O direito adquirido e a flexibilização imposta pelo STF

Resumo: O Direito precisa de meios que o tornem seguro juridicamente e sem resquício de dúvidas. Nesse campo surge, então, o princípio constitucional do direito adquirido como tal. O princípio do direito adquirido está sempre atrelado ao princípio da segurança jurídica. Este último, fazendo uso de vários institutos, busca proporcionar segurança, robustez, às relações jurídicas. Inexistindo segurança às decisões e relações jurídicas, a instabilidade absoluta se instala comprometendo a existência da ordem jurídica vigente. Muitos privilégios adquiridos, injustamente, são mantidos pelo Judiciário em julgados que distorcem o princípio do direito adquirido, garantindo tratamento diferenciado em agressão expressa ao princípio da isonomia inserido no art. 5º da CF/88. Outras vezes o Judiciário deixa de reconhecer e fazer justiça ao não reconhecer direitos adquiridos, que realmente existiam e estão amparados em norma legal. A flexibilização dos institutos de barreira, de limites, em busca da adequação social, tem permeado as decisões da nossa Corte Maior de Justiça. Embora, às vezes, a injustiça, também, fique evidente.


Palavras-chave: Direito adquirido. Flexibilização. Inconstitucionalidade.


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Abstract: The law needs to make insurance means that the legally and without remnant of doubts. In this field emerges, then the constitutional principle of the right customers as such. The principle of the right customers is always tied to the principle of legal security. The latter, making use of various institutes, search provide security, robustness, the legal relations. Inexisting security to the decisions and legal relations, the instability is absolute installs jeopardizing the existence of the legal order in force. Many privileges acquired, unfairly, are maintained by the Judicial judged in that distort the principle of the right customers, ensuring differential treatment aggression expressed in the principle of parity inserted into art. 5 of CF/88. Sometimes the judiciary fails to recognize and do justice by failing to recognize rights, which actually exist and are supported on standard legal. The easing of the institutes of barrier, limits, in pursuit of social fairness, it has permeated the decisions of our Top Court of Justice. Although, sometimes, injustice, too, is evident.


Keywords: Right acquired. Flexible. Unconstitutionality.


Sumário: Resumo. Abstract. 1. Introdução 2. O Princípio do Direito Adquirido 3. A flexibilização imposta pelo STF ao Princípio do Direito Adquirido 4. Conclusão 5. Referências


I – INTRODUÇÃO


É acentuada a preocupação do ser humano com as imposições arbitrárias do poder hierarquizado (institucionalizado) que se vislumbra desde remotas eras. É notória a luta dos vassalos, do proletariado, da burguesia, dos sindicalistas, em face dos senhores feudais; mas umas das maiores preocupações humana em face do poder hierarquizado (institucionalizado) nos advêm da França: corria o ano de 1789 quando, em meio a Revolução Francesa, é proclamada – sob o lema: Liberdade, igualdade e fraternidade – a Declaração dos Direitos do Homem. Declaração essa que é ratificada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. Trata-se de textos que reconhecem alguns direitos humanos e os institucionaliza sob a égide dos anseios populares.


A luta do proletariado abre um precedente na História para ratificar as perspectivas dos trabalhadores modernos que lutam em prol dos direitos que afirmam possuir. Neste norte o Estado reconhece que há um direito que não pode ser atacado, violado – é o Direito Adquirido – que a Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 – a Constituição Cidadã – traz exarado no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º XXXVI).


A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 alterou várias situações no ordenamento jurídico brasileiro, dentre essas alterações convém destacar a opção pelo Estado Democrático de Direito, uma vez que o estudo acerca do direito adquirido far-se-á com base nas concepções do modelo jurídico vigente.


O princípio do direito adquirido torna-se ativo quando é deflagrado o processo de criação de novas leis ou da reforma daquelas já existentes, gerando a expectativa de que “a segurança jurídica do direito adquirido contra sua mudança e desfazimento criou a regra técnica de defesa da posição mais vantajosa” (BASTOS, 1999, p. 215). 


É justamente a posição mais vantajosa que Silva (2000, p. 149) defende ao tratar do princípio em comento, como um meio para resguardo de benefícios oriundos de situações jurídicas vantajosas, pois “o direito adquirido é uma vantagem patrimonial, porque há aí fatos aquisitivos que geram direitos a integrarem o patrimônio da pessoa”.


Nesse tirocínio é concebível o direito adquirido como aquele que já integralizou, em definitivo, o patrimônio do seu titular sem que lei nova o possa atingir in malam partem.


O princípio do direito adquirido possui como fundamento manter, no tempo e no espaço, os efeitos jurídicos de preceitos que sofreram mudanças ou supressões (alteração em razão de lei/norma nova), evitando que a lei nova retroaja porque existe direito adquirido. Para Silva (2000, p. 179) “a lei retroage quando não há um direito adquirido e não retroage quando existe esse direito”.


Destarte, o Direito não pode molestar (alterar) o passado das pessoas, pode apenas prover para o presente e futuro delas, jamais violando o que já se constituiu sob o amparo da ordem jurídica, pois “como a segurança jurídica e a justiça dão o sentido teleológico do Direito, jamais poderá ter sobrevivência um princípio (retroatividade geral) que ameace permanentemente causar um desmantelamento na vida social” (SILVA, 2000, p. 106).


A doutrina constitucionalista é unânime quando se confronta direito adquirido contra a Constituição, chegando a ser pacífico que “não há direito adquirido contra a Constituição, porque todas as normas a ela se subordinam, sem condição” (SILVA, 2000, p. 180), existe, porém, com a Constituição e em razão dela.


II – O PRINCÍPIO DO DIREITO ADQUIRIDO


O direito adquirido é um princípio de grande relevância jurídico-social, uma vez que tem como escopo estabilizar as relações jurídicas transmitindo à sociedade crença na segurança jurídica do ordenamento pátrio, encontrando, inclusive, assento na galeria de honra das garantias fundamentais do texto constitucional (art. 5º XXXVI).


Na doutrina civilista e constitucionalista, o direito adquirido é a projeção da irretroatividade das leis. Segundo o civilista Beviláqua (apud. Rodrigues, 2003, p.27) “a não-retroatividade das leis quer dizer: respeito aos direitos adquiridos”.


Em matéria de direito civil Rodrigues (2003, p. 29) entende que “a lei retroage, porém não se permite que ela recaia sobre o ato jurídico prefeito, sobre o direito adquirido e sobre a coisa julgada”. Já no pensar do constitucionalista Silva (1998, p. 435) “não se trata especificamente da retroatividade da lei, mas somente do limite de sua aplicabilidade”.


 É cediço haver valores sedimentados na história da humanidade que não são passíveis de modificações a bel prazer, pois causariam instabilidade estrutural nas sociedades modernas, e dentre os tais certamente apresenta-se axiológicamente o direito adquirido.


Para Bastos (1994, p. 43) “a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já se tinham por consolidadas no tempo, e essa é uma das fontes principais da segurança do homem na terra”.


Antes de analisar-se qualquer conceito acerca do princípio do direito adquirido, é proveitoso ver um esboço da definição legal do princípio in análise. Assim, citam-se os textos legais do ordenamento brasileiro que se referem expressamente ao princípio do direito adquirido:


Art. 5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (Constituição Federal de 1988).


Art. 6º, § 2º – Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942).


Não é fácil definir de modo preciso o termo direito adquirido, posto ser vasto, envolvente e complexo, permeando tanto o direito objetivo quanto o subjetivo.


A verdade é que muitos juristas/doutrinadores já discorreram sobre esse tema e muitos outros ainda vão discorrer, em virtude da vastidão do conteúdo e por envolver direta ou indiretamente os anseios sociais como direitos e obrigações.


A civilista Diniz (1998, p. 139) no seu dicionário traz um conceito, no mínimo, norteador:


“Direito adquirido é o que se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem a lei, nem fato posterior podem alterar tal situação jurídica, pois há direito concreto, ou seja, subjetivo, e não direito potencial ou abstrato.”


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Faz por merecer, invocar ao estudo em tela a majestosa definição sobre direito adquirido, do dicionarista De Plácido e Silva (2000, p. 43):


“No sentido etimológico, a palavra ‘adquirido’ é derivada de acquisitus, do verbo latino acquirere (adquirir, alcançar, obter). Adquirido quer dizer obtido, já conseguido, incorporado. Por essa forma, direito adquirido quer significar o direito que já incorporou ao patrimônio da pessoa, já é de sua propriedade, já constitui um bem, que deve ser juridicamente protegido contra qualquer ataque exterior, que ouse ofendê-lo ou turbá-lo. Mas, para que se considere direito adquirido, é necessário que:”


“a) sucedido o fato jurídico, de que se originou o direito, nos termos da lei, tenha sido integrado no patrimônio de quem o adquiriu;


“b) resultando de um fato idôneo, que o tenha produzido em face de lei vigente ao tempo, em que tal fato se realizou, embora não se tenha apresentado ensejo para fazê-lo valer, antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo fato jurídico, já sucedido.”


Entende Martins (1999, p.66) que “direito adquirido é o que entrou para o patrimônio jurídico da pessoa, podendo ser exercido a qualquer momento”. Isso implica na percepção de que não é uma mera expectativa de direito, já existe embora algumas aquisições não esteja em uso, mas, no geral, são direitos que pertencem ao adquirente, sendo possível fazer uso dos mesmos a qualquer momento.


É necessário esclarecer que não se deve confundir, entre si, direito adquirido, direito consumado, expectativa de direito e simples faculdades legais, posto haver significativas e expressivas diferenças, veja-se de forma basilar, no ensino do jurista Antônio Henrique Lindemberg Baltazar (2005):


“Direito adquirido é a conseqüência de fato aquisitivo realizado por inteiro;”


“Direito consumado é aquele que já produziu todos seus efeitos concretos;”


“Expectativa de direito é a simples esperança, resultante de fato aquisitivo incompleto; e,”


“Meras faculdades legais são poderes concedidos aos indivíduos, dos quais eles não fazem nenhum uso.”  Disponível em: <http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_sub=5&page_id=1770>Acesso em: 23 set. 2008.


Apesar da definição acima ser clara e fácil, é bom enfatizar com exemplos, apenas, o caso das meras faculdades legais. Exemplificando: extinguindo-se a repartição de trabalho de um servidor público efetivo e estável, ele ficará em disponibilidade, recebendo vencimentos proporcionais, até seu adequado reaproveitamento, art. 28, § 1º c/c art.37, § 3º, ambos da Lei nº 8.112/1990. Outro exemplo é o caso do servidor estável, que, se na situação anterior não for redistribuído ou posto em disponibilidade, poderá ser mantido sob responsabilidade do órgão central do SIPEC, art. 37, § 4º, da Lei nº 8.112/1990. No entanto, é uma mera faculdade legal em caso de extinção da repartição, a disponibilidade não se trata de direito adquirido por não integrar o patrimônio do servidor e a lei – o fato idôneo – apenas, pôs essa situação como transitória.


Assim, os fatos realizados por inteiro (consumados), simples esperanças (expectativas de direito) ou meras possibilidades legais (meras faculdades legais) não se enquadram no inciso XXXVI, do artigo 5º da CF/88, e muito menos no § 2º, do artigo 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 – LICC).


Até aqui, já se percebe que o princípio do direito adquirido não possui conceituação constitucional definidora do significado de modo expresso e claro, existem referências legais a este princípio como visto acima, porém o alcance de seu conceito surge através das decisões que o Poder Judiciário lhe concede no julgamento dos casos concretos.


A doutrina fixa como limite a aplicação do princípio do direito adquirido o interesse coletivo. Não ocorrendo, destarte, direito adquirido contra o interesse coletivo.


Entende Bastos (1999, p. 215) que o direito adquirido representa a intangibilidade legal no tempo e está intimamente ligado a irretroatividade das leis, de modo a tornar-se uma barreira protetora do mesmo. Eis o posicionamento do aludido autor:


“A irretroatividade das leis tornou-se barreira protetora do direito adquirido, assegurando a permanência e a incompatibilidade entre o direito antigo e o novo direito legislativo. O direito adquirido representa a intangibilidade da lei no tempo. A irrevogabilidade da lei é técnica de proteção desse direito, assegurando a indevassabilidade da matéria regulada na lei antiga.”


Possuindo uma noção basilar acerca do direito adquirido, é possível analisar a flexibilização desse instituto. Para tanto, analisar-se-á apenas decisões do Supremo Tribunal Federal – STF.


III – A FLEXIBILIZAÇÃO IMPOSTA PELO STF AO PRINCÍPIO DO DIREITO ADQUIRIDO


A princípio percebe-se que o STF, cuja função maior é ser guardião da Constituição Nacional, decidia de modo arrojado, respeitando cabalmente o princípio em comento. Porém, com a virada dos dias, brusca e brutalmente ele flexibiliza suas próprias decisões de outrora.


Nesse norte, reforça muito bem Alexandre de Morais (2005, p. 349):


“Em relação aos aposentados e pensionistas, na vigência do texto constitucional, alterado pela EC nº 20/1998, o Supremo Tribunal Federal havia fixado a impossibilidade de incidência de contribuição previdenciária (direito adquirido) [STF – Pleno – Adin nº 2.176/RJ – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 11-5-2000. Informativo STF nº 188; STF – Pleno – Adin nº 2.196-6/RJ – medida liminar – Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 15 de maio 2000, p.2], proclamando a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos infraconstitucionais que trouxessem essa previsão [STF – Plena – Reclamação – questão de ordem – nº 1.507/RJ e Reclamação – questão de ordem – nº 1.652/RJ – Rel. Min. Néri da Silveira, decisão: 21.09.2000. Informativo STF nº 203; STF – Pleno – Adin nº 2.189-3/PR –medida liminar – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 9 jun. 2000, p.22.].”


Nesse entendimento, vê-se que o STF estava reconhecendo, expressamente, o direito adquirido dos inativos a não incidência de contribuição para a Previdência Social, porque já o fizeram quando na ativa.


No Recurso Extraordinário 262.082-RS, julgado em 10/04/2001, o relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE cita o voto-condutor do Ministro LUIZ GALLOTTI no leading case da revisão da Súmula 359, que diz in verbis:


“No citado RMS 9.813, o Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator) entendera que, se o impetrante requeresse a aposentadoria na vigência da lei anterior, teria direito adquirido; mas, quando requereu, essa lei já não vigorava e, assim, tinha apenas expectativa de direito.”


“Aí, é que, data venia, divirjo. Um direito adquirido já adquirido não se pode transmudar em expectativa de direito, só porque o titular preferiu continuar trabalhando e não requerer a aposentadoria antes de revogada a lei cuja vigência ocorrera a aquisição do direito. Expectativa de direito é algo que antecede à sua aquisição; não pode ser posterior a esta.”


“Uma coisa é a aquisição do direito; outra, diversa, é o seu uso ou exercício. Não devem as duas ser confundidas. E convém ao interesse público que não o sejam, porque, assim, quando pioradas pela lei as condições de aposentadoria se permitirá que aqueles eventualmente atingidos por ela, mas já então com os requisitos para se aposentarem de acordo com a lei anterior, em vez de o fazerem imediatamente, em massa, como costuma ocorrer, com grave ônus para os cofres públicos, continuem trabalhando, sem que o tesouro tenha que pagar, em cada caso, a dois; ao novo servidor em atividade e ao inativo.” (grifo nosso)


No Recurso Extraordinário nº 258.570-RS, julgado em 05/03/2002, o Ministro MOREIRA ALVES acorda:


EMENTA: Aposentadoria previdenciária. Direito adquirido- Súmula 359. – Esta Primeira Turma (assim, nos RREE 243.415, 266.927, 231.167 e 258.298) firmou o entendimento que assim é resumido na ementa do acórdão do primeiro desses recursos: Aposentadoria: proventos: direito adquirido aos proventos conforme à lei regente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, ainda quando só requerida após a lei menos favorável (súmula 359, revista): aplicabilidade a fortiori à aposentadoria previdenciária.”


Da mesma maneira entende o Ministro CARLOS VELLOSO, no AGRG. RE nº 270.476-RS, julgado em 11/06/2002:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PROVENTOS: DIREITO ADQUIRIDO. I.- Proventos de aposentadoria: direito aos proventos na forma da lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos de inatividade, mesmo se requerida após a lei menos favorável. Súmula 359-STF: desnecessidade do requerimento. Aplicabilidade da aposentadoria previdenciária. Precedentes do STF. II.- Agravo não provido.”


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No entanto, flexibilizando de modo a causar certo temor e certa dose de incerteza nas decisões ulteriores, envolvendo o tema em estudo, o STF mudou seu posicionamento, quando analisou a promulgação da EC nº 41/2003. Não teve, sequer, a robustez e firmeza necessárias, exigidas, como deve possuir o guardião da CF, para manter o conceito anterior de direito adquirido.


O Pleno do STF ao analisar as ADIN’s nº 3.105/DF e 3.128/DF, relator para acórdão o Ministro Cezar Peluso, entendeu que, em se tratando de tributação de ordem constitucional, não se aplica o direito adquirido nas aposentadorias já constituídas. Assim é ignorar tudo o que fora decidido anteriormente. Veja-se, in verbis:


“Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento.”


Nas ADIN’s acima mencionadas, o Pleno do STF analisou o tão polêmico e agressivo artigo 4º da EC nº 41/2003, que previu a possibilidade de incidência da contribuição previdenciária sobre inativos e pensionistas e, aparentemente desconhecendo o princípio do direito adquirido que outrora tanto defendeu, decidiu pela constitucionalidade, in verbis:


“Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.”


A Ministra Ellen Gracie, relatora do AI-AgR 406.460-PR, entendeu que a matéria – contribuição dos inativos – já é sólida no STF:


“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO SOBRE PROVENTOS E PENSÕES. LEI 12.398/98 DO ESTADO DO PARANÁ. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. 1. A Emenda Constitucional nº 20/98 estabeleceu um novo regime de previdência de caráter contributivo, definindo-se como contribuintes unicamente os “servidores titulares de cargos efetivos”. Assim, alterou-se a orientação deste Supremo Tribunal sobre a matéria, tendo o seu Plenário, no julgamento da ADIMC 2.010, rel. Min. Celso de Mello, assentado que a contribuição para o custeio da previdência social dos servidores públicos não deve incidir sobre os proventos ou pensões dos aposentados e pensionistas. 2. Importante ressaltar que essa orientação aplica-se até o advento da Emenda Constitucional nº 41/03, cujo art. 4º, caput – considerado constitucional por esta Suprema Corte no julgamento das ADIs 3105 e 3128 – permitiu a cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos e pensionistas. 3. Agravo regimental improvido.” (grifo nosso)


Deveria o STF declarar a inconstitucionalidade da EC nº 41/2003, principalmente, o artigo 4º, no que toca a incidência de contribuição previdenciária sobre inativos e pensionistas; demonstrando fragilidade, preferiu o absurdo: contrariar o próprio entendimento anterior, inventando um suposto princípio estrutural da solidariedade (que até hoje não se sabe onde o STF encontrou), para declarar a constitucionalidade.


Imagine que os inativos a partir da EC nº 41/2003, compulsoriamente, passaram a contribuir para a Previdência Social. Veja que durante a ativa, os tais já contribuíam e segundo as normas contemporâneas, quando da aposentadoria, tal contribuição seria extinta para os tais.


Entende-se que os inativos (aposentados), embora com proventos superiores ao teto trazido pela EC nº 41/2003, possuem direito adquirido a não incidência de contribuição previdenciária, vez que já atendiam aos requisitos in totum do princípio do direito adquirido. Adquiriram a aposentadoria por fato idôneo (a lei da época) e já integrava o patrimônio pessoal (proventos de aposentadoria sem contribuição previdenciária), devendo aos tais, em resguardo ao direito adquirido e segurança jurídica ser mantida a não incidência da contribuição previdenciária.


Seria o mínimo coerente com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico, bem como o próprio entendimento do STF acerca do direito adquirido e segurança jurídica, que a incidência da contribuição previdenciária vigesse apenas sobre os inativos que adquirissem tal condição após a EC nº 41/2003, e não sobre os que ao tempo da EC nº 41/2003, já o eram.


Convém, aqui, citar Alexandre de Morais (2005, p. 349):


“A EC nº 41/2003, diferente e expressamente, previu a incidência de contribuição também sobre os proventos de aposentadorias e pensões.”


“Essa nova possibilidade – incidência de contribuição previdenciária sobre inativos e pensionistas – foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pois o regime previdenciário público visa garantir condições de subsistência, independência e dignidade pessoais ao servidor idoso por meio do pagamento de proventos da aposentadoria durante a velhice e, nos termos do art. 195 da CF, deve ser custeado por toda a sociedade, de forma direta e indireta, o que se poderia denominar princípio estrutural da solidariedade.”


“E, conseqüentemente, “o regime previdenciário assumiu o caráter contributivo para efeito de custeio eqüitativo e equilibrado dos benefícios, sem prejuízo da observância dos princípios do parágrafo único do art. 194 da CF”. Assim, os elementos sistêmicos figurados no “tempo de contribuição”, no “equilíbrio financeiro e atuarial” e na “regra de contrapartida” devem ser interpretados em conjunto com os princípios supracitados, permitindo-se a citada cobrança [STF – Pleno – Adin nº 3.105/DF e Adin nº 3.128/DF – Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, Informativo STF nº 357, p.1].”


Em 30.05.2006, o Ministro Tarso Genro, falando sobre nova reforma previdenciária, concordou que o judiciário entende que a redução de salários e aposentadorias esbarra no direito adquirido e rejeita o conceito de “privilégio adquirido”, no entanto, declarou em entrevista concedida ao Jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, que direito adquirido não é norma e sim conceito jurídico-filosófico. Eis a fala do Ministro, in verbis:


“Pois é isso que precisa ficar claro. Direito adquirido não é uma norma, é um conceito jurídico-filosófico. Se formos tomar ao pé da letra essa interpretação de que as coisas são imutáveis, a escravidão não teria acabado porque os senhores de escravos tinham direito de propriedade sobre os negos de suas fazendas e seus descendentes.” Disponível em: <http://www.sintrajufe.org.br/verEntrevista.asp?ID=13>. Acesso em: 23 set. 2008.


A maneira como o Ministro Tarso Genro se referiu ao princípio do direito adquirido causa, convenha-se, certo espanto, pois o STF não o respeitou quando da análise da EC nº 41/2003, como decidirá numa nova e nefasta reforma previdenciária?


Pensa-se, então, que não se pode atropelar o direito, gerando insegurança nas decisões, respaldadas na norma legal. Tem-se que reformar o que o Estado necessita, mas pelo menos respeitando o ordenamento jurídico, bem como seus princípios informadores.


Trata-se de um princípio constitucional, art. 5º, XXXVI, CF/88, com referência expressa na norma infraconstitucional (art. 6º, § 2º, da LICC), além de ser um pilar (princípio geral) do direito dando respaldo e existência à segurança jurídica, de modo que “transcede o direito posto para fazer parte dos princípios gerais do direito” (BASTOS; MARTINS, 2001, 209).


Ademais, é um limite imposto às alterações sistemáticas advindas de novas leis, e deve ser integralmente respeitado, como forma instigadora à segurança e estabilidade jurídica, de modo a manter, ao menos, as situações idôneas consolidadas sob a égide de lei anterior.


IV – CONCLUSÃO


Com este artigo demonstra-se que o princípio do direito adquirido é constitucional, encontra-se no rol de garantias fundamentais, art. 5º e XXXVI, adquirindo status de irreformável por força do dispositivo do art. 60, § 4º, IV da CF/88.


Bem colocam os doutrinadores que o Judiciário seria o contrapeso dos poderes para evitar as ingerências e injustiças provocadas pelos gestores (do Executivo) dados ao egoísmo.


Ficou, ainda, demonstrado que o Judiciário brasileiro tem demonstrado fragilidade, principalmente no reconhecimento ao direito adquirido.


O Judiciário sofre uma carga/pressão muito forte do Executivo e Legislativo, quando tem que enfrentar lides contra o próprio Estado, faltando-lhe mais autonomia para decisões justas.


De onde se percebe haver uma tendência arrojada no STF, sobretudo nos últimos anos, em contrariar os princípios da justiça para favorecer o robusto Estado em detrimento dos fragilizados cidadãos. Pois, antes da EC 20/1998 e até a EC nº 41/2003 decidia, o STF, pelo reconhecimento contra qualquer norma que possibilitasse a contribuição de inativos, no entanto, quando o Executivo exigiu a mantença da contribuição instituída pela EC nº 41/2003, inventou o princípio estrutural da solidariedade.


Brutal e tendenciosamente, mudou o posicionamento já solidificado naquela Corte, para satisfazer o Executivo, embora toda a nação brasileira esperasse, confiantemente, que o STF fizesse valer o que ele conceituava de direito adquirido e cláusula pétrea, preferiu decidir contra societat declarando a constitucionalidade do inconstitucional.


Faz por merecer, nesse contexto, citar uma observação, muito lúcida, feita pelo Professor Zélio Furtado da Silva (2000), em que fica patente: no Brasil, direito adquirido não é o que a norma legal prescreve e muito menos o que leciona a doutrina e sim o que os julgadores do STF afirmam. Eis o posicionamento do mestre, in verbis:


“O direito adquirido, para o Supremo Tribunal, tem sido aquele que os seus julgadores dizem que é. Não há uma interpretação dogmática do que está prescrito na lei. Atenta-se contra as definições legais e em descompasso com o que preleciona a doutrina adotada na história do Direito Brasileiro.” (Silva, 2000. p. 180/181).


Na teoria tudo é fácil e muito lindo, porém a prática mostra-se muito áspera, dificultando fazer valer a letra da lei neste país, mas nem por isso deve-se desanimar. Uma nova mentalidade poderá ser implantada no Judiciário brasileiro a partir de novos juristas conscientes da missão de se fazer justiça, dando a cada um o que lhe pertence.


Acredita-se que as Faculdades de Direito terão um trabalho a mais: conscientizar, os novos juristas numa formação pro societat e na defesa ao espírito da lei. Assim muda-se essa cultura de submissão do Judiciário aos interesses estatais.


 


Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004. Vade mecum acadêmico de direito. Organização de Anne Jouce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à união, estados e municípios. Vade mecum acadêmico de direito. Organização de Anne Jouce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. 

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Vade mecum acadêmico de direito. Organização de Anne Jouce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. 

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o código de processo civil. Vade mecum acadêmico de direito. Organização de Anne Jouce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. 

BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da fazenda pública e dá outras providências. Vade mecum acadêmico de direito. Organização de Anne Jouce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Vade mecum acadêmico de direito. Organização de Anne Jouce Angher. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007. 

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Informações Sobre o Autor

Marcos Galdino de Lima

Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho – POSEAD/GAMA FILHO, Graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG,
Técnico Judiciário do TRT 13ª Região, em exercício na Vara do Trabalho de Sousa/PB


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