O licencimento ambiental: instrumento de efetivação do direito ao meio ambiente

Resumo: A preocupação básica desse estudo é refletir sobre a atual importância do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem como discutir de que forma o licenciamento ambiental contribui para a efetivação desse direito. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como MILARÉ (2009), SILVA (2003), entre outros, procurando enfatizar a evolução histórica da preocupação ao meio ambiente, sua relação com o crescimento econômico bem como a constitucionalização de tal direito na atual Carta Magna Brasileira.

 Palavras-chave: Direito. Meio Ambiente. Sustentabilidade. Licenciamento Ambiental.

Abstract: The primary concern of this study is to reflect on the current importance of the right to ecologically balanced environment and discuss how the environmental licensing contributes to the enforcement of this right. We conducted a literature review of the contributions of authors like Milaré (2009), Silva (2003), among others, trying to emphasize the historical evolution of concern to the environment, its relationship with economic growth and the constitutionalization of this right in current Brazilian Magna Carta

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Keywords: Right. Environment. Sustainability. Environmental Licensing.

Introdução

A necessidade de compatibilização da economia com o meio ambiente vem evoluindo ao longo dos anos, passando de uma concepção antropológica, segundo a qual o homem é a figura central, tendo a natureza mera função de satisfazer as suas necessidades, à concepção intergeracional, na qual a ideia de preservação do meio ambiente passa da esfera exclusiva do garantismo de um ambiente saudável ao homem, à garantia de um ambiente saudável a todas as espécies que nele coabitam. Nesta visão, não existe a dicotomia homem/natureza, mas sim uma consciência de que o ser humano, assim como a fauna e a flora são elementos da própria natureza.

No decorrer dos anos, principalmente na segunda metade do século XX, o crescimento econômico não se preocupava com a necessidade de preservação ambiental.  O Direito Ambiental, na verdade, era visto como um entrave ao desenvolvimento da economia. O princípio que norteava a economia do Estado Liberal era o da substituição, ou seja, utilizava-se irracional e desenfreadamente determinado recurso natural e, quando este entrava em escassez, procurava-se outro que pudesse substituí-lo. Nesse diapasão, não havia qualquer preocupação com a manutenção e conservação dos recursos naturais, levando o ecossistema a um desequilíbrio global.

Ao aparecerem as consequências desastrosas desse tipo de crescimento, a exemplo do aquecimento global, começou-se uma preocupação socioambiental, visto que o modelo vigente estava pondo em risco a sobrevivência das futuras gerações.

Foi nesse contexto que a Constituição Federal do Brasil de 1988 foi elaborada e promulgada, fundando um Estado socioambiental e Democrático de Direito. Elucidativa é a lição de Carlos Molinaro:

“No caso brasileiro, matizado pela Carta de 1988, sem dúvida podemos caracterizá-lo como um Estado socioambiental e Democrático de Direito, por força expressiva da complexidade normativa esculpida no seu art. 225. Ali se supera, como já afirmamos, a dicotomia público/privado – onde todos de obrigam em manter o equilíbrio e salubridade deste “lugar de encontro” que é o ambiente (seja ele natural ou cultural), e a todos, Estado e cidadãos e cidadãs, são cometidos direitos e deveres, pretensões e obrigações presentes e futuras (solidariedade intergeracional) inderrogáveis, já que o direito ao ambiente sadio é essencial à vida, e como direito fundamental, está ao abrigo do art. 60, §4°, IV.” (MOLINARO, 2007, p.103)

O direito ambiente passou a pertencer à seara dos direitos fundamentais, razão pela qual tem conteúdo protetivo com vistas à melhoria das condições de vida das pessoas. Trata-se, portanto, de prestação positiva do Estado em prol de seus cidadãos e de todos que vivem no planeta Terra.

Assim dispõe José Afonso da Silva:

“O ambientalismo passou a ser tema de elevada importância das Constituições mais recentes. Entra nelas deliberadamente como direito fundamental da pessoa humana, não como simples aspecto da atribuição de órgãos e de entidades públicas, como ocorria em Constituições mais antigas. As Constituições Brasileiras anteriores à de 1988 nada traziam especificamente sobre a proteção do meio ambiente natural. A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos.”(SILVA, 2003, p.54)

De acordo com o art. 225, caput, da CF/88 “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Atenta-se para o fato de que a atual Carta Política do Brasil afirma que cabe tanto ao Poder Público como aos cidadãos a preservação do ambiente. Isto quer dizer que aos cidadãos também foi dada a missão de proteger o meio ambiente, devendo agir em prol da natureza, visando à sustentabilidade em sintonia com o crescimento econômico.

A respeito da necessidade do comprometimento de todos na questão ambiental, anota Orci Teixeira(2006, p.101):

“A humanidade passa por uma crise de desenvolvimento econômico conjugado com uma crise ambiental. Tanto na economia quanto na natureza, os recursos são escassos, estão extintos ou na iminência de esgotamento. Por causa disso, neste estágio o meio ambiente ecologicamente equilibrado certamente só será real, se houver o efetivo comprometimento de todos e a ação positiva da comunidade e do Poder Público.” (TEIXEIRA, 2006, p.101)

Notadamente, o direito não pode ser letra morta, necessitando ser efetivado e implementado. Dentre os instrumentos que dispõe o Poder Público para efetivar o direito ao meio ambiente sadio tem-se o tema principal deste artigo: o licenciamento ambiental.

 Desenvolvimento

O licenciamento ambiental foi um instrumento de cumprimento dos princípios da Política Nacional do Meio Ambiente que surgiu como uma maneira de controlar as atividades que tenham potencial nocivo ao meio ambiente, a fim de possibilitar que o crescimento econômico e a proteção ambiental caminhem juntos, permitindo assim o desenvolvimento sustentável.

O licenciamento foi instituído através da Lei nº. 6.938/1981

“Art 9º – São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:(…)

IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.”

Édis Milaré (2009, p.420), conceitua o licenciamento ambiental da seguinte forma: “Em linhas gerais, tem-se que o licenciamento ambiental, como todo procedimento administrativo, pode ser enxergado como uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo.

Para muitos doutrinadores, foi através do instrumento de licenciamento ambiental que o legislador conseguiu compatibilizar os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, da propriedade privada com o princípio da defesa do meio ambiente, possibilitando um desenvolvimento sustentável.

Por ser uma interferência da Administração Pública no campo privado, afirma-se que tal procedimento configura expressão do poder de polícia do Estado, legitimado pelo Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado.

Roberto Fink (2002, p.71) conceitua o licenciamento ambiental como:

(…) “o procedimento mediante o qual o órgão ambiental competente verifica se a atividade potencial ou significativamente poluidora que se pretende implementar ou que já esteja implementada está realmente em consonância com a legislação ambiental e com as exigências técnicas necessárias.” (FINK, 2002, p.71)

Pachêco Fiorillo (2003, p.65) define o licenciamento ambiental como o conjunto de etapas que integra o procedimento administrativo que tem como objetivo a concessão de licença ambiental.

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Para José Afonso da Silvaas licenças ambientais constituem:

(…) “atos administrativos de controle preventivo de atividades de particulares no exercício de seus direitos. Há situações em que o particular é titular de um direito relativamente à exploração ou uso de um bem ambiental de sua propriedade. Mas o exercício desse direito depende do cumprimento de requisitos legalmente estabelecidos tendo em vista a proteção ambiental, de tal sorte que fica ele condicionado à obtenção da competente licença da autoridade competente.” (SILVA, 2003, p.281/282)

O art. 1º da Resolução CONAMA 237/97, conceitua o licenciamento Ambiental como o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras dos recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

O processo de licenciamento ambiental possui três etapas: licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO).

O conceito legal de licença ambiental está expresso pelo inciso II do art. 1º Resolução supracitada, que a define como o ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais considerados efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Assim, a licença ambiental é uma espécie de outorga com prazo de validade concedida pela Administração Pública para a realização das atividades humanas que possam gerar impactos sobre o meio ambiente, desde que sejam obedecidas determinadas regras, condições, restrições e medidas de controle ambiental. Ao receber a licença ambiental, o empreendedor assume os compromissos para a manutenção da qualidade ambiental do local em que pretende se instalar e operar.

A licença prévia destina-se à aprovação do projeto, envolvendo a localização e viabilidade e tem prazo máximo de 05 anos.

A seguir, para dar continuidade ao empreendimento será necessária a licença de instalação, que autoriza sua instalação e eventuais edificações, nos termos do projeto previamente aprovado, tendo duração máxima de 06 anos.

Por fim, a licença de operação é a última a ser concedida, desde que as condições estabelecidas nas licenças anteriores tenham sido cumpridas. Esta licença terá prazo mínimo de 04 anos e máximo de 10 anos.

Somente após o procedimento do licenciamento ambiental, o particular estará autorizado a implementar sua atividades potencialmente danosas ao meio ambiente. Deste modo, o Poder Público instrumentaliza a proteção ao meio ambiente, somente permitindo o desenvolvimento de atividades que sejam sustentáveis ou, caso causem prejuízos, a Administração Pública tem o poder de revogar as licenças bem como obrigar o causador do dano a reparar e minimizar os prejuízos causados. Eis, pois, o licenciamento como instrumento para efetivar o direito ao meio ambiente.

Conclusão

A atual crise ambiental, consequência de um crescimento sem limites, anuncia uma ruptura de paradigma. Preocupado com sua própria sobrevivência, o homem abandona a visão antropocêntrica e parte para o método sustentável, necessitando aliar crescimento econômico com preservação e conservação ambientais.

Neste contexto, as Constituições passam a incorporar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a dá-lhe caráter fundamental e essencial a própria dignidade da vida. Necessitando garantir esse direito, diversos países têm procurado métodos capazes de sintonizar crescimento e sustentabilidade. No Brasil, um desses instrumentos chama-se licenciamento ambiental, procedimento capaz de frear a busca irracional pelo lucro, permitindo selecionar as atividades que possam trazer riquezas ao país sem ameaçar as presentes e atuais gerações.

Referências
BORGES, Ana Carolina Almeida. Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11428&revista_caderno=5>. Acesso em out 2014.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Cartilha de licenciamento ambiental. Brasília, 2004.
FINK, Daniel Roberto. O controle jurisdicional do licenciamento ambiental. FINK, Daniel Roberto; ALONSO JR, Hamílton; DAWALIBI, Marcelo (orgs). Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
FIORILLO, Celso Antonio Pachêco. Curso de direito ambiental brasileiro. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em foco. 6.ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.420
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

Informações Sobre o Autor

Ângela Miranda Pereira

Advogada, pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e em Direitos Humanos pelo Instituto Católico de Ensino Superior do Piauí (ICESPI).


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