Resumo: De maneira geral, os tributos que são pagos ao Estado são a fonte exclusiva de sua arrecadação econômica. Entretanto, algumas vezes e, dependendo da motivação que enseja sua criação, as exações podem ter uma finalidade extraordinária, como é o caso dos tributos que serão abordados neste estudo. Objetivando abordar de maneira prática os casos de extrafiscalidade, estudaremos exemplos de sua aplicação em diferentes tipos de tributos.
Palavras-chave: Extrafiscalidade; Estado; Tributos; Impostos e Taxas
Abstract: In general, taxes that are paid to the state are the exclusive source of its economic revenue. However, sometimes, and depending on the motivation that inspires its inception, the exactions may have a special purpose, such as taxes that will be addressed in this study. Aiming at practical ways to address cases of extrafiscalidade will study examples of its application in different types of taxes.
Keywords: Extrafiscalidade, State, Taxes, Taxes and Fees
Sumário: Introdução. 1. Conceito. 2. Impostos. 3. Taxas. 4. Contribuições especiais. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A arrecadação tributária é o meio pelo qual o Estado, ente soberano, faz frente às despesas decorrentes de sua atuação na sociedade. Essa é a maneira mais comum de intervenção estatal na vida de seus tutelados, pois impostos e taxas estão inseridos nos preços de produtos e serviços comumente utilizados, e o impacto de sua cobrança no bolso dos contribuintes é tema recorrente de debates na área econômica. Entretanto, há, ainda, uma finalidade extraordinária de interferência do Estado, que também enseja a cobrança de tributos e alterações de alíquotas, um pouco menos divulgada do que aquela tida como principal, mas tão importante quanto: a Extrafiscalidade.
A cobrança pura e simples, como propósito básico da atividade tributária do Estado, divide cada vez mais seu espaço com o fenômeno aqui abordado, tendo em vista a urgência de uma intervenção estatal eficaz do ponto de vista político, econômico e social. Apesar disso, seu estudo ainda é tímido e seu potencial pouco explorado. Desse modo, e, considerando sua importância no sistema normativo do direito tributário brasileiro, torna-se irrefutável a necessidade de aprofundamento acerca do tema.
Feitas as considerações iniciais, este artigo tem por finalidade analisar brevemente alguns aspectos teóricos e práticos do fenômeno extrafiscal, demonstrando sua ocorrência em diferentes espécies tributárias, mais precisamente nos Impostos, nas Taxas e nas Contribuições Especiais.
1 CONCEITO
A maioria dos tributos é criada com uma finalidade específica: a arrecadação fiscal. É assim porque o Estado necessita de recursos financeiros para fazer frente às despesas oriundas de sua intervenção na sociedade. Logo, a fiscalidade, ou o caráter fiscal, nada mais é do que a finalidade arrecadatória que enseja a criação de grande parte das exações do sistema tributário brasileiro. Entretanto, quando a instituição de uma espécie tributária ocorre com um propósito que vai além do meramente arrecadatório, diz-se que tais espécies são dotadas, além da fiscalidade, de um viés extrafiscal.
Raimundo Bezerra Falcão define claramente a diferença entre a fiscalidade e a extrafiscalidade:
“Considerando a tributação como ato ou efeito de tributar, ou ainda, como o conjunto dos tributos, podemos afirmar que: a) a tributação se diz fiscal enquanto objetiva retirar do patrimônio dos particulares os recursos pecuniários – ou transformáveis em pecúnia – destinados às necessidades públicas do Estado; b) tributação extrafiscal é o conceito que decorre do de tributação fiscal, levando a que entendamos extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca, em sua amplitude, extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos […]” (FALCÃO, 1981, p. 118)
No mesmo sentido, ensina Ataliba:
“Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados. […]
É lícito recorrer aos tributos com o intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos sociais e econômicos dos contribuintes, seja fomentando posicionamento ou inibindo certos procedimentos. Dá-se tal fenômeno (extrafiscalidade) por intermédio de normas que, ao preverem uma tributação, possuem em seu bojo, uma técnica de intervenção ou conformação social por via fiscal. São os tributos extrafiscais, que podem ser traduzidos em agravamentos ou benefícios fiscais dirigidos ao implemento e estímulo de certas condutas.” (ATALIBA, 1990, p. 233.)
Torna-se claro que a extrafiscalidade nada mais é que o objetivo excepcional de um tributo, que ultrapassa o setor puramente financeiro e reflete de diversas maneiras em diferentes âmbitos, tais como o político, o social e o econômico.
Outro importante conceito que se insere neste contexto, é o de Parafiscalidade, que consiste na delegação da capacidade tributária ativa do Estado a um terceiro, integrante da relação tributária. Nesse caso, não é o Estado que arrecada o tributo, mas sim a pessoa que será beneficiada com ele, como ocorre com as contribuições sociais de categorias profissionais ou econômicas. É o que acontece, por exemplo, com os advogados que pagam contribuição à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nessa relação, o sujeito ativo é a OAB, e não o Estado.
Não se deve confundir Parafiscalidade com Extrafiscalidade; esta é o emprego dos tributos para fins não fiscais, enquanto aquela é a delegação da capacidade tributária ativa do Estado.
Com o intuito de demonstrar a aplicação prática do caráter extrafical no direito tributário, serão analisados, a seguir, alguns casos em que tributos não possuem apenas finalidade arrecadatória.
2 IMPOSTOS
Dentre todas as espécies tributárias passíveis de serem criadas, os impostos são aquelas em que o fenômeno extrafiscal é mais freqüente. Isso ocorre devido à desvinculação do uso das receitas oriundas de suas cobranças, o que deixa o estado livre para utilizá-las quando e como for mais conveniente ou necessário.
O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), previsto no art. 153, IV da Constituição Federal, é de competência exclusiva da União e foi instituído pelo Decreto nº. 4544/02. Esse imposto tem suas alíquotas estabelecidas de acordo com a variação dos produtos (as alíquotas estão descritas na tabela TIPI, que é bastante extensa). O número de produtos sob os quais incide o IPI é grande porque a definição de “industrializados” é muito abrangente, como se vê no art. 4º do Decreto já referido:
“Art. 4º: Industrialização é qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo, tal como:
I – transformação;
II – beneficiamento;
III – montagem;
IV – acondicionamento ou reacondicionamento (embalar ou dar nova embalagem);
V – renovação ou recondicionamento (restauração do produto).”
Aspecto importante a ser destacado é que todas as ações acima elencadas caracterizam industrialização, ainda que sejam incompletas, parciais ou intermediárias.
O IPI tem dois fatos geradores: a) o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; e b) a saída do produto de estabelecimento industrial ou equiparado na forma da lei. Ademais, interessante ressaltar que os produtos industrializados destinados ao exterior são imunes ao IPI, ou seja, o imposto incide sobre os produtos importados pelo Brasil, mas não é cobrado sobre os produtos cuja finalidade é a exportação.
Com uma gama de possibilidades tão grande, o IPI se mostra de função predominantemente extrafiscal e com grande potencial para ser instrumento de intervenções em diversos setores do país. Nessas condições, a exação pode ser usada, por exemplo, para estimular o crescimento da indústria nacional: basta o governo aumentar as alíquotas que incidem sobre os produtos importados, causando uma elevação nos preços para fomentar a venda de produtos nacionais. Por outro lado, se for observada, por parte de determinado setor da indústria, uma tendência à queda na qualidade de certos produtos do nosso país, o Estado pode diminuir as alíquotas que incidem sobre os importados, tornando o mercado mais competitivo, forçando a indústria brasileira a melhorar a qualidade de seus produtos, o que gera benefícios ao consumidor.
Um exemplo muito recente da utilização do caráter extrafiscal desse imposto é a criação do Decreto n.º 7.567/2011, que diminuiu as alíquotas incidentes sobre veículos com no mínimo 65% (sessenta e cinco por cento) de conteúdo nacional e, consequentemente, majorou as alíquotas de IPI para carros importados, elevando de 13% para 43% o percentual aplicado a esses produtos. Essas alterações, além de engordar o tesouro nacional, contribuíram para o crescimento da indústria automobilística nacional, uma vez o aumento supracitado onerou muito os produtos da indústria internacional.
Além disso, o IPI pode interferir diretamente na balança comercial do país, como comenta Flávio de Azambuja Berti:
“[…] imagine-se que manter um saldo positivo na balança comercial é conveniente para o país, o que efetivamente é verdade. Ora, tal saldo só é passível de ocorrer se as indústrias brasileiras aumentarem seus volumes de vendas ao exterior. Este objetivo pode ser estimulado pelo fisco de algumas formas diferentes: a) mediante uma tributação menor sobre as exportações (observe-se que há imunidade do IPI para vendas ao exterior, conforme previsto no texto do art. 153 da CF/88); b) através de subsídios financeiros para empresas exportadoras; c) com a abertura de linhas especiais de financiamento para a exportação; d) através do uso de outros benefícios fiscais para os exportadores, por exemplo, créditos presumidos para o IPI sobre a parcela de bens não exportados e vendidos no país ou mesmo para serem usados na compensação de outros tributos federais no caso de a indústria exportar praticamente toda sua produção”. (BERTI, 2009, p. 73-74.)
Assim como o IPI, o Imposto sobre Operações Financeiras, ou IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários), que também é de competência exclusiva da União e está previsto nos artigos 153, inciso V, da Constituição Federal, e 63 do CTN, pode ser utilizado igualmente para fins extrafiscais. Atualmente, o IOF está regulamentado pelo Decreto nº 6.306/07, que sofreu sua última alteração pelo Decreto nº. 7.011/09.
O Dec. nº 6.306/07 nos traz os fatos geradores do IOF, in verbis:
“Art. 2º O IOF incide sobre:
I – operações de crédito realizadas:
a) por instituições financeiras
b) por empresas que exercem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring)
c) entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física
II – operações de câmbio;
III – operações de seguro realizadas por seguradoras;
IV – operações relativas a títulos ou valores mobiliários;
V – operações com ouro, ativo financeiro, ou instrumento cambial.”
As alíquotas, as bases de cálculo, as hipóteses de incidência, os contribuintes e os responsáveis tributários são definidos de acordo com a operação realizada, e estão descritos no mesmo diploma legal.
Em que pese ter apenas uma sigla, o IOF constitui-se de cinco impostos diferentes, cada um com hipóteses de incidência e regras matrizes distintas. Além disso, as alíquotas, os contribuintes, as bases de cálculo e os responsáveis tributários, mudam de acordo com cada tipo de imposto.
Para facilitar a questão, será feita a distinção entre os impostos que integram o IOF, a saber: (a) Imposto sobre operações de crédito; (b) Imposto sobre operações de câmbio; (c) Imposto sobre operações de Seguro; (d) Imposto sobre Operações Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários; e (e) Imposto sobre Operações com ouro quando definido em lei como Ativo Financeiro.
Essa classificação encontra respaldo no artigo 4º, inciso I, do CTN, segundo o qual a natureza jurídica do tributo não é determinada pela sua denominação, mas sim por sua hipótese de incidência.[1]
A extrafiscalidade mostra-se presente dentro de todos os impostos que compõem a sigla IOF; isto ocorre devido aos diferentes problemas existentes no mercado financeiro e à amplitude de incidência do imposto. Tanto é verdade que, devido a seu caráter extrafiscal, existe uma espécie de relativização da incidência de alguns princípios do direito tributário sobre o IOF. Nas palavras de Flávio de Azambuja Berti:
“Quanto ao IOF, especificamente, cabe ressaltar, conforme será amplamente discutido a seguir, que, em razão mesmo de suas características e de seus objetivos extrafiscais que lhe conferem tais caracteres, há o que se convencionou chamar de uma “flexibilização” em relação ao princípio (ou regra, quem sabe) da legalidade na medida em que será possível ao Poder Executivo alterar para mais ou para menos as alíquotas do imposto, desde que não se reduzam aquém do limite legal mínimo nem superem o limite máximo previsto na legislação de regência. Já em relação à anterioridade e à anterioridade nonagesimal o IOF constitui efetivamente uma exceção, consoante o estabelecido no art. 150, § 1º da CF/88 na redação dada pela EC 42/03”. (BERTI, 2009, p. 92)
Ainda sobre a extrafiscalidade, Hugo de Brito Machado, ao falar sobre a função do imposto sobre operações financeiras, diz o seguinte:
“O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários, ou, na forma resumida, como é mais conhecido, imposto sobre operações financeiras-IOF, tem função predominantemente extrafiscal. Efetivamente, o IOF é muito mais um instrumento de manipulação da política de crédito, câmbio e seguro, assim como de títulos e valores mobiliários, do que um simples meio de obtenção de receitas, embora seja bastante significativa sua função fiscal, porque enseja a arrecadação de somas consideráveis”. (MACHADO, 2009, p. 337)
Nesse panorama, podemos citar como exemplo de uso extrafiscal do IOF o caso em que o governo, tentando evitar o aumento da procura por moeda estrangeira e consequente desvalorização da moeda nacional, eleva as alíquotas do imposto que incide sobre as operações de câmbio. Com a alta no preço, a procura por moeda estrangeira, teoricamente, é reduzida, o que tende a estabilizar o mercado cambial. Obviamente apenas essa medida, se adotada pelo governo, não acabaria com o problema citado.
Além disso, o imposto sobre operações financeiras, dentre outras maneiras, pode ser usado para fomentar as operações realizadas no mercado de títulos e valores mobiliários. De igual forma, a alíquota que incide sobre as operações relativas a seguros pode ser diminuída para que mais pessoas, físicas ou jurídicas, contratem este tipo de serviço.
Dentre os impostos que têm conseqüência direta na economia do país, temos, ainda, os impostos sobre importação e exportação (II e IE, respectivamente), que, assim como todos até aqui, são de competência exclusiva da União. O Imposto de Importação está previsto no artigo 153, inciso I da Constituição Federal e o Imposto de Exportação no artigo 153, inciso II, do mesmo Diploma. A competência é exclusiva da União, pois trata-se de impostos que implicam na relação do país com o exterior. Sendo assim, não poderiam ser de competência dos Estados-membros, por exemplo, pois a figura da Federação deve ser projetada como um todo e não como um ente fracionado.
De acordo com o artigo 1º, do Decreto-lei nº 37/66, o fato gerador do imposto de importação é “a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional” e suas alíquotas podem ser específicas ou ad valorem. A primeira é expressa através de uma quantia determinada que varia de acordo com a unidade de quantificação do bem importado; a segunda é indicada em uma porcentagem que é calculada sobre o valor do bem. A base de cálculo do imposto de importação e os contribuintes estão definidos pelo CTN nos artigos 20 e 22, respectivamente, a saber:
“Art. 20. A base de cálculo do imposto é:
I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária;
II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País;
III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação.
Art. 22. Contribuinte do imposto é:
I – o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados”.
Por outro lado, o imposto de exportação, conforme artigo 23 do CTN e artigo 1º do Decreto-lei nº 1.578/77, tem como fato gerador “a saída do território nacional, para o estrangeiro, de produto nacional ou nacionalizado” e as alíquotas podem ser especificas ou ad valorem, nos mesmos moldes explicitados acima. O contribuinte, nesse caso, é o exportador ou quem a ele a lei equiparar e sua base de cálculo está definida no artigo 24 do CTN:
“Art. 24. A base de cálculo do imposto é:
I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária;
II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência.
Parágrafo único. Para os efeitos do inciso II, considera-se a entrega como efetuada no porto ou lugar da saída do produto, deduzidos os tributos diretamente incidentes sobre a operação de exportação e, nas vendas efetuadas a prazo superior aos correntes no mercado internacional o custo do financiamento.”
Vale lembrar, por fim, que ambos os impostos não estão sujeitos ao princípio da anterioridade, por se tratar de impostos que agem diretamente sobre a economia, também chamados de impostos reguladores. Tanto o II como o IE são nitidamente dotados de função extrafiscal, considerando que incidem sobre a entrada e saída de produtos de qualquer espécie no país. Desse modo, não é difícil vislumbrar uma situação na qual o II, por exemplo, seja usado de maneira predominantemente extrafiscal: aumentando sua alíquota, a tendência será de aumento no preço dos produtos importados e consequente vantagem às indústrias nacionais, já que tendo preço menor, tornar-se-ão mais competitivas. Nesse sentido, leciona Hugo de Brito Machado:
“Se não existisse o imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Brasil não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças ao processo de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral, além disto, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, de sorte que os seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto de importação funciona como valioso instrumento de política econômica”. (MACHADO, 2009, p. 305)
Do mesmo modo, o autor faz algumas considerações sobre o imposto de exportação:
“O imposto de exportação tem função predominantemente extrafiscal. Presta-se mais como um instrumento de política econômica do que como fonte de recursos financeiros para o Estado. […] Em face de sua função intimamente ligada à política econômica relacionada com o comércio internacional, o CTN determinou que a receita líquida deste imposto destina-se à formação de reservas monetárias (art. 28). Essa determinação chegou a ser autorizada, aliás, pela própria Constituição anterior (art. 21, § 4º). Na Constituição de 1988 não foi reproduzida, mas isto não quer dizer que não permaneça em vigor o Decreto-lei nº. 1.578, de 11.10.1977, onde tal destinação está prevista expressamente. A Lei nº. 5.072/66 indica expressamente que o imposto de exportação “é de caráter exclusivamente monetário e cambial e tem por finalidade disciplinar os efeitos monetários decorrentes da variação de preços no exterior e preservar as receitas de exportação” (art. 1º)”. (MACHADO, 2009, p. 310-311).
Saindo do âmbito de competências da União e entrando no dos Municípios, será analisado o IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana). À primeira vista, esse imposto pode parecer somente mais um tributo que se destina a aumentar a receita pública. Mesmo assim, o IPTU revela seu potencial extrafiscal na medida em que recai sobre a propriedade e, portanto, torna-se instrumento para que um dos princípios constitucionais mais importantes seja respeitado: a função social da propriedade.
O artigo 32 do CTN define o fato gerador deste imposto como sendo “a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.”. A base de cálculo é o valor venal do bem imóvel e as alíquotas são fixadas em lei específica por cada Município.
A Constituição Federal, em seus artigos 156, § 1º e 182, § 4º trata do IPTU e da função social da propriedade, in verbis:
“Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I – propriedade predial e territorial urbana;[…]
§ 1º – Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o Art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.
Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.[…]
§ 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”. [grifo nosso]
Desse modo, ao criar esse tributo o legislador preocupou-se em formar mecanismos para assegurar que a propriedade seja utilizada de maneira correta, cumprindo sua função social. A própria CF, em seu artigo 182, § 2º, define os requisitos para que a propriedade cumpra sua função social ao dizer que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Tais exigências são, em sua maioria, medidas que visam impedir que a propriedade urbana seja abandonada, ou que esta interfira de maneira negativa nas propriedades vizinhas.
O caráter extrafiscal do IPTU está intimamente ligado ao atendimento da função social da propriedade, uma vez que o imposto poderá ter suas alíquotas aumentadas de acordo com a utilização do imóvel. Como exemplo, pode-se pensar na seguinte situação: um sujeito tem dois imóveis, mas reside em apenas um deles, o outro está abandonado, com lixo, muitas plantas, grama alta, etc.; o segundo terreno poderá atrair animais, que irão se espalhar pela vizinhança, ou, até mesmo, servir de esconderijo para um sujeito que pretenda cometer crimes naquele local.
Nesse caso, observa-se a relação entre a aplicação extrafiscal do imposto e não observância da função social da propriedade. O imóvel abandonado do exemplo não está atendendo o princípio constitucional, pois interfere de maneira negativa na vizinhança, nesse caso, o IPTU poderá ter as alíquotas majoradas pelo município. Com a possibilidade de aumento da alíquota, o legislador pretendeu coibir a prática descrita acima, o que torna claro o caráter extrafiscal do tributo.
Diante das considerações expostas, tornam-se claros os casos em que o Estado deixa de lado a finalidade exclusivamente arrecadatória dos impostos, utilizando-os como ferramentas de intervenção múltipla na sociedade. Vale reforçar que a flexibilização no uso dos impostos está diretamente ligada à natureza desta espécie tributária, uma vez que a receita arrecadada com sua cobrança não tem destino específico.
3 TAXAS
Apesar de terem sua receita plenamente vinculada à atividade que ensejou sua criação, as taxas também experimentam o caráter extrafiscal dos tributos. É o que ocorre, por exemplo, com a Taxa de Preservação Ambiental (TPA). Cobrada pelo distrito estadual de Fernando de Noronha desde 1989, a TPA foi instituída em pela lei nº 10.430/89 e modificada pela Lei nº 11305 de 1995, tendo a finalidade e o fato gerador definidos nos artigos 83 e 84, respectivamente, da referida legislação:
“Art. 83 Fica instituída a Taxa de Preservação Ambiental, destinada a assegurar a manutenção das condições ambientais e ecológicas do Arquipélago de Fernando de Noronha, incidente sobre o trânsito e permanência de pessoas na área sob jurisdição do Distrito Estadual. (Lei 11.305).
Art. 84 A Taxa de Preservação Ambiental tem como fato gerador a utilização, efetiva ou potencial, por parte das pessoas visitantes, da infraestrutura física implantada no Distrito Estadual e do acesso e fruição ao patrimônio natural e histórico do Arquipélago de Fernando de Noronha.”
Outro exemplo de uso extrafiscal das taxas é a polêmica Taxa de Controle de Fiscalização Ambiental, ou TCFA[2]. Instituída pela Lei nº 10.165/00, e segundo o artigo 17-B desta, a taxa tem como fato gerador “o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais”. Apesar de algumas controvérsias, atualmente a TCFA é cobrada.
Não entraremos na questão da constitucionalidade ou não da exação, que é tão debatida pela doutrina. Controvérsias à parte, esta nos serviu apenas para ilustrar a aplicação da extrafiscalidade nestas espécies tributárias.
Como se viu, as taxas podem cumprir seu papel extrafiscal de maneira satisfatória. Interessante salientar, por fim, que ambos os exemplos aqui utilizados cuidam de tributos com função extrafiscal que atendem ao ambiente.
4 CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS
As contribuições especiais podem apresentar função extrafiscal ou parafiscal. Entretanto, o interessante para este estudo é a função extrafiscal observadas em algumas contribuições sociais.
O caso mais conhecido de extrafiscalidade dentro das contribuições sociais aparece nas Contribuições Interventivas no Domínio Econômico (CIDE). O nome desta espécie tributária adianta sua função predominante: a intervenção na economia. Para de Hugo de Brito Machado, “a finalidade da intervenção no domínio econômico caracteriza essa espécie de contribuição social como tributo de função nitidamente extrafiscal” (MACHADO, 2009).
Importante salientar que esse tipo de contribuição adota a extrafiscalidade em sua própria função direta, que é a de intervir no mercado econômico. Essa intervenção não é a comum, mas aquela extraordinária, cujas despesas são supridas pelo montante arrecadado com a contribuição.
Como exemplo desta contribuição, cita-se a CIDE dos Combustíveis, instituída pela Lei nº 10.336/01, e que de acordo com o art. 1º da legislação referida, “incide sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível”.
O parágrafo primeiro da lei que instituiu a CIDE dos combustíveis traz a seguinte destinação dos valores arrecadados:
“§ 1º O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao:
I – pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo;
II – financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;[3] e
III – financiamento de programas de infraestrutura de transportes.” [grifo nosso]
Além da CIDE dos combustíveis existem inúmeras outras contribuições de intervenção no domínio econômico, tais como: Contribuição ao Instituto de Açúcar e do Álcool, que tem função de intervir no setor canavieiro; Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que financia a atuação da União nas atividades de desenvolvimento da marinha mercante e indústria de reparação naval; Adicional de Tarifa Portuária (ATP), cuja finalidade é a formação de recursos da Petrobras; e a CIDE royalties, paga pelas pessoas jurídicas que detêm licença de uso ou adquirem conhecimento tecnológico através de contratos entre sujeitos residentes ou domiciliados no exterior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme demonstrado ao longo do estudo, a utilização de tributos com função extrafiscal mostra-se possível de diversas maneiras, inclusive em casos aparentemente improváveis. Para tanto, são necessárias ações de intervenção estatal, no sentido de alcançar os setores que são alvo da atuação tributária extraordinária.
Através da extrafiscalidade o Estado tem utilizado muitos tributos como meio de intervenção em setores sociais, mostrando a diversificação das práticas estatais para interferência direta na sociedade. O exemplo mais atual é a redução de impostos para produtos como geladeiras e fogões, fomentando e facilitando a aquisição deste tipo de utilitários para a população; além da utilização de tributos para a preservação do meio ambiente.
Dessa maneira, tem-se que a utilização prática da extrafiscalidade depende apenas da motivação do Estado (em um sentido amplo) e da política tributária por ele exercida.
Informações Sobre o Autor
Bruno Pinto Coratto
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel)