O maior acervo da demanda judicial previdenciária: segurados especiais com enfoque na concessão de benefícios por incapacidade

Resumo:O escopo deste trabalho é a discussão de alguns problemas práticos que giram em torno da demanda judicial dos Segurados Especiais, especialmente no que se refere aos pedidos de benefícios por incapacidade. Buscaram-se algumas soluções para estes problemas que estão acarretando insegurança jurídica, injustiças e prejuízos aos cofres públicos. Então, adotou-se o método dedutivo de raciocínio lógico, partindo-se do conceito de Segurado Especial e em seguida discorreu-se um pouco sobre a concessão judicial dos benefícios por incapacidade a estes segurados. Concluiu-se que existe uma demanda judicial em massa de benefícios previdenciários, principalmente os rurais, ocasionado principalmente pela deficiência legislativa para o enquadramento destes segurados.[1]

Palavras-chaves: Previdência Social, benefícios por incapacidade, demanda judicial, segurado especial.

Abstract:This article sets, as its goal, the discussion of some practical issues about the lawsuits by Special Social Security Beneficiaries, mainly regarding the benefits for incapacity requests. A few solutions were searched to these issues, which are resulting in legal incertainty, injustice and losses to the public coffers. Therefore, it was adopted the logical reasoning deductive method, going from the Social Security concept and then, it was talked a little about the judicial grants of the benefits for incapacity to theses insured ones. The conclusion is that mass lawsuits involving Social Security, mainly the rural ones, created mainly by the legislative deficiency on framing theses insured ones.

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Keywords: Social Security, Benefits For Incapacity, Lawsuit, Special Social Security Beneficiaries.

 Sumário: Introdução. 1. O que não descaracteriza a qualidade de Segurado Especial. 2. Provas da condição de Segurado Especial. 3. Os benefícios por incapacidade para Segurado Especial: a carência e a necessidade de análise contextualizada da incapacidade. 4. O Requerimento de Pensão de LOAS deficiente e o erro administrativo. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas.

Introdução

Para ter direito a benefícios previdenciários por incapacidade é necessário cumprir dois requisitos: precisa haver a incapacidade atestada por médico perito e a qualidade segurado da Previdência Social.

Existem diferentes tipos de segurados: segurado empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, segurado facultativo, trabalhador avulso e o segurado especial.

Não convêm aqui discorrer sobre todos os tipos de segurados, uma vez que a demanda judicial em massa é de benefícios para segurados especiais, em que se dará enfoque.

Só pra se ter uma ideia da maioria esmagadora de demanda por benefícios rurais, até outubro de 2014 foram concedidos judicialmente pela Agência da Previdência Social de Demandas Judiciais do Piauí 1.730 auxílios-doença, sendo que deste total 1.279 foram para Segurados Especiais, correspondendo a 74% do total de benefícios.

Segundo a definição constitucional, Segurado Especial é o produtor, parceiro, meeiro, arrendatários rurais, o pescador artesanal e seus assemelhados, que exerçam essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, e sem a utilização de mão de obra assalariada permanente, admitindo-se, porém a contratação sazonal de mão de obra.

Sendo assim, existem dois tipos principais de Segurado Especial: o trabalhador rural e o pescador artesanal. São denominados de especiais porque devido à dificuldade do seu labor e precariedade em que vivem, considera-se, na grande maioria das vezes, que a contribuição destes é presumida.

Apesar de haver previsão constitucional de contribuição sobre a produção, Art. 195, § 8, este tipo de contribuição é praticamente inexistente, porque predomina a agricultura e a pesca de subsistência. Transcreva-se:

 

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:(…)

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) GRIFADO

Ocorre que, como na maioria das vezes a contribuição é presumida, estes segurados deverão comprovar por meio de outros documentos que exercem atividades que lhes enquadram como segurados especiais dentro da carência exigida para o benefício pleiteado.

É nesta comprovação da atividade rural que se encontra a principal razão do enorme volume de demandas judiciais e o motivo de mais incerteza e discricionariedade no âmbito administrativo e judicial.

A incerteza sobre a comprovação documental da atividade rural é clara e patente, porque na lei não existe um rol taxativo sobre quais são os documentos idôneos e quantos documentos são suficientes para a comprovação.

 Também é de certa forma discricionária a apreciação sobre quais documentos são idôneos ou não a comprovar o exercício de atividades campesinas.

 Para grande parte dos Procuradores, por exemplo, os documentos particulares não possuem tanto valor probatório; vez que pode haver falsidade ideológica em sua confecção. Também há divergências sobre outros documentos que possam servir de início da prova material.

Somado a isso, existe a dificuldade de documentação por conta da comum falta de esclarecimento destes segurados, já que muitos deles são analfabetos e/ou vivem em região de difícil acesso o que dificulta a existência de provas, uma vez que eles não possuem essa consciência da importância documental.

Grande parte foi responsável pelo próprio registro de nascimento, ou seja, só passaram a “existir” no mundo formal depois de adultos. Além disso, existe o caso das mulheres solteiras que por não terem casado ou tido filhos, possuem menos documentos públicos que poderiam comprovar a atividade rural se contivessem a profissão das mesmas como lavradoras.

Destarte, muitos Segurados Especiais típicos são penalizados, porque na via administrativa o benefício é negado diante da na ausência de prova documental, então precisam recorrer à via judicial, tendo que arcar com horários advocatícios e sofrendo “as dores” de uma longa espera e expectativa do resultado de um processo judicial.

Ademais, na via judicial, apesar de haver flexibilização do rigor legal e a possibilidade de maior dilação probatória, os documentos ainda são essenciais para que o Segurado Especial consiga o beneficio pleiteado.

Então, não raro ocorrem injustiças, porque esses segurados especiais típicos por vezes não conseguem provar a sua qualidade, enquanto outros “falsos rurais” muitas vezes chegam bens instruídos e, infelizmente, é comum a falsificação de documentos e acabam conseguindo benefícios como Segurado Especial.

Importante diferenciar o Segurado Especial do empregado rural, ambos são espécies do gênero trabalhador rural. A Convenção 141 da Organização Internacional do Trabalho definiu o trabalhador rural, veja:

“Art. 2º – 1. Para efeito da presente Convenção, a expressão "trabalhadores rurais" abrange todas as pessoas dedicadas, nas regiões rurais, a tarefas agrícolas ou artesanais ou a ocupações similares ou conexas, tanto se trata de assalariados como, ressalvadas as disposições do parágrafo 2 deste artigo, de pessoas que trabalhem por conta própria, como arrendatários, parceiros e pequenosproprietários.”

Apesar de ambos serem trabalhadores rurais, o Segurado Especial por trabalhar por conta própria e ser um pequeno produtor não é obrigado a recolher as contribuições previdenciárias de acordo com a legislação.

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Enquanto isso, o empregado rural é um segurado do tipo empregado, ou seja, é pessoa física que presta serviços habitualmente (não eventual), de forma subordinada e pessoalmente, mediante o pagamento de salário e, portanto, precisa recolher as contribuições como qualquer outro empregado.

1.O que não descaracteriza a qualidade de Segurado Especial

De acordo com o Art.12, VII da Lei 8.212/1991, segurado especial é a pessoa física que exerce individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de produtor, pescador artesanal, cônjuge ou companheiro e filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade que trabalhem no grupo familiar respectivo.

O regime de economia familiar está discriminado no Art. 9, § 5 do Decreto 3048/1998, como sendo a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

Importante destacar que, conforme determinação acrescida pela Lei 11.718/2008, para que se enquadrem como segurados especiais, o cônjuge, companheiro ou filho, maior de 16 anos, deverão trabalhar comprovadamente nas atividades rurais do grupo familiar.

Porém, não necessariamente todos os integrantes da família devem trabalhar conjuntamente na atividade rural, uma vez que a lei prevê a possibilidade do exercício da atividade individualmente.

Por isso, de acordo com o entendimento da TNU por meio da Súmula 41, o fato de um membro da família desenvolver atividade urbana, por si só, não descaracteriza a condição de segurado especial dos outros integrantes da família. Transcreva-se, súmula 41:

“A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.”

Entretanto, se a atividade urbana constituir a principal fonte de renda, está descaracterizada a condição de Segurado Especial dos outros membros do grupo familiar.

Nesse sentido já decidiu o STJ, consoante noticiado no informativo jurisprudência número 507, por meio do julgado ocorrido em 10/10/2012. Naquela assentada, pontuou o Tribunal que se deve averiguar se trabalho rural é dispensável para a subsistência do grupo familiar.

Para aferir esta dispensabilidade, adota-se por analogia o Art.12, §10 da lei 8.212/91 em que se descaracteriza o integrante do grupo familiar que receba benefício da previdência social com valor superior a um salário mínimo, veja:

§ 10. “ Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

I – benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social”

Sendo assim, a contrario sensu, a Procuradoria Seccional do INSS adota o entendimento de que se o cônjuge, por exemplo, exerce outra atividade e recebe mais que um salário mínimo, estaria descaracterizada a condição de Segurado Especial do outro cônjuge, visto que o casal não mais dependeria da agricultura de subsistência para a sua sobrevivência.

Importante destacar o art.12, § 9 e § 10 da Lei 8.212/91, inserido pela Lei 11.718/2008, traz uma série de exceções que não descaracterizam a condição de Segurado Especial, veja:

§ 9o  Não descaracteriza a condição de segurado especial: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado, em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

VI – a associação em cooperativa agropecuária; e (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)

VII – a incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI sobre o produto das atividades desenvolvidas nos termos do § 14 deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Produção de efeito)

§ 10.  Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

I – benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

II – benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar instituído nos termos do inciso IV do § 9o deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

III – exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)

IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;  (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

V – exercício de mandato de vereador do município onde desenvolve a atividade rural, ou de dirigente de cooperativa rural constituída exclusivamente por segurados especiais, observado o disposto no § 13 deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 9o deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

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VIII – atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).

GRIFADO

Veja que o Segurado Especial pode exercer atividade remunerada durante 120 dias do ano civil e isso não implica na perda da condição de segurado.

 Ou seja, extrapolando os 120 dias, o Segurado Especial perderá a sua qualidade no primeiro dia do mês em que se enquadrar em outra categoria de segurado obrigatório do RGPS.

Neste sentido, Zambitte (2014) destaca que haverá situações nas quais o Segurado Especial contribuirá atipicamente como se segurado empregado fosse, uma vez que durante estes 120 dias de atividade remunerada, o Segurado Especial não deixa de o ser.

Deste modo, salvo estas exceções acima dispostas o Segurado Especial deve ser um pequeno produtor, sem outra fonte de renda.

Para ser um pequeno produtor, a área explorada não pode exceder a quatro módulos fiscais, pois segundo Frederico Amado, a dimensão maior afasta a caracterização da atividade de subsistência. Com a ressalva de que a atividade rural de agroextrativista independe da dimensão da área.

E conforme se deduz do Art. 12, VII da Lei 8.212/91, não pode haver a utilização de empregados permanentes, no entanto, pode haver a contratação temporária de terceiros desde que não ultrapasse 120 pessoas/dias.

Por fim, importante destacar que, conforme art. 14 do Estatuto do Índio, estes podem se enquadrar como Segurado Especial, desde que cumpram os requisitos legais.

2.Provas da condição de Segurado Especial

Como exposto antes, o Segurado Especial deverá comprovar documentalmente o exercício da atividade, a lei de benefícios traz um rol exemplificativo de documentos idôneos para esta comprovação:

Art. 106.  A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

        I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

        II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

        III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

        IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

        V – bloco de notas do produtor rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

        VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

        VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

        VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

        IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

        X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

Importante destacar que não é exigido documentos sobre todo o período de carência sob pena de tornar-se impossível a obtenção de benefícios por esta categoria de segurados, veja estes dispositivos da Lei 8.213/91:

  Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013) GRIFADO

Não obstante, o início de prova para comprovar a carência do benefício não pode ser exclusivamente testemunhal, conforme exigência da Lei 8.213/1991 e de entendimento já sumulado do STJ, veja:

“Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:(…)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

STJ Súmula nº 149 – 07/12/1995 – DJ 18.12.1995

Prova Testemunhal – Atividade Rurícola – Benefício Previdenciário

    A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.”

Como é comum que a atividade rural ou de pesca seja exercida em regime de economia familiar, é aceitável administrativamente e judicialmente que as provas de um dos integrantes da família sejam aproveitadas para que outros consigam comprovar a sua qualidade de Segurado Especial, principalmente as provas do cônjuge, tendo o cuidado de observar o início da união e data da prova.

Exemplo disso é a Certidão de Reservista do marido em que consta a profissão como lavrador; o documento comprovando que o cônjuge participou das frentes produtivas que ocorreram em 1992/1993 e a Certidão de Casamento Civil que consta a profissão de um deles como lavrador.

 Quanto à Certidão de Casamento, é bem comum nas certidões antigas a profissão da mulher como doméstica, prendas domésticas ou “do lar”, isso porque o entendimento da época era de que o principal trabalho da mulher era ser dona-de-casa. Desse modo, se a profissão do cônjuge estiver como lavrador, costuma-se “aproveitar” esta prova também para a esposa.

Entretanto, importante destacar o informativo 507, no Recurso Especial 267.665/PR, o STJ decidiu no sentido de não ser possível haver a extensão da prova material de um cônjuge ao outro quando aquele passa a exercer trabalho urbano, devendo a prova material ser apresentada no nome do requerente.

Importante destacar que existe um falso imaginário entre os menos esclarecidos, de que os benefícios são concedidos pelo sindicato dos trabalhadores rurais e não pelo INSS.

Sendo assim, muitos falsos rurais iniciam desde cedo a pagar o sindicato para se aposentarem como rurais e muitos verdadeiros Segurados Especiais chegam a passar fome pra poder pagar o sindicato, porque acham que é obrigatório.

Ocorre que, obviamente não é o sindicato que “aposenta” as pessoas e sim o INSS. No entanto, a filiação sindical mesmo não ser obrigatória para a obtenção de benefícios como segurado especial, é importante, porque o sindicato pode emitir declarações sobre a atividade rural dos seus filiados e esta é uma prova elencada no rol do Art. 106, III da Lei 8.213/91.

Além disso, o sindicato dos trabalhadores rurais muitas vezes ajuda, porque orienta os verdadeiros rurais na colheita das provas, uma vez que geralmente estas pessoas não tem nenhuma instrução.

Mas não raro os sindicatos atrapalham, porque, infelizmente, já houve casos em que o sindicato emitiu declarações somente pelo fato de alguém pagar a contribuição sindical, mesmo a pessoa não sendo Segurada Especial.

Além disso, outro imaginário bastante difundido é de que basta o requerente ter uma propriedade rural para poder se enquadrar como Segurado Especial, o que não é suficiente, como visto antes.

Na prática vivenciam-se casos em que as pessoas declaram exercer atividade nas terras de parentes, criam falsos comprovantes de endereços nestas propriedades e conseguem benefícios previdenciários sem nunca ter exercido atividade que os enquadre como Segurado Especial ou pago contribuição para o INSS.

Destarte, é patente que a comprovação da atividade rural ainda é bastante falha, sujeita a discricionariedade, injustiça e alimentadora de falsificação documental.

Isso ocorre porque boa parte das provas é composta de documentos particulares e, portanto, facilmente manipulável, como o contrato com o proprietário da terra, declaração sindical e depoimento testemunhal.

Ademais, ocorrem muitas situações esdrúxulas como, por exemplo, o fato de alguém ter trabalhado como empregado rural e segurado especial, o que é bastante comum e não conseguir se aposentar como segurado empregado, porque não trabalhou tempo suficiente de carteira assinada e nem segurado especial, porque o seu tempo de contribuição como empregado supera o limite legal de 120 dias/ano. Ou seja, o segurado é penalizado porque contribuiu para a previdência.

Enquanto isso, alguém que trabalha na informalidade como costureira, mecânico, dentre outros, nunca contribuiu para a previdência, mas paga o sindicato dos trabalhadores rurais por um período, colhe outras provas falsas e consegue se aposentar como trabalhador rural.

Além disso, essa conjuntura cria “máquina de dinheiro” no âmbito judicial e representa um enorme prejuízo ao erário, uma vez chega a 20% o percentual de benefícios que são implantados pela via judicial.

 Ou seja, muitos advogados lucram, enquanto muitos verdadeiros trabalhadores rurais que poderiam ter conseguido o benefício administrativamente, humildes e já sacrificados pela vida, não recebem tudo o que tem direito, uma vez que precisam arcar com os honorários advocatícios, já que a Defensoria Pública da União não supre a demanda.

Desta forma, é claro que isso precisa mudar! A legislação previdenciária precisa evoluir de modo que a comprovação da condição de Segurado Especial seja mais idônea.

Deve-se discutir a efetivação da contribuição sobre a produção, torná-la obrigatória, isso seria até mesmo um incentivo à produção. Também poderia resolver o problema a criação de uma contribuição pecuniária, nem mesmo que mínima. Muitos dos segurados especiais pagam Sindicato dos Trabalhadores Rurais, por que não pagam contribuição para a Previdência?

Essa contribuição é necessária até porque, do jeito que ocorre hoje os benefícios rurais estão se assemelhando aos assistenciais, uma vez que não existe contraprestação e o déficit é muito alto.

Frederico Amado (2014) traz dados de 2010, quando no fechamento das contas havia um déficit de 42 bilhões de reais. E em 2011, conforme Informe da Previdência Social, a “clientela urbana” registrou superávit de 1,8 bilhão, enquanto a rural apresentou necessidade de financiamento de 4,2 bilhões.

3.Os benefícios por incapacidade para Segurado Especial: a carência e a necessidade de análise contextualizada da incapacidade

 O auxílio-acidente é um benefício que não requer carência, desta forma, basta o segurado especial comprovar que se enquadrava como segurado especial quando sofreu o acidente, não existindo um período mínimo de comprovação.

Já para a concessão do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, o segurado especial, via de regra, precisa comprovar que exerceu atividade rural ou pesqueira artesanal sem a utilização de empregados permanentes e cumpridos todos os outros requisitos antes expostos, nos doze meses anteriores à incapacidade e ao requerimento do benefício.

 Lembrando que não precisa haver a comprovação de todos os meses, a prova pode ser descontinua, conforme exposto alhures.

É de relevo destacar que, existem algumas hipóteses em que a legislação dispensa a carência, como no caso de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho e doenças determinadas por Portaria do Ministério da Saúde e da Previdência Social.

Veja que no caso destes benefícios a produção probatória ainda é mais facilmente fraudada que em outros benefícios com período de carência maior, uma vez que dificilmente haverá documentos públicos exatamente nos 12 meses anteriores à incapacidade, então é natural que quase todos os documentos sejam particulares, o que permite e facilita a falsificação.

Ademais, no âmbito judicial existe o problema das perícias contraditórias e inconclusivas sobre a incapacidade do segurado. E no caso do Segurado Especial, por conta da precariedade do meio em que vive e do baixo nível de instrução, deve haver a contextualização da conclusão da perícia.

Esta contextualização já deve ser realizada na própria perícia judicial, uma vez que existe um quesito que questiona a possibilidade de reabilitação para outra atividade, considerando a escolaridade e as condições socioeconômicas.

Além disso, o próprio servidor do INSS; o procurador federal que for realizar a audiência de conciliação ou instrução e, principalmente o magistrado, devem flexibilizar o rigor legal para a concessão dos benefícios por incapacidade.

No caso da aposentadoria por invalidez, por exemplo, em que a lei exige a incapacidade permanente e total, se o laudo atestar que a incapacidade do Segurado Especial é total e parcial deve-se analisar a sua idade e meio em que vive para ver a possibilidade de conceder uma aposentadoria por invalidez. Só assim estará se fazendo justiça.

4.O requerimento de pensão de LOAS deficiente e o erro administrativo

 Com a criação dos benefícios assistenciais, muitos segurados especiais que não detinham documentação suficientemente comprobatória da qualidade de segurado especial acabaram sendo amparados por benefícios assistenciais.

Isso ocorre, porque cabe ao servidor do INSS conceder o benefício mais adequado ao caso, conforme orientação da Súmula 05 do Conselho de Recursos da Previdência Social: “a Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”.

Ocorre que, como essas pessoas costumam ter pouca instrução, muitas vezes se contentam com o beneficio assistencial, ao invés de procurar mais provas que permitam a concessão de beneficio previdenciário na condição de Segurado Especial.

Existe desinteresse por parte desses, uma vez que a única diferença clara entre estes benefícios é que os assistenciais não geram décimo terceiro, ao contrário de todos os outros benefícios previdenciários.

Entretanto, existe outra diferença importante: o fato dos benefícios assistenciais não darem direito aos dependentes de receber pensão, uma vez que são benefícios personalíssimos, conforme Art. 21, § 1º in fine da Lei 8.742/1992.

Sendo assim, comumente existem ações judiciais requerendo pensão de benefícios assistenciais por deficiência, com a alegação de que houve erro administrativo na concessão do beneficio assistencial, com a defesa de que na verdade, o de cujus era um Segurado Especial.

Ocorre que, para o autor ter direito a receber a pensão deve haver a comprovação de que realmente houve um erro administrativo na concessão do beneficio assistencial e não somente que o instituidor era um segurado especial.

Isso porque do contrário, haverá incentivo para muitos pleitos totalmente improcedentes, ações de má-fé e haverá total desvirtuamento dos benefícios assistenciais.

Trata-se de mais uma consequência maléfica da ultrapassada legislação previdenciária que acaba desamparando não só o segurado, mas os seus dependentes que terão que comprovar após a morte que o instituidor era trabalhador rural ou pescador artesanal, o que é uma tarefa ainda mais difícil.

5.Considerações Finais

Apresentou-se a temática do Segurado Especial por ser o principal motivo da demanda judicial previdenciária.

Esta demanda é responsável, nos dias atuais, pelo abarrotamento dos Juizados Especiais Federais, o que acaba comprometendo a celeridade do rito sumaríssimo e a qualidade da prestação jurisdicional.

 Discutiu-se um pouco sobre a definição do Segurado Especial e o método retrógrado de comprovação desta qualidade em decorrência da deficiência legislativa, o que motivo de muita discricionariedade, insegurança jurídica e injustiças no âmbito administrativo e judicial.

Para este problema apresentou-se como uma possível solução a contribuição sobre a produção obrigatória.

E em seguida discorreu-se um pouco sobre a concessão judicial de benefícios por incapacidade a Segurados Especiais.

 O Direito Previdenciário é um dos principais ramos do direito, porém, como a Previdência Social só ganhou forças após a Primeira Guerra Mundial, com a Segunda Geração dos Direitos Humanos é uma ciência ainda muito carente de pesquisa, o que dificulta até mesmo a consulta bibliográfica.

 Por isso a importância em pensar e discutir este direito, ainda mais porque a população está envelhecendo e o déficit previdenciário só aumenta. Ex positis, buscar alternativas é a única saída, sendo este o escopo deste trabalho.

Referências:
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Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Paulo Roberto de Lima Fagundes (Auditor da Receita Federal)


Informações Sobre o Autor

Ana Carolina Sousa Barbosa

Advogada regularmente inscrita na OAB-PI; especialista em Direito Tributário pela Faculdade Internacional Signorelli; servidora pública federal, Técnica do Seguro Social


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