Resumo: O trabalho destina-se a investigar as repercussões e hipóteses pelas quais a administração pública pode efetuar novo lançamento tributário após o ato administrativo originário ter sido declarado nulo por vício formal.
Palavras-chave: Nulidade. Vício formal. Lançamento. Implicações.
Abstract: The work aims to investigate the implications and assumptions by which the government can make new tax assessment after the originating administrative act has been declared invalid because of procedural defect.
Keywords: Invalidity. Vice formal. Launch. Implications.
O Código Tributário Nacional trata de pelo menos duas hipóteses de extinção da possibilidade de o ente público efetuar lançamentos em face do decurso do prazo legal. O Código do Contribuinte também regula, em caráter de exceção, as hipóteses em que se torna viável para administração proceder à lavratura de auto de infração ou de notificação de lançamento por Ter se deparado por uma das situações que ensejem as declarações de nulidades sob título de vícios formais desses atos. A propósito, o princípio “pas de nullité sans grief” conduz a julgar que as irregularidades formais, sanadas de algum modo, ou irrelevantes pela sua extensão natureza, via de regra, não devem anular o ato de lançamento. O saneamento das irregularidades produz, ordinariamente, efeitos retroativos. Com efeito, os vício formais abarcam as inexatidões e as insuficiências de forma do ato, podendo contemplar o seu conteúdo, além das incorreções ou omissões quanto às exegeses que precisam ser preservadas por ocasião das auditorias que impliquem em obrigações tributárias. Importante dispositivo para o tema em tela é aquele gizado no art. 173, II, do Código Fiscal. Esse dispositivo legal estabelece que o direito de o ente público constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado por vício formal o lançamento anteriormente efetuado. Logicamente, aqui se trata de exceção à regra. Como se percebe, o reinício da contagem do prazo fatal para se poder lançar apenas ocorre quando a declaração de nulidade for originária de sentença administrativa, como se deduz da expressão “decisão definitiva”, prevista na lei. Veja-se que o legislador não se utilizou do jargão “decisão passada em julgado”, como efetivamente procedeu em artigos outros, como o 156 e 168 da Lei n. 5.172/66. Caracterizada ou declarada a existência de vício formal, surge a possibilidade, durante um lustro, para a administração reformar o lançamento, substituindo-o, sob pena da perda do direito de o fazê-lo. Nesta seara, a legislação que rege o Processo Administrativo Tributário federal nos dá um rol, “numerus apertus”, acerca de hipóteses de nulidade. Para Marcelo Caetano (in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Tomo I, Lisboa), formalidade é todo o ato ou o fato, ainda que meramente ritualístico, exigido pela lei para tornar segura a formação ou a expressão da vontade de um órgão de uma pessoa coletiva. Sendo assim, só dá ensejo à revisão “ex officio” do ato de lançamento com a conseqüente feitura de novo ato administrativo aquelas fórmulas legais nucleares para o instrumento, segundo as diretrizes do art. 149 do Código Fiscal. Infere-se, assim, que a mera inexatidão do ato, sem maiores conseqüências, ainda que desrespeite regras, que não se desvirtuem da finalidade dos atos, se estiverem em consonância com os princípios fundamentais que regem o microssistema, não padecem de ineficácia. Em suma, não se invalida um procedimento presumidamente constitucional tendo em vista prismas exclusivamente acessórios ou de controle interno, não dirigidos a terceiros, que não a administração afetados pelo ato público. As hipóteses nas quais as balizas legais e principiológicas forem afetadas no seu núcleo essencial, indo de encontro às finalidades de garantia constitucional dos cidadãos, gerando lesões aos indivíduos, devem ser chanceladas com o rótulo de nulidade insanável. Às vezes, a substância dos atos confunde-se com a própria formalidade criada pelo legislador garantista. Exemplificativamente, a falta de indicação do alvo do lançamento tributário certamente implica na nulidade do instrumento público dirigido a conferir liquidez e certeza ao crédito tributário. Fato corriqueiro na seara de julgamento tributário é a insuficiência na descrição dos fatos típicos ou a contradição com os elementos de fato trazidos aos autos, provocando perplexidade ao contribuinte acerca da matéria de defesa que deve ser deduzida, desembocando na necessidade de declaração de nulidade por cerceamento do direito constitucional à ampla defesa. Parece que essa hipótese não autoriza ao ente público se utilizar da regra contida no art. 173, inciso II, do Código Fiscal. Isso porque as normas positivadas só dizem respeito às impropriedades formais e não àquelas que dizem respeito à má apreciação do conteúdo do fato imponível. De igual modo, não conseguimos conceber que a violação ao devido processo legal substancial permita a aplicação do art. 173, II, do Código Fiscal, ainda que seja resultante da ocorrência de um mero vício formal. A solução para estes casos é a administração utilizar-se do restante do lustro que lhe restar após a apreciação da matéria pelo julgador em processo judicial ou administrativo, sem abrir (ou interromper) novo prazo para a constituição de novo ato fiscal dirigido a acertamento da relação jurídica tributária. O Mestre Sacha Calmon Navarro Coelho[i] perfilha o entendimento que, embora anômalo em relação à teoria geral da decadência, que não admite interrupções, pois que sua marcha é fatal e peremptória, o sistema do Código Tributário Nacional adotou uma hipótese de interrupção da caducidade. Para este jurista, deve-se entender a regra com temperamentos porque, em rigor, já teria ocorrido um lançamento e o crédito da Fazenda já estaria formalizado, não se devendo falar mais em decadência. Para ele, quando se anula o lançamento por vício formal estar-se-ia substituindo um ato inaproveitável pela possibilidade de haver outro despido de mácula, como é o caso de uma autoridade incompetente ter procedido ao lançamento. O professor Luciano da Silva Amaro[ii] não destoa do pensamento descrito, ao considerar que o art. 173, II, do Código Tributário Nacional, trata de situação particular, hipótese em que tenha sido efetuado um lançamento defeituoso quanto à forma e este venha a ser anulado ou declarado nulo, por decisão administrativa ou judicial definitiva, considerando-se a diferença clássica entre o grau de comprometimento da idoneidade do ato. Para este doutrinador, nestes casos, a autoridade administrativa teria o prazo de cinco anos, contados da data em que se tornasse a decisão definitiva para efetuar novo lançamento despido do vício. Ele enxerga o enunciado legal como um equívoco do legislador porque, ao mesmo tempo, cria causa de interrupção e de suspensão do prazo decadencial, ao contrário das teorias doutrinárias clássicas. Explica o citado mestre que a suspensão ocorreria porque o prazo não estaria fluindo na pendência do processo em que se discute a nulidade do lançamento por vício formal. A interrupção surgiria dado que o prazo recomeça a correr do início e não a partir do lapso temporal já atingido no momento em que ocorreu o lançamento nulo. Finalmente, o lançamento nulo aumentaria o prazo para efetuar-se um novo ato, premiando o sujeito ativo por ter praticado uma conduta sua equivocada. O problema recorrente é que prazo fatal para um novo ato tributário a partir da constatação da nulidade formal pode resultar de diversas interpretações. O professor Ives Gandra da Silva Martins giza que a solução adotada pelo legislador não foi feliz ao permitir excessiva elasticidade temporal, beneficiando o ente público com os seus próprios erros, premiando a sua culpa ou a omissão estatal. Para ele, o legislador permitiu um novo lançamento não formalmente viciado sobre a obrigação tributária já definida no ato mal elaborado, eis que claramente conhecida a obrigação tributária por parte de ambos os sujeitos, tendendo a preservar um direito já qualificado, mas inexeqüível pelo vício formal detectado. Nota-se que o ato saneador só pode ser admissível se houver uma obrigação tributária caracterizada pelo lançamento imperfeito, sendo proscrito inovar no que tange ao aspecto subjetivo, ao tempo dos fatos imponíveis ou de mérito um novo procedimento após a fluência do lustro ordinário. Com essa garantia, a administração não poderia ter um “laissez faire” para se proceder a um novo ato, sem se balizar pelos verdadeiros fatos que gizaram o lançamento defeituoso, que foi visto como nulo por questões de natureza formal. A “mens legis” do art. 172, II, do Código Fiscal visa a proteger o contribuinte e garantir à administração acerca do conteúdo substancial do lançamento primitivo, em detrimento da forma indevida por meio do qual se tentou caracterizá-lo. Isso é positivo para ambas as partes, considerando-se que obrigação não surge da vontade do agente público mas, sim, da hipótese prevista na lei específica. Com o amadurecimento da idéia, a Receita Federal do Brasil passou a disciplinar o tema a partir do ano de 1997, por meio de Instruções Normativas (54 e 94). Corajosamente, aqueles atos autorizaram os órgãos de julgamento a declarar a nulidade das notificações com o fito de se prevenir a União dos efeitos indesejáveis da sucumbência decorrente de ações judiciais desenvolvidas pelo rito processual ordinário. A Receita Federal do Brasil, agora, possui um “check list” (exemplificativo para nós, estudiosos) dos aspectos que redundam na invalidade formal do lançamento, servindo de lição aos seus servidores a respeito da necessidade mínima de respeito aos ditames do art. 142, II, do Código Fiscal. Como vimos, nem toda exoneração da obrigação tributária redundam dos defeitos de natureza formalística. Classicamente, a jurisprudência administrativa fiscal declara que a insuficiência na descrição dos fatos por parte do auditor está dirigida à norma ampliativa do prazo para se proceder a novo lançamento. Entretanto, veja que a Receita Federal não assume tal vicissitude em seu rol de nulidades formais, talvez por ser um conceito jurídico indeterminado ou por ser uma cláusula geral que poderia ser utilizada por razões não descortináveis pelos agentes. De qualquer sorte o Código Fiscal foi prudente ao engessar o elemento volitivo do ato público. Considera-se o lançamento como um procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência da hipótese de incidência da obrigação legal tributária correspondente, determinando o escopo tributável, calculando-se o montante do acerto tributário devido, identificando o sujeito passivo e, eventualmente, aplicando a sanção cabível, tendo como agente capaz certas autoridades administrativas (art. 142 – com temperamentos). Esse conceito legal reafirma a nossa tese de que nem toda hipótese de nulidade é resultante de aspectos puramente formalísticos. Como vimos, o saneamento de vícios formais, por meio de novo ato, não autoriza à administração dispor de um cheque em branco para se devassar ou ampliar os aspectos obrigacionais diversos daqueles que circundaram o conteúdo material daquele período de tempo do sujeito passivo que esteve sob auditoria governamental. O quase cinqüentenário Código Fiscal protege o sujeito passivo contra novas inserções fiscais sobre o mesmo período-base, ainda que a declaração de nulidade seja detectada e declarada “ex officio”, considerando-se que não houve ta diferenciação pelo legislador. Pelo lado da administração, o art. 173, II, do Código Fiscal dirige-se ao efetivo resguardo temporal da obrigação legal tributária surgida dentro de certas balizas. Insubsistente o conteúdo tributário no lançamento primitivo, ainda que sejam abonadas as nulidades formais, descabe a pretensão administrativa de se inovar no novo ato, considerando-se que tal escopo é norma excepcional, de interpretação estrita. Conclui-se, diante de tudo isso, que a lei só permitiu à administração curar os defeitos de forma dos seus atos e não as características de fundo, como aqueles provenientes do erro substancial ou da interpretação errônea das conseqüências jurídicas dos fatos com repercussão tributária.
Informações Sobre o Autor
Silvestre Gomes dos Anjos
Membro do Ministério Público junto ao TCE/GO. Especialista em Direito (UnB, UGF e Emab)