O golpe do veículo financiado sob o prisma da responsabilidade social

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Resumo: Este artigo trás em discussão uma interpretação do delito conhecido como “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO” sob uma visão da responsabilidade social do agente financeiro e o papel dele perante a comunidade. Para tanto, utiliza da revisão bibliográfica e jurisprudencial, e das analises de matérias divulgadas pela mídia sobre casos policiais que investigaram e concluíram as investigações de casos do golpe. A conclusão foi que o agente financeiro atua com um comportamento negligente e/ou imperito com relação às ocorrências do golpe e isso decorre de uma avaliação favorável da equação custo/beneficio para justificar uma mudança de comportamento. Com essa atitude o agente financeiro, além de causar dano a terceira pessoa, gera uma demanda para o Sistema de Segurança Pública e para o Poder Judiciário e demonstra uma visão restritiva do que é responsabilidade social da empresa.

Palavras-chave: Segurança pública. Função social da empresa. Responsabilidade civil. Responsabilidade social da empresa. Sistema financeiro nacional.

Abstract: Purpose of promoting controversy and discussions this research present s an interpretation of fraud hereinafter simply referred “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO” from the perspective of corporate social responsibility of financial agent. For acquisition data ins this study, journalistic reports, articles and an electronic research strategy was used for bibliographic reviews. The conclusion was that, the financial agent is today presenting a restricted vision of corporate social responsibility. This behavior he causes damage and increases the demand on institutions of public security and courts of justices.

Keywords: Public safety. Social function. Civil liability. Corporate social responsibility. National financial system.

Sumário: Introdução. 1. O “golpe do veículo financiado”. 2. Segurança pública. 3. Os papeis da vítima no delito. 4. Fraude em financiamento. 5. Responsabilidade social da empresa. 6. O agente financeiro e o “golpe do veículo financiado”. 7. Conclusões. 8. Referências.

INTRODUÇÃO

Responsabilidade social da empresa é uma expressão com interpretações que irão variar conforme o campo de estudo do interprete e sofreu mudanças no decorrer dos anos. Hoje, no Brasil, ela esta amparado em nossos Direitos Constitucional e tem sido interpretada como uma conduta organizacional pautada na ética, na solidariedade, na justiça, nos respeitos as leis e a dignidade da pessoa humana. Sob a concepção da responsabilidade social para uma empresa não basta gerar lucros para os seus investidores e empregos, ela deve, dentro da sua capacidade, propiciar também benefícios para a comunidade como um todo e esses benefícios devem decorrer de investimentos diretos e de exemplos de condutas.

O “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO” (GAZETA DO POVO, 2007) é uma expressão copiada da imprensa e utilizada aqui para denominar o delito que consiste do autor assumir a identidade de outra pessoa sem autorização para negociar o financiamento de um veículo e, após estar com a posse do bem, desaparecer com ele. Ou seja, a luz do Direito Penal, teremos pelo menos duas vítimas do golpe, o agente financeiro e a pessoa que teve a identidade utilizada sem autorização. O agente financeiro após deixar de receber o pagamento do financiamento busca cobrar a dívida daquele cuja identidade consta no contrato. Nesse momento a pessoa que teve a identidade utilizada sem autorização descobre que está envolvido com um negócio jurídico de maneira fraudulenta. Uma consequência secundaria do golpe é, quase sempre, uma demanda judicial envolvendo o agente financeiro e a pessoa que teve a identidade utilizada sem autorização. A fraude não é um delito restrito a uma região ou a um período de tempo, também não se limita a um único agente financeiro e a um único autor, ou associação criminosa, especializado nesse crime. E são muitas as pessoas que de maneira fraudulenta têm suas identidades utilizadas nos contratos de financiamento. É um delito que repercuti em demanda para um Sistema de Segurança Pública sobrecarregado e para um Poder Judiciário nas mesmas condições.

O que este artigo trás em discussão é uma interpretação da ocorrência do “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO” sob uma visão da responsabilidade social do agente financeiro e o papel dele perante a comunidade. Para tanto, além da revisão bibliográfica e jurisprudencial, foram analisadas matérias divulgadas pela mídia sobre casos policiais que investigaram e concluíram as investigações de casos do golpe. A conclusão é que o agente financeiro atua com um comportamento negligente e/ou imperito com relação às ocorrências do golpe e isso decorre de uma analise de risco e da avaliação favorável da equação custo/beneficio de uma mudança de comportamento. Com essa atitude o agente financeiro além de causar dano para a pessoa que teve a identidade utilizada sem autorização, ainda gera uma demanda para o Sistema de Segurança Pública e para o Poder Judiciário, demonstrando assim uma visão restritiva do que é responsabilidade social da empresa.

1. O “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO”

“O golpe do veículo financiado é assim: o automóvel é adquirido em uma instituição financeira com documentos falsificados e, quando a vítima descobre, o carro já sumiu” (GAZETA DO POVO, 2007). “Pessoas que têm nome usado para a compra de carros só descobrem quando a conta chega” (GAZETA DO POVO, 2007). O denominado “golpe do veículo financiado” trata de uma pratica delituosa que consiste do autor assumir, de maneira fraudulenta, a identidade de outra pessoa para em nome dela contratar o financiamento de um veículo perante um agente financeiro. O financiamento não é pago, ou é pago parcialmente, o veículo desaparece, e a pessoa que teve a identidade utilizada no contrato de financiamento passa a ser cobrada por ele. No geral as pessoas cujas identidades são utilizadas na prática do golpe só descobrem que foram vítimas quando o agente financeiro inicia as cobranças do contrato não quitado, ou quando recebem informações de que há veículos estranhos registrados em nome delas. Os agentes financeiros alegam que seguem as orientações do Banco Central quando negociam os financiamentos e que as ocorrências de fraudes são pontuais (GAZETA DO POVO, 2007). As análises das matérias, difundidas pela mídia sobre o “golpe do veículo financiado” e suas variantes, exibiu que, no geral, ele é um delito complexo, com vários autores e participes. Em uma das suas modalidades os autores utilizam documentos falsos para obter fraudulentamente o financiamento do veículo, eles assumem identidades de outras pessoas, outras vítimas, que terão os nomes utilizados para contrair o financiamento (SIGAMAIS, 2016). Podem ser utilizados documentos verdadeiros, com dados manipulados ou falsos, para a aprovação do financiamento. Até comprovantes de rendimento e residência são forjados. Após obter o veículo financiado em nome de uma vítima, as parcelas não são pagas e a financiadora fica com o prejuízo (JCNET.COM, 2011).

As matérias apresentaram casos ocorridos em diversos municípios e que foram solucionados pelas Polícias Civis de diversos estados. Nessas investigações, segundo as matérias, foram encontrados entre os golpistas, representantes de bancos, corretores e proprietários de revendedoras de veículos (JCNET.COM, 2011). No geral os veículos financiados são de segunda mão e o negócio conduzido perante uma revendedora. Há noticias sobre investigações que encontraram grande concentração de fraudes em poucas revendas e envolvendo poucos agentes financeiros (JCNET.COM, 2011). Em pelo menos um dos eventos investigados o gerente da revenda de veículos acusou um empregado do agente financeiro como autor das fraudes (CIDADEVERDE.COM, 2017). Houve casos nos quais os veículos foram financiados em um município em nome de pessoas residentes em outros municípios e estados. Essas pessoas, vítimas, quando identificadas as fraudes, não terão que pagar os financiamentos, mas mesmo assim passam por graves transtornos, pois muitas vezes são gravados nos órgãos de proteção ao crédito. Essas vítimas só tomam conhecimento de que tiveram o nome utilizado fraudulentamente quando são cobradas, seja pelo agente financeiro, seja por questões relacionadas ao veículo financiado. Em uma das matérias há a informação de caso no qual os veículos financiados nem deixaram a posse do grupo criminoso (PORTAL GRANDE REDE, 2017).

O golpe se desenvolve em várias tarefas, nem sempre executadas pela mesma pessoa: a) identificação, ou recrutamento, da pessoa a quem será atribuído o financiamento; b) obtenção de matrizes para criação de documentos falsos, ou documentos reais para serem adulterados; c) adulteração, ou falsificação, de documentos; d) intermediação do negócio junto a uma revenda de veículos; e) intermediação do negócio junto a um agente financeiro; f) obtenção do veículo financiado; g) preparo dos documentos do veículo em nome da pessoa vítima e h) transferência da titularidade do veículo junto aos órgãos públicos. Essa lista não pode ser generalizada, ela apenas busca uma ampla abordagem. Além do agente financeiro, podem ocorrer como vítimas, o Estado e a pessoa que teve o documento de identidade utilizado indevidamente.

2. SEGURANÇA PÚBLICA

A Constituição Federal de 1988 – CF colocou, no Artigo 5º, a segurança na categoria de direito inviolável e no Artigo 6º na condição de direito social (MARQUES, 2011). O STF deliberou que o direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível (RE 559.646 AgR, 2011). O texto constitucional, no Artigo 144, estabeleceu a segurança pública como um dever do Estado e direito e responsabilidade todos, cuja finalidade é a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. José Matos (MATOS, 2013), em Trabalho de Mestrado, conclui que segurança pública é um conceito jurídico indefinido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF. O autor observou uma contribuição tímida do Supremo Tribunal Federal para os debates sobre a segurança pública no Brasil. Ele relaciona essa realidade “a índole repressora de um Estado que, muitas vezes, é o maior responsável pela omissão no desenvolvimento econômico e social que contribui para o agravamento da criminalidade” (MATOS, 2013, p. 92). Renato Sérgio Lima et al (LIMA, BUENO, & MINGARDI, 2016) observa que a Constituição Federal não define segurança pública e apenas se limita a informar quais são as instituições encarregadas de prove-la. O mesmo autor cita que a jurisprudência pátria não é capaz de estabelecer conceitos para a segurança pública e a ordem pública (LIMA, SILVA, & OLIVEIRA, 2013).

 Guilherme Nucci (NUCCI, 2016), interpretando o Artigo 144 da CF, observa que a expressão lá contida diz respeito ao aspecto jurídico e não ao sinônimo de ordem e paz no seio social. Ele observou que a segurança pública conta com todos os cidadãos para que se concretize satisfatoriamente. Fabrício Truppel (TRUPPEL, 2015) comenta que a responsabilidade pela segurança cabe a todos por previsão constitucional e que para a solução dos problemas nessa esfera é fundamental a participação social. Cyntia Silva (SILVA, 2010) entendeu que a CF configurou a segurança pública como um dever do Estado e responsabilidade de todos, ela observa que a disposição Constitucional deve ter a interpretação ampliada para que a segurança pública passe a ser tratada como uma ação integrada envolvendo o Estado e a população. Entre as observações feitas por Cyntia Silva destacamos:

“A segurança pública deve ser considerada não a partir da individualização de causas ou responsabilidades, mas pela compreensão das relações causais entre conflitos e os processos sociais que o circundam. A imputação de responsabilidades individuais é questão sensível em uma realidade em que todos são, em maior ou menor grau, produtores e vítimas de situações de insegurança” (SILVA, 2010, p. 5).

Apesar de ser um tema ainda em discussão parece já estar consolidado o consenso de que segurança pública é responsabilidade de todos. Para a sociedade ela surge como um direito e uma obrigação, para o Estado ela se situa como um dever. E não é difícil traçar um paralelo entre o que ocorre com a segurança pública, quando observamos a modalidade de estelionato em estudo, e as conclusões de Dorane Rodrigues Farias (FARIAS et al, 2016), ao avaliar a judicialização da saúde no Estado de Tocantins. A autora percebeu que “a judicialização da saúde causa impactos de ordem econômica e política, e, por consequência, se aplicada como regra geral vulneraliza os direitos coletivos” (FARIAS et al, 2016, p. 29).

3. OS PAPEIS DA VÍTIMA NO DELITO

Sérgio Salomão Shecaria (SHECARIA, 2012) comenta a importância do estudo vitimológico para o exame do papel desempenhado pelas vítimas no desenvolvimento do crime e Edgard de Moura Bittencourt na tentativa de conceituar vítima. Ele observa os seguintes conceitos, interessantes para este estudo: a) o jurídico-geral, para o qual vítima é quem sofre diretamente a ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo direito; b) o jurídico-penal-restrito, onde vítima é quem sofre diretamente as consequências da violação da norma penal e c) jurídico-penal-ampliado, onde vítima é o indivíduo e comunidade que sofrem diretamente os efeitos de um crime. Ana Fonseca (FONSECA, 2009), em trabalho de Mestrado, também reconheceu a dificuldade para conceituar vítima. Euller Xavier Cordeiro observa que no campo jurídico vítima é sinônimo do sujeito passivo do delito (FREITAS & GALVÃO JR, 2011). Euller Xavier Cordeiro cita como a primeira tentativa de delinear uma classificação de vítimas a de Benjamin Mendelsohn que as dividias em: vítima completamente inocente ou vítima ideal; vítima de culpabilidade menor ou vítima por ignorância; vítima tão culpável como o infrator ou vítima voluntária; vítima mais culpável que o infrator, a qual se divide em vítima provocadora e vítima por imprudência; vítima mais culpável ou unicamente culpável, subcategorizada em vítima simuladora e vítima imaginária (FREITAS & GALVÃO JR, 2011). Renato Sérgio Lima (LIMA R. S., Crime, polícia e justiça no Brasil : problemas sociais, 2014), também se refere a classificação de vítimas de Mendelsohn. Ester Kosovski (KOSOVSKI, PIEDADE JR, & ROITMAN, 2014), considerando os denominados mecanismos situacionais, interpreta a classificação de Benjamin Mendelsohn para as vítimas do seguinte modo:

“- Do ponto de vista moral e jurídico.

a)  Vítima que colabora.

b)  Vítima que não colabora.

c)  Vítima por ignorância.

d)  Vítima que pratica o crime.

– Do ponto de vista psicossocial.

a)  Vítima em cuja conduta está a origem do delito.

b) Vítima que resulta de consenso.

c) Vítima que resulta de uma coincidência.”

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Ainda há diversas classificações para as vítimas, não há espaço aqui para todas. Mas em geral elas abordam o comportamento da vítima para a concepção do delito e as identificações das influências dos autores e das vítimas no resultado (AVILA & ROSSI, 2016). Heber Soares Vargas observa que:

“Para cada indivíduo existe um certo número de riscos de se tornar vítima de um crime particular ou de um tipo definido de agressão criminal. Esta probabilidade depende, toda ela, de uma série de predisposições, assim como de fatores externos atuantes” (VARGAS, 1978, p. 22).

Entre as conclusões de Heber Soares Vargas (VARGAS, 1978) destacamos: a) Nem todos têm a mesma possibilidade de chegar a ser vítima; b) é possível, em certos casos, prever uma possibilidade de alguém se tornar vítima muito acima da possibilidade geral; c) provou-se que determinadas pessoas são vítimas com mais frequência que as outras; d) a personalidade de vítima deve merecer do criminologista a mesma atenção que a do criminoso; e) a vitimologia oferece amplas perspectivas para a prevenção e o tratamento criminal. Luiz Alberto Alves Nunes comenta que “há vítimas que não têm nenhuma participação no delito e outras que são totalmente responsáveis por ele” (NUNES, 1981, p. 209).

Nestor Penteado Filho (PENTEADO FILHO, 2012),observa que da mesma maneira que existem criminosos reincidentes, há vítima latentes ou potenciais, pessoas que padecem de impulso para serem vitimas dos mesmo crimes. Ele cita como exemplos os vigias de bancos e os policiais. Rogério Greco (GRECO, 2017), apud Jakobs, ao discursar sobre a competência da vítima destaca duas situações, o consentimento da vítima e às chamadas “ações a próprio risco”. Já Damásio de Jesus (LEAL & PIEDADE JR, 2001) observa que a participação da vítima no fato danoso vai além do consentimento. O autor identifica as seguintes hipóteses de “ações a próprio risco”: 1º Participação em fato que expõe a vítima a seu próprio risco; 2º consentimento em ação realizada por terceiro que expõe a risco o próprio consensiente; 3º condutas perigosas de salvamento; 4º criação de nova relação de risco por parte da vítima ao violar seus deveres de proteção própria e 5º conduta posterior de um sujeito que, em face de um comportamento anterior do autor, pode ser lesivo a seus próprios bens.

Ao avaliarmos como o Poder Judiciário esta se comportando com relação a vítima, percebemos que nos campos dos Direitos, Civil, Penal e Trabalhista o comportamento é avaliado e influi nas tomadas de decisões dos julgadores, cada área com interpretações compatíveis com os suas características peculiares. Assim é que no Direito Penal não é admitida a compensação entre as culpas do autor e da vítima. A seguir estão alguns julgados selecionados para ilustrar essas conclusões.

“TST – RECURSO DE REVISTA RR 12056320135030143 (TST)

Data de publicação: 15/09/2017

Ementa: RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL E MATERIAL. MOTORISTA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. O Tribunal Regional, considerando a função do empregado de motorista, adotou a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, tendo em vista que o dono do negócio é o responsável por riscos ou perigos que sua atividade promova, independentemente de culpa. Todavia, constatou, com base no conjunto probatório dos autos, a culpa exclusiva da vítima pelo acidente de trânsito ocorrido, hipótese que suprime o dever de indenizar, tendo em vista a exclusão da responsabilidade civil a afastar o nexo causal. Assim, não há como imputar à reclamada a responsabilização pelo acidente ocorrido, na medida em que ficou demonstrada uma das hipóteses de exclusão da responsabilidade civil. Recurso de Revista de que não se conhece.”

“STJ – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AREsp 734388 RJ 2015/0153971-4 (STJ)

Data de publicação: 13/02/2017

Decisão: POR COLETIVO, COM MORTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. A responsabilidade a culpa exclusiva da vítima que atravessou em local inapropriado em alta velocidade… do preposto da ré. Comprovação da culpa exclusiva da vítima através de depoimentos colhidos em sede…”

O que se percebe de tudo reunido é que não há dúvidas de que o comportamento da vítima pode atuar como indutor do crime. E que esse comportamento pode ser consciente, quando a vítima sabe dos riscos aos quais está se expondo e os assume.

4. FRAUDE EM FINANCIAMENTO

O crime de estelionato encontra-se descrito no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, “ obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” (BRASIL). Segundo Damásio de Jesus (JESUS, 2014), o objeto jurídico protegido pela norma é o direito pratimonial. A conduta típica consiste em o sujeito empregar engodo para induzir ou manter a vítima em erro, com o fim de obter um indevido proveito patrimonial. O delito de estelionato admite o concurso de pessoa e as ações que caracterizam o sujeito ativo são induzir ou manter alguém em erro, empregando artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; os destinatários do objeto material podem ser o autor ou terceiro que obtenha vantagem ilícita. O sujeito passivo pode compreender a pessoa enganada e outra que sofre o prejuízo patrimonial. A vítima dever ser determinada, caso ocorram vítimas indeterminadas a tipificação será de crime contra a economia particular. O momento do emprego da fraude deve ser anterior à obtenção da vantagem ilícita. O tipo estelionato possui dois elementos subjetivos, o dolo e a obtenção da vantagem para si ou para outrem, não há, portanto, modalidade culposa de estelionato. É admissível a tentativa. Ainda segundo Damásio (JESUS, 2014), o meio utilizado para a fraude deve ser idôneo, capaz de enganar a vítima, o meio grotesco impõe a atipicidade do fato. Nesse ponto o autor reconhece duas jurisprudências estabelecendo critérios para aferir a idoneidade do meio executório: Uma que prega a avaliação impessoal em relação a condição da vítima e outra que considera avaliar observando a condição pessoal da vítima. Quando o delito é praticado mediante o uso de falsidade, esta é apreciada como um crime-meio para o crime-fim de estelionato (JESUS, 2014).

Capez (CAPEZ, 2012), ao comentar sobre o delito de estelionato, não apresenta discordâncias quanto comparado a Damásio de Jesus. Ele observa que o estelionato consuma-se quando a agente aufere o proveito econômico causando dano à vítima, o que, em geral, ocorrer simultaneamente. O autor explica que é considerado local do fato para estabelecimento de competência aquele onde o agente obteve a vantagem ilícita. Capez cita que a tentativa é admissível e faz o seguinte comentário:

“É também necessário verificar se o meio empregado era realmente apto a ludibriar a vítima, caso em que haverá tentativa. É a hipótese em que alguém tenta iludir a balconista de uma loja, com um cheque adulterado, mas esta, por cautela, vem a certificar-se da fraude, mediante consulta ao terminal de computador. Haverá tentativa, pois o meio era eficaz, tendo sido frustrado por circunstâncias alheias à vontade do autor. Tal não ocorre se o meio empregado for totalmente ineficaz, como, por exemplo, na adulteração grosseira de documento, que pode de pronto ser constatada. Nesse caso, haverá crime impossível pela ineficácia absoluta do meio empregado (CP, art. 17)” (CAPEZ, 2012, p. 581).

Quando a fraude é dirigida para a obtenção de financiamento em instituição financeira, o legislador optou por estabelecer o tipo penal especifico descrito no artigo 19, da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências:

 “Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira: Pena — Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento” (Brasil, 1986).

As operações de crédito distribuem-se segundo as seguintes modalidades: a) Empréstimos – são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos; b) financiamentos – são as operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos (Banco Central do Brasil, 1987). Nossos Tribunais (Brasil – STJ, 2012), em reiteradas, decisões diferem as situações de fraudes envolvendo empréstimos e financiamentos. Para as primeiras as interpretações são no sentido de que se trata de estelionato (artigo 171 do CPB), já para as segundas a tendência é imputar o crime previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/86. Fixado o entendimento de que se trata do delito previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/86 e não de estelionato, a competência para julgar o fato delituoso é da Justiça Federal, nos termos do artigo 26 daquele dispositivo legal. As fraudes em operações de "leasing" são interpretadas como fraudes em financiamentos (TRF-3, 2015). O crime previsto no artigo 19, da Lei nº 7.492/86, é comum, ou seja, não é exigido para o autor a condição de controlador, administrador, diretor ou gerente de instituição financeira, pode ser cometido por qualquer pessoa, para e é exigido o dolo genérico (TRF-3, 2015). A tipificação de fraude em financiamento no artigo 19 da Lei nº 7.492/86 não é uma atitude automática e absoluta, ocorrem decisões que interpretam os fatos considerando o princípio da ofensividade e o bem jurídico tutelado pela Lei nº 7.492/86 para desqualificar a conduta para o artigo 171 do CPB. Tais interpretações avaliam que a magnitude da conduta criminosa não teria como atingir a higidez do sistema financeiro nacional, razão de ser da Lei nº 7.492/86 (TRF – 4ª Região, 2011).

O posicionamento da Justiça frente as fraudes no financiamento de veículos esta bem demonstrada no Voto do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca:

“VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

Com efeito, o presente conflito se estabeleceu em virtude de investigação relativa à obtenção de financiamento perante a BV FINANCEIRA S⁄A. Segundo apurado, foi celebrado, por Antônio Maldonado Neto, contrato de financiamento no valor de R$ 21.980,96 (vinte e um mil, novecentos e oitenta reais e noventa centavos), para aquisição de um veículo. Contudo, diante do inadimplemento das parcelas contratadas e consequente inscrição do inadimplente no cadastro dos órgãos de proteção ao crédito, verificou-se que o financiamento foi realizado com documentação falsa.

Discute-se, assim, a real tipicidade do delito, pois, cuidando-se de crime contra o sistema financeiro nacional, a competência é da Justiça Federal, nos termos da parte final do inciso VI do art. 109 da Constituição Federal, c⁄c o art. 26 da Lei n. 7.492⁄1986. Contudo, cuidando-se de delito de estelionato, a competência é da Justiça estadual.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que, a depender da espécie da operação realizada, pode ou não configurar-se crime contra o sistema financeiro. Dessa forma, caracteriza-se o crime do art. 19 da Lei n. 7.492⁄1986 "quando os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica, não se confundindo, assim, com mútuo obtido a título pessoal, conduta que caracteriza o crime de estelionato". (CC 122.257⁄SP, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ⁄PE), Terceira Seção, DJE de 12⁄12⁄2012).

No caso, pelo contexto fático apresentado, verifica-se que houve a obtenção de financiamento propriamente dito, haja vista ter ficado estabelecida no contrato destinação específica para o dinheiro, qual seja a aquisição do "veículo IMP⁄CITROEN XSARA, de placas BDR-0017, junto ao estabelecimento comercial denominado ATLAS VEÍCULOS, nesta cidade de Londrina⁄PR" (e-STJ fl. 71).

Dessa forma, definida a espécie da operação realizada – financiamento – e diante do contexto apresentado até o momento, o qual se subsume, em tese, ao delito do art. 19 da Lei n. 7.492⁄1986, deve-se dar prevalência à investigação pela Justiça Federal, nos termos do art. 26 da Lei n. 7.492⁄1986” (MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, 2015).

Entre as interpretações sobre a aplicação do Código Penal ou da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, quando o ato é praticado com o uso de falsidade documental, surgem discussões sobre a ocorrência ou não de concurso de crimes, Fernando Capez (CAPEZ, 2012), cita quatro posições na doutrina e na jurisprudência: 1º O crime fim absorve a falsidade; 2º há concurso formal de crimes; 3º há concurso material e 4º o crime de falsidade (no caso de documento público) prevalece.

1.    RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA

Segundo Rosemeri Alessio (ALESSIO, 2004) o termo responsabilidade social possui múltiplas interpretações, variando conforme a área do conhecimento dos interpretes, com modificações especificas quando associado as Ciências Sociais, a Economia, a Administração etc. A autora observa que ao longo do tempo a definição variou entre uma atitude e uma obrigação. Ela inicia a definição da responsabilidade social a partir da decomposição filosófica da expressão nas palavras que a compõem: “Responsabilidade” e “social”. Responsabilidade é a atitude livre de um individuo para agir e assumir as consequências de uma determinada ação, “é a possibilidade de prever os efeitos do próprio comportamento e de corrigi-los com base em tal previsão” (ALESSIO, 2004, p. 64). “Isto quer dizer que, já antevendo as consequências de determinado ato ou ação, existe a livre escolha de evitá-la” (ALESSIO, 2004, p. 64). Já o termo social é pertencer a sociedade ou as suas estruturas. Com essas interpretações Rosemeri Alessio define responsabilidade social como:

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“A responsabilidade individual e de livre escolha pela realização ou não de um ato, em função de antever as consequências sociais que poderão ocorrer, mas, uma vez realizado, esse ato deve ser assumido por quem o realizou” (ALESSIO, 2004, p. 64).

Ao explicar responsabilidade social Fernando Tenório busca apoio em Barbosa e Rabaça para assim defini-la:

“A responsabilidade social nasce de um compromisso da organização com a sociedade, em que sua participação vai mais além do que apenas gerar empregos, impostos e lucros. O equilíbrio da empresa dentro do ecossistema social depende basicamente de uma atuação responsável e ética em todas as frentes, em harmonia com o equilíbrio ecológico, com o crescimento econômico e com o desenvolvimento social” (TENÓRIO, 2006, p. 20).

Idalberto Chiavenato conceitua responsabilidade sócia como:

“o grau de obrigações que uma organização assume através de ações que portejam e melhorem o bem-estar da sociedade à medida que procura atingir seus próprios interesses. A responsabilidade social representa a obrigação da organização adotar políticas e assumir decisões e ações que beneficiem a sociedade” (CHIAVENATO & SAPIRO, 2009, p. 308).

Rosemeri Alessio (ALESSIO, 2004) cita como um dos marcos para incorporação de um comportamento de responsabilidade social nas organizações o caso A. P. Smith Manufacturing Company versus Barlow, no qual, em 1953, a Suprema Corte de Nova Jersey, EUA foi favorável à doação de recursos para a Universidade Princiton, contrariando os interesses dos acionistas. A Constituição Federal (BRASIL, 1988) ao trazer diversos Artigos alertando sobre função social, em especial o Artigo 170 e seus incisos, emprestou uma posição importante para a atitude de responsabilidade social. No Brasil a responsabilidade social da empresa é considerada por nossos Tribunais já há algum tempo:

“TRT-2 – RECURSO ORDINÁRIO RECORD 20000175697 SP 20000175697 (TRT-2)

Data de publicação: 29/08/2000

Ementa: REINTEGRAÇAO. EMPREGADO PORTADOR DE AIDS. RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA. Como partícipe de sua comunidade e dela refletindo sucessos e insucessos, ganhos e perdas, segurança e risco, saúde e doença, a empresa atualmente já assimila o dever de colaborar na luta que amplamente se trava contra a AIDS e, através de suas lideranças, convenciona condições coletivas em que se exclui a exigência de teste HIV por ocasião da admissão no emprego ou na vigência do contrato, e veda a demissão arbitrária do empregado que tenha contraído o vírus,assim entendida a despedida que não esteja respaldada em motivo econômico, disciplinar,técnico ou financeiro. E isso sob o fundamento de que a questão envolve a vulnerabilidade da saúde pública, não podendo a categoria econômica furtar-se à responsabilidade social que inegavelmente detém. Além do mais, a inviolabilidade do direito à vida está edificada em preceito basilar (artigo 5º , caput, da Constituição Federal ).”

Simone Genovez observa que: “A responsabilidade social é uma extensão da função social da empresa delimitada pela ordem econômica e jurídica, cuja funcionalização daquela depende da concretização desta, pois ultrapassa os limites legais, que já devem estar bem delimitados e resolvidos pela empresa ao adotar iniciativas voluntárias que exigem o compromisso com as questões sociais, éticas, jurídicas, econômicas e ambientais na busca de solucionar os problemas emergentes da sociedade” (GENOVEZ, 2012, p. 55). Ela conclui afirmando que “em uma abordagem geral, a empresa em parceria com o Estado e a sociedade está preparada para cumprir sua responsabilidade social e efetivar o desenvolvimento econômico sustentável, aproximando-se dos ideais constitucionais da justiça social, mesmo num cenário tão competitivo, global e excludente” (GENOVEZ, 2012, p. 111).

5. O AGENTE FINANCEIRO E O “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO”

A luz do Direito Penal ao ocorrer o “golpe do veículo financiado” o agente financeiro recebe a condição de vítima é visto como sujeito passivo. Na esfera civil ocorre que a jurisprudência vem reiteradamente reconhecendo a responsabilidade do agente financeiro para com os danos sofridos pela pessoa que o contrato de financiamento foi estabelecido de maneira fraudulenta em nome dela. A Súmula 479 do STJ apresenta: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. O Desembargador José Flávio de Almeida e o Desembargador Adilson Polegato de Freitas, sintetizaram as interpretações da Justiça:

“Apesar da técnica do falsário, ainda assim a apelante principal responde pelo risco profissional assumido, pois a sua atividade lucrativa não pode causar dano a terceiro, sobretudo quando para exercê-la exige a identificação do cliente, e, para evitar dissabores como o dos autos, tem o dever de se inteirar dos meios de proteção à fraude e treinar seus funcionários para dificultar que ocorram” (TJMG, 2013).

“Não há dúvida que a apelante principal faltou com o cuidado objetivo exigível para frustrar a atividade criminosa, e, na sua atividade comercial, trata-se de fornecimento de serviço defeituoso que expôs terceiros (fora da relação negocial direta) ao risco de suportar prejuízos, o que de fato ocorreu com a apelada” (TJMG, 2013).

“O risco da atividade desempenhada pela instituição financeira envolve o risco de ser vítima de fraudes e, por consequência, causar dano a terceiros, razão pela qual a conferência da veracidade dos documentos que lhe são apresentados deve ser minuciosa” (TJMT, 2014).

Matéria divulgada no sitio na internet o Poder Judiciário do Estado do Ceará complementa os sentimentos dos Tribunais sobre essas fraudes:

“Por último, ressaltou que compete à fornecedora do serviço, antes da conclusão do contrato, cercar-se da certeza da identidade do contratante. “Exige-se do fornecedor muito mais que mera diligência em confirmar os dados pessoais do solicitante. Exige-se serviço adequado, que resguarde terceiros de eventuais transtornos e ilícitos”.

A decisão foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico dessa terça-feira (30/09)” (Estado do Ceará – Poder Judiciário, 2014).

No geral, as análises dos julgamentos civis identificou que os agentes financeiros buscam a defesa argumentando, entre outras coisas: que não houve prova do dano; que não podem ser responsabilizado por atos de terceiros responsáveis pelas fraudes e que todos os cuidados normais e exigíveis foram tomados no momento a contratação. Outro argumento utilizado pelo agente financeiro na defesa é que ele não é o fornecedor do bem e tampouco o responsável pela execução dos serviços contratados e que não houve defeito no serviço bancário (TJSP, 2015). As interpretações do Poder Judiciário, no campo do Direito Civil, são no sentido de que o agente financeiro ao possibilitar a ocorrência de fraude, envolvendo terceiro como vítima, age com negligência e faltando com o necessário dever de cuidado. Ao permitir a contração por estranhos que utilizam de maneira fraudulenta documentação de terceiro, sem a devida conferencia o agente financeiro demonstra que não houve o cuidado devido (TJMG, 2014). As decisões judiciais não se baseiam apenas na responsabilidade objetiva, independente da existência de culpa, para impor a reparação dos danos. Elas reconhecem que nos casos ocorreram negligências, falta de zelo e decuidado. Entre as bases legais das interpretações do Poder Judiciário destacam-se:

“Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento[1]” (Brasil, 1990).

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito[2]” (Brasil, 2002).

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes[3]” (Brasil, 2002).

“Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo[4].” (Brasil, 2002).

Refletindo sobre as motivações judiciais Cynthia Paula (PAULA, CABRAL, & VAS, 2015) conclui que elas, respeitando os limites legais e Princípios do Direito, devem garantir decisões que impactem positivamente para o aprimoramento do tecido social. Na modalidade de fraude aqui discutida os juízes do civil, após avaliarem os casos, reconhecem a responsabilidade do agente financeiro pela ocorrência do delito e as consequências dele. Essa avaliação nada tem a ver com a responsabilidade penal, pois é inquestionável que sob essa dimensão o agente financeiro é vítima. O campo dela são as dimensões do Direito Civil e do Consumidor. Sob esse prisma o agente financeiro, por negligência e/ou imperícia, facilita o resultado e as repercussões dele perante terceiros.

6. CONCLUSÕES

O delito aqui denominado “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO” não é um evento de ocorrência esporádica e raro. É um golpe frequente, ocorre em todos os estado da União e também não está restrito a um único agente financeiro. Diante do Direito Penal o agente financeiro se situa como vítima de um crime e assim é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência. Para a jurisprudência civil o agente financeiro facilita o delito e os resultados dele decorrentes porque se comporta com negligência e/ou imperícia na prestação do serviço. Para a jurisprudência civil o agente financeiro não se cerca dos cuidados necessários para evitar que o delito ocorra. E sob esse prisma ele passa a ser culpado de uma culpa que ultrapassa a responsabilidade objetiva.

Ao reconhecer que o comportamento do agente financeiro causou dano a terceiro a jurisprudência o fez respaldado na responsabilidade civil. A consequência desse reconhecimento é a imposição da obrigação de indenizar. Então, pressupondo que um banco, um agente financeiro, pela natureza das suas atividades, disponha de eficientes sistemas de gestão de riscos e auditorias, bem como de combate a fraude, é de se acreditar que ele tenha conhecimento e inteligência sobre a fraude. Nesse caso as decisões sobre as medidas para inibir a fraude, e as repercussões dela sobre terceiros, serão tomadas baseadas em análises de custo e beneficio.

 Com essas premissas há de se supor que os custos relacionados com a fraude (ai incluídas a indenização de terceiros e os possíveis danos a imagem) ainda são inferiores ao beneficio auferido aceitando a ocorrência da fraude. Este é um raciocínio pautado em um processo padrão de tomada de decisão na gestão de empresas, mas que avaliado sobre um ângulo maior revela uma visão simplista sobre o terceiro que sofreu um dano em decorrência da conduta negligente e/ou imperita do agente financeiro.

Com a capacidade de prever a possibilidade de fraude e sem adotar métodos eficazes para evita-la, o agente financeiro gera demandas para um sistema de segurança pública já sobrecarregado e para um Poder Judiciário nas mesmas condições. O agente financeiro assume o papel que Nestor Penteado Filho (PENTEADO FILHO, 2012) denomina de vítima latente ou potencial.

E, diante de tudo reunido, percebe-se que o agente financeiro ao assumir uma conduta negligente e/ou imperita frente ao aqui denominado “GOLPE DO VEÍCULO FINANCIADO” demonstra um comportamento restritivo frente aos conceitos do que seja responsabilidade social da empresa. Essa atitude, na realidade capitalista brasileira, para ser alterada irá depender de impulsos externos a empresa e que modifiquem a equação de custo/beneficio, supra referida, fazendo o custo de sofrer a fraude ser maior que beneficio do negócio em larga escala. Nesse contexto, em razão da inércia dos órgãos reguladores do Sistema Financeiro Nacional, o Poder Judiciário pode atuar induzindo o cumprimento da função social do agente financeiro e alertando-o para a responsabilidade social dele esperada. E isso pode ser conduzido tornando as indenizações para as pessoas vítimas da negligência/imprudência significativas em valores para a força econômica do agente financeiro alterando a equação de custo/beneficio. Ou seja, para o estabelecimento do valor da indenização decorrente da responsabilidade civil, ou qualquer outra sansão civil, deve, quando viável, prevalecer a busca de um efeito pedagógico, o qual só será sentido pelo agente financeiro se impactar na equação custo/beneficio.

 

 

Referências
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Notas
[1] Código de Defesa do Consumidor.

[2] Código Civil.

[3] Código Civil.

[4] Código civil.


Informações Sobre o Autor

Luís Henrique Costa Ferreira

Delegado de Polícia Civil do Estado da Bahia; Mestre em Segurança Pública Justiça e Cidadania; Especialista em Gestão Pública; Especialista em Direitos Humanos Segurança Pública e Cidadania; Especialista em Gestão em Políticas de Segurança Pública; Especialista em Análise de Sistemas; Bacharel em Direito Engenheiro Civil e Licenciado em Matemática


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