Resumo: A alteração legislativa que promulgou o novo Código de Processo Civil acabou por trazer inovações terminológicas em determinados pontos que merecem análise para melhor compreensão da nova sistemática instituída. Por outro lado, manteve antigos problemas que devem ser analisados sob nova perspectiva em busca de uma efetivação das decisões de primeiro grau. Uma vez verificadas estas questões, convém, através de uma revisão doutrinária, traçar parâmetros acerca da atribuição do efeito suspensivo ao recurso de apelação, analisando sua evolução, a atual posição dos juristas, dos tribunais e o tratamento dado em algumas ordens estrangeiras, demonstrando que não há mais espaço para o dogma da atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação como regra.
Palavras-Chave: Apelação. Efeito Suspensivo. Eficácia das Decisões. Novo Código de Processo Civil.
Abstract: This study aims to analyze the problem of the effectiveness of first-degree decisions before granting the stay of the appeal through the prism of the current Code of Civil Procedure, Law No. 5.869 / 1973. The research explores the historical background that led to the formation of these concepts and the reasons why they deserve to be studied; analyze the legal treatment of this issue before the paternal order and notice the differences presented by the Draft of the New Civil Procedure Code, Bill No. 6025 of 2005. The conceptualization and definition of the sentence and its effects show up healthy to understand the appeal and cases where it is not appropriate. Once verified these questions, through this work it is tried to see the need to give more attention to the effectiveness of the decisions, especially in the context of the allocation of the suspensive effect, analyzing, in the same way, the treatment of the same in some foreign orders.
Keywords: Appeal; Suspensive effect; Effectiveness of Decisions; New Code and Civil Procedure.
Sumário: Introdução. 1. Da conceituação de sentença civil. 1.1 Das sentenças que resolvem, ou não, o mérito da causa. 2. Breve consideração histórica do recurso de apelação. 2.1. Aspectos gerais do recurso de apelação. 2.2. Dos efeitos atinentes ao recurso de apelação. 2.3. Da análise em particular do efeito suspensivo. 2.4. Efeito suspensivo na apelação, hipóteses de incidência e exceções. 2.5. Meios processuais para obtenção do efeito suspensivo: suspensão ope legis e ope judicis. 2.6. Do efeito suspensivo da apelação e o direito fundamental à eficácia dos provimentos definitivos à luz do Novo Código de Processo Civil. 2.7. O problema da eficácia das decisões de primeiro grau em vista do direito fundamental da tutela adequada e tempestiva dos direitos e o tratamento do problema em algumas ordens processuais estrangeiras. Conclusão. Referencias.
Introdução
O acesso à justiça, elencado como direito fundamental, revela o interesse do legislador pátrio em preservar e efetivar os direitos dos cidadãos, sendo assegurado, inclusive, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Nesse contexto, o presente artigo tem por objeto analisar a eficácia das decisões de primeiro ante a concessão do efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação, tema que se revela essencial no que diz com a efetiva prestação jurisdicional.
Revela-se a partir do regramento processual que a atribuição daquele efeito ao recurso de apelação representa a regra de processamento, sem falar ainda da possibilidade de requerimento pelo recorrente.
Como ponto de partida para o desenvolvimento do presente trabalho, serão abordadas as alterações legislativas recentes que tratam do assunto, bem como a situação jurisprudencial e doutrinária atuais.
Assim, como forma de melhor apresentar o seu conteúdo, serão abordados, mesmo que de forma abreviada, aspectos a respeito da conceituação de sentença civil, considerações históricas, recurso de apelação, o efeito suspensivo no ponto mais genérico, até quando começa a se analisar o efeito suspensivo.
Ao final, será realizada uma abordagem acerca do efeito suspensivo, no que tange a sua conceituação, objetivos, limites e eficácia, referindo as hipóteses em que dito efeito não se aplica ao recurso de apelação, analisando o regramento expresso no Novo Código de Processo Civil e a legislação extravagante, explicitando as diferenças entre a suspensão ope legis e ope judicis, confrontando o antigo e o novo regramento, especialmente a luz do direito constitucional da tutela adequada e tempestiva dos direitos, e, por fim, analisando algumas ordens processuais estrangeiras.
Serão, portanto, apresentados conceitos mais específicos no que tange ao efeito suspensivo do recurso de apelação, demonstrando a sua conceituação, aplicabilidade no recurso de apelação e os meios processuais aptos para a sua atribuição e o direito fundamental à eficácia dos provimentos definitivos, tendo em vista o direito fundamental da tutela adequada e tempestiva dos direitos e qual a relação que pode ser estabelecida com a suspensão dos efeitos da sentença.
Da conceituação de sentença civil
O vocábulo “sentença” tem origem latina e deriva da palavra setentia, cujo significado é “decisão”, “resolução” ou, em última análise, “solução”.
O Código de Processo Civil de 1973 definia que das sentenças caberia apelação, e, das decisões interlocutórias caberia agravo de instrumento, seguindo a ideia de encerramento de procedimento em primeira instância e resolução das demais questões, respectivamente.
A sentença era definida como aquele “ato que o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”, mantendo o conceito de que a definição do ato se dá pelo momento processual em que é proferido e não pelo seu conteúdo.
Em síntese, a sentença encerrava o processo destinado à prestação jurisdicional cognitiva. Baseava-se em um critério topológico, que se preocupava com a posição em que o ato ocupava no itinerário do feito (MOREIRA, 2006, p. 268).
No entanto, com a evolução da sociedade e com o grande número de processos que passaram a tramitar no Poder Judiciário, este foi obrigado a criar mecanismos capazes de dar maior celeridade e efetividade ao processo, elaborando-se, assim, o chamado processo sincrético.
Com a edição da Lei nº 11.232/05 houve, portanto, nova modificação do conceito de sentença, passando a ser considerada como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. Tais artigos tratam das hipóteses de extinção da ação, sem resolução de mérito (terminativa) e com resolução de mérito (definitiva), respectivamente.
A mudança em nada alterou no significado entre a atividade cognitiva e a executiva, pois ambas constituem segmentos diferentes. A partir de então, o conceito de sentença passa a refletir o conteúdo do ato (MOREIRA, 2006, p. 269).
Neste prisma, a redação do Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 203, adotou a terminologia de redação da Lei nº 11.232/2005, caracterizando a sentença como ato que encerra a fase cognitiva do procedimento comum (aqui englobadas a fase de liquidação e o cumprimento de sentença) ou a execução, bem como em extinção com base nos artigos 485 ou 487 do Código de Processo Civil de 2015, adotando-se, portanto, um critério misto.
A crítica da atual sistemática reside nos artigos 485 e 487, ambos do Código de Processo Civil de 2015, porquanto passaram a usar a expressão resolução, que em direito, tem significado diverso daquele que se extrai da norma, uma vez que resolver, em direito, significa extinguir e é verbo específico e técnico, enquanto o texto do Código de Processo Civil de 1973 era mais técnico, porque fazia referencia ao julgamento, que nada mais é, em direito, do que decidir ou não decidir a lide, logo, a modificação padece da melhor técnica (NERY JUNIOR, 2015, p.1110).
Notadamente, a redação do novo Código busca solucionar este problema antigo em relação a conceituação da sentença, e, ainda que não tenha adotada a melhor solução, certo é que se trata de um ato que encerra a fase cognitiva do procedimento comum ou a execução.
Das sentenças que resolvem, ou não, o mérito da causa
Diante da análise de que é adotado um critério misto para definir o que se entende atualmente por sentença, porquanto formulado por duas circunstâncias cumuladas, quais sejam, conteúdo dos artigos 485 ou 487 do Código de Processo Civil de 2015 acrescida da finalidade de extinção do processo no primeiro grau de jurisdição, qualquer outra decisão, ainda que calcada nos artigos supra citados, mas que não extingue o processo, o pronunciamento judicial será decisão interlocutória recorrível mediante agravo de instrumento, o qual é condicionado às hipóteses previstas no artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 (NERY JUNIOR, 2015, p. 718).
Desta forma, impende analisar as disposições dos artigos 485 e 487, ambos do Novo Código de Processo Civil.
A sentença terminativa prevista no artigo 485[1] do Novo Código de Processo Civil é aquela que não aprecia a questão de fundo da demanda, extinguindo o processo sem resolução de mérito. Neste caso, somente há de se falar em coisa julgada formal, tendo autoridade apenas endoprocessual. A extinção do processo sem resolução de mérito apaga os efeitos processuais oriundos da propositura da ação para o demandante e da citação para o demandado, em nada afetando, contudo, a interrupção da prescrição e a constituição em mora do demandado (MARINONI, MITIDIERO, ARENHART, 2015, p. 482).
Seja como for, o artigo 485 do Novo Código de Processo Civil não é taxativo, além de que abre a possibilidade ao juiz de ampla retratação, tendo este o dever de determinar o suprimento dos pressupostos processuais e sanar os vícios processuais em busca da prolação de uma decisão de mérito justa e efetiva para a causa, daí que, tem-se que as sentenças sem resolução de mérito ocupam um lugar residual em nosso sistema (MARINONI, MITIDIERO, ARENHART, 2015, p. 483).
Por outro lado, a sentença calcada no artigo 487[2] do Código de Processo Civil de 2015 julga o mérito propriamente dito da demanda em discussão, portanto, é atingida pela coisa julgada material, tendo autoridade endoprocessual e extraprocessual (impossibilidade de rediscussão das questões decididas tanto dentro do processo em que foi proferido como fora dele).
Com o julgamento que acolhe ou rejeita o pedido, o órgão jurisdicional julga o mérito da causa, extinguindo o processo ou determinada fase processual. No caso, ainda que o juiz chegue ao final do processo sem estar convencido do quadro fático da demanda, a simples ausência de provas não o isenta do dever de julgar (MARINONI, MITIDIERO, ARENHART, 2015, p. 488).
Cabe destacar o novel julgamento antecipado parcial do mérito, o qual, por mais que trate de julgamento do mérito da demanda, quando o pedido mostrar-se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento, em razão da desnecessidade de produção de outras provas ou quando o réu for revel e não houver requerimento de prova, por expressa disposição legal, caberá agravo de instrumento[3].
Breve consideração histórica do recurso de apelação
“Apelação” vem do latim appellatione, que significa a busca de proteção de outra pessoa.
A apelação tem origem no ordenamento romano, no período da cognitio extra ordinem, que oficializou o judiciário e inseriu os juízes na pirâmide burocrática, cujo vértice era ocupado pelo Imperador. Desde essa época, sua hipótese de cabimento era contra a sententia e não contra as interlocutiones, constituía, por conseguinte, meio de obter o reexame das decisões baseando-se em errores in iudicando, e também usada para a denúncia de invalidade, e não da injustiça da decisão (MOREIRA, 2008, 410).
Era interposta perante o iudex a quo, oralmente ou através de petição, chamada de libelli appellatorii, cabendo ao julgador admiti-la, ou não. Em caso de indeferimento, era cabível a appellatio secundária para um juiz superior, os quais expediam as litterae dimissoriae ou apostoli, produzindo o efeito devolutivo e supensivo (MOREIRA, 2008, p. 411). Outro dado relevante, é o de que caberia appellatio em face de sentença válida, porém injusta, logo, a sentença contaminada por errores in procedendo se mostrava nula, o que significa, atualmente, de provimento despojado de existência jurídica. Sendo assim, desta diferença, resultaram as noções de sentença apelável e sentença inválida (ASSIS, 2016).
No direito canônico, também era utilizado o recurso de apelação para as decisões dos bispos, cabendo aos Concílios Diocesanos e Provinciais julgarem-na. Posteriormente, foi cabível ao próprio Papa ou seus delegados seu julgamento. Destaca-se que os seus parâmetros eram semelhantes aos de Roma. Já no direito intermédio, o cabimento da apelação foi ampliado, sendo cabível contra grande número de decisões interlocutórias, mas também aos fundamentos dos recursos.
Esse avanço absorveu a função desempenhada pela querela nullitatis sanabilis, tornando-se, então, o único meio em vários países para impugnar vícios de atividade, capazes de invalidar os pronunciamentos judiciais (MOREIRA, 2008, p. 412).
Em Portugal, por muito tempo foi admitida a apelação para atacar quaisquer decisões de primeira instância, sejam elas definitivas ou não, finais ou interlocutórias. Todavia, com o intuito de reprimir abusos, Afonso IV proibiu que se recorresse das interlocutórias por apelação, com algumas exceções. Em face disso, provada a prejudicialidade ante a ausência de impugnação, foram criadas as querimas, que eram pedidos efetuados diretamente ao Rei para cassar decisões interlocutórias que causassem agravo, como ideia de prejuízo. Posteriormente, ora se concedia apelação contra as decisões interlocutórias mistas (ou com força de definitivas), pois equiparadas às propriamente definitivas, ora se restringia, sendo cabível o agravo, já então entendido conforme sua individualidade, sendo a solução encontrada pelo Código de Processo Civil de 1876 (MOREIRA, 2008, p. 412).
No Brasil, no Regulamento nº 737, de 1850, era cabível a apelação nas causas de valor superior a determinado limite; consequentemente, tanto a sentença definitiva quanto a interlocutória com força de definitiva eram recorríveis. Nesse sentido foram os Códigos estaduais da Bahia e o de São Paulo.
Deste panorama histórico, verificamos que o novo Código de Processo Civil seguiu rumo idêntico, porém, por ter adotado sistema restritivo no que tange ao cabimento do agravo de instrumento, existem decisões interlocutórias apeladas ao final, consoante dispõe o art. 1009, §1º do NCPC[4].
Aspectos gerais do recurso de apelação
A sistemática do Código de Processo Civil de 2015 elenca o recurso de apelação como sendo o único adequado para impugnar a sentença, consoante dispõe o artigo 1.009[5] do Código de Processo Civil de 2015. A apelação é chamada de recurso por excelência, porquanto permite cognição ampla, possibilitando a postulação de errores in iudicando e errores in procedendo, garantindo, portanto, o reexame de toda a prova produzida no processo, além da ilegalidade ou injustiça da sentença (NERY JUNIOR, 2015, p. 2050).
Sua função básica é revisar a atividade judicial do primeiro grau mediante a intervenção para reformar ou anular a sentença, permitindo a alegação dos vícios de atividade e dos vícios de juízo. Serve para garantir às partes a revisão do julgamento realizado, e, em apertada síntese, é o recurso cabível contra sentença que tem como objetivo, por meio do reexame do segundo grau de jurisdição, a reforma ou a invalidação do julgado anterior.
A apelação é dirigida ao próprio juiz prolator da sentença recorrida de primeiro grau, contendo as disposições elencadas no art. 1.010[6] do Novo Código de Processo Civil, no prazo de 15 dias, cabendo à parte contrária, no mesmo prazo, contrarrazoar. Sendo recebido o recurso pelo Magistrado de primeira instância, independentemente de juízo de admissibilidade, será a apelação remetida ao Tribunal, sendo distribuída para o Relator, o qual poderá julgá-la monocraticamente (art. 932[7] do NCPC) ou elaborar seu voto (art. 931[8] do NCPC). Destaca-se que da decisão monocrática proferia pelo relator, será cabível o recurso de agravo interno, na forma do art. 1.021[9] e seguintes do Novo Código de Processo Civil.
Por outro lado, não sendo caso de julgamento monocrático, deverá o relator elaborar o relatório processual e remeter os autos ao revisor, o qual tem por competência dar visto aos autos e pedir inclusão em pauta de julgamento (art. 934[10] do NCPC). Quando do julgamento, caberá ao relator ler seu relatório, posteriormente os advogados poderão sustentar oralmente suas razões, para, a seguir colher os votos e anunciar o resultado. Depois, lavra-se o acórdão, do qual deve constar a ementa (arts. 937[11] e 941[12] do NCPC).
Importante destacar que a apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada (artigo 1.013[13] do NCPC), total ou parcialmente. Havendo a devolução total da matéria, caberá ao tribunal analisar toda a matéria objeto da lide, abordando por completo todas as questões arguidas, ainda que a sentença não tenha julgadas por inteiro.
Ademais, poderá o Tribunal convencer-se de apenas uma das teses aventadas no recurso, dispensando, portanto, a análise das restantes, daí a fixação de limites à devolutividade da matéria impugnada. Por outro lado, em sendo parcial o recurso, o Tribunal restará limitado ao seu conhecimento, sob pena de decisões ultra ou extra petita (FERRAZ, 2016).
Dos efeitos atinentes ao recurso de apelação
A apelação é recebida, de modo geral, nos efeitos devolutivo e suspensivo.
O efeito devolutivo – previsto nos artigos 1.013 e 1.014[14] do Código de Processo Civil – permite que o apelante discuta quaisquer questões ainda não preclusas, sejam elas relativas a questões processuais, fáticas ou jurídicas. Excluem-se dessa vedação, as questões chamadas de ordem pública (aquelas que vão ao tribunal por força do efeito translativo, que podem ser discutidas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, não se submetendo à preclusão).
Na apelação, especificamente, por força do efeito devolutivo, o recurso tem o condão de transferir ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. Se a apelação for total, ou seja, referir-se a toda a sentença, a devolução será por inteiro.
Caso a apelação seja parcial, assim será a devolução. Tal limitação expressa nos arts. 1.002[15] e 1.013 consagra o princípio do tantum devolutum quantum appellatum. De acordo com esse princípio, da mesma forma com que o juiz profere a sentença limitada ao pedido formulado na inicial, o tribunal, no exame da apelação, fica adstrito ao que foi impugnado no recurso (DONIZETTI, 2014, p. 797).
Nota-se que a extensão do efeito devolutivo se dará pela extensão da impugnação, sendo vedada impugnação maior do que a matéria decidida, no entanto, lícita a impugnação de menor extensão, conforme a ideia de possibilidade de impugnação parcial (BARBOSA, 2008, p. 432). Trata-se de uma remessa para controle, e, portanto, é vedado trazer fato novo que autonomamente altere a causa de pedir, exceto nos casos do artigo 1.014 do CPC, quando as questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.
É considerado o único efeito do recurso, pois corresponde, em quantidade e qualidade, àquilo que constitui o objeto e a razão de ser dos recursos, uma vez que delimita o âmbito de devolutividade do recurso interposto, sendo compreendido como a manifestação do princípio dispositivo (CARVALHO FILHO, 2010, p. 16).
Na apelação, a devolutividade é analisada de duas formas: por sua extensão (art. 1.013, do CPC) e por sua profundidade (art. 1.013, §§ 1º, 2º e 3º do CPC[16]), porquanto, conforme a doutrina, “delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar” (MOREIRA, 2004, p. 429).
Quanto ao efeito suspensivo, previsto nos artigos 1.012 do Código de Processo Civil, possibilita a interposição do recurso e impede a liberação da eficácia da decisão e não diz respeito à formação da coisa julgada. A simples possibilidade da interposição do apelo já encobre a eficácia da decisão. O disposto no artigo 1.012, §1º, do CPC regula as formas de que a apelação não apresenta efeito suspensivo. Por outro lado, o artigo 1.012, §3º, do CPC possibilita atribuir efeito suspensivo a uma apelação que não o tem, através de agravo de instrumento, pedindo que o relator atribua efeito suspensivo.
É uma forma suspensiva de efeitos, pois são suspensos propriamente, como mencionado, os efeitos do ato, e não o ato em si. Notadamente, o efeito suspensivo é determinado por lei e leva em conta técnicas de segurança ou de efetividade, relacionadas com a tutela dos direitos.
De outra forma, o efeito substitutivo, previsto no artigo 1.008[17] do Código de Processo Civil tem por objetivo substituir a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso
Por fim, quanto o efeito regressivo, esse tem a ver com o problema da chamada projeção das nulidades. Por vezes, embora manejado um recurso contra uma determinada decisão, contra a sentença, por exemplo, a decisão do recurso pode afetar todo um encadeamento de atos do processo, podendo desencadear uma nulidade da sentença até a citação do processo, ou seja, regressa para um estágio anterior.
Da análise em particular do efeito suspensivo
Destaca-se que todos os recursos possuem como efeito comum, direto e imediato, prevenir a preclusão temporal, impedindo, portanto, a formação da coisa julgada.
O efeito suspensivo do recurso é uma forma de prolongar a ineficácia da decisão recorrida até o julgamento, o qual poderá confirmar ou retificar a decisão combalida.
No caso, o pronunciamento jurisdicional impugnável por meio de recurso dotado de efeito suspensivo já nascerá sem produzir seus efeitos e a interposição efetiva do recurso irá apenas diferir a eficácia dessa decisão judicial (ORIONE NETO, 2006, p. 127). Imperioso ressaltar, por outro lado, que o recorrente pode optar por não rediscutir todos os pontos até então decididos, logo, sobre tais aspectos não incidirá a suspensão, em razão de que não pode haver suspensão com extensão maior que a da devolução (DINAMARCO, 2009, p. 150).
Assim, a decisão judicial está impedida de produzir seus efeitos, pois o efeito suspensivo se inicia com sua publicação. Ademais, a própria expressão efeito suspensivo é, de certa maneira, equívoca, dado que faz supor que só com a interposição do recurso passem a ficar bloqueados os efeitos da decisão, dando a falsa impressão de até o momento estarem eles a se manifestar normalmente.
Na realidade, o contrário é o que se verifica, porque mesmo antes de interposto o recurso, a decisão é ato ineficaz (MOREIRA, 2006, p. 258).
O efeito suspensivo tem como objetivo adiar a execução da decisão judicial recorrida, impedindo com isso a sua execução. Tal efeito baseia-se no princípio da segurança, pois estabelece um ponto de equilíbrio entre a pretensão do vencedor e do vencido. No entanto, o efeito suspensivo não se limita à eficácia executória da decisão, estendendo sua abrangência a qualquer eficácia ao ato recorrido, aqui entendido, no sentido lato, envolvendo todos os atos, que, de qualquer modo, possam dar efetividade (BERMUDES, 2000, p. 66).
A principal razão de ser do recurso é a incerteza gerada com a decisão recorrida, pois, ante a falibilidade humana, nenhuma sentença está livre de incorreções, seja ela de qualquer grau de jurisdição, não significando que a última seja a melhor ou a mais correta. Dessa forma, o que ocorre é uma diminuição da possibilidade de erro, buscando afastar um sentimento de incerteza.
Efeito suspensivo na apelação, hipóteses de incidência e exceções
Certamente a discussão acerca do efeito suspensivo no recurso de apelação é um tema que, por vezes, em que pese à expressa disposição legal, pode trazer aos operadores do direito questões novas e desconhecidas. A regra é de que toda apelação possui tal efeito, consoante dispõe o artigo 1012, do novo Código de Processo Civil.
Fato que se constata com a leitura do art. 1.012, §1º do novo Código de Processo Civil é o de que a lei processual retira o efeito suspensivo da apelação em determinados casos; permite, assim, que seja dado início à chamada execução provisória, disposta no artigo 513[18] e seguintes do novo Código de Processo Civil.
Há a retirada do efeito suspensivo do recurso de apelação em alguns casos expressos no Código de Processo Civil em seu artigo 1.012, incisos I a VI, que são os casos de: I – homologa divisão ou demarcação de terras; II – condena a pagar alimentos[19]; III – extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado[20]; IV – julga procedente o pedido de instituição de arbitragem; V – confirma, concede ou revoga tutela provisória; VI – decreta a interdição. Na nova sistemática, a única novidade é o inciso V, que trata da interdição, embora tal situação já estivesse prevista no artigo 1.184 do CPC/73.
Ademais, a título exemplificativo, convém destacar a legislação extravagante que também excepciona a regra da atribuição do efeito suspensivo ao recurso de apelação de forma automática, que são os casos de condenação à prestação de alimentos (com previsão no artigo 14 da Lei 5.478/1968 – excluídos os casos de majoração, diminuição e exoneração do encargo); na sentença que julga improcedente o pedido de instituição de arbitragem (conforme o art. 18[21] da Lei 9.307/1996, visto que tal sentença não é passível de recurso, pois a arbitragem é de natureza contratual entre as partes, que livremente e de comum acordo entabulam um juiz arbitral), ainda, a sentença da Lei de Alienação Fiduciária (art. 3º, § 5º, do Decreto-Lei n. 911/69[22]); a sentença que concede o mandado de segurança, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar (conforme art. 14, § 3º[23] da Lei 12.016/2009); a sentença proferida em ações que tratam do Direito do Consumidor (art. 90[24] da Lei 8.078/90); e da sentença que fixar o preço da indenização nos casos previstos na Lei de Desapropriação (art. 28[25], caput, do Decreto-Lei n. 3.365/41), entre outras.
Além destas hipóteses apresentadas, pode o relator suspender os efeitos da decisão recorrida, desde que preenchidos os seguintes requisitos: requerimento do apelante; possibilidade de ocorrência de lesão grave e de difícil reparação; e relevância dos fundamentos expostos pelo apelado (DONIZETTI, 2014. p. 800).[26] Assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, nos moldes do REsp 1592160/PE, julgado em 24 de maio de 2016, pelo Ministro Herman Benjamin[27].
Demonstra-se com isso que o órgão judicial pode resolver sobre a suspensão, ou não, dos efeitos da sentença.
Ora, privar da apelação o efeito suspensivo traria ao vencedor a vantagem de imediata satisfação; por outro lado, aumenta o risco de causar ao vencido prejuízo considerável, caso ocorra a modificação da decisão em grau recursal (BARBOSA, 2008, p. 469/472), e esta é a questão de fundo do presente trabalho, analisar o antagonismo entre estes dois direitos.
Meios processuais para obtenção do efeito suspensivo: suspensão ope legis e ope judicis
Atualmente, a própria legislação estabelece que o recurso de apelação, via de regra, é dotado de efeito suspensivo. No entanto, o mesmo art. 1.012 do CPC que assim preceitua, também excetua, determinando hipóteses em que a apelação é desprovida do efeito suspensivo. Esse critério é chamado de atribuição ope legis, do efeito suspensivo, vinculando-se o juiz, quando do recebimento do recurso, à lei, não podendo conceder de ofício dito efeito.
Por outro lado, nos casos em que a apelação não possui o efeito suspensivo poderá o juiz concedê-lo, caso a parte assim o requeira, sendo este chamado de efeito suspensivo ope judicis. Nota-se que a atuação do juiz na primeira hipótese é feita ex officio, enquanto na segunda hipótese não.
Não resta dúvida de que, através desta breve consideração, o efeito suspensivo poderá ser atribuído ao recurso de apelação nas mais diversas ocasiões, constituindo, em sentido amplo, uma medida cautelar. (DIDIER JUNIOR, 2014. p. 137).
O Novo Código de Processo Civil, também na esteira do Código de Processo Civil anterior, prevê a possibilidade de concessão de efeito suspensivo ope judicis, ou seja, pela concessão judicial, conforme prevêem os artigos 995[28], parágrafo único e 1.012, §§ 3º e 4º[29].
O efeito suspensivo poderá ser formulado ao Tribunal, em período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando designado o relator para seu exame prevento para julgar o recurso. Ademais, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator na hipótese em que o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevante sua fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação (PACANARO, 2015).
Nesse sentido é o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar a petição n.º 70071359228[30] e 70070642350[31], comprovado, em ambos os casos o risco de dano grave ou de difícil reparação.
Interposta a apelação a parte poderá, conforme a nova sistemática, formular requerimento dirigido ou ao Tribunal (no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la); ou ao relator (se já distribuída a apelação), pugnando a concessão do efeito suspensivo.
O requerimento de efeito suspensivo é apresentado diretamente ao órgão ad quem, o qual posteriormente apreciará a admissibilidade, os efeitos e o mérito da apelação, restando o relator prevento (art. 1.012, 3º, I, CPC); por outro lado, caso a apelação já esteja no Tribunal, o pedido será formulado diretamente ao relator (art. 1.012, 3º, II, CPC). Neste caso, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação (ARAUJO, 2016).
Destaca-se que com tal sistemática, resta taxativamente afastada a hipótese de agravo de instrumento ou da impetração de mandado de segurança para concessão do efeito suspensivo; no primeiro caso, diante da inexistência de dispositivo legal e, na segunda hipótese, pela ausência de um dos seus requisitos para alcançar efeito suspensivo ao recurso de apelação, qual seja, a ameaça ou violação de direito por ato abusivo ou ilegal de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (CUNHA, 2005, p. 317).
A atribuição de efeito suspensivo por ato do Relator é de grande importância, pois garante maior segurança jurídica ao processo, mas não da forma como prevista no Novo Código de Processo Civil, que em nada alterou a sistemática prevista no CPC/73.
Se não bastasse, da decisão do relator, apreciando o pedido de concessão de efeito suspensivo, em qualquer sentido, ou antecipando os efeitos da pretensão recursal, caberá agravo interno, conforme dispõe o art. 1.021 do diploma legal[32]. Todavia, a jurisprudência, em especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ainda não é pacífica acerca do cabimento deste recurso, conforme se pode denotar do contraste existente entre os julgados 70070513718[33] e 70070531108[34].
Do efeito suspensivo da apelação e o direito fundamental à eficácia dos provimentos definitivos à luz do Novo Código de Processo Civil
Durante a tramitação do projeto do Novo Código de Processo Civil tentou-se a retirada do efeito suspensivo ope legis da apelação, restringindo-o a determinados casos concretos a serem analisados, bastando requerimento preparatório.
Ocorre que a redação do Código de Processo Civil foi sancionada mantendo o efeito suspensivo automático, consoante dispõe o artigo 1.012 do Novo Código de Processo Civil, logo, a apelação continua tendo efeito suspensivo, como regra.
Tal dispositivo legal vem na esteira do que já previa o antigo artigo 520 do Código de Processo Civil de 1973, ou seja, o legislador manteve a ideia equivocada de que o efeito suspensivo deve ser a regra no recurso de apelação.
O art. 1.012 reproduz, com os desenvolvimentos e aprimoramentos cabíveis, a regra do art. 520 e a do parágrafo único do art. 558 do CPC atual. Trata-se com o devido respeito, de um dos grandes retrocessos do novo CPC que choca frontalmente com o que, a este respeito, propuseram o Anteprojeto e o Projeto do Senado. Infelizmente, o Senado, na derradeira fase do processo legislativo, não recuperou a sua própria proposta (art. 968 do Projeto do Senado), mantendo, em última análise, a regra de que a apelação, no direito processual civil brasileiro, tem (e continua a ter) efeito suspensivo (BUENO, 2015).
Essa generalização do efeito suspensivo vai de encontro ao que prevê, expressamente, no capítulo referente às normas fundamentais do processo civil, em especial, os artigos 4º[35] e 6º[36] do Novo Código de Processo Civil, pois ocorre um desprestígio ao juízo a quo, ao passo que todo o trabalho desenvolvido na primeira instância é relegado e condicionado a uma posterior confirmação pelo Tribunal de Justiça, para somente então gerar efeitos.
Ora, a própria exposição de motivos reitera, de forma expressa, a necessidade de criação de um código mais célere, mais justo porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexos, atendendo aos princípios constitucionais, em especial, ao princípio da razoável duração do processo.[37]
A questão é singela, no entanto, insiste o Legislador na ideia de que as antecipações de tutela e liminares, prolatadas em regra com cognição superficial, sem ampla dilação probatória, possam produzir efeitos em detrimento das sentenças, que exigem um julgamento com cognição completa, o que, por certo, é um contrassenso (GOMES JÚNIOR; CHUEIRI, 2015).
Analisando a concessão do efeito suspensivo no recurso de apelação, causa estranheza a possibilidade de ser concedido tal efeito em diversas ocasiões, mesmo quando não tipificado.
Ao buscar delimitar o cabimento do efeito suspensivo ope judicis, é fundamental entender que, se é possível ao Relator conceder efeito suspensivo ao agravo de instrumento, que é interposto diretamente ao juízo ad quem, conclui-se pela igual possibilidade de o juízo a quo, analisando o caso concreto, agregar efeito suspensivo de ofício à apelação.
O fundamento é o de que entre a interposição do respectivo recurso e a conclusão ao relator há um longo período, e que, caso não concedido o efeito, pode causar severos prejuízos à parte. Ora, o interesse do vencido em suspender a eficácia da sentença, antevendo a ausência de efeito suspensivo do apelo cabível na espécie, por vezes não pode aguardar que o recurso suba ao tribunal e haja o sorteio do Relator. Assim, o cabimento da apelação impedirá a execução da decisão impugnada até a manifestação do Tribunal acerca do juízo de admissibilidade, oportunidade em que poderá, ou não, ser concedido o efeito suspensivo requerido pelo apelante (CARDOSO; CARDOSO JÚNIOR; PORTO, 2010).
No entanto, ao ser concedido o efeito suspensivo como anteriormente explicado, acaba-se gerando tumulto processual e fere as normas fundamentais do processo civil, em evidente retrocesso processual. Isso porque produz inversão da lógica do processo.
Atualmente, o Magistrado pode conceder a tutela antecipada requerida pela parte em cognição limitada, como é o caso do agravo de instrumento, o qual, em que pese não tenha definitividade, por diversas vezes acaba concedendo o próprio direito discutido no processo sem que tal decisão tenha efeito suspensivo.
Totalmente diverso e incoerente é o que ocorre com a apelação.
Após ter regularmente tramitado o feito o juiz profere a sentença. Inconformada com a decisão caberá à parte perdedora apelar. Ocorre que, após ampla cognição probatória, o que se supõe de um processo minimamente instruído, poderá ainda ser concedido efeito suspensivo a essa decisão.
Vejamos.
Estamos de um lado com um processo, muitas vezes, recém-iniciado, em que a parte postula a antecipação da tutela e, com cognição limitada, o juiz a concede, sem ter tal decisão efeito suspensivo; e por outro lado, com um processo findo, totalmente instruído, sentenciado, que corre o risco de ter sua decisão suspensa até julgamento do recurso de apelação. Há inegavelmente uma crise de valores. Um problema de eficácia das decisões de primeiro grau ante a concessão do efeito suspensivo no recurso de apelação.
O problema é que, para o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso, ou, a relevância da fundamentação, demonstrando o risco de dano grave ou difícil reparação, deverá apresentar ao tribunal, mediante petição, com juntada de cópias de grande parte do processo, o pedido de agregação do efeito suspensivo ao seu apelo, gerando, por óbvio, uma grande quantidade de papéis/documentos eletrônicos que serão encaminhados para distribuição dos Tribunais para exame do pedido de concessão do efeito suspensivo, onerando ainda mais os Relatores.
É preciso lembrar que o sistema eletrônico ainda não se encontra totalmente habilitado, em especial no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na medida em que somente os agravos de instrumento são instruídos eletronicamente[38]. No que tange aos recursos de apelação, ainda são autos físicos, e, mesmo que as petições pugnando pela agregação do efeito suspensivo possam ser veiculadas de forma eletrônica, seria necessário anexá-las aos autos.
O problema da eficácia das decisões de primeiro grau em vista do direito fundamental da tutela adequada e tempestiva dos direitos e o tratamento do problema em algumas ordens processuais estrangeiras
A estruturação do processo civil brasileiro, após entender o seu caráter instrumentalista, passou a salvaguardar o direito material lesado ou ameaçado, tendo que os processualistas repensar as nuances da matéria, para melhor adequar os anseios sociais.
A readequação estrutural-material parte obrigatoriamente da Constituição Federal, em especial no artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal, ao elencar o acesso à justiça como um direito fundamental, bem como a duração razoável do processo, respectivamente.
Assim, além de ser dado aos cidadãos brasileiros o direito fundamental a ingressar no Poder Judiciário, também é garantida a tutela adequada e tempestiva dos direitos. Inegavelmente que, para a efetivação de tal direito, é necessária a existência de meios adequados para a busca do mesmo, sob pena de não restar concretizado, e é neste ponto que se encaixa o processo.
Na verdade, é impensável a estrutura técnica do processo civil sem considerar o direito fundamental à duração razoável do processo (MARINONI, 2007a, p. 27).
O processo civil está intimamente atrelado a tal conceito na medida em que é o meio estatal de proteger direitos, e, portanto, deve cumprir seu objetivo de maneira a efetivar os ditames da Constituição Federal. Nesse viés, e com foco no princípio da razoável duração do processo, que não pode estar dissociado da segurança jurídica, o presente apontamento estabelece a crise existente entre a preocupação legislativa em proteger a parte recorrente e a tutela adequada e tempestiva dos direitos.
A ideia de duração razoável não significa, necessariamente, uma noção de tempo limitada ou pré-estabelecida, mas sim, a concepção de um processo ágil e célere, sendo vedado ao juiz o cometimento de atos que possam retardar o andamento processual (MARINONI, 2007a, p. 28). Certamente tais preceitos não dependem unicamente do juiz, visto que este é integrante de um grande conjunto, que envolve o Estado-Administração, o qual deve fornecer condições ao Poder Judiciário, seja através de dotação econômica, seja através de legislação, de julgar as demandas de forma tempestiva e das partes, efetivando, portanto, o novel princípio da cooperação no andamento processual.
A análise constitucional é útil na análise da presente dissertação na medida em que se instaura uma crise entre segurança e celeridade, questão difícil de ser equilibrada, pois, de um lado estamos analisando a necessidade de efetivar a tutela procedente à parte vencedora, e do outro, a necessidade de averiguar a correção da sentença posta, sendo lícito à parte derrotada a interposição de recurso com efeito suspensivo para rediscutir matéria de ampla cognição probatória, porém, não imune de erro.
Assim posto, o efeito suspensivo dos recursos não é regra, podendo a carga satisfativa da sentença ser executada de forma provisória, em que pese a existência de recurso de apelação, recebido somente no efeito devolutivo. O desejo por uma justiça célere é construído sob esse pilar prático, tanto que após a alteração legislativa dada pela Lei n.º 11.232/05 foi estabelecido o modelo sincrético de processo, visando ainda mais à tutela tempestiva dos direitos. Isso significa que a decisão de primeira instância não pode ser vista somente como uma instância de passagem (GAJARDONI, 2013).
Inegavelmente é um direito dos litigantes a interposição de recursos, pois a própria Constituição assegura isso, e, assim sendo, inegavelmente o duplo grau de jurisdição também faz parte do acesso à justiça, justificando, portanto a importância do recurso de apelação (POMPEU, 2012, p. 512). Assim como a apelação, qualquer recurso obsta a preclusão e por vezes o trânsito em julgado das decisões.
A efetividade processual necessita de resultados práticos e concretos, exteriores aos autos, para que a parte vencedora tenha reconhecido o seu direito material; produzindo, portanto, os resultados práticos esperados, ou seja, efetivo. Todavia, para ser efetivo deve ser célere e observar todas as garantias constitucionais, sendo a supressão do efeito suspensivo da apelação como regra um dos meios possíveis de aceleração do processo, pois garante a prestação da tutela de forma efetiva e imediata após cognição exauriente (CARVALHO FILHO, 2010, p. 32). O fato de a sentença não poder ser executada de plano acaba por retardar a prestação do direito material à parte vencedora.
Essa nova proposta não compromete a segurança jurídica até que se esgote o devido processo legal, e ocorra o exercício do contraditório e da ampla defesa. Destaca-se que o duplo grau de jurisdição não é garantia constitucional, apenas decorrência lógica do sistema e por isso não pode ser empecilho do valor efetivo tutelado, capaz de impedir a eficácia das decisões judiciais de primeiro grau, ou seja, poderá o legislador infraconstitucional restringir o cabimento dos recursos e suas hipóteses de incidência sem ferir a Constituição (CARVALHO FILHO, 2010, p.35/36).
Feitas tais considerações sob o enfoque do direito brasileiro acerca do problema da eficácia das decisões de primeiro grau em vista do direito fundamental da tutela adequada e tempestiva dos direitos, discorrendo sobre o recurso de apelação e o seu efeito suspensivo, necessário se faz a análise de algumas legislações estrangeiras para constatar como vem sendo resolvida tal questão no direito alienígena, em especial na Itália, Alemanha, França e Portugal.
Na Itália, após a reforma em 1990, o artigo 282 do Codice di Procedura Civile, passou a permitir que a “sentença de primeiro grau é provisoriamente executiva entre as partes”, ou seja, é imediata e automática a execução provisória da sentença de primeiro grau, tendo o recurso de apelação somente o efeito devolutivo. Com a reforma efetuada, passou a se dar maior valor as decisões de primeiro grau e rápida solução aos litígios.
No entanto, há a ressalva de que existe a possibilidade de o juiz ad quem suspender a eficácia da sentença caso verifique a existência de “grandes motivos” e “justos motivos de urgência”. É possível que a parte vencida formule pedido de suspensividade antes do início da execução, ou depois dela iniciada, na forma do art. 623 daquele diploma legal (CARVALHO FILHO, 2010, p. 77-78).
Por sua vez, na Alemanha também houve reformas que visaram o fortalecimento do primeiro grau de jurisdição e revisão do sistema de recursos. Neste país, à exceção das sentenças acerca de menores e matrimônio, as demais o juiz poderá atribuir somente o efeito devolutivo ao recurso de apelação, autorizando a execução provisória.
Todavia, é possível que o devedor obste a execução provisória caso demonstre que dela poderá ocasionar prejuízo irreparável, prestando caução. Não sendo o caso, mas caso ocorra a revogação ou a modificação da decisão executada provisoriamente, deverá o credor indenizar o devedor, devolvendo a ele o que recebeu (CARVALHO FILHO, 2010, p. 83-85).
Na França, a apelação sempre terá efeito suspensivo; no entanto, a execução provisória é autorizada pelo Código de Processo Civil Francês, em seus arts. 514 a 526, mediante pedido da parte ou autorização fundamentada do Magistrado, dependendo da natureza da ação e se reputar necessário. O sistema é essencialmente ope judicis, podendo, ainda, o próprio Tribunal retirar o efeito suspensivo (CARVALHO FILHO, 2010, p. 85/87).
Por fim, em Portugal, há a exigência de que a decisão transite em julgado para que possa se constituir como título, exceto se o recurso interposto tiver efeito meramente devolutivo, na forma do art. 47º do Código Processual Português.
A apelação tem, via de regra, efeito suspensivo, ressalvando os casos em que terá meramente efeito devolutivo. Nessas hipóteses, a parte vencedora indicará as peças para traslado para efetivar a execução provisória. Sendo impossível a execução imediata, o apelado poderá requerer ao apelante que preste caução para garantir o seu débito. Enquanto a sentença estiver pendente de recurso, não poderá o exequente ou qualquer outro credor ser pago sem prestar caução.
Em relação ao procedimento, poderá o Magistrado rever sua decisão que recebeu a apelação, seja para atribuir efeito suspensivo, seja para retirá-lo, autorizando a execução provisória. Ademais, poderá a parte vencedora, alegando “prejuízo considerável”, solicite o recebimento do recurso de apelação somente com efeito devolutivo, para que possa executar provisoriamente sua pretensão (CARVALHO FILHO, 2010, p. 88-89).
Enquanto sistemas processuais, como o inglês, alemão e italiano, que são referencias para o nosso direito processual e motivaram muitos dos artigos do novo CPC, preocuparam-se nos últimos anos em solucionar (ainda que parcialmente) o problema da morosidade e dos custos do processo com limitações à apelação, neste momento nada conseguimos fazer a respeito do tema. Pelo contrário, damos fortes passos na contramão ao transformar o juiz de primeiro grau em verdadeiro “parecerista” (MACHADO, 2015).
Conclusão
A evolução da sociedade e o dinamismo social exigem do legislador uma atuação no sentido de garantir leis aptas a efetivar os direitos dos cidadãos de forma célere e razoável, garantindo a subsunção da norma com a realidade fática que permeia as relações sociais. Assim, cabe ao Poder Judiciário aplicar a norma legal de forma a garantir a segurança jurídica e de forma que atenda aos preceitos fundamentais elencados no Novo Código de Processo Civil.
Não obstante a mudança ocorrida com a nova legislação, verifica-se que o problema acerca do efeito suspensivo ao recurso de apelação manteve-se, na medida em que não permite a eficácia da decisão de primeiro grau, exarada após ampla cognição probatória. Ora, manter a aplicação do efeito suspensivo como regra, permitindo, em determinados casos, quando a parte demonstrar a probabilidade de provimento do recurso, ou, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou difícil reparação, em nada contribui para um processo civil célere.
Em que pese o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil tenha, em um primeiro momento, apontado para a exclusão do efeito suspensivo ao recurso de apelação, ao ser encaminhado para Câmara dos Deputados houve uma recolocação de tal efeito para votação no atual projeto em tramitação. Inequivocamente o Legislado pátrio andou mal, pois o que ocorre é um desprestígio da sentença proferida pelo Magistrado de primeiro grau e uma postergação dos efeitos práticos da decisão de forma angustiante, pois, em que pese à segurança jurídica para a parte vencida que o efeito suspensivo traz, seria mais apropriada a retirada de tal efeito do recurso de apelação como regra, permitindo com isso a imediata execução da sentença, dado que não comprometeria a segurança jurídica até que se esgotasse o devido processo legal, porquanto ainda seria cabível o recurso de apelação.
O duplo grau de jurisdição não é uma garantia constitucional, mas sim uma faculdade da parte vencida querer rediscutir a matéria posta, levando suas considerações à instância superior para que seja reapreciada. Salienta-se que o objetivo não é vedar o acesso da parte ao Tribunal, mas sim limitar as hipóteses recursais e efetivar a prestação jurisdicional, executando-se desde logo as sentenças de primeiro grau e reservando a concessão do efeito suspensivo a casos expressamente elencados na legislação e de evidente risco de dano grave ou difícil reparação, mediante mensuração do próprio Magistrado a quo, porquanto é este o que formou a convicção e julgou baseado nas provas processuais num primeiro momento.
Conclui-se que o Legislador infraconstitucional perdeu de dar maior efetividade ao processo civil neste ponto, inclusive, não atendendo ao disposto nas exposições de motivos, qual seja, não resolveu este problema em específico. A manutenção do efeito suspensivo como regra ao recurso de apelação em nada colaborará na efetivação de um processo célere e justo, postergando, ainda mais, a espera, principalmente do autor, que é aquele que sofre o ônus da espera, de ver a solução da contenda proposta.
Informações Sobre o Autor
Lucas Albrecht Cé
Especializando em Direito Processual Civil pela Escola Superior Verbo Jurídico Porto Alegre/RS; Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul