada procedente e, em havendo saldo em favor do agravante, a ele serão restituídas as quantias pagas a maior, bem como, do contrário, em sendo julgados improcedentes os pedidos iniciais, não restará caracterizada mora.


Assim, dada as peculiaridades dos autos, onde o agravante sequer pagou o capital emprestado e pretende consignar valores inferiores aos contratados, notadamente frente ao valor devido, é impossível, neste momento, permitir o depósito das quantias que o agravante entende devidas. Foi negado seguimento ao recurso, por manifesta improcedência.” (Agravo Nº 2007.009400-8 – Campo Grande – Relator Des. Oswaldo Rodrigues, 19.04.07, TJ-MS)


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Destaque-se que, por entender-se necessário o depósito integral do valor mensal devido nos autos, o envio de ofícios aos órgãos de proteção ao crédito para exclusão do nome da parte requerente fica vinculado a esta condição, de modo que, o depósito de valor que não corresponda à parcela integral acarretará a impossibilidade da retirada do nome da autora dos cadastros de inadimplência citados.


Neste sentido já vem decidindo nossa Corte Estadual, conforme constata-se no seguinte julgado:


“Portanto (…), a mora persistirá, haja vista que para ser afastada, necessário o depósito de quantia aproximada do valor previsto no contrato, por uma simples razão: as teses do autor/agravante, invariavelmente, vêm sendo rechaçadas pelas Cortes Superiores.


Por outro lado, querendo o autor afastar a mora, pode requerer ao magistrado singular a autorização para a consignação do valor integral da parcela que, em caso de procedência do pedido, ser-lhe-á restituído devidamente corrigido.


Por fim, destaco que, ante o não afastamento da mora, não há de se falar em manutenção da posse do bem nas mãos do agravante e, nem tampouco, em exclusão ou negativa de inserção do nome do devedor em órgãos de proteção ao crédito. (Agravo nº 2007.010382-6/0000-00, Des. Luiz Carlos Santini, TJ-MS, 07.05.2007, 2ª Turma Cível)


Ademais, as relações contratuais devem ser regidas pelos princípios da boa-fé objetiva, do dirigismo contratual e da função social do contrato.


No nosso Código Civil é onde melhor se encontra definido atualmente o princípio da boa-fé objetiva, é onde se verifica que tal princípio estabelece um dever jurídico geral, aplicável a ambas as partes, não apenas ao fornecedor, como alguns equivocadamente tentam fazer crer ou induzir a conclusão. O princípio da boa-fé é fundamento ético da vida em sociedade, sendo essencial para seu equilíbrio e preservação.


A boa-fé vale para ambos os contratantes, que devem agir de maneira clara, não podendo omitir informações determinantes para o ato e condições da contratação, não podendo ser conduzida a execução contratual de outro modo que não dentro da maior probidade e lealdade. Isto como forma de conservar o equilíbrio econômico do contrato e preservar sua função social, sendo esta o atendimento à destinação econômica do contrato, que é de fato seu objetivo natural, o cumprimento dos interesses que o motivam.


Assim, não pode, ainda que se trate de contrato de adesão, avençar financiamento e efetuar pagamento menores que do capital financiado e, agora, pretender consignar valores inferiores ao contratado. Ou seja, não pode a parte, após consensualmente celebrar contrato de financiamento, onde sequer pagou o capital emprestado, querer consignar a menor os valores acordados. Ao assim proceder, acaba por ferir os princípios norteadores das relações contratuais.


É o que se infere da lição de Arnaldo Rizzardo:


 “A segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da probidade e da boa-fé, isto é, da lealdade, da confiança recíproca, da justiça, da equivalência das prestações e contraprestações, da coerência e clarividência dos direitos e deveres. Impede que haja entre os contratantes um mínimo necessário de credibilidade, sem o qual os negócios não encontrariam ambiente propício para se efetivarem. O conjunto desses valores constitui um pressuposto gerado pela probidade e boa-fé, ou sinceridade das vontades ao firmarem os direitos e obrigações. Sem os princípios, fica viciado o consentimento entre as partes.”(Contratos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. p. 32)



Informações Sobre o Autor

Antonio José Ferreira de Lima

Acadêmico de Direito


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