O Instituto do Intervalo Intrajornada à Luz da Lei13.467/2017

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Danielly Novais do Rêgo – Formada em Direito na UNIFG na cidade de Guanambi- Bahia, Especialista em Direito e Prática Trabalhista e Previdenciária na UNIGRAD, ² Formada em Direito na UNIFG na cidade de Guanambi- Bahia, Especialista em Direito e Prática Trabalhista e Previdenciária na UNIGRAD.

Naiane de Jesus Sales.

 

 

RESUMO: O trabalho em comento vislumbra as alterações promovidas na Consolidação das Leis Trabalhista pela lei 13.467/2017, tendo como enfoque o instituto do intervalo intrajornada. Ante o exposto vislumbra-se que o presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto do intervalo intrajornada à luz da alteração promovida pela Lei 13.467/2017, denominada “Reforma Trabalhista”, tendo em vista a possibilidade de supressão do referido intervalo por intermédio de Acordos e Convenções Coletivas para o mínimo de 30 minutos, bem como os impactos decorrentes da previsão legal de que as normas atinentes à duração do trabalho e intervalos não seriam consideradas normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. Para atingir o objetivo proposto, utilizou-se como metodologia a realização da pesquisa bibliográfica do tema, em livros, revistas, artigos científicos, salientando-se ainda a importância da Consolidação das Leis Trabalhistas e das determinações sumulares, para a discussão da temática, sobretudo o artigo 611-A das Consolidações das Leis Trabalhistas e a Súmula 437 do Tribunal Superior do Trabalho. Assim, observa-se que a análise das referidas alterações devem pautar-se no princípio da dignidade da pessoa humana, visto que a concessão de um intervalo para repouso e alimentação concretiza o aludido princípio.

Palavras-Chaves: Descanso. Jornada. Reforma Trabalhista. Trabalho.

 

ABSTRACT: The work in the commencement glimpses the changes implemented in the Consolidation of Labor Laws by the law 13467/2017, focusing on the institute of intrajornada interval. In view of the above, it is envisaged that the objective of this study is to analyze the institute of the intrajornate interval in light of the amendment promoted by Law 13467/2017, entitled “Labor Reform”, in view of the possibility of elimination of said interval by means of Agreements and Collective Conventions for a minimum of 30 minutes, as well as the impacts arising from the legal provision that standards for working hours and intervals would not be considered health, hygiene and safety standards. In order to reach the proposed objective, the bibliographical research of the subject was used as a methodology in books, journals, scientific articles, highlighting the importance of the Consolidation of Labor Laws and summits, for the discussion of the subject, especially Article 611-CLT / 1943 and Summary 437 of the Superior Labor Court. Thus, it is noted that the analysis of these changes must be based on the principle of human dignity, since the granting of an interval for rest and food fulfills the aforementioned principle.

Keywords: Job. Journey. Labor reform. Rest.

 

Sumário: Introdução. 1 Abordagem conceitual do instituto intrajornada. 2. Intervalo intrajornada na Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei 5.452 de 1943. 2.1. Súmula 473 do Tribunal Superior do Trabalho 2.2 Dignidade da Pessoa Humana frente ao intervalo intrajornada. 3. Intervalo intrajornada após a regulamentação da Lei 13.467/2017. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O trabalho em tela versa sobre a questão do intervalo intrajornada à luz da alteração promovida pela Lei 13.467/2017, denominada “Reforma Trabalhista”, haja vista que com a aprovação da referida lei houve uma significante alteração no instituto ora apresentado.

Trata-se de uma pesquisa sobre os reflexos da “Reforma Trabalhista” no que tange ao intervalo intrajornada, visto que a aludida lei prescreveu no caput do artigo 611-A, que a Convenção Coletiva e o Acordo Coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei, e em seus incisos trouxe as hipóteses de incidência deste mandamento, e dentre estes, destaca-se o inciso III ao dispor que o intervalo intrajornada teria o limite mínimo de 30 minutos para jornadas superiores à seis horas. Ressalta-se ainda que no parágrafo único da do artigo 611-B, inseriu-se a previsão de que as regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para fins do artigo ora em comento.

Ante o elucidado, depreende-se que a inserção do artigo 611- A apresenta uma significante mudança na proteção que havia na regulamentação anterior, qual seja, a Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei 5.452 de 1943, pois à luz deste, o intervalo intrajornada constituía não apenas uma norma de saúde e higiene como também concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e a prevalência das Convenções e Acordos coletivos sobre a lei e a possibilidade de através destes institutos ser possível a supressão do intervalo intrajornada implica em reflexões latentes no âmbito jurídico, haja vista, ir de encontro aos entendimentos solidificados anteriormente.

A problemática do presente trabalho consiste em saber quais os impactos da lei 13.467/2017, denominada “Reforma Trabalhista” no intervalo intrajornada, bem como suas implicações na seara jurisprudencial, tendo em vista que além de permitir a supressão do referido intervalo por acordo coletivo ou convenção coletiva, trouxe como previsão expressa o mandamento de que as regras de duração do trabalho e intervalos não seriam consideradas normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, contrariando o entendimento dominante fixado antes da aludida reforma.

Diante do exposto, vislumbra-se que, o objetivo primordial do trabalho ora em comento é analisar as alterações sofridas no intervalo intrajornada com a promulgação da lei 13.467/2017, bem como a análise do instituto como concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e consequentemente as alterações dos entendimentos jurisprudenciais. Com fito de atingir os objetivos previamente expostos, será realizada inicialmente uma breve abordagem conceitual do intervalo intrajornada, apreciando seu conceito e características.

Posteriormente será analisado o instituto à luz das Consolidação das leis do trabalho, Decreto-Lei 5.452 de 1943,  bem como as disposições da súmula 437 do TST. Por fim, será abordado o intervalo intrajornada sob a ótica das disposições inseridas pela Lei 13.467/2017, realizando uma comparação com a regulamentação anterior.

Isto posto, justifica-se a elaboração do trabalho pela necessidade da apreciação das implicações da reforma trabalhista no intervalo intrajornada, haja vista que acaba por se tornar possível a redução do horário de intervalo intrajornada para no mínimo 30 minutos nas hipóteses de jornada de trabalho superiores a 6 horas, ao passo que no diploma anterior era prevista a duração de no mínimo de 1 hora e no máximo 2 horas de descanso para o trabalhador.

Assim, frente a modificação na regulamentação do intervalo intrajornada, torna-se imprescindível uma análise da aplicação do novo diploma, levando em consideração as razões principiológicas que fundamentam a necessidade da existência de um intervalo concedido ao trabalhador para um “descanso”, na qual está enraizado no princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de conferir ao trabalhador maiores condições de higiene, proteção à saúde e segurança no trabalho.

  • ABORDAGEM CONCEITUAL DO INTERVALO INTRAJORNADA

Antes de adentrar propriamente na análise conceitual do intervalo intrajornada faz-se imperioso tecer breves considerações sobre a jornada de trabalho, haja vista tratar-se de temas interligados.

A jornada de trabalho conforme preleciona Martins (2001) “diz respeito ao número de horas diárias de trabalho que o trabalhador presta à empresa”. Sendo assim, compreende-se a jornada de trabalho como sendo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador.

Neste ínterim, pode-se afirmar que existem dois institutos que são indispensáveis ao estudo da jornada de trabalho, quais sejam: os intervalos interjornadas e intrajornadas, tendo em vista a necessidade de serem estabelecidos períodos de descanso. Os períodos de descanso conforme leciona Godinho (2015), são lapsos temporais previstos em lei, sendo estes remunerados ou não, que tem por objetivo a recuperação e implementação das energias do empregado ou mesmo sua inserção familiar, comunitária e política.

Corroborando com o tema dispõe Canani (2010), que com o intuito de evitar desgaste físico e emocional dos empregados que são submetidos a períodos interruptos de trabalho e, por conseguinte queda na produção deve-se conceder intervalos dentro da jornada, entre elas e antes da prorrogação.

Consoante dispõe Saraiva (2013), o “intervalo interjornada é a pausa concedida ao obreiro entre o final de uma jornada diária de trabalho e o início de nova jornada no dia seguinte, para descanso do trabalhador”. Assevera ainda o artigo 66 da Consolidação das Leis Trabalhistas que entre duas jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 horas consecutivas de descanso. Sendo assim, observa-se que constitui o intervalo interjornada como um período fixado em lei, qual seja 11 horas que deve ser obedecido entre o término de uma jornada diária de trabalho e o início de outra.

No que concerne ao intervalo intrajornada, estabelece o artigo 71 da CLT que quando em qualquer trabalho contínuo a duração do trabalho exceder a seis horas deve-se conceder um intervalo para repouso e alimentação de no mínimo, uma hora e no máximo 2 horas. Bem como nos casos em que não exceder a seis horas, um intervalo de quinze minutos quando a duração não ultrapassar quatro horas. Depreende-se do exposto que a legislação estabelece limites à duração do trabalho prevendo períodos de descansos conforme a quantidade de horas laboradas ou do serviço prestado, considerando-se portanto os intervalos de suma importância para o contrato de trabalho.

A respeito do intervalo intrajornada assevera Godinho (2015) que seriam lapsos temporais regulares, remunerados ou não, presentes no interior da duração diária de trabalho, período no qual o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador. Estabelece ainda o mencionado autor que o intervalo intrajornadas tem por objetivo de preservar a saúde e segurança do trabalho, servindo como instrumento relevante de resguardar a higidez física e mental do trabalhador ao longo da prestação diária de serviços.

Dispõe ainda Moreira (2010), que os intervalos para repouso e alimentação possuem fundamento de ordem biológica, buscando, com o período de inatividade do empregado, preservar sua saúde física e mental. Sendo assim, observa-se que o intervalo intrajornada encontra respaldo na ideia de que quando o trabalho é desenvolvido por longos períodos pode ocasionar a uma fadiga tanto física como psíquica, conduzindo a insegurança do trabalhador fazendo-se necessário estabelecer períodos de descanso os quais tem por escopo permitir que o término da jornada seja concluído com segurança.

A partir, das ideias expostas acima, pode-se afirmar que o instituto do intervalo intrajornada, constitui-se como períodos de descansos para repouso e alimentação do trabalhador previstos em lei e que apresenta-se de suma importância durante a jornada de trabalho diária por permitir uma pausa na jornada laboral e assim constitui importante meio de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.

Após tecer breves comentários a respeito do instituto do intervalo intrajornada, mais precisamente pela conceituação, torna-se necessário analisar como o mencionado instituto estava previsto na Consolidação das leis do trabalho (Decreto-Lei 5.452/43), bem como a previsão sumular do Tribunal Superior do Trabalho.

 

2 INTERVALO INTRAJORNADA NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, DECRETO-LEI 5.452 DE 1943

O instituto do intervalo intrajornada possuía previsão legal na Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 71:

Art. 71. Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de seis horas, é obrigatório à concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de uma hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de duas horas.

Desse modo, a CLT regulamentava a necessidade da concessão ao empregado de um período para repouso ou alimentação, bem como sobre o tempo necessário para o descanso a ser concedido ao empregado.

Faz-se mister destacar, que a regulamentação do horário de descanso intrajornada poderia sofrer alteração, desde que respeitado o limite mínimo de 1 hora e o limite máximo de 2 horas de descanso. Assim, através de acordo escrito ou contrato coletivo seria possível alterar a extensão do descanso, a depender da situação.

No entanto, apesar da possibilidade da alteração do período do intervalo, deveria ser observado o mínimo legal, ou seja, o mínimo de 1 hora de descanso, tendo em vista que a existência de tal descanso está fundamentado na necessidade da preservação da saúde física do trabalhador, somando-se ao fato de uma maior produtividade após a concessão de um período de descanso.

Consoante disposto no § 1º do artigo 71 da CLT (BRASIL, 2016) era obrigatório a concessão de um intervalo de 15 minutos quando a duração do trabalho ultrapassar quatro horas e não exceder a 6 horas.

Entrementes, como já mencionado, o escopo principal da regulamentação do intervalo intrajornada deve-se ao fato de proteger a saúde do empregador, possibilitando a este recuperar as energias, bem como melhorar a sua concentração ao desenvolver a atividade laboral.

  1. 1 Súmula 473 do Tribunal Superior do Trabalho

O Tribunal Superior do Trabalho em setembro de 2012 editou a Súmula nº. 437, a fim de regulamentar a hipótese de concessão parcial ou a não concessão do intervalo intrajornada de acordo com os ditames previstos no artigo 71 da CLT, ao dispor que:

INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais n ºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I – Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.

II – É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.

III – Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.

IV – Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4º da CLT.

Salienta-se que, a súmula ora transcrita assegura a invalidade de qualquer cláusula de acordo ou convenção do trabalho que contrarie os limites estabelecidos na CLT, de modo que a previsão contida no art. 71 da CLT trata-se de medida de saúde, higiene e segurança do trabalhador. Ademais, a concessão parcial ou a não concessão implica no pagamento integral do período e não apenas do tempo suprimido do empregado.

Neste contexto, de modo exemplificativo, pode-se apresentar o entendimento jurisprudencial no tocante as demandas que concernem sobre a concessão do intervalo intrajornada e a possível supressão desse instituto durante o contrato de trabalho. Nesse interim, segue a ementa do recurso de revista proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:

RECURSO DE REVISTA- INTERVALO INTRAJORNADA- REDUÇÃO POR NORMA COLETIVA o direito ao intervalo intrajornada, relacionado à higiene, à saúde e à segurança do trabalho e assegurado por norma de ordem pública, não pode ser objeto de negociação coletiva, motivo por que é invalida a supressão ou redução. Aplicação da Súmula nº 437, item II, do TST. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST- RR: 25599820115020086, Relator: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data do Julgamento: 03/06/2015, 8ª Turma, Data da Publicação: DEJT 08/06/2015.

A decisão em tela afirma ser nula qualquer convenção coletiva de trabalho que viole o disposto no art. 71, caput da CLT, visto que tal proteção concedida ao empregado visa preservar a sua saúde, segurança e higiene, de modo que não é possível ser objeto de negociação coletiva.

Em sentindo semelhante à decisão ora apresentada, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, ao apreciar o recurso ordinário afirmou ser impossível a supressão do intervalo intrajornada por meio de convenção coletiva, em razão da natureza de ordem pública permeada por esse instituto. Assim, passa-se a analisar:

NORMA COLETIVA PREVENDO A SUPRESSÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA. IMPOSSIBILIDADE. A pausa para refeição laborativa objetiva o restabelecimento físico e mental do trabalhador, sendo certo que a sua supressão ou a concessão de pequenos intervalos ao longo da jornada de trabalho não lhe resulta qualquer benefício. Consoante entendimento contido na Súmula nº 437 do Colendo TST, é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada, porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art.71, da CLT, e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. (TRT -1. RO: 001138480201350105541 RJ, Relator: ROGERIO LUCAS MARTINS, Data de Julgamento: 08/04/2015).

No caso apresentado, vislumbra-se que não admite-se a supressão do intervalo intrajornada, sendo ressaltado que este instituto constitui norma de ordem pública, bem como visa proteger a saúde do trabalhador.

Assim, colacionou-se as jurisprudências acima mencionadas com o intuito de exemplificar o posicionamento jurisprudencial adotado pelos Tribunais Regionais e do colendo Tribunal Superior do Trabalho no que tange a natureza e o objetivo da concessão do intervalo intrajornada, bem como a impossibilidade de supressão por meio de negociação coletiva.

Após a explanação do conceito e principais aspectos que permeiam o intervalo intrajornada, e o posicionamento jurisprudencial, passa-se nesse momento a tecer comentários acerca da Lei 13.467/2017 conhecida como Reforma Trabalhista que alterou significativamente o instituto em tela.

2.2 Dignidade da pessoa humana frente ao intervalo intrajornada

Consoante abordado no presente trabalho, o intuito primordial do instituto do intervalo intrajornada consiste na proteção da saúde e segurança do trabalhador durante a jornada de trabalho. E sob esse enfoque, torna-se possível analisar o mencionado instituto sob a perspectiva da proteção a dignidade da pessoa humana, garantia essa prevista expressamente na Carta Magna de 1988. Assim, para uma melhor compreensão do direito a dignidade da pessoa humana, colaciona-se o conceito de Azevedo (2002, p. 111):

O princípio jurídico da dignidade fundamenta-se na pessoa humana e a pessoa humana pressupõe, antes de mais nada, uma condição objetiva, a vida. A dignidade impõe, portanto, um primeiro dever, um dever básico, o de reconhecer a intangibilidade da vida humana. Esse pressuposto, conforme veremos adiante, é um preceito jurídico absoluto; é um imperativo jurídico categórico. Em seguida, numa ordem lógica, e como conseqüência do respeito à vida, a dignidade dá base jurídica à exigência do respeito à integridade física e psíquica (condições naturais) e aos meios mínimos para o exercício da vida (condições materiais). Finalmente, a mesma dignidade prescreve, agora como conseqüência da especificidade do homem, isto é, de ser apto ao diálogo com o próximo e aberto ao amor, o respeito aos pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária (condições culturais).

Entrementes, é garantido a todos o direito a uma vida digna, na qual compreende o direito ao gozo das garantias mínimas previstas constitucionalmente, dentre as quais é possível mencionar o direito a vida, moradia, saúde, segurança, lazer, transporte. Desse modo, a concessão as condições dignas de trabalho onde são priorizadas a saúde, segurança, local adequado para prestação de trabalho, podem ser vistas como formas de garantir ao indivíduo a concretização do direito a dignidade da pessoa humana.

De acordo com Bebber (2007), o fundamento do intervalo intrajornada é de ordem biológica, bem como explana que objetiva

Busca-se, com a inatividade do trabalhador, atingir: a) metas de saúde física e mental (higidez física e mental), propiciando-lhe que, após certo período, retempere em parte suas forças físicas e psíquicas. Vale dizer que restabeleça em parte o sistema nervoso e as energias psicossomáticas. b) metas de segurança, com que se previne em parte a fadiga física e mental e reduzem-se os riscos patológicos e de acidentes de trabalho. A fadiga física e mental se traduz na diminuição do ritmo da atividade e na perda da capacidade de atenção ordinária, com consequente perda de produtividade e aumento dos acidentes do trabalho.

Nessa senda, pode-se afirmar que o gozo pelo trabalhador do intervalo para descanso durante a jornada de trabalho condiciona uma das formas de cumprimento da dignidade da pessoa humana no aspecto laboral e assim entendia a jurisprudência dos Tribunais trabalhista, conforme verifica-se abaixo:

INTERVALO INTRAJORNADA. A CONCESSÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA, PARA DESCANSO OU REFEIÇÃO, CONSTITUI-SE EM DETERMINAÇÃO DE ORDEM PÚBLICA, QUE VISA À PROTEÇÃO A SAÚDE E A SEGURANÇA DO OBREIRO, NÃO CABENDO QUALQUER ESTIPULAÇÃO ATENTATÓRIA A TAL GARANTIA, SOB PENA DE RESTAR AFRONTADO O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, COM SEDE CONSTITUCIONAL. RECURSO DA RECLAMADA DESPROVIDO, NO PARTICULAR.

(TRT-1 – RO: 01771000920045010014 RJ, Relator: PAULO ROBERTO CAPANEMA DA FONSECA,Data de Julgamento: 16/05/2007, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 26/06/2007)

Conforme verifica-se na decisão acima, os tribunais trabalhista a fim de demonstrarem a importância da concessão do intervalo intrajornada passaram a entender que sua não observância constituía afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, por ser um período indispensável ao descanso e alimentação do trabalhador.

 

3 INTERVALO INTRAJORNADA APÓS A REGULAMENTAÇÃO DA LEI 13. 467/2017

A lei 13.467/2017 intitulada como Reforma Trabalhista inseriu significativas modificações na seara trabalhista, e dentre estas, destaca-se as alterações na concessão do intervalo intrajornada destinada a alimentação e ao repouso do trabalhador. Houve, assim, a inserção do artigo 611-A na Consolidação das Leis do trabalho que passa a dispor da seguinte forma:

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho, observados os incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição, têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017)

I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II – banco de horas anual; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).

Destarte, com a alteração promovida com Reforma Trabalhista a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho ganharam força na seara trabalhista, e um bom exemplo disso é a possibilidade de por meio destes haver a redução do intervalo intrajornada para o período mínimo de 30 minutos para jornadas superiores a seis horas.

Imperioso ressaltar que apesar da inserção do artigo 611-A na CLT, não houve nenhuma alteração legal no dispositivo que regulamenta a necessidade de intervalo intrajornada para jornadas de trabalho superiores a 6 horas diárias, a saber o artigo 71, da CLT, no qual já foi explanado em tópico anterior.

Consoante assevera Arturo Freitas Zurita (2017), o artigo 611-A instituiu a prevalência do negociado sobre o legislado, ao passo em que possibilitou a concessão do intervalo mínimo intrajornada para 30 minutos, com a única condição que está redução esteja prevista em convenção coletiva ou acordo coletivo.

Destaca-se que as possíveis alterações realizadas no intervalo de intrajornada, de modo a reduzi-lo fica condicionado a realização por meio de acordo coletivo ou convenção coletiva, ou caso contrário será considerado nula

Impede destacar, ainda, outra importante alteração no posicionamento legal vigente anteriormente, que consiste no fato de que a concessão parcial do intervalo intrajornada ao empregado não acarretará mais o pagamento do total do intervalo suprimido, mas apenas do tempo em que realmente houve a supressão.

Nessa senda, observa-se que o legislador também inseriu o artigo 611-B no qual afirmou constituir objeto ilícito de convenção e acordo coletivo de trabalho a supressão ou redução das normas de higiene, saúde e segurança do trabalho ou no que diz respeito às normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho. O artigo mencionado dispõe:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

(…)

XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; (Incluído pela lei  13.467, de 2017)

(…).”

Desse modo, ao observar a previsão do incido XVII do artigo 611-B da CLT isoladamente e somando ao entendimento dominante acerca do caráter de norma de ordem pública do intervalo intrajornada, não seria possível a redução do intervalo intrajornada para o período de 30 minutos como previsto no artigo 611-A da CLT.

Não obstante a previsão do artigo supramencionado, o legislador negou o caráter de normas de saúde e segurança do trabalho a respeito da duração da jornada do trabalho, que até então era o posicionamento consolidado na jurisprudências e na doutrina majoritária do ordenamento brasileiro, conforme já explanado no presente trabalho. O parágrafo único do artigo 611-B assim dispõe:

Art. 611-B

(…)

Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo. (Incluído pela lei 13.467, de 2017)

Diante do dispositivo ora apresentado, observa-se que os intervalos de descanso concedidos ao trabalhador não são considerados como normas que visam proteger a segurança, saúde e higiene do empregado, ou seja, sendo a partir de então passíveis de negociação por meio de acordo coletivo e negociação coletiva de trabalho, de modo que o intervalo intrajornada poderá ser reduzido para 30 minutos se assim for observado o disposto nos incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição Federal.

 

CONCLUSÃO

Ante as exposições realizadas observa-se que o instituto do intervalo intrajornada possui grande importância na jornada de trabalho, haja vista, ser um período em que o empregado dispõe para alimentação e repouso, recuperando assim as energias e consequentemente proporcionando o término da jornada diária de trabalho com êxito.

Nas Consolidações das Leis Trabalhista Decreto-Lei 5.452 1943, restou estabelecido um período de intervalo intrajornada mínimo de acordo com a quantidade de horas efetivamente trabalhadas, de modo que para o labor que ultrapassar 4 horas e não superior a 6 horas faz-se obrigatório a concessão de um intervalo de 15 minutos, já para jornadas superiores a 6 horas seriam de no mínimo 1 hora e no máximo 2 horas de intervalo. Bem como havia entendimento sumular afirmando que em caso de supressão dos referidos períodos seria considerado como não concedido.

Ocorre que, com a denominada Reforma Trabalhista houve uma alteração no referido instituto, prevendo o dispositivo 611-A que poderia por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho haver supressão do intervalo para 30 minutos, constituindo hipótese em que o acordado prevalece sobre o legislado.  Inseriu-se também a previsão de que as normas atinentes à duração do trabalho e intervalos não seriam consideradas normas de saúde, higiene e segurança do trabalho o que vai de encontro ao entendimento solidificado no diploma anterior conforme visto nas jurisprudências acima colacionadas.

Sendo assim, pode-se afirmar que a análise das alterações promovidas pela lei 13.467/2017 faz-se de suma importância no âmbito jurídico, haja vista que sua aplicação ocasionará importantes mudanças de entendimento na seara jurisprudencial e sumular, o que permite-se afirmar que as implicações da Reforma Trabalhista no intervalo intrajornada requer discussões pelos Tribunais Trabalhistas à luz do caso concreto para que sejam levados em consideração não apenas a letra fria da lei, mas também princípios norteadores do direito do trabalho.

 

REFERÊNCIAS

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BEBBER, J, C. Intervalo intrajornada da aplicação da orientação jurisprudencial n 307 da SBDI-1  do Tribunal Superior do Trabalho. In Suplemento Trabalhista. Vol. 29, São Paulo: LTr, 89.

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