O direito autoral como propriedade especial

Resumo: Este artigo tem o objetivo de discutir a natureza jurídica dos direitos do autor, demonstrando que tais direitos se inserem em uma forma especial de propriedade, que não se configura totalmente nem como um direito patrimonial real, nem como um direito da personalidade, sendo, portanto, uma forma de propriedade sui generis.

Palavras-chave: Propriedade intelectual, direito do autor, natureza jurídica, propriedade de caráter especial.

Abstract: This article intends to discuss the juridical nature of the authors` rights, demonstrating that such rights insert themselves into a special type of property, which does not configure itself neither as a patrimonial right, nor as a personality right, having, as such, the character of a special property.

Keywords: Intellectual property, author`s right, juridical nature, property with a special character.

Sumário: Introdução. 1 O direito autoral como propriedade. 1.1 Natureza jurídica. 1.2 Uma propriedade de caráter especial. Considerações finais: um direito fundamental e sua função social.

Introdução

O direito do autor é uma propriedade a ser protegida?

No dizer de Elisângela Dias Menezes, o direito autoral busca “resguardar a subjetividade do vínculo do criador com sua obra, bem como possibilitar-lhe a obtenção de frutos econômicos derivados da exploração comercial da mesma” (MENEZES, 2007, p. 19).

Ademais, os direitos de autor não constituem simplesmente direitos patrimoniais do titular. São, também, direitos inerentes à personalidade, conforme a explicação do professor Carlos Alberto Bittar sobre a ligação moral entre autor e obra:

“Os bens jurídicos tutelados nesse âmbito são, pois, de natureza incorpórea, ou imaterial, ou intelectual, destinando-se a proteção jurídica a preservar a integridade da obra resultante e os liames que da sua relação com o autor advêm, na defesa da personalidade do titular. A ratio legis é, assim, em última análise, a do resguardo à personalidade do homem-criador de obras estéticas.” (BITTAR, 2008, p. 17)

A proteção aos direitos de autor encontra também fundamento à luz do Direito Natural, conforme suscita Eduardo Lycurgo Leite (2004) ao ensinar que, segundo as ideias de John Locke, as pessoas detêm um direito natural de propriedade, inclusive sobre suas criações do espírito, e apontar que outro célebre filósofo, Rudolph Von Ihering, considera o direito autoral como um direito natural por ser expressão direta do espírito pessoal do autor.

Com base nessa perspectiva jusnaturalista, Lycurgo Leite afirma:

“A obra deve pertencer a quem a cria. Se alguém criou uma obra, a esta pessoa deveria ser dado o controle sobre sua criação, assim como assegurado o direito de ela se beneficiar, isto é, em síntese, o poder de usar, fruir e explorar o objeto de sua criação.” (LEITE, 2004, p. 171)

Outra forma de justificativa da proteção jurídica ao direito autoral tem caráter utilitário, a começar pelo interesse individual do autor para a retribuição econômica de sua obra (BITTAR, 2008), até o interesse público em estimular a produção autoral objetivando a disseminação da informação o engrandecimento do patrimônio cultural da humanidade (LEITE, 2004).

Elisângela Dias Menezes, após analisar os fundamentos jurídicos dos direitos autorais, conclui que o Direito de Autor assume o importante papel jurídico de proteger o belo e o sensível, afirmando também que:

“Cada vez mais essa espécie de produção intelectual será merecedora de proteção específica, na medida em que cada dia mais puder satisfazer aos anseios profundos de saciação do prazer estético dos sentidos, mediante a linguagem que fala diretamente à alma do ser humano. O Direito lá estará para regular os impasses decorrentes da utilização desse tipo de criação, a fim de garantir o conforto e a segurança de que necessitam os autores para continuar criando.” (MENEZES, 2007, p. 21)

José de Oliveira Ascensão expressa a importância da proteção dos criadores de obras artísticas, científicas e literárias pelos institutos do Direito, nos seguintes termos:

“O homem, à semelhança de Deus, cria. A criação literária a artística recebe a tutela do Direito de Autor.

Porque corresponde a uma atividade particularmente nobre, a tutela conferida pelo Direito de Autor é a mais extensa e mais apetecida de todas as tutelas, dentro dos direitos intelectuais.” (ASCENSÃO, 1997, p. 3)

Nesse contexto, o presente trabalho pretende discutir a natureza jurídica do direito de autor, demonstrando por que necessita, para possibilitar a realização de sua efetiva proteção, ser classificado como uma forma especial de propriedade.

1 O direito autoral como propriedade

1.1 Natureza jurídica

Conforme expusemos em outro trabalho (FONSECA, 2011), o direito de autor teve reconhecimento histórico como um direito de propriedade, reconhecendo-se o direito moral dos autores somente no século XVIII.

No entanto, trata-se de um instituto de classificação extremamente intrincada no mundo do Direito, e cuja natureza jurídica ainda é tema de divergentes posicionamentos doutrinários, que o consideram ora como direito de personalidade, ora como direito patrimonial de caráter real, ora como um direito sui generis e autônomo, não sendo totalmente equiparável à propriedade.

Segundo Elizângela Dias Menezes, a exemplo dessa última corrente, o direito de autor é “um intersistema completo […] de modo a configurar-se em verdadeira área autônoma do conhecimento” (MENEZES, 2007, p. 28), e, nas palavras de Carlos Alberto Bittar, “há muito vem a doutrina defendendo o Direito de Autor como um Direito sui generis, integrado por componentes morais e patrimoniais, como um conjunto incindível” (BITTAR, 2008, p. 17).

Nessa lógica, tratando-se o direito de autor como direito autônomo, o que é internacionalmente aceito pela doutrina (HAMMES, 2002), defende-se que ele se insere na modalidade própria denominada direito de propriedade intelectual, em razão de ser caracterizado pela imaterialidade e ter origem na atividade criativa do titular. Consiste, portanto, em um direito decorrente da criação de produto intelectual do trabalho do autor: a obra artística ou literária.

José de Oliveira Ascensão observa que, nos países de língua alemã, o direito de autor se insere em uma posição intermediária entre a concepção como direito de personalidade e como direito de propriedade, sendo denominado, justamente, geistiges Eigentum, ou seja, propriedade do espírito ou propriedade intelectual (ASCENSÃO, 1997).

A denominação propriedade fundamenta-se, primeiramente, em ser a criação do espírito considerada como um bem. Por conseguinte, sendo um bem derivado do trabalho intelectual do autor ou inventor, a ele pertence, com base na concepção moral, culturalmente aceita, de que uma pessoa tem o direito de colher os frutos de seu trabalho. Ademais, o termo aplica-se devido ao potencial de exploração econômica da obra.

Seguindo também essa visão, Eduardo Lycurgo Leite pontua:

“A propriedade intelectual, ou o direito a esta, é considerada, por muitos autores, como o direito de propriedade, o qual sobrecai sobre as mais intangíveis e variadas formas de criação da mente humana, fruto do esforço intelectual desta, podendo ou não ter valor. […]

Em que pese a propriedade intelectual versar sobre a propriedade intangível pode ser ela extremamente valiosa, tornando-se objeto do desejo de muitos.” (LEITE, 2004, p. 21)

Marisela Gonzalez Lopez (1993) indica a origem histórica e ideológica do termo “propriedade intelectual”, considerando que essa expressão reflete a postura dos jusnaturalistas do século XVII, ao proclamar o direito de autor como uma das propriedades mais legítimas e naturalistas.

Mesmo no ramo da civilística, porém, doutrinadores consideram uma tarefa espinhosa a de localizar o direito de autor entre os direitos de propriedade. César Fiúza, observando que a Lei de Direitos Autorais confere à matéria, em muitos momentos, o mesmo tratamento que aos direitos de propriedade, questiona a natureza jurídica dos direitos de autor sob a perspectiva das diversas opiniões doutrinárias, e acaba chegando à seguinte conclusão:

Se não são direitos reais, se não são direitos de crédito, nem direitos de personalidade, que seriam os direitos de autor? Qual sua natureza?

A verdade é que é impossível enquadrar os direitos morais do autor nas categorias tradicionais do Direito Civil. E isto porque constituem eles categoria nova, autônoma, com características de direitos reais, de crédito e de personalidade. São direitos de natureza sui generis.” (FIÚZA, 2008, p. 810-811)

No Direito positivo brasileiro, a Lei de Direitos Autorais, Lei n° 9.610/98, em seu artigo 7° define as obras intelectuais como “criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.

Dessa definição, depreende-se claramente a qualidade imaterial da criação intelectual, sendo irrelevante, para fins de proteção legal, o seu meio de exteriorização.

1.2 Uma propriedade de caráter especial

Ao se proteger uma obra literária, por exemplo, o receptor da proteção jurídica não é o objeto livro em sua forma impressa ou digital, mas a criação autoral nele veiculada e reproduzida. Ora, a compra de um exemplar não dá ao comprador o direito de reproduzi-lo em cópias e vendê-las. Embora esse comprador exerça os plenos direitos de propriedade sobre aquele exemplar específico que adquiriu, podendo assim usá-lo e dele dispor, emprestá-lo, alugá-lo ou vendê-lo, ainda assim não possui direitos sobre a obra.

A da Lei 9.610/98, em seu artigo 3°, determina: “Art. 3 Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis”, com o objetivo de justamente garantir ao titular o usufruto não apenas de seus direitos morais, mas também dos atributos inerentes ao direito de propriedade, como uso e fruição (MENEZES, 2007). Em outras palavras, essa ficção jurídica busca proteger o direito de autor como se protege uma propriedade, tratando-o como tal, embora ele não o seja em todos os seus aspectos.

Clóvis Beviláqua, idealizador do Código Civil de 1916, defendeu a inclusão do direito de autor no capítulo sobre a propriedade, na condição de uma propriedade de caráter especial, com vistas a garantir o aspecto patrimonial da relação jurídica autoral, porque, a seu ver, era a relação que “mais diretamente caía sob as vistas do vulgo, aquela que mais vezes solicitava em seu apoio a ação da Justiça” (MENEZES, 2007, p. 8).

Por outro lado, não obstante a previsão legal do direito de autor como um bem móvel, e sua tradicional inclusão entre os direitos de propriedade, não se pode afirmar que ele seja inteiramente ajustável ao direito das coisas. Nesse sentido é a crítica de Bruno Hammes:

“Sua inclusão no direito das coisas é compreensível, mas induziu muitos a compreendê-lo mal. Desnaturou-o de certa forma. O aspecto imaterial (moral, pessoal…) ficou sendo esquecido, ou, ao menos, posto em segundo plano.” (HAMMES, 2002, p. 17-18)

Argumento semelhante é utilizado por Marisela Gonzalez Lopez ao criticar a própria denominação legal “propriedade intelectual”, adotada também na lei espanhola, conforme se lê:

“Desde nuestro punto de vista, la opción acogida por el legislador español al continuar empleando dicha expresión es criticable, pues con la misma parece prejuzgar la naturaleza de la institución como un autentico derecho de propiedad, que evoca sólo su faceta económica o patrimonial, lo que resulta incompatible con la novedosa regulación en la ley del derecho moral del autor, cuyo contenido aporta una idea bastante expresiva del desbordamiento de la propiedad como marco de referencia.” (LOPEZ, 1993, p. 34-35)

É justo ressaltar que o próprio Beviláqua não deixou de atentar para esse aspecto, afirmando que “colocar o direito autoral no capítulo da propriedade não é desconhecer o lado íntimo do direito desde que não se queira significar que, garantindo o lado patrimonial desta relação jurídica, tudo está feito” (BEVILÁQUA, 1908 apud  HAMMES, p. 47-48).

Também considerando a propriedade intelectual como uma propriedade especial, e observando a natureza mista do direito de autor, o civilista Carlos Rogel Vide observa:

“Pues bien, esta multiplicidad de facultades insertas en la propiedad intelectual, la presencia –en la misma– de derechos extrapatrimoniales, su carácter temporal, en fin […], hacen que estemos en presencia de una propiedad, sí, en cuanto que el derecho de autor está concebido como derecho subjetivo que permite al titular gozar y disponer de su obra, mas en presencia, también, de una propiedad especial.” (VIDE, 1998, p. 15. Itálicos no original)

A lei brasileira não ignora a natureza mista do direito de autor. Nos termos do artigo 22 da Lei n° 9.612/98, “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”.

Vê-se, então, que o Direito positivo brasileiro estabelece a qualidade plural do direito de autor ao reconhecer direitos de naturezas diversas, e pelo próprio uso da nomenclatura direitos autorais, no plural. Como aponta Hammes (2002), em alguns países europeus o direito de autor é tratado pela lei e pela doutrina como um só direito, do qual decorrem diversas prerrogativas, e se emprega a nomenclatura no singular, por exemplo, na Alemanha (Urheberrecht), na Itália (diritto d’autore) e na França (droit d’auteur).

Porém, mesmo os sistemas jurídicos que concebem o direito de autor como singular não deixam de contemplar a sua composição dúbia, parte patrimonial, parte moral. O professor Claude Colombet, em seu tratado sobre os princípios do direito de autor preparado para o Secretariado da Unesco, afirma: “Le droit d’auteur est ainsi reconnu comme bi-frontal, droit de la personnalité et droit pécuniaire” (COLOMBET, 1990, p. 37).

A respeito dos direitos patrimoniais do autor, a Lei n° 9.612/98 dispõe em seu artigo 28: “Cabe ao autor o direito de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”.

Trata-se de um dos dispositivos que mais explicitamente aproximam o direito de autor e o direito de propriedade. É evidente o seu paralelo com o artigo n° 1.228 do Código Civil brasileiro, que assim dispõe sobre o direito de propriedade: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Nesse sentido, Bruno Hammes faz a pertinente observação: “De maneira genérica, a obra pertence ao autor. É dele. Consequentemente, tem todos os direitos decorrentes de um direito de propriedade” (HAMMES, 2002, p. 81).

No entanto, devido a sua natureza sui generis, o direito de autor não é totalmente equiparável ao direito de propriedade. E considerando suas particularidades, nem poderia ser, conforme se observará.

A forma de aquisição originária da propriedade intelectual é bastante distinta da aquisição da propriedade material. Por aquisição da propriedade, entende-se a incorporação dos direitos de dono à esfera de um titular (FIÚZA, 2008).

Há diversas formas de aquisição da propriedade móvel, tais como a tradição, no momento em o adquirente recebe o bem; a usucapião, pela posse inconteste e de boa-fé durante o período previsto em lei; a especificação, pela obtenção de espécie nova de bem ao trabalhar a matéria-prima, etc.

O direito autoral, por outro lado, só tem uma forma de aquisição originária: a criação da obra. As formas tradicionais de aquisição de bem móvel não são aplicáveis à propriedade intelectual.

Como já referido, a tradição do bem físico não transfere direitos de autor. Tampouco a aquisição do original de uma obra surte esse efeito jurídico, salvo convenção em contrário, de acordo com o artigo 37 da Lei de Direitos Autorais.

Em verdade, o direito autoral em sua plenitude é intransferível. Apenas é possível que o autor venha a outorgar a um cessionário os direitos patrimoniais, cedendo-lhe determinadas prerrogativas de exploração econômica da obra, como a reprodução, a edição, a distribuição, etc, com participação nos lucros provenientes. Porém, ao contrário da transferência plena de direitos que ocorre com a tradição da propriedade material, o direito de autor jamais sai completamente da esfera jurídica do titular originário.

Muito menos se pode conceber a aquisição da propriedade intelectual por usucapião, haja vista que os direitos de autor, no caso, são inexpropriáveis e perpétuos. Isso se explica porque os direitos de autor são originados de um vínculo intrínseco e personalíssimo do produto autoral com seu artífice, razão pela qual pertencem exclusivamente ao autor ad aeternum. Na palavra de Bittar:

“Os direitos morais são reconhecidos em função do esforço e do resultado criativo, a saber, da operação psicológica, com a qual se materializa, a partir do nascimento da obra, a verdadeira externação da personalidade do autor.” (BITTAR, 2008, p. 46)

Mesmo ao ceder os direitos patrimoniais, o titular originário não os perde, pois são inalienáveis. Encerrado o contrato, retornam plenamente ao autor. Pertencem a ele durante a vida inteira – e perduram até mesmo por 70 anos após seu falecimento (artigo 41 da LDA), no intuito de proteger o interesse patrimonial de seus herdeiros, os quais, ainda que possam fruir de determinadas prerrogativas do direito do autor, não se tornam, eles próprios, autores.

O vínculo moral, por sua vez, é de fato imprescritível. Nas palavras de González Lopez: “El derecho moral es también imprescriptible, como consecuencia del carácter inalienable del mismo” (LOPEZ, 1993, p. 141).

Como exemplo dessa perenidade, ainda hoje o dramaturgo grego Ésquilo (525 a. C. – 456 a. C.) conserva a indicação da autoria sobre Prometeu Acorrentado, devendo qualquer remontagem ou adaptação da famosa tragédia apontar seu nome como autor, embora já se tenham passado mais de 2500 anos desde sua morte e a obra pertença ao domínio público. Ainda que nem o dramaturgo nem herdeiros tenham a possibilidade de reclamar o direito de paternidade nesse caso, qualquer pessoa pode insurgir-se contra a omissão proposital da autoria, pois é matéria de interesse geral saber quem é o autor da obra (LOPEZ, 1993).

Considerações finais: um direito fundamental e sua função social

À luz de todo o exposto, pode-se concluir que, embora o direito de autor seja tratado pela doutrina e pela legislação como uma matéria de direito privado, o seu alcance, a sua proteção e a sua disciplina são um assunto de implicação social muito mais ampla. Afinal de contas, os autores são parte de uma sociedade, e nela influem.

Lycurgo Leite afirma que “a proteção à propriedade intelectual objetiva nutrir a criatividade humana sem, contudo, restringir indevidamente a disseminação de seus frutos, sendo dotada de notório interesse social” (LEITE, 2004, p. 25).

Ademais, trata-se de um direito com previsão constitucional.

Quando se reconhece que o direito de autor é, ou para todos os fins de proteção jurídica se equipara ao direito de propriedade, consequentemente ele se inclui sob a incidência do artigo 5, caput e XXII, da Constituição Federal, onde se dispõe a propriedade como um direito fundamental:

Art. 5.° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes […]

XXII – é garantido o direto de propriedade”. Grifou-se.

Sua previsão específica está no inciso XXVII do mesmo artigo: “XXVII – Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.

Dessa forma, a propriedade intelectual também está sujeita ao ditame do inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”.

É inegável a importância cultural e econômica da propriedade intelectual para o progresso do país. Bruno Hammes afirma que “o progresso econômico está na dependência da cultura. O direito de autor é fonte de riquezas econômicas” (HAMMES, 2002, p. 36).

Para sustentar essa afirmação, Hammes (2002) indica dados colhidos na década de 80 na Alemanha, segundo os quais a participação do rendimento bruto produzido por obras protegidas equivale de 2,9% a 3,6% do PIB alemão, percentual superior ao produzido pela indústria de alimentação e bebidas (2,8%) e próximo ao da indústria de energia, água e minas (3,6%).

Outros dados apontados pelo mesmo autor levam a concluir que a importância econômica da propriedade autoral tende a crescer conforme a tecnologia facilita a difusão das obras: a participação das obras protegidas no rendimento bruto dos Estados Unidos da América era, em 1954, de 2,0%. Em 1977 equivalia a 2,8%, e dentro de pouco tempo, no ano de 1982, elevou-se para 4,6%.

Na Suécia, segundo indica Ascensão (1997), a contribuição do sistema autoral no PIB tem um percentual ainda maior, de 6,6 em 1978.

Eduardo Lycurgo Leite refere-se a estimativa feita em 1996 pela Associação Brasileira de Software – ABES, segundo a qual a quantidade de programas de computador contrafeitos no mercado acarretaria para o PIB uma perda de oitocentos milhões de reais por ano.

Tais dados exemplificam o interesse social na proteção da propriedade intelectual. No entanto, assim como a propriedade strictu senso, a propriedade intelectual não pode ser absoluta, e sua proteção encontra determinadas limitações previstas em lei, especialmente quando entra em conflito com outro direito fundamental: o direito à informação.

Assim como é interesse do autor ser compensado pelo seu esforço, é interesse da sociedade que as obras circulem e possam ser utilizadas para a divulgação das idéias e a expansão da cultura.

Por esse motivo, a Lei 9.610/98 prevê, em seus artigos 46, 47 e 48, as hipóteses de restrição à propriedade autoral permitindo a utilização e a reprodução da obra independentemente de autorização do autor, por exemplo, a reprodução de pequenos trechos para uso privado e sem intuito de lucro (art. 46, II); para fins de estudo, crítica ou polêmica (art. 46, III); e mesmo para produzir prova judiciária ou administrativa (art. 46, VII).
 

 

Referências
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
COLOMBET, Claude. Grands principes du droit d’auteur et des droits voisins dans le monde. Paris: Litec, 1990.
FIÚZA, César. Direito civil: curso completo. 12 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
FONSECA, Yuri Ikeda. O reconhecimento histórico dos direitos do autor e sua proteção internacional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10579>. Acesso em maio 2012.
HAMMES, Bruno Jorge. O direito de propriedade intelectual. 3° ed. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2002.
LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito de Autor. Brasília: Brasília Jurídica, 2004.
LOPEZ, Marisela Gonzalez. El derecho moral de autor en la ley española de propiedad intelectual.  Madrid: Marcial Pons, 1993.
MENEZES, Elisângela Dias. Curso de Direito Autoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
VIDE, Carlos Rogel. Nuevos estudios sobre propiedad intelectual. Barcelona: Jose Maria Bosch Editor, 1998.


Informações Sobre o Autor

Yuri Ikeda Fonseca

Graduado pela Universidade Federal do Pará – UFPA


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