O Direito do Trabalho na administração pública

1. Considerações Preliminares

Como toda pessoa jurídica, o Estado se faz presente através das pessoas físicas que atuam em seu nome. E por exercerem atividades pertinentes à Administração Pública, tais pessoas são denominados agentes públicos. Agentes públicos, portanto, são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal.

Neste sentido, a definição legal que fornece a Lei n. 8.429/92, em seu artigo 2º e o Código Penal, em seu artigo 327:

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“Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

“Art. 327 Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”

O universo dos agentes públicos é muito amplo e variado, abrangendo os agentes políticos, administrativos, honoríficos, delegados, etc. Dentre as classes citadas, interessam-nos aqui apenas os agentes administrativos, isto é, os que ingressam na Administração Pública, direta ou indireta, para prestar serviços de forma subordinada e mediante remuneração. Os agentes administrativos formam a categoria dos servidores públicos, a qual abrange os funcionários públicos (regidos por regras estatutárias), os empregados públicos (sujeitos à legislação trabalhista) e os servidores temporários (enquadrados em regime jurídico especial).

O regime jurídico mais adequado para disciplinar as relações entre os servidores públicos e a Administração, sem dúvida é o estatutário. A situação estatutária define-se pela existência de regras gerais, impessoais e abstratas que se aplicam a situações jurídicas objetivas, evitando, assim, situações díspares, baseadas em preferências pessoais ou restrições discriminatórias. Com isso, impõe-se a prevalência legal, de caráter público, em detrimento dos interesses pessoais deste ou daquele administrador.

Historicamente, no entanto, as limitações impostas pelo regime estatutário não agradaram aos gestores públicos, especialmente o Poder Executivo, acostumado a seguir apenas as suas conveniências. A exigência de concurso, a necessidade de auscultar o Legislativo para a criação de novos cargos e a fixação dos estipêndios, os limites ao poder de despedir, tudo conspirava contra a liberdade quase absoluta desfrutada anteriormente.

Para contornar tais restrições, a par do regime estatutário, de caráter regular e prevalente, foram sendo admitidos servidores sob modalidades de vínculos diversos, dentre os quais se destacam os chamados extranumerários, que chegaram a ser mais numerosos que os servidores regulares. Entre as modalidades de contratações, no entanto, não era adotado o regime trabalhista. Somente a partir de 1946 é que começaram a surgir textos legais esparsos, reconhecendo a situação de empregado celetista a servidores não estatutários. E a partir do Decreto-lei n. 200/67, o que era apenas exceção, passou a ser a regra, assumindo, no âmbito federal, a primazia na formação do vínculo funcional.

As normas da Consolidação das Leis do Trabalho, no entanto, não são adequadas para reger as relações de trabalho dos servidores públicos. Com efeito, a filosofia que informa o Direito do Trabalho é a proteção do empregado, por sua condição de hipossuficiência. Por outro lado, em conseqüência do confronto histórico entre o capital e o trabalho, o Direito do Trabalho confere aos próprios atores da relação trabalhista ou às entidades que os representam poderes para solucionar os conflitos, autorizando, inclusive aos trabalhadores a paralisação das atividades, a fim de secundarem suas reivindicações. Em suma, o Direito do Trabalho visa à proteção dos trabalhadores, em detrimento dos proprietários dos meios de produção, por entender que estes são suficientemente fortes para defender seus interesses, sem que necessitem de proteção especial do Estado.

Diversamente é o que se passa na relação entre os servidores e o Estado, cujo vínculo deve primar pelo intuito de colaboração, jamais de confronto. Confere-se, assim, proeminência à posição da Administração Pública, por ser tida esta como a personificação dos interesses gerais da sociedade. Em conseqüência, quando ingressa no âmbito da Administração Pública, o Direito do Trabalho praticamente se desfigura, uma vez que passa a considerar como prevalente os interesses do empregador. E as particularidades perpassam quase que todos os seus institutos.

A despeito disso, a Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.1998, retirou da Carta Magna a exigência de regime único, antes estabelecido para as entidades de direito público, abrindo, uma vez mais, espaço para a contratação de servidores celetistas. Diante disso, o só fato de estar vinculado a uma daquelas entidades não significa, automaticamente, que esteja sujeito a regime estatutário, devendo a situação ser analisada caso a caso. E na ausência de prova de que a nomeação deu-se em cargo público de provimento efetivo, sob regime estatutário, entende-se que a admissão deu-se nos moldes trabalhistas. A admissão de empregados pela Administração federal direta, autárquica e fundacional, está regulada pela Lei n. 9.962, de 22.02.2000.

Em relação aos contratos por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, CF e art. 92, X, da CEst), o regime pode ser estatutário ou celetista, conforme o definir a lei que regular tal forma de contratação. Através da Lei n. 13.664, de 27.07.2000, o Estado de Goiás adotou um regime próprio, com aplicação subsidiária das disposições estatutárias no que respeita a diárias, ajuda de custo e 13º salário (art. 10, III).

Há que se observar que na Administração direta, autarquias e fundações públicas, idealmente, o regime de emprego público só deve ser utilizado para atividades subalternas. Neste sentido os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello “é admissível a contratação de empregados para prestação de serviços materiais subalternos pela Administração direta, fundações e autarquias sob o regime celetista”.

Resumo do Tópico 1:

Os servidores públicos subdividem-se em categorias de acordo com a natureza de seus vínculos com o Estado:

· Servidor Estatutário: submete-se a regime estabelecido em lei por cada uma das unidades da federação e modificável unilateralmente, desde que respeitados os direitos já adquiridos pelo servidor. Quando nomeados, ingressam numa situação jurídica pré-definida, a qual se submetem com o ato da posse. Seu posto de trabalho denomina-se cargo público.

· Empregado Público: é contratado sob regime celetista, com as alterações decorrentes da Constituição Federal. Aqui não podem Estados e Municípios disciplinar o vínculo, posto que lhes falece competência para legislar sobre Direito do Trabalho (art. 22, I, CF). ficam, portanto, submetidos à legislação federal, que proíbe alterações unilaterais do contrato de trabalho. No âmbito da União, gozam de certa estabilidade, porquanto pela Lei n. 9.962/00 não há dispensa sem justa causa. Destaque-se que tal lei não pode ser aplicada a cargos públicos em comissão. Seu posto de trabalho denomina-se emprego público.

· Servidores Temporários: contratados para exercer funções temporárias, mediante regime jurídico especial a ser definido em lei de cada unidade da federação. Baseia-se no permissivo constitucional do artigo 37, IX, que traz que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Seu posto de trabalho denomina-se função pública.

2. Vínculo empregatício

Desde a contratação, a relação do Estado com seus empregados apresentam particularidades que o afastam da situação vivida no âmbito privado em geral. Nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição Federal, a contratação de servidores púbicos em geral, exceto para os cargos de confiança, deve ser precedida de concurso público, sob pena de nulidade (CF, art. 37, § 2º).

Não é difícil evidenciar o caráter benéfico de tal exigência, uma vez que confere um caráter impessoal e democrático ao ingresso no serviço público,  impedindo que se faça uso político da gestão de pessoal. Todavia, em sua aplicação prática, tem sido usada de forma distorcida, carreando as conseqüências única e exclusivamente para os ombros dos trabalhadores.

Com efeito, reconhecida a nulidade, firmou-se o entendimento jurisprudencial de que o empregado não faz jus a direito trabalhista algum, sendo-lhe deferido apenas, a título de indenização, o pagamento pelo labor prestado, com base no valor salarial pactuado, desde que não inferior ao mínimo legal. Parte dessa injustiça foi corrigida pelo legislador, conferindo ao trabalhador, em tais circunstâncias, o direito ao FGTS (Lei n. 8.036/90, art. 19-A).

A nova redação do Enunciado 363 do TST assim dispõe:

“Enunciado n. 363 – Contrato Nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.”

A solução adotada no Enunciado 363 do TST, no entanto, está longe de ser ideal. Em primeiro lugar, desconsidera que quem deve promover o concurso público é a Administração, não o trabalhador. Afora isso, não atenta para a natureza dos valores devidos ao trabalhador, no caso. Com efeito, nos termos do art. 182 do Código Civil, anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo isso possível, serão indenizadas com o equivalente. O fundamento pelo qual deve o empregador pagar o equivalente aos serviços prestados é o fato de ser impossível a devolução da força de trabalho despendida pelo obreiro. E, no caso, é irrelevante se alguma das partes ou ambas estava de má-fé. O que se busca evitar é o enriquecimento ilícito. Assim, se a Administração contrata empregados para prestar-lhe serviços, mas por não promover concurso livra-se da obrigação de pagamento da maior parte das verbas trabalhistas, estará havendo enriquecimento sem causa. Por fim, não se pode dizer que à prestação de trabalho subordinado correspondam apenas os salários em sentido estrito, uma vez que a equivalência entre as prestações das partes, no contrato laboral, estabelece-se pelo conjunto das obrigações assumidas por cada uma delas. Assim, não se poderia tratar os adicionais, por exemplo, como prêmio, senão como salário em sentido estrito, uma vez que visam a retribuir o trabalho prestado em condições mais gravosas.

Em suma, sendo a responsabilidade maior pela ausência de concurso público da própria Administração, a quem cabia promovê-lo, não poderia beneficiar-se por sua omissão. Além disso, estaria transferindo para os ombros do trabalhador os encargos resultantes da prestação de um serviço público, com benefício a toda a sociedade, em detrimento de quem empregou sua energia pessoal em prol da coletividade.

De registrar, ademais, que punir o trabalhador não constitui um modo adequado de coibir tais condutas, uma vez que quem está desempregado aceita qualquer coisa. A forma mais eficiente de coibir tais modalidades de condutas é punir o administrador que deixa de realizar o concurso, uma vez que este sim é o verdadeiro responsável pela situação. Do contrário, seria quase o mesmo que negar os direitos trabalhistas ao empregado porque o empregador deixou de anotar sua CTPS.

Pior que isso, porém, é o que fez o TST, ao pretender aplicar a solução prevista no En. 363 inclusive aos casos em que o trabalhador submeteu-se a concurso, mas esse veio a ser anulado, por fato estranho ao trabalhador. Ora, por qual razão teria o trabalhador que arcar com as conseqüências de uma anulação à qual não deu causa? Se nos casos em que não houve concurso não há razão para transferir os ônus para o trabalhador, muito menos haverá nas hipóteses em que este passou por um concurso, que veio, posteriormente a ser anulado. Se no primeiro caso, ainda alguém poderia suscitar a questão da boa-fé, apesar de, conforme acima exposto, de todo irrelevante, no particular, no último caso, nem esse argumento poderia ser invocado em favor da posição adotada pela superior corte trabalhista.

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E tal situação apenas expõe a fragilidade do entendimento sumulado, a despeito de aparentemente ter produzido resultados práticos satisfatórios. Todavia, se isso ocorreu foi mais pela fiscalização ativa dos sindicatos e do Ministério Público do que pelo sacrifício dos direitos dos trabalhadores.

Convém ressaltar que a exigência de prévio concurso público também é extensível aos empregados contratados pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, os quais, segundo alguns autores, não seriam propriamente “servidores públicos”. Tal entendimento foi firmado pelo STF, em sua composição plenária, em 03.12.1992 (MS 21.322-1, Rel. Min. Paulo Brossard. DJU 23.04.93).

Assim, conforme ensina Amauri Mascaro Nascimento[1], as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção e comercialização de bens ou de prestação de serviços estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias (art. 173, § 1º, II, CF). Portanto, a natureza do vínculo jurídico entre os que trabalham e as instituições para as quais trabalham é de natureza privada. Assim, aos empregos é aplicável a mesma legislação do trabalhador do setor privado e formalizado por contrato individual de trabalho, mas a admissão nos serviços depende de concurso público (art. 37, II, CF).

Além do requisito do concurso, nos termos da Lei n. 9.504/97, a contratação não poderá ocorrer nos três meses que o antecedem os pleitos eleitorais até a posse dos eleitos sob pena de nulidade de pleno direito. E tal restrição também se aplica aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista (TST/SDI-I, OJ n. 51).

“OJ n. 51, SDI – 1. Legislação eleitoral. Aplicável a pessoal celetista de empresas públicas e sociedades de economia mista.”

3. Contratos plúrimes

Por razões de moralidade e eficiência do serviço público, veda a norma constitucional que uma mesma pessoa acumule diversos cargos, empregos ou funções remuneradas no âmbito da Administração Pública, salvo se houver compatibilidade de horários e apenas nas hipóteses expressamente previstas: a) dois cargos de professor; b) um cargo de professor com outro, técnico ou científico; c) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas (CF, art. 37, XVI).

Assim, as aludidas exceções visam melhor aproveitar a capacidade técnica e científica de determinados profissionais, desde que haja compatibilidade de horários e observado em qualquer caso o teto vencimental explicitado no art. 37, XI, da CF.

A não ser nos casos acima referidos, a proibição à acumulação de cargos, empregos ou funções se estende a todos os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas, direta ou indiretamente pelo poder público (CF, art. 37, XVII). Cumpre esclarecer que tal proibição alcança ainda subsidiárias e sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público. Assim, estão abrangidos pela vedação constitucional referida inclusive os casos em que os diversos vínculos se estabelecem com entidades de diferentes esferas administrativas, de direito público ou privado (federal, estadual, distrital ou municipal).

A acumulação não é apenas vedada enquanto o servidor estiver na ativa, estendendo-se mesmo para o caso de aposentadoria ou reserva, exceto para ocupação de cargos eletivos e em comissão (CF, art. 37, § 10).

Em princípio, porém, não há impedimento a que o empregado público assuma outro emprego privado, fora das hipóteses em que é autorizada a acumulação de cargos, empregos ou funções públicas, desde que tenha disponibilidade de tempo para atender a cada um deles. No caso, só haverá restrição se resultante da natureza do vínculo mantido com a Administração Pública, que exige do trabalhador dedicação integral.

4. Remuneração

Mesmo nos casos em que é autorizada a acumulação de cargos, empregos ou funções públicas, a remuneração total percebida pelo trabalhador, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderá ser superior ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 37, XI).

O teto remuneratório, no entanto, em princípio, aplica-se apenas no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, só se estendendo às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, caso estas recebam recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (CF, art. 37, § 9º).

Em relação aos empregados da administração pública direta e suas autarquias, por outro lado, os salários só podem ser fixados mediante lei aprovada pelo legislativo da respectiva entidade federativa.

4.1 Proibição de Equiparação de Vencimentos

Ainda no que se refere à remuneração, no âmbito das entidades estatais de direito público, por força do disposto no art. 37, XIII, da Constituição Federal, é vedada também toda forma de vinculação ou equiparação remuneratória. Interpretando tal dispositivo, vem entendendo o TST que não se aplica no âmbito da administração direta, das autarquias e fundações públicas o disposto no art. 461 da CLT (TST/SDI-I, OJ n. 297).

“OJ n. 297, SDI – 1. Equiparação salarial. Servidor público da administração direta, autárquica e fundacional. Art. 37, XIII, da CF/1988. O art. 37, inciso XIII, da CF/1988, veda a equiparação de qualquer natureza para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público, sendo juridicamente impossível a aplicação da norma infraconstitucional prevista no art. 461 da CLT quando se pleiteia equiparação salarial entre servidores públicos, independentemente de terem sido contratados pela CLT.”

Tal interpretação, no entanto, parece-nos equivocada, uma vez que a equiparação a que se refere o art. 37, XIII, da Constituição Federal não é a de que trata o art. 461 da CLT. Com efeito, na Carta Magna,“equiparação é a comparação de cargos de denominação e atribuições diversas, considerando-os iguais para fins de se lhe conferirem os mesmos vencimentos; é igualação jurídico formal de cargos ontologicamente desiguais, para efeito de lhes darem vencimentos idênticos” (José Afonso da Silva). Já o comando que decorre do art. 461 da CLT é o de que os trabalhadores que exercem iguais funções, preenchidos os demais requisitos, devem receber a mesma remuneração. Apesar de ser a expressão que caiu no gosto da doutrina, não é propriamente de equiparação que trata o art. 461 da CLT, mas a isonomia, isto é, igualdade de remuneração pelo desempenho das mesmas funções. Se o art. 37, XIII, da CF impedisse a aplicação do art. 461 da CLT, também não se haveria de reconhecer ao trabalhador que se ativou em desvio de função o direito de obter diferenças salariais.

Com efeito, se é cabível o pleito de diferenças salariais por desvio de função, também há que se reconhecer igual direito por equiparação salarial, por se tratar de institutos com idêntica finalidade: conferir igual remuneração a trabalho de igual valor. Ora, se a jurisprudência reconhece o direito a diferenças salariais ao trabalhador que, em situação irregular e precária, desempenhava funções diversas das correspondentes ao seu cargo, não poderia negá-lo a quem exerce o cargo para o qual foi regularmente admitido, mas sofre discriminação salarial.

5. Jornada

Conquanto, como regra geral prevaleça o impedimento às alterações contrárias que onerem a posição do trabalhador, em relação aos empregados das entidades públicas, a redução da jornada não impede o restabelecimento da carga horária a que inicialmente se submeteu o empregado, por força da lei e do contrato:

“OJ n. 308, SDI – 1. Jornada de trabalho. Alteração. Retorno à jornada inicialmente contratada. Servidor público. O retorno do servidor público (administração direta, autárquica e fundacional) à jornada inicialmente contratada não se insere nas vedações do art. 468 da CLT, sendo a sua jornada definida em lei e no contrato de trabalho firmado entre as partes.”

Tal entendimento traduz evidente derrogação de um dos princípios basilares do Direito do Trabalho, pois permite a supressão de conquistas trabalhistas.

6. Promoções

Se a validade da ocupação de cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público e se as provas devem ser realizadas de acordo com a natureza e a complexidade daqueles (CF, art. 37, II), isso significa que o concurso deve ser dirigido para o cargo ou emprego em que o candidato pretende ingressar no serviço público. Assim, o só fato de alguém ter sido aprovado em concurso não lhe franqueia o ingresso em qualquer cargo ou emprego público. Em outras palavras, sendo o concurso específico para cada cargo ou emprego público, quem pretende mudar de cargo ou emprego deverá submeter-se a novo concurso.

Conseqüência natural é a vedação ao preenchimento de cargo ou emprego público mediante promoção de servidores públicos admitidos em cargo ou emprego diverso.

7. Rescisão

A condição do servidor público apresenta uma particularidade que não se verifica no âmbito das empresas particulares, pelo menos não com tanta intensidade, que é a possibilidade de sofrer represálias devido à sua opção política, principalmente em caso de alternância dos partidos ou tendências que ocupam o poder.

Diante disso, previu a Constituição a garantia de permanência no emprego aos servidores públicos concursados, após três anos de permanência no cargo (CF, art. 41). A despeito de a redação atual só se referir a “servidores nomeados para cargo de provimento efetivo”, o que poderia dar a idéia de que tal garantia só alcançaria os servidores estatutários, a jurisprudência dominante reconhece a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal também os servidores celetistas (empregados públicos), quando vinculados à administração direta, autárquica ou fundacional (TST/SDI-I, OJ n. 265).

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“OJ n. 265, SDI – 1. Estabilidade. Art. 41 da CF/88. Celetista. Administração direta, autárquica ou fundacional. Aplicabilidade. O servidor público celetista de administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal.”

Com efeito, o regime jurídico a que se submetem os servidores públicos da administração direta ou das autarquias e fundações públicas é indiferente, uma vez que a estabilidade não decorre do regime, mas das possíveis influências políticas a que se encontram sujeitos tais trabalhadores. Assim, pela mesma razão que aquela garantia se aplica aos servidores estatutários, também se justifica em relação aos servidores empregados.

Em relação aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, por serem estas pessoas jurídicas de direito privado, sujeitos, assim, a menor interferência política, o direito à estabilidade constitucional não se aplica, ainda que o empregado tenha sido admitido mediante concurso público (TST/SDI-I, OJ n. 229 e 247).

“OJ n. 229, SDI – 1. Estabilidade. Art. 41, CF/88. Empresa pública e sociedade de economia mista. Inaplicável.”

“OJ n. 247, SDI – 1. Servidor público. Celetista concursado. Despedida imotivada. Empresa pública ou sociedade de economia mista. Possibilidade.”

Todavia, especialmente nos períodos próximos às mudanças de administração, em que os entrechoques partidários são mais intensos, todos os servidores públicos, inclusive os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, desfrutam de um período de garantia de emprego, denominado de estabilidade eleitoral. Nos termos do art. 73, V, da Lei n. 9.504/97, nos três meses que antecedem o pleito até a posse dos eleitos, é vedada a dispensa sem justa causa dos servidores públicos. E, conforme referido, tal restrição estende-se inclusive aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista.

8. Negociação coletiva

Embora seja reconhecido aos servidores públicos em geral o direito à sindicalização, sem restrição alguma (CF, art. 37, VI), exceto em relação aos militares (CF, art. 142, § 3º, IV), no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, a definição do valor da remuneração depende de lei da iniciativa do chefe do poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, “a”). Assim, não se poderia admitir que houvesse acordos ou convenções coletivas tratando do tema, sob pena de usurpação de competências.

Conforme asseverou o Min. Carlos Velloso, ao relatar a Adin 492-DF:

“Não sendo possível, portanto, à Administração Pública transigir no que diz respeito a matéria reservada à lei, segue-se a impossibilidade de a lei assegurar ao servidor público o direito à negociação coletiva, que compreende acordo entre sindicatos de empregadores e empregados, ou entre sindicatos de empregados e empresas e malogrado o acordo, o direito de ajuizar o dissídio coletivo”

Afora isso, nos termos do art. 169 da Constituição Federal, a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções, ou alteração de estrutura de carreiras, no âmbito da administração pública, direta ou indireta, inclusive nas fundações instituídas e mantidas pelo poder público só poderão ser feitas se houver prévia dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias. Tal restrição, porém, não se aplica aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista.

Cumpre destacar que a negociação coletiva, principal atributo da organização sindical, resta severamente enfraquecida pela previsão de que o regime funcional e a remuneração dos servidores da Administração Direta, autárquica e fundacional somente podem ser veiculados por meio de lei. Assim, as condições de trabalho, vantagens funcionais e outros pontos, que usualmente são os debatidos em acordos e convenções coletivas, não poderão ser alterados senão por intermédio de lei.

Neste sentido, a Súmula n. 679, do Supremo Tribunal Federal:

“Súmula n. 679. Servidor público. Vencimentos. Sua impossibilidade de fixação em convenção coletiva. – A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva. Legislação: CF, art. 61, § 1º, II, a.”

Assim, apenas em relação aos empregados das empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista, e suas subsidiárias) é que é reconhecida a negociação coletiva.

9. Greve

Permite a CF a associação sindical e a greve de servidor público, nos seguintes termos: “VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical”; “VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.

A greve é instrumento de pressão sobre o empregador para que ceda às reivindicações da classe trabalhadora. Diante das restrições à negociação coletiva, acima anotadas, fácil verificar que as mesmas limitações aplicam-se à greve, no âmbito da administração pública. É por essa razão que o legislador constituinte estabeleceu que a greve, para os servidores públicos não pode ser regulada pelas mesmas normas que a regem no âmbito privado. Assim, não se aplicam àqueles o disposto na Lei n. 7.783/89, devendo ser aprovada lei especial para definir os limites da greve no âmbito da administração pública (CF, art. 37, VII).

O direito de greve foi considerado pelo STF como norma de eficácia limitada, é dizer, dependente de complementação legislativa. Até o advento desta lei, não poderá o servidor público utilizar-se deste direito, sujeitando-se às penalidades funcionais cabíveis. Calha transcrever o seguinte julgado:

STF: MI 20/DF – Distrito Federal – Relator: Min. Celso de Mello. EMENTA: (…) DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende de edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política.”

Todavia, dadas as dificuldades em disciplinar a matéria, considerando especialmente que a greve tem função de forçar a negociação coletiva, até hoje o legislador não aprovou norma específica para a greve na seio da administração pública.

E, a despeito dos movimentos paredistas que de vez em quando eclodem entre os servidores públicos, o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal é que a greve, para os servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional só poderá ser legitimamente exercido após ter sido regulado na forma da lei especial, exigida pela Constituição.

Registre-se que, mesmo estando regidos pela CLT, aos empregados das entidades de direito público interno não se aplica o disposto na Lei n. 7.783/89, estando o direito de greve na dependência da edição da lei de que trata o art. 37, VII, da Constituição Federal.

10. Terceirização

A terceirização, no Brasil, desenvolveu-se, originariamente no âmbito da Administração Pública. Visando a “impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa”, o Decreto-lei n. 200/67, determinou que a execução das atividades da Administração Federal deveria ser “amplamente descentralizada”, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato com empresas da iniciativa privada (art. 10, § 7º). A Lei n. 5.645/70 especificou as atividades que poderiam ser objeto de terceirização: transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas (art. 3º, parágrafo único).

A mesma orientação foi mantida nas normas que regulamentaram as licitações públicas. O Decreto-lei n. 2.300/86, bem assim a Lei n. 8.666/93, previram a contratação de empresas para prestação de serviços ou execução de obras. O Estado, porém, não apenas pretendia transferir a execução das atividades necessárias à sua atuação, mas pretendeu eximir-se, inclusive da responsabilidade pela inadimplência das pessoas ou empresas contratadas.

O disposto no art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93, no entanto, não impediu que a jurisprudência estendesse à Administração Pública, quando figura na condição de tomadora de serviços, a responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas cabíveis à empresa prestadora. Conforme o Enunciado 331, IV do TST, a única exigência para fazer exurgir tal responsabilidade é a participação da entidade tomadora no pólo passivo da ação trabalhista.

“Enunciado n. 331, IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n. 8.666, de 21.06.1993).”

Os tribunais tentam justificar a responsabilidade, no caso, com base na existência de “culpa in eligendo” e/ou “culpa in vigilando”. Na prática, porém, o que ocorre é uma responsabilidade objetiva, cuja fundamentação está na garantia dos direitos trabalhistas, por serem eles indispensáveis à dignidade do trabalhador.

Sustentam alguns que haveria conflito entre a previsão do En. 363, que restringe o direito dos empregados que não se submeteram a concurso aos salários em sentido estrito, mais o FGTS, com o entendimento adotado pelo En. 331, inciso IV, que reconhece a responsabilidade ampla pelos créditos dos empregados das empresas prestadoras. Trata-se, porém, de situações distintas, sendo que, neste último caso, não há vício contratual algum, enquanto no primeiro, o contrato é nulo. O En. 363 disciplina os efeitos da nulidade contratual, enquanto o En. 331, IV, define a responsabilidade pelos créditos trabalhistas, em um contrato válido, repita-se. Assim, são situações bem distintas, não havendo como invocar a aplicação analógica de uma situação à outra, o que não afasta o equívoco do En. 363, já apontado acima.

11. Fontes do direito

Importante particularidade a ser observada, ainda, no que pertine aos empregados públicos, é a que diz respeito às fontes do Direito do Trabalho. Conquanto vedada a negociação coletiva, conforme visto anteriormente, não se pode perder de vista que, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, a competência para legislar sobre Direito do Trabalho é privativa da União. Assim, se entidades estaduais, distritais ou municipais contratarem empregados, as leis aprovadas, respectivamente, no âmbito estadual, distrital ou municipal, têm a mesma natureza que os regulamentos empresariais. São ato do empregador, não se equiparando às leis trabalhistas.

Assim, não poderão os Estados, Distrito Federal e Municípios invocar o disposto no art. 25 da Constituição Federal para eximir-se do cumprimento da legislação trabalhista. Assim é que, por exemplo, a jurisprudência reconhece aos servidores públicos celetistas o direito ao vale-transporte, na forma da Lei n. 7.418/85 (TST/SDI-I, OJ n. 216). Pela mesma razão, os entes estatais, na qualidade de empregadores, sujeitam-se à multa do art. 477, § 8º, da CLT, caso não promovam o acerto rescisório no prazo legal (TST/SDI-I, OJ n. 238).

“OJ n. 216, SDI – 1. Vale-transporte. Servidor público celetista. Lei n. 7.418/85. Devido.”

“OJ n. 238, SDI – 1. Multa. Art. 477 da CLT. Pessoa jurídica de direito público. Aplicável.”

Em questão de princípios, no entanto, há que se observar o disposto na parte final do art. 8º da CLT, onde prevê que nenhum interesse de classe ou particular pode prevalecer sobre o interesse público. Assim, há que se compatibilizar a proteção do trabalhador com os interesses públicos. Urge, porém, distinguir o verdadeiro interesse público, isto é, da sociedade como um todo (interesse público primário), do simples interesse econômico da Administração Pública (interesse público secundário). A separação resulta nítida, por exemplo, no posicionamento do TST em relação à responsabilidade da Administração Pública nos casos de terceirização, conforme exposto acima.

12. Considerações Finais

Nas judiciosas palavras de Délio Maranhão, “… a simples participação do Estado, como sujeito da relação jurídica, não basta para afastar esta relação do campo de aplicação do direito privado. Algumas vezes o Estado – e este é um fenômeno dos dias que correm – desce do seu pedestal, despe-se do direito de império que o caracteriza como poder soberano e vai ombrear-se com os particulares, exercendo atividades que a estes normalmente incumbem no sistema econômico da propriedade privada dos meios de produção. Outras vezes, embora sem se lançar à competição econômica, através de organizações industriais ou comerciais, mantendo-se nos limites de suas funções específicas, aceita os quadros do direito privado e estabelece relações jurídicas de caráter tipicamente contratual, admitindo empregados para a realização de determinados misteres. Em tais hipóteses, tratando-se de relação jurídica contratual, por força da qual alguém se obriga à prestação pessoal de trabalho subordinado, regida, em virtude de lei, pelas normas de Direito do Trabalho, por via de conseqüência, assume a condição de empregador”.

A lição acima, entretanto, restou sensivelmente enfraquecida a partir da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu, como vimos, como condição para o ingresso no serviço público a aprovação prévia em concurso. Assim, mesmo para as empresas públicas ou sociedades de economia mista, que adotam a forma jurídica privada, há, desde o início, uma particularidade que não se faz presente em relação aos demais empregadores.

Afora isso, são inúmeras outras restrições de direitos dos empregados públicos, especialmente os da administração direta, autárquica e fundacional, que derrogam dispositivos da legislação trabalhista. Há, é certo, algumas compensações, mas, de regra, são mais limitações de direitos do que melhoria da condição do trabalhador. E, para agravar a situação de tais empregados, não lhe é reconhecido o direito à negociação coletiva, dependendo novas conquistas de aprovação legislativa, observadas as limitações orçamentárias.

Isso, na verdade, importa a criação de uma categoria de empregados com características próprias, com muito poucas semelhanças com os demais empregados das empresas privadas, o que vem confirmar o que dissemos no início, isto é, que o Direito do Trabalho não é um regime adequado para a contratação de pessoal pela Administração Pública.

Notas
[1] NASCIMENTO, A. M. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. p. 958.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Lorena de Magalhães Pereira Marques

 

Advogada em Goiânia/GO; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Rio Verde/GO.

 


 

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