Apesar de não previsto em lei, a jurisprudência administrativa federal e estadual vêm cada vez mais ratificando o entendimento que, para fins tributários, existem dois tipos básicos de programa de computador (“software”), o “Software Personalizado” e o “Software de Prateleira”, que receberão tratamento tributário distinto (serviço ou mercadoria) em razão da forma de sua produção e comercialização.
O reconhecimento pela Jurisprudência de dois tipos básicos de programa de computador (personalizado e prateleira), ficou consolidado em 1998, após o julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário nº 176626 (rel. Min. Sepúlveda Pertence).
O item III da ementa deste Recurso dispõe:
“III. Programa de computador (“software”) : tratamento tributário: distinção necessária.
Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” — matéria exclusiva da lide —, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo — como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) — os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio”.
O “Software Personalizado” é comumentemente definido pela Jurisprudência como “programa de computador produzido sob encomenda para atender a necessidade específica de determinado usuário”, enquanto o “Software de Prateleira” é definido como “programa de computador produzido em larga escala de maneira uniforme e colocado no mercado para aquisição por qualquer interessado sob a forma de cópias múltiplas”.
A Lei do Software (Lei nº 9.609/98) conceitua o programa de computador da seguinte maneira:
“Art. 1º – Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.
Como se vê, o legislador previu que todo programa de computador (instruções) estaria gravado num suporte físico de qualquer natureza (o que atualmente nem sempre acontece!), ainda assim, esta conceituação dá base ao entendimento de que o programa de computador quando gravado num suporte físico, é um bem imaterial (incorpóreo) quanto ao programa (dados ou instruções) e bem material (corpóreo) quanto ao suporte físico (EX: compact disc).
A legislação equipara o programa de computador (“software”) às obras intelectuais (fruto da intelectualidade humana), determinando que é necessário possuir autorização do autor (EX: contrato de licença) para sua utilização.
Regras de apuração do valor aduaneiro (base de cálculo do imposto de importação) de suporte físico gravado com programa de computador
O art. 81 do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 4543/02, refletindo exatamente as disposições do Acordo de Valoração Aduaneira (internalizado pelo Decreto nº 1.355/94), disciplina que “o valor aduaneiro de suporte físico que contenha dados ou instruções para equipamento de processamento de dados será determinado considerando unicamente o custo ou valor do suporte propriamente dito”.
O Acordo de Valoração Aduaneira determina que o imposto de importação seja calculado somente sobre o valor do suporte físico, sem considerar o valor do programa nele contido, seguindo a lógica de que imposto de importação incide somente sobre “mercadoria” (bem corpóreo), que neste caso é tão somente o suporte físico onde foi gravado o programa de computador.
As regras do Acordo de Valoração Aduaneira devem ser aplicadas na importação de suporte físico gravado com programa de computador (“software”), onde é possível fazer a distinção entre o valor do suporte informático (EX: compact disc) do valor do programa de computador gravado neste suporte, portanto, estas regras só podem ser aplicadas à importação de “Software Personalizado”.
Na importação de “Software de Prateleira” não há como aplicar as regras específicas de importação de suporte informático previstas no Acordo de Valoração Aduaneira, uma vez que no “Software de Prateleira”, o valor do programa (dados ou instruções) está incorporado ao valor de seu suporte físico (EX: compact disc), formando um corpo único e indissolúvel, apresentado como “mercadoria”, e por isso, assim como ocorre na importação de qualquer cópia de obra intelectual (EX: livro), a importação deste tipo de programa de computador (“software personalizado”) deverá receber o tratamento tributário atinente às mercadorias.
Despacho Aduaneiro de Importação de “Software Personalizado”:
No despacho aduaneiro de “software personalizado” deverão ser aplicadas as regras do Acordo de Valoração Aduaneira (Art. 81 e ss. do Regulamento Aduaneiro, normatizadas pela Secretaria da Receita Federal através da Instrução Normativa nº 327/03), onde o valor aduaneiro que servirá como base de cálculo do imposto de importação será apurado considerando unicamente o valor do suporte físico onde estão gravados os dados ou instruções (EX: compact disc).
A Fatura Comercial (Commercial Invoice) deverá indicar o custo ou valor do suporte físico (EX: US$ 2,00 p/Un.) separadamente do custo ou valor do programa de computador gravado neste suporte (EX: US$ 10.000,00).
Neste tipo de importação, o valor do suporte físico (EX: compact disc, comercializado por US$ 2,00/Un.) sofrerá a incidência dos tributos devidos na importação de mercadorias (Imposto de Importação + IPI + PIS/PASEP + COFINS + ICMS), sendo que o valor do programa (EX: US$ 10.000,00) sofrerá tributação quando da realização da remessa financeira para o exterior.
A transferência financeira para o exterior a título de remuneração pela licença de uso de programa de computador (“software”), estará sujeita à incidência do Imposto de Renda na Fonte à alíquota de 15% (quinze por cento) e ao pagamento da CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Lei nº 10.168/00) à alíquota de 10% (dez por cento), além das contribuições de PIS/PASEP e COFINS (importação de serviços) e do imposto municipal sobre serviços (ISS), se for o caso.
Despacho Aduaneiro de Importação de “Software de Prateleira”
No despacho aduaneiro de “software de prateleira”, a Fatura Comercial (Commercial Invoice) deverá indicar o valor total da transação (EX: US$ 300,00 p/programa) e os tributos incidentes na importação de mercadorias (Imposto de Importação + IPI + PIS/PASEP + COFINS + ICMS) serão calculados sobre o valor total da transação.
A remessa financeira ao exterior deverá ser contratada através do “Contrato de Câmbio de Venda – Importação” que será vinculado à respectiva Declaração de Importação, visto que neste tipo de operação cambial (venda – importação) não há incidência ttacando que leciira”ma + o suportemportaçmercadoria (bem copor de Imposto de Renda na Fonte e nem da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE.
Conclusão:
A legislação tributária e aduaneira não está atualizada com o entendimento da Jurisprudência e trata somente um tipo de programa de computador que “está gravado num suporte físico, produzido sob encomenda que atenderá a necessidade específica de determinado usuário”, ou seja, a legislação só ampara a importação do “Software Personalizado”.
O “Software de Prateleira” estrangeiro deverá ser despachado como “mercadoria”, seguindo o entendimento da Jurisprudência Administrativa Federal e Estadual, sacramentado pelo STF em 1998, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 176626.
Além dos dois tipos de software tratados neste artigo (personalizado e prateleira), a Jurisprudência vêm definindo o tratamento tributário de outros tipos de programa de computador (EX: “Software Adaptado/Customizado”), e ainda, o tratamento tributário e fiscal de operações de softwares adquiridos sem suporte físico (EX: comercializados via download), daí a necessidade constante de buscar o entendimento “atual” da Jurisprudência.
Informações Sobre o Autor
Nilo Michetti
Consultor em comércio exterior, especialista em legislação aduaneira e regimes aduaneiros especiais.