O inadimplemento do contratado e suas espécies: revisitando os conceitos de inadimplemento absoluto e relativo, total e parcial

Resumo: A pesquisa trata do conceito e espécies de descumprimento contratual, dando relevo às distinções entre os inadimplementos absoluto, relativo, total e parcial, que, muitas vezes, são explicadas superficialmente pelos Cursos de Direito Civil. Aponta que coexistem na doutrina brasileira duas conceituações sobre mora, sendo preferível a que consta expressamente na legislação. Anota que o fenômeno do inadimplemento absoluto pode ser mais bem explicado se for tratado como inexecução definitiva, ao passo que o relativo mostrar-se-ia como inicial ou provisório. Observa que a caracterização jurídica do inadimplemento definitivo depende de critérios da equidade e proporcionalidade. Finalmente, examina os dois significados da classificação quanto à parcialidade do cumprimento do contrato.

Palavras-chave: Contrato. Inexecução. Espécies. Mora. Equidade.

Sumário: Introdução. 1. Considerações Iniciais. 2. Elementos do inadimplemento. 3. Espécies de inadimplemento. 3.1. Distinção entre inadimplemento relativo (provisório) e absoluto (definitivo). 3.2. Distinção entre inadimplemento parcial e total (duas classificações). Conclusão.

INTRODUÇÃO

As pessoas costumam fazer promessas constantemente: de trazer a felicidade, a vitória, de se comportar melhor etc. Porém, quando alguém procura fazer com que uma promessa seja cumprida, o Direito é convidado a participar da relação entre as pessoas. É ele que emprestará para os envolvidos o poder de se exigir o combinado, instrumentalizando-os com a legitimidade de ir até um terceiro imparcial, para que este imponha a execução da promessa, ainda que o outro já tenha perdido a vontade de cumpri-la.

Justamente sobre esse fenômeno do inadimplemento contratual é que se discorrerá neste artigo, ressaltando as maneiras como tal fato social pode acontecer e a busca de como classificá-las juridicamente. Sim, porque é de acordo com tal enquadramento que o Direito estabelecerá as consequências cabíveis para aquele fato, que agora também relevância jurídica.

Nessa investigação, serão observados, inicialmente, os elementos da inexecução contratual, isto é, o que precisa existir faticamente para que um acontecimento possa sofrer a influência das normas do Direito. Em sequência, serão revisitadas as duas tradicionais classificações do inadimplemento contratual, quais sejam, a que o reparte em absoluto e relativo, bem como a que o divide em total e parcial. Mereceu destaque, desse modo, a apreciação do que se entende por mora, tendo em vista que a doutrina civilista expressa ressalvas acerca do conceito legal de tal instituto.

Finalmente, deve-se pontuar que o presente estudo não pretendeu esgotar a análise sobre o tema, mas apenas contribuir, de algum modo, com o debate entre os interessados pelo assunto. Deveras, os institutos jurídicos examinados ainda merecem apreciações cuidadosas, dado a complexidade com que se desenvolvem na realidade fática.

1. Considerações Iniciais

As obrigações assumidas devem ser fielmente executadas, ou seja, devem ser prestadas de modo exato e no tempo e lugar determinados pela fonte de onde originou. Isso porque o adimplemento é o fim último do processo obrigacional, na medida em que foi pelo interesse de obter tal execução perfeita que os contratantes se aproximaram e celebraram o acordo de vontades. Dessa forma, “quando a prestação corresponde exatamente ao avençado, a relação exaure-se e cumpre a sua função, desonerando o devedor e satisfazendo o interesse do credor”[1].

Em sendo assim, a contrario sensu, é fácil concluir que a inexecução da obrigação pelo devedor pode ser entendida como a situação de fato em que ele deixou de satisfazer a demanda do credor, tratando-se, pois, da parte patológica e excepcional do direito das obrigações.

Ocorre que, para a situação fática ter relevância jurídica[2] e gerar a responsabilidade contratual com os efeitos daí decorrentes, é necessário que esse elemento objetivo do inadimplemento, agora entendido como uma situação de direito, ultrapasse outro elemento: o subjetivo, consistente na imputabilidade da situação ao devedor[3].

2. Elementos do inadimplemento

A inexecução da obrigação contratual tem dois elementos: um objetivo, que é o fato jurídico correspondente a conduta do devedor de não cumprir exatamente o que estava obrigado, e o outro subjetivo, significando a imputabilidade de tal fato ao sujeito que lhe deu causa jurídica.

Acerca do primeiro elemento, a doutrina clássica[4] conhecia três maneiras pelas quais o devedor pode deixar de cumprir a obrigação: a) a inexecução voluntária; b) o cumprimento tardio e c) o cumprimento defeituoso.

Modernamente, no entanto, a noção de adimplemento se alargou, em especial por força do princípio da boa-fé objetiva, que atualmente é considerado fonte autônoma de obrigações, independendo, portanto, de estar ou não inserido em alguma cláusula contratual[5].

O professor Gustavo Gazalle[6], em relevante síntese, elenca o seguinte rol de causas objetivas de inadimplemento obrigacional, ao qual se deve acrescentar apenas a inexecução integral e o cumprimento tardio para torná-lo completo, em face da doutrina contemporânea:

1)Hipóteses de mau cumprimento da obrigação (cumprimento imperfeito).

2) Descumprimento dos deveres anexos ou laterais, como o de informação, cooperação, esclarecimento, auxílio etc.

3) Recusa antecipada do devedor em cumprir a obrigação.

4) Descumprimento de obrigações negativas. O exemplo clássico é o dever de sigilo, p. ex., alguém contrata o desenvolvimento de um software, o devedor da obrigação principal entrega o produto, mas posteriormente divulga informações sigilosas.

5) Não cumprimento de obrigações singulares em contrato de fornecimento sucessivo, p. ex., um fornecedor de cerveja cumpre, via de regra, o contrato, mas, por vezes, manda o produto estragado.”

Das referidas situações de fato, que, na essência, representam ofensa aos interesses envolvidos na relação jurídica, poderá decorrer, por consequência da responsabilidade contratual, o dever de indenizar, efeito do inadimplemento, caso tal inexecução possa ser ou não imputável ao devedor.

No que tange ao elemento subjetivo do inadimplemento, cumpre esclarecer que há doutos que preferem referir-se à culpabilidade como elemento estrutural necessário para o devedor responder pela inexecução[7]. Nesse sentido, Orlando Gomes[8] esclarece o seguinte:

“Pode o inadimplemento resultar de fato imputável ao devedor ou evento estranho à sua vontade, que determine a impossibilidade de cumprir.

No primeiro caso, há inexecução culposa. Tomada a palavra culpa no sentido de violação de um dever jurídico, não pode haver dúvida quanto a caráter culposo de todo inadimplemento voluntário. Sempre que o devedor deixa de cumprir a obrigação sem a dirimente do caso fortuito ou de força maior configura-se procedimento culposo. Como, entretanto, o devedor inadimplente responde por perdas e danos, a doutrina tradicional funda sua responsabilidade no comportamento que tenha, referindo-o ao tipo abstrato do bom pai de família, eis que deve conduzir-se com diligência normal. Contra essa orientação levantam-se modernos civilistas, para os quais o devedor está adstrito a ressarcir o dano pelo exclusivo fato objetivo do inadimplemento ou da mora.”

Os juristas contemporâneos, porém, combatem o elemento da culpabilidade, argumentando que há diversas situações em que o sistema jurídico o dispensa[9]. Ademais, o próprio Código Civil (CC) inverte o ônus de demonstrar o elemento subjetivo do inadimplemento no artigo 389[10]. Quanto ao tema, esclarece Gustavo Gazalle[11] da seguinte maneira:

“A doutrina sempre lúcida, profunda e avançada de PONTES DE MIRANDA, já esclarecia o equívoco de se exigir a culpa no suporte fático do inadimplemento, para configurar-se a mora. Em dez páginas e com consistente fundamentação é rechaçada, com veemência, a necessidade de aferir-se a culpa do inadimplente para configurar a mora. Ao contrário, aponto o critério da imputação como o adequado para responsabilizar o inadimplente e considerá-lo em estado de mora. (…)

Exemplo basilar da inconveniência de considerar-se a culpa elemento essencial da mora é o citado por PONTES, do insolvente que contraiu a dívida antes de sua insolvência.”

O aludido professor chama atenção para o fato de que apenas um artigo do Código Civil refere-se à culpa, quando trata da inexecução da obrigação, qual seja, o artigo 399[12], que cuida da impossibilidade da prestação do devedor que já se encontrava no período da mora, “quando, aí sim, o critério da culpa ganha importância e razoabilidade, pois se refere à isenção de culpa na causa da excludente, caso fortuito e força maior”[13].

Este segundo grupo de doutrinadores prefere a imputabilidade, ao invés da culpa, como elemento do inadimplemento, sustentando que os casos de força maior ou caso fortuito provocam o rompimento do nexo de causalidade, de modo que a conduta do devedor deixa de ser a causa da inexecução[14]. Já os que advogam o contrário, valendo-se do critério da culpabilidade, sustentam que em tais casos o resultado (a inexecução) não decorreu da vontade do devedor[15], de maneira que a ele não poderá ser imputado[16].

Seja de uma ou de outra maneira, o certo é que a partir do elemento subjetivo da inexecução é que é possível distinguir, por exemplo, o acontecimento fático descumprimento do instituto jurídico inexecução da obrigação. Por isso é que pode haver casos em que existe o descumprimento da obrigação, mas esse fato não poderá ser classificado juridicamente como inexecução contratual, por não existir, por exemplo, culpa do devedor. Assim é que, em havendo caso fortuito ou força maior, de regra o devedor não responderá pela situação fática de inadimplemento, salvo se expressamente houver por eles assumido previa e expressamente a responsabilidade (CC, art. 393[17]).

Por fim, merece destacar que “os modernos civilistas, tendo em vista, justamente, a teoria do risco, dividem o caso fortuito em interno e externo. O primeiro é o que se liga à empresa; o último, o que está fora dela, reservada a este a denominação força maior”[18]. Por essa razão, os doutrinadores nacionais que estiveram reunidos na V Jornada de Direito Civil decidiram que “o caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida”[19], ou seja, ainda que o dano decorra de um caso fortuito, como por exemplo uma falha do maquinário, a empresa responderá por ele, tendo em vista que tal imprevisto é inerente à atividade desempenhada.

3. Espécies de inadimplemento

A doutrina sempre buscou agrupar as situações fáticas de inadimplemento, sintetizadas acima. Em uma primeira classificação, ela costuma distingui-las entre três espécies, muito embora o Código Civil preveja apenas duas. Com efeito, os que restringem o conceito legal de mora ao elemento tempo, adicionam à espécie do inadimplemento absoluto uma terceira classe, denominada de violação positiva do crédito ou execução imperfeita, que seria uma categoria residual[20]. Já aqueles que classificam a inexecução em duas espécies aceitam o conceito legal amplo de mora, tornando-o residual[21], restando, tão somente, a categoria do inadimplemento absoluto.

Há consenso de que ocorre o inadimplemento absoluto quando a obrigação não foi cumprida e nem poderá sê-lo, com proveito para o credor[22]. Pode-se vislumbrar, ademais, duas espécies de causas geradoras do inadimplemento absoluto: fatos relativos ao objeto da prestação, seja o perecimento ou apenas a deterioração da coisa, ou fatos concernentes ao interesse do credor na realização da prestação[23], como é o caso, por exemplo, da recusa do devedor em cumprir a obrigação.

Nessa toada, a mora pode ter dois conceitos, a depender de o doutrinador filiar-se a repartição bipartite ou tripartite das categorias de inadimplemento. Os primeiros adotam um conceito restrito de mora, tida como o injusto retardamento no cumprimento da obrigação. A legislação civil, no entanto, adotou o conceito amplo no artigo 394 do Código, do qual se depreende que mora é o pagamento da obrigação no tempo, no lugar e na forma em que não foram estabelecidos no Direito ou na convenção[24].

Para aqueles juristas, restringindo a mora ao cumprimento tardio, todas as demais situações do rol engendrado por Gustavo Gazalle caracterizariam o cumprimento imperfeito ou a violação positiva do crédito. Sobre esse conceito, para os que o adotam, nota-se que ele vem se alargando, na proporção em que o conceito de obrigação abarcou a noção dos deveres anexos advindos da boa fé objetiva, especialmente por tratar-se de conceito residual. Na visão clássica, mas atual, Orlando Gomes[25] descreve esse terceiro gênero assim:

“Entendido, porém, como cumprimento defeituoso, no sentido que Zitelmann empresta à locução, serve para qualificar as situações nas quais o devedor não efetua o pagamento no lugar e forma convencionados. Cumpre mal a obrigação que não observa estipulação contratual ou determinação legal atinentes a esses modos de satisfazer a prestação. Os que assim procedem violam, com um ato, o crédito. Comportam-se diferentemente de quem atrasa o pagamento, pelo que incorreto será dizer que incorrem na mora.”

 O professor Gustavo Gazalle[26], todavia, baseando-se nos ensinamentos do jurista Pontes de Miranda, e divergindo da maioria dos civilistas, conseguiu comprovar a inutilidade científica de se adotar o conceito de violação positiva do crédito perante o direito brasileiro, haja vista a amplitude com que o legislador nacional tratou a mora, bem como a inexistência de efeitos específicos ao terceiro gênero de inadimplemento. Nesse sentido, cabe a seguinte transcrição:

Para que o conceito [de violação positiva do contrato] fosse diretamente transportado para nosso sistema, seria necessário restringir, contra legem, o conceito de mora vigorante no direito brasileiro. Somente assim abrir-se-ia um generoso campo de aplicação da teoria da violação no Brasil, o que é claramente desnecessário.

Sob este prisma, tomando como base o conceito de mora no novo Código Civil, que abrange o cumprimento imperfeito e a infração dos deveres anexos, pois remente o não cumprimento no tempo, lugar e forma expressamente aos preceitos da lei, entre os quais está obrigatoriamente a cláusula geral da boa-fé objetiva, pouca ou nenhuma utilidade tem, entre nós, a adoção do conceito de violação positiva do contrato.

A vantagem ou utilidade da adoção do conceito de violação no Brasil seria trazer ao campo da responsabilidade civil contratual (abrindo a possibilidade de resolução e execução forçada do contrato), algumas hipóteses que, com base na visão clássica, só poderiam ser resolvidas extracontratualmente, através do antigo artigo 159, hoje 927 do Código Civil brasileiro. (…)

Não vemos a necessidade da teoria da violação positiva neste caso, porque a hipótese mostra-se enquadrável nos casos de cumprimento imperfeito da obrigação principal, o que caracteriza, em nosso sistema, mora – deflagrando seus efeitos. Ainda que não se considerasse hipótese de mora neste caso, a cláusula geral que determina a observância da boa-fé nos contratos, o art. 422 do novo Código Civil, seria aplicável ao caso, acarretando, na prática, os mesmos efeitos, quanto à responsabilidade civil, que adviriam se enquadrássemos o mesmo caso como mora ou violação positiva do contrato.”

A irretocável tese do citado doutrinador é a de que o novo Código Civil[27], ao inserir a lei como fonte de obrigação apta a ensejar mora, autoriza a compreensão de que essa modalidade de inadimplemento abarcou definitivamente a inexecução por ofensa à boa-fé objetiva (CC, art. 422[28]), não restando, portanto, mais espaço para se falar em violação positiva do contrato ou do crédito, mormente porque a mora sempre se referiu no direito positivo nacional também ao modo e lugar da execução contratual, não se restringindo ao tempo do pagamento.

3.1. Distinção entre inadimplemento relativo (provisório) e absoluto (definitivo)

Adotado o conceito legalista e amplo de mora, cumpre estabelecer a espinhosa distinção entre os inadimplementos absoluto e relativo. A dificuldade existe especialmente porque, de ordinário, a questão exige muito mais um juízo de fato do que de direito, além de ser influenciada em grande parte pela equidade[29].

Doutrinariamente, é satisfatória a seguinte distinção[30]:

“Ocorre o inadimplemento absoluto quando a obrigação deixa definitivamente de ser cumprida pelo devedor, em oposição à mora, hipótese de não cumprimento da obrigação na forma, lugar ou tempo devidos (CC, art. 394). Para que haja mora, todavia, é preciso que seja possível o cumprimento, ainda que tardio, da obrigação. Deixando de sê-lo, a mora não tem lugar: o devedor torna-se absolutamente inadimplente. Daí por que Agostinho Alvim afirma, como caráter distintivo entre o inadimplemento absoluto e a mora, a possibilidade ou impossibilidade da prestação, do ponto de vista do credor e não do devedor.”

No mundo dos fatos, o que se pode perceber é que vencida a obrigação liquida e certificada pelos elementos subjetivo (quem paga e quem recebe) e objetivos (objeto, local e tempo do pagamento)[31], o credor poderá observar a existência ou não do inadimplemento, que, em havendo, se desenvolve ao longo do tempo seguinte à data aprazada, caso ele não tenha imediata e justificadamente se recusado a receber a atrasada prestação do devedor.

Assim, o próprio retardamento da prestação já é uma das formas de inadimplemento, sendo, em regra, classificada como relativo, mas podendo configurar-se absoluto[32], a depender, como citado, da conclusão advinda da análise objetiva a respeito da possibilidade ou não de o credor receber a prestação, em face de ela continuar sendo ou não uma demanda sua, ou seja, algo útil e necessário à finalidade econômica que havia no momento da celebração da avença[33].

Porém, existem outras situações que, apesar de a primeira vista o elemento tempo ter sido cumprido com exatidão, ainda assim configura inadimplemento, cuja classificação entre relativo e absoluto igualmente dependerá do interesse objetivamente econômico do credor. Imagine, por exemplo, a circunstância de ter o devedor entregue ao credor, no dia e local convencionado, um objeto de qualidade inferior a que estava obrigado[34]. Será inadimplemento relativo se o devedor se comprometer a substituí-lo e o credor puder recebê-lo a destempo[35]. Será absoluto, porém, se a necessidade econômica do credor não comportar essa possibilidade.

A dificuldade de distinguir a última situação entre adimplemento relativo e absoluto é aumentada se problematizá-la um pouco mais. Imaginando que o credor recebeu, no vencimento, o produto de qualidade inferior com a condição, posteriormente estabelecida, de ser substituído em certo prazo. Haveria aqui, por consequência, um caso de relatividade do inadimplemento, pois provisório e corrigível. No entanto, ultrapassado o segundo prazo, o devedor pleiteia a prorrogação, que, porém, sendo objetivamente inviável para o credor, não é concedida. Dessa forma, o devedor não corrigiu a execução contratual e a correção não tem mais utilidade para o credor.

Nesse caso, ao que parece, houve a passagem do inadimplemento relativo para o absoluto, ainda que parcialmente adimplido; sendo, a princípio, aplicáveis as consequências jurídicas previstas para a última espécie[36], porém de forma mitigada, tendo em vista que o tempo em que o credor ficou com a coisa, que poderá ser devolvida ao devedor, conforme o disposto no parágrafo único do art. 395 do CC[37], deverá ser considerado no momento de apurar as perdas e danos. 

Objetivamente, são mais precisos os termos provisório e definitivo do que relativo e absoluto para caracterizar o inadimplemento, que, muitas vezes, se desenvolve no tempo, sendo um processo, assim como o é a obrigação. O que determina a conversão do inadimplemento provisório, ou inicial, para o definitivo é, como visto, o desinteresse econômico do credor, que, porém, deve estar fundamentado em razões objetivas do caso concreto e pautado em um juízo de equidade e proporcionalidade, sob pena de caracterizar o reprovável arbítrio[38].

Com efeito, tendo em vista que o conceito jurídico de inexecução absoluta impõe, como consequência lógica, a drástica medida de extinção anormal da avença, afastando-se do princípio da conservação dos negócios jurídicos, é compreensível exigir do operador do direito que atue com ponderação e equilíbrio na apreciação dos fatos para concluir se, no caso concreto, a finalidade econômica do crédito pode, objetivamente, persistir ou não.

Exemplo disso é visto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com a aplicação da teoria do adimplemento substancial de que “o credor fica impedido de rescindir o contrato, caso haja cumprimento de parte essencial da obrigação assumida pelo devedor; porém não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo ajuizar ação de cobrança para tanto”[39].

Deveras, da interpretação que a doutrina concede ao artigo 421 do CC[40], surge o entendimento de que a extinção do contrato é a última solução jurídica dada ao caso, a ultima ratio, haja vista a função social do contrato, da qual decorre o aludido princípio da conservação do acordo, consoante o disposto no enunciado n. 22[41], aprovado na I jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal.

Em sendo assim, apenas as infrações contratuais significativas e relevantes, ou seja, os descumprimentos que frustrem a finalidade do próprio contrato, ofendendo cláusulas essenciais[42], obrigações principais, e não acessórias e complementares, é que autoriza a caracterização jurídica do inadimplemento definitivo e absoluto, bem como a consequente extinção da avença.

3.2. Distinção entre inadimplemento parcial e total (duas classificações)

Classificando o inadimplemento não mais quanto ao interesse econômico do credor no decorrer do tempo seguinte ao vencimento, mas sim acerca do grau de semelhança do objeto efetivamente prestado com o que era esperado pelo credor, é possível distinguir o inadimplemento entre parcial e total. Dessa forma, é de se concordar com a posição do Tepedino, Barboza e Moraes[43], [44], transcrita a seguir:

“Diz-se total o inadimplemento quando a obrigação é inteiramente descumprida, enquanto o inadimplemento parcial tem lugar quando a prestação é entregue apenas em parte. Não se confundem o inadimplemento absoluto com o total, nem o parcial com relativo, este equivalente à mora. Tanto o inadimplemento absoluto quanto a mora podem ser total ou parcial.”

Notando que a obrigação tem modo, tempo e lugar para ser prestada e estando certo que o elemento tempo, juntamente com o interesse econômico, está relacionado com a classificação em “definitivo” e “transitório” do inadimplemento, forçoso é concluir que o modo e lugar são o que define o inadimplemento em total e parcial. Ademais, é possível detalhar o modo da prestação nos aspectos quantitativo e qualitativo do objeto, concluindo a sua identificação, dando certeza e liquidez à obrigação[45].

O primeiro exame se dará com relação ao lugar. A prestação nesse aspecto poderá ser inexistente ou exata (inadimplemento total ou adimplemento total), mas também pode ser realizada em local aproximado ou afastado do que estava previsto. Em qualquer desses últimos casos, haverá inadimplemento parcial.

A segunda análise realizada pelo credor no recebimento do objeto diz respeito ao aspecto quantitativo. Nessa toada, a prestação do objeto pode ser inexistente ou exata (inadimplemento total e adimplemento total), mas também pode ser realizada em quantidade menor ou maior do que previsto. Em qualquer desses últimos casos, haverá inadimplemento parcial, apesar de apenas no primeiro caso ser desinteressante para o credor.

A última apreciação se dará qualitativamente, avaliando o credor se o objeto que lhe é entregue possui qualidade inferior, superior ou exata a que foi acordada. Nota-se que esse exame só pode ocorrer se algo foi efetivamente entregue, sendo logicamente inviável haver objeto de qualidades inexistentes.

A título de arremate, deve-se esclarecer que há na doutrina outra classificação que também se vale dos termos parcial e total, traduzindo, dessa vez, a quantidade de obrigações inadimplidas. Nesse sentido, o artigo 409[46] do CC refere-se “à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora”.

Para esse critério, é irrelevante saber se a obrigação inadimplida é essencial ou acessória, uma vez que ambas as espécies podem ser inadimplidas[47]. Isso importará, porém, para definir o grau de interesse econômico da obrigação e o valor da correspondente indenização.

Por fim, é importante destacar que também nessa segunda classificação descabe realizar uma associação necessária entre o descumprimento de uma obrigação acessória com o inadimplemento relativo, e nem entre o desatendimento da obrigação principal com o inadimplemento absoluto, tendo em vista que os critérios de análises dessas classes não se confundem.

Todavia, no plano da probabilidade, dada a complexidade dos casos em concreto, é mais provável que apenas no último caso se caracterize juridicamente o inadimplemento definitivo, mormente porque os contratantes costumam deixar para cláusulas acessórias as obrigações que julgam menos relevantes, em face da finalidade econômica do contrato. Contudo, pode-se imaginar, por exemplo, casos em que a reincidência de inadimplementos de obrigação acessória torne a continuidade da avença economicamente inviável, autorizando, por conseguinte, caracterizá-la como inexecução absoluta do contrato.

CONCLUSÃO

Em arremate, ficou certo que o princípio fundamental do pacta sunt servanda dispõe que as partes, ao realizar o acordo de vontade, assumem a obrigação de executar as prestações contratuais de forma exata e pontual, quer dizer, não só de maneira perfeita e em conformidade com o estipulado, mas também “ponto por ponto” e no tempo certo, sem atraso.

Da mesma forma, estabeleceu-se que o descumprimento, faticamente, pode revestir três modalidades: a inexecução definitiva, o atraso e o cumprimento defeituoso, ou imperfeito. Todavia, o Código Civil brasileiro preferiu reunir sobre o conceito jurídico de inadimplemento relativo, ou mora, não só o adimplemento tardio, mas também o defeituoso e a inexecução dos deveres anexos do contrato, esses últimos igualmente denominados de violação positiva do contrato.

Ainda a respeito da distinção entre inadimplemento definitivo, ou absoluto, e provisório, ou relativo, observou-se que ela decorre muito mais de uma apreciação fática do que jurídica, exigindo, ademais, um juízo de equidade e proporcionalidade, a fim de observar se, no caso concreto, o inadimplemento foi significativo e relevante, por ter ofendido parte essencial do contrato, isto é, a que lhe retira a finalidade econômica. Caso contrário, o inadimplemento será visto apenas como provisório, ou inicial, sem ter o condão, portanto, de extinguir a relação negocial.

A respeito da separação entre inadimplemento parcial e total, foi visto que se pode extrair pelo menos dois sentidos de tais conceitos, na medida em que  a parcialidade pode decorrer tanto do grau de semelhança existente entre o objeto efetivamente prestado com aquele que era efetivamente esperado pelo credor, quanto da quantidade de obrigações inadimplidas no bojo de um só contrato.

Confirmou-se, enfim, que o instituto jurídico do inadimplemento contratual ainda é merecedor de estudos doutrinários, seja porque está diretamente relacionado com os acontecimentos fáticos, em sua enorme complexidade, ou porque passará por uma necessária atualização a partir da incorporação à legislação nacional da moderna Convenção da ONU sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadores de 1980, que, apesar de se referir a transações externas, traz conceitos bastante úteis à compreensão da matéria.

 

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Notas:
 
[1] FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil, vol. 2: direito das obrigações. 6 ed. Salvador: Juspodivm, 2012,  p. 542.

[2] Sobre o fenômeno de incidência normativa e o ingresso do fato ao mundo direito conferir CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[3] A doutrina costuma tratar dos elementos e requisitos apenas quando se referem ao inadimplemento relativo, ou mora, talvez por haver a regra expressa do art. 396, do Código Civil (Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora). Contudo, não há motivo razoável para restringi-los a apenas essa espécie.

[4] Cf. GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 157.

[5] Cf. e.g. MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

[6] GAZALLE, Gustavo Kratz. O conceito de mora na teoria contratual moderna. 2006, f. 76/77. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/7502/000546306.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 jul. 2012.

[7] Cf. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 508.

[8] GOMES, Orlando. Obrigações. 17 ed. Rev., atual. e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002, por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 173. (grifos no original)

[9] Cf, e.g.,os casos do Código de Defesa do Consumidor.

[10] “No momento em que o devedor incorre em mora surge uma presunção relativa de culpa, cabendo àquele que descumpriu o ônus de provar que a demora no cumprimento decorreu de fatos estranhos à sua conduta e de natureza inevitável, que não podem lhe ser imputados. Só assim se isentará das consequências deletérias da mora” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 565)

[11] Idem, ibidem, p. 24/25.

[12] Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”.

[13] Idem, ibidem, p. 27.

[14] Cf. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Vol. V. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 211.

[15] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Malheiro, 2004, p. 85.

[16] Nota-se que a discussão doutrinária resume-se em saber com qual fator se relaciona o caso fortuito e a força maior, ou seja, se tais acontecimentos rompe o nexo de causalidade ou se traduz a ausência do elemento vontade, inerente à conduta humana. De fato, para haver responsabilização civil, exige-se conduta, dano e nexo de causalidade ou imputabilidade. A conduta, na responsabilidade subjetiva, tem que ser voluntária, ou seja, derivada de culpa ou dolo, mas na responsabilidade objetiva dispensa-se a apreciação desses elementos subjetivos, apesar de não negar que vontade seja inerente à conduta. Todavia, em ambos os tipos de responsabilidade, sempre será exigido a demonstração da imputabilidade, ou seja, do nexo de causalidade, isto é, o dano inevitavelmente deverá decorrer da conduta do agente, independendo de haver ou não culpa ou dolo. Caso contrário, o dano será imputado a outra causa, como por exemplo, o caso fortuito e força maior, deixando de existir o dever de indenizar. Logo, a teoria que prega a imputabilidade vale-se da maior facilidade de apreciar objetivamente elementos fáticos, as causas do dano, ou invés daqueles que pregam a culpabilidade, cujo elemento a ser apreciado é o subjetivo, a existência ou não de vontade, o que é de difícil análise.

[17] “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”

[18] ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5 ed. São Paulo: 1980, p. 314.

[19] Enunciado doutrinário n. 443 do Conselho da Justiça Federal (CJF), apud. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 557 e seguintes.

[20] Cf. GOMES, Orlando. Obrigações. Ob. Cit., p. 201 e seguintes. Historicamente, por violação positiva do contrato entendia-se apenas as execuções faticamente imperfeitas, defeituosas ou irregulares, como ocorre por exemplo nos defeitos de uma obra ou quando um bem está avariado. Posteriormente, com a doutrina da boa-fé objetiva, por violação positiva do contrato entende-se também ofensa aos deveres anexos, dentre os de cooperação e informação.

[21] Cf. ALVIM, Agostinho. Ob. Cit., p. 7.

[22] ALVIM, Agostinho. Ob. Cit., p. 7.

[23] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 551.

[24] O Código Civil de 1916 previa o seguinte: “Art. 955. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento, e o credor que não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados (art. 1.058)”. Já o de 2002 estabelece isto: “Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.” . Logo, a Lei pode ser, além de fonte mediata, a própria fonte imediata de obrigações, a serem cumpridas no bojo de uma relação contratual, mesmo que no contrato não estejam previstas. Atualmente, a doutrina mais moderna dá à noção de Lei um conceito amplo, que abarca os textos legais e os princípios jurídicos decorrentes da interpretação de todo o ordenamento, razão pela qual pode ser entendida como o Direito. Os doutrinadores contemporâneos, portanto, passaram a denominar o princípio da legalidade de princípio da juridicidade.

[25] Idem, ibidem, p. 209/210.

[26] GAZALLE, Gustavo Kratz. Op. Cit.

[27] Nesse sentido, o art. 955 do Código Civil revogado rezava que “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento, e o credor que não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados (art. 1.058)”, enquanto que o atual art. 394 dispõe que “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”.

[28] “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

[29] Cf. ALVIM, Agostinho. Op. Cit., p. 10.

[30] TEPEDINO, Gustavo, BARBOSA, Heloisa Helena, MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. 1. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 696/697

[31] Cf. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 431 e seguintes.

[32] É o caso, e.g., do vestido de noiva, que, se não for até o dia da cerimônia, perde a utilidade e o interesse econômico em definitivo.

[33] Cf. ALVIM, Agostinho. Ob. Cit., p. 37 e seguintes. Nota-se que a recusa do credor não pode ser arbitrária, necessitando ser fundamentada em elementos econômicos, objetivamente apreciáveis.

[34] Cf., e.g., a Convenção da ONU sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadores, de 1980: Artigo 35 (1) O vendedor deve entregar mercadorias que pela quantidade, qualidade e tipo correspondam às previstas no contrato e que tenham sido embaladas ou acondicionadas de acordo com a forma prevista no contrato. (2) Salvo se as partes tiverem convencionado outra coisa, as mercadorias só estão conformes ao contrato, se: (a) forem adequadas às finalidades para as quais seriam usadas habitualmente mercadorias do mesmo tipo; (b) forem adequadas a qualquer finalidade especial expressa ou tacitamente levada ao conhecimento do vendedor no momento da conclusão do contrato, a não ser que resulte das circunstâncias que o comprador não confiou na competência e apreciação do vendedor, ou que não era razoável da sua parte fazê-lo; (c) possuírem as qualidades de mercadorias que o vendedor apresentou ao comprador como amostra ou modelo; (d) forem embaladas ou acondicionadas na forma habitual para as mercadorias do mesmo tipo ou, na falta desta, de um modo adequado a conservá-las e a protegê-las. (3) O vendedor não é responsável, nos termos das alíneas (a) a (d) do parágrafo anterior, por qualquer falta de conformidade das mercadorias que o comprador conhecia ou não podia ignorar no momento da conclusão do contrato.”

[35] Cabe aqui o ensinamento de Gustavo Gazzale: “O sentido da palavra tempo, como elemento do conceito de mora prende-se à necessidade de, para que haja mora, a prestação ainda possa ser cumprida pelo devedor com proveito para o credor. A intenção de parte da doutrina de reduzir a mora ao simples retardo da prestação causou a confusão entre a mora pelo simples retardo e o elemento temporal decorrente da possibilidade de cumprimento posterior da obrigação” (Ob. Cit., p. 18/19).

[36] Para o inadimplemento absoluto o Código Civil prevê as seguintes consequências: Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Além disso, é possível ocorrer a rescisão do contrato. Para o inadimplemento relativo, o Código Civil prevê: Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

[37] “Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.”

[38] Nesse sentido, o enunciado doutrinário n. 162, aprovado na III jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (2004): “A inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor”.

[39] Superior Tribunal de Justiça, Teoria do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor. Notícia de 9/9/2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106897>. Acesso em: 6 fev. 2013.

[40] “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

[41] “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.”

[42] Cf., e.g., a Convenção da ONU sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadores, de 1980: “art. 25 A violação ao contrato por uma das partes é considerada como essencial se causar à outra parte prejuízo de tal monta que substancialmente a prive do resultado que poderia esperar do contrato, salvo se a parte infratora não tiver previsto e uma pessoa razoável da mesma condição e nas mesmas circunstâncias não pudesse prever tal resultado”.

[43] Idem, ibidem, p. 697.

[44] Os professores seguem com os exemplos: “Assim, será parcial o inadimplemento absoluto da agência de turismo que promove uma excursão envolvendo visitas a diversas cidades, mas não leva os viajantes a uma delas porque deixou de confirmar, com a antecedência necessária, a hospedagem no hotel pré-agendado e não foi capaz de alojar os seus contratantes em outro estabelecimento; a viagem fora, portanto, realizada, mas acabou descumprida, de modo definitivo, uma das obrigações previstas no contrato. Se o credor não é obrigado a receber apenas em parte a prestação (CC, art. 314), o recebimento não exonera o devedor do restante; abriga-o a ressarcir os prejuízos decorrentes do pagamento parcial. Por outro lado, será total o inadimplemento relativo (ou seja, a mora) do mutuário que atrasa a devolução da quantia emprestada”.

[45] Trata-se aqui do requisito objetivo do pagamento, valendo transcrever o ensinamento dos professores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: “É vedado o cumprimento da prestação por forma distinta ao ajustado pelas partes, quantitativa e qualitativamente, tanto nas obrigações de dar, fazer ou não fazer, de meio ou de resultado. Mesmo que a modificação objetiva pretendida pelo devedor seja extremamente benéfica ao credor, ser-lhe-á lícito rejeitar a alteração, pois contratou acreditando e confiando no adimplemento através da maneira desejada. O credor não será obrigado a receber aliud por alio, mas nada impede que aceite o benefício, realizando uma dação em pagamento (art. 356 do CC) ou uma transação corriqueira em sede de relações de consumo (v.g., brinde e upgrade na locação de veículos e passagens aéreas). (Ob. Cit., p. 447).

[46] “Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.”

[47] Cf. TEPEDINO, Gustavo, BARBOSA, Heloisa Helena, MORAES, Maria Celina Bodin. Ob. Cit., p. 698: “Não só a obrigação principal está sujeita ao inadimplemento – e às consequências dele advindas – como também o estão as obrigações acessórias, sejam aquelas previstas expressamente no título, sejam as que decorrem diretamente da lei e aquelas inerentes à própria relação obrigacional. Ganham relevo, nessa perspectiva, os chamados 'deveres anexos', oriundos da cláusula geral da boa-fé (CC, art. 422), tais como os deveres gerais de informação, lealdade, cooperação, proteção dos interesses recíprocos, sigilo etc., cujo desatendimento induz a obrigação de indenizar, com fundamento na responsabilidade contratual”.


Informações Sobre o Autor

César Augusto Carvalho de Figueiredo

Ex-Técnico administrativo do Ministério da Fazenda. Ex-Analista processual do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Ex-Advogado da União. Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia


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