Quando da promulgação, em 28/10/1939, do Decreto-lei nº 1.713, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, estabeleceu-se o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, que criou, em seu art. 190, abaixo transcrito, o instituto da transferência entre estabelecimentos de ensino, independentemente da existência de vaga, em caso de servidor público-estudante que tivesse que mudar de domicílio para exercer cargo ou função pública.
“Art. 158. Ao estudante que necessite mudar de domicílio para exercer cargo ou função pública, será assegurada transferência do estabelecimento de ensino que estiver cursando para o da nova residência, onde será matriculado em qualquer época, independentemente de vaga.”
Em 1952 foi promulgado o novo Estatuto do Servidor Público Civil, Lei nº 1.711, como o anterior, também em 28 de outubro, que passou a ser o dia do servidor público, cujo art. 190, abaixo transcrito, manteve inalterado o instituto da transferência de instituições de ensino para servidores transferidos no interesse da administração pública.
“Art. 190. Ao funcionário estudante, matriculado em estabelecimento de ensino, e que for removido ou transferido, será assegurada matrícula em estabelecimento congênere no local de sede da nova repartição ou serviço, em qualquer época e independentemente da existência de vaga.”
Quando da promulgação do atual Regime Jurídico Único dos Servidores Civis da União, Lei nº 8.112, de 11/12/1990, manteve-se vigente, no art. 99, transcrito abaixo, o instituto que assegura, ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga.
Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga.
Uma das formas de mudança de sede do servidor é a denominada Remoção, que foi definida pela redação original da Lei nº 8.112, em seu art. 36, abaixo transcrito, como o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
“Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Dar-se-á a remoção, a pedido, para outra localidade, independentemente de vaga, para acompanhar cônjuge ou companheiro, ou por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica.”
No parágrafo único do art. 36 se previa que a remoção, a pedido, dar-se-ia independentemente da existência de vaga, por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica. Todavia, com a promulgação da Lei nº 9.527, de 10/12/1997, deu-se nova redação ao referido artigo, ficando como abaixo transcrito, prevendo especificamente três situações, quais sejam:
· remoção de ofício, no interesse da administração;
· remoção a pedido, a critério da administração;
· remoção a pedido, independentemente do interesse da administração.
“Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção:
I – de ofício, no interesse da Administração;
II – a pedido, a critério da Administração;
III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.
A remoção denominada “a pedido, independentemente do interesse da Administração” ficou reservada para três situações, quais sejam:
· para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público, que foi deslocado no interesse da Administração;
· por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou seu dependente, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
· em virtude de processo seletivo.
Importante ressaltar que o que atualmente se denomina de “remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração”, dá-se na verdade no interesse público, mas sem que a Administração Pública possa manifestar eventual discordância. O objetivo da norma, ao utilizar a terminologia “independentemente do interesse da Administração”, foi simplesmente definir que nesta situação o interesse público já estaria previamente patente e presente, e que não caberia ao Administrador Público realizar qualquer avaliação objetiva ou subjetiva quando ao que considerasse como de interesse ou conveniência da Administração Pública.
Este critério fica patente quando analisadas a primeira e a terceira situação previstas na lei, quais sejam, a remoção para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público, que foi deslocado no interesse da Administração e a remoção em virtude de processo seletivo. Em ambas as situações se encontra patente o interesse público, na primeira situação remoção tem-se que esta se dará que o servidor possa acompanhar seu cônjuge ou companheiro também servidor que sido deslocado no interesse da Administração, na terceira também se faz patente o interesse público quando se assegura a remoção em virtude de aprovação em processo seletivo interno (promoção ou concurso interno), sendo claro que processo seletivo interno somente ocorre no interesse da Administração.
A mesma situação de existência de interesse público se verifica em relação à segunda situação remoção, qual seja, por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou seu dependente, condicionada à comprovação por junta médica oficial, isto porque a Constituição Federal de 1988, em seu art. 196, transcrito abaixo, estabelece o interesse público na garantia de saúde, ao defini-la como um direito de todos e um dever do Estado.
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
E nem poderia ser de forma diversa, isto porque uma norma deve sempre ser interpretada dentro do seu contexto, e o contexto da “remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração” evidencia claramente que se trata efetivamente de situações nas quais se encontra patente o interesse público, e em patamar tal que não é cabível à Administração Pública opor qualquer obstáculo.
O próprio fato de a Lei estabelecer que a Administração Pública não poderá opor qualquer fator impeditivo para a ocorrência de remoção nestas situações evidencia, por si mesmo, o interesse público que justifica a ocorrência destas remoções.
Portanto, muito embora a primeira e superficial leitura seja no sentido de que, por se tratar de remoção “a pedido”, esta se daria por vontade do servidor, uma segunda análise evidencia de forma translúcida que o contrário, isto porque não há efetivamente manifestação de vontade, no sentido de escolha entre alternativas, mas simplesmente necessidade, tal como ocorre na remoção para acompanhar cônjuge ou companheiro, na remoção em virtude de promoção e na remoção por motivo de saúde do servidor ou de cônjuge, companheiro ou pessoa de sua família.
Por conseguinte, quando a lei, neste caso, fala em remoção a pedido, ela efetivamente dispõe que esta remoção depende tão somente de o servidor evidenciar a sua necessidade, já previamente amparada pela lei, e que deverá ser comprovada.
Portanto, como se trata de situação de remoção não ocorrida por vontade do servidor público, tem-se a aplicação do abaixo transcrito art. 99, que assegura, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independente de vaga.
“Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga.”
Importante ressaltar que os termos “de ofício” e “no interesse da administração” não podem ser interpretados como sinônimos ou mesmo equivalente, porque se o fossem, o art. 99 não teria estabelecido a matrícula em instituição de ensino congênere em caso de mudança de sede “no interesse da administração”, mas simplesmente em caso de mudança de sede “de officio”. Quando a lei optou por utilizar o termo “no interesse da administração”, claramente evidenciou que há situações nas quais a transferência ou remoção “a pedido” pode dar-se em virtude de interesse público.
E se a lei considerou estas situações tão graves que sequer à administração seria permitido negar a remoção ou transferência nesta situação, parece claro que, em se tratando de instituições de ensino, tal prerrogativa também não lhes deve ser concedida, mesmo em atendimento ao disposto no abaixo transcrito art. 205 da Carta Magna de 1988.
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Reconhecendo esta situação, existem algumas decisões São neste sentido são algumas as reiteradas decisões dos tribunais pátrios, das quais algumas abaixo se transcrevem:
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. REMOÇÃO, A PEDIDO, DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO FEDERAL ESTUDANTE. DIREITO À TRANSFERÊNCIA COMPULSÓRIA PARA INSTITUIÇÃO DE ENSINO DA LOCALIDADE ONDE O SERVIDOR ESTUDANTE PASSOU À A EXERCER SUAS FUNÇÕES. ART. 100 DA LEI Nº 4.024/61.
1. A jurisprudência do extinto TFR e do TRF/1ª Região tem dado interpretação extensiva ao art. 100 da Lei nº 4.024/61, na redação da Lei nº 7.037/82, de modo a alcançar também casos de remoção, a pedido, de servidor público estudante.
2. O art. 100, parágrafo 1º, I, da Lei nº 4.024/91, na redação da Lei nº 7.037/82, assegura a transferência do estudante, independentemente de existência de vaga, para instituição vinculada a qualquer sistema de ensino, quando se tratar de servidor público federal ou membro das Forças Armadas, inclusive seus dependentes.
3. Na hipótese, ademais, a remoção da impetrante deu-se por motivo de saúde e necessidade de tratamento médico especializado em outro Estado, comprovados por junta médica oficial.
4. Improvidas a Apelação e a Remessa Oficial.”
(TRF 1ª Região. 2ª Turma. AMS 01129616/GO. Rel. JUÍZA ASSUSETE MAGALHÃES. DJ 31/03/1997.)
ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR – ESTUDANTE – TRANSFERÊNCIA DE UNIVERSIDADE PÚBLICA PARA PÚBLICA POR MOTIVO DE DOENÇA – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES.
1. Servidor Público transferido ex officio, faz jus à transferência para estabelecimento de ensino congênere, ante o disposto no art. 99 da Lei nº 8.112/90.
2. Entendimento pacificado no julgamento de questão de relevância jurídica submetida à apreciação da 1º Seção da Corte sobre o significado da expressão “instituição de ensino congênere”. (MAS 95.01.22761-8/PI).
3. Pretendendo a Impetrante transferência de entidade pública para pública, por motivo de saúde e necessidade de tratamento em outro Estado, assiste-lhe o direito invocado.
4. Remessa a que se nega provimento.
(TRF 1ª Região. 1ª Turma. REO 37000044286/MA. Rel JUIZ AMILCAR MACHADO DJ 12/03/2001)
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA ‘A PEDIDO’. INTERESSE PÚBLICO. ATENDIMENTO.
1. A legislação pátria somente admite a transferência compulsória de curso entre instituições de ensino superior quando se tratar de remoção ex officio de estudante que seja servidor público, ou, ainda, nos casos de cônjuge, companheiro ou dependentes deste, que, estudantes, tenham de acompanhá-lo em deslocamento no interesse da administração.
2. A transferência ‘a pedido’, embora criada para beneficiar o servidor, deve corresponder sempre ao interesse público, sob pena de nulidade do referido ato.
3- A carta magna em vigor concedeu maior amplitude ao direito à educação, deferindo, ainda, uma proteção especial à família.
4. Hipótese em que a remoção do impetrante, motivada pelo precário estado de saúde de sua genitora, foi precedida de regular procedimento administrativo, pelo que vislumbro o atendimento do requisito legal, restando justificada a transferência obrigatória de universidade.
5. Remessa oficial e apelação improvidas.”
(TRF 5ª Região. 4ª Turma. AMS 80795/CE. Rel Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria. DJ 26/12/2002)
Portanto, tem-se como ilegal e arbitrária a negativa de matrícula, em instituição de ensino congênere àquela na qual estava matriculado, pra o servidor transferido ou removido “a pedido” nas situações previstas no art. 36, parágrafo único, III, da Lei 8.112-90, quais sejam: para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público; por motivo de saúde do próprio servidor, companheiro ou dependente bem como em caso de mudança de sede em virtude de promoção.
Informações Sobre o Autor
Dênerson Dias Rosa
Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.