Resumo: O presente trabalho possui como escopo avaliar o mecanismo do instituto de Direito Tributário denominado de Substituição Tributária Progressiva no ICMS, principalmente em relação aos seus aspectos constitucionais, seus aspectos jurídicos e seus aspectos econômicos. Desta forma, avaliar-se-á a conjuntura histórica na qual esta sistemática foi incluída no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os papéis que fazem deste mecanismo um tema indubitavelmente polêmico e controverso no mundo tributário. Serão, então, tecidas algumas considerações que pretendem definir o atual posicionamento doutrinário e as tendências acerca da Substituição Tributária Progressiva no ICMS junto ao Supremo Tribunal Federal, além de seus reflexos no mundo da economia e dos consumidores quando de sua aplicação junto à sociedade. Discute-se, então, a soma da teoria dogmática como posicionamento jurisprudencial e doutrinário e com a prática do mecanismo, sempre a fim de se definir que esta sistemática foi um instituto trazido ao Direito Tributário em prol do aprimoramento do Sistema Tributário Brasileiro, com o intuito de torná-lo menos oneroso aos contribuintes e igualitário e equitativo para a sociedade brasileira. Por fim, cumpre salientar que a presente pesquisa foi desenvolvida com embasamento doutrinário e jurisprudencial e que tal matéria está situada nas esferas do Direito Constitucional, do Direito Tributário, do Direito Financeiro e Econômico e do Direito do Consumidor.
Palavras-chave: Direito Tributário. Substituição Tributária Progressiva no ICMS. Constitucionalidade da sistemática. Reflexos. Supremo Tribunal Federal.
Abstract: The present work has as scope to evaluate the mechanism of the Institute of Tax Law named Progressive Tax Substitution in ICMS, mainly in relation to its constitutional, its legal and economic aspects. Thus, it will measure the historical situation in which this system was included in the Brazilian legal system, and also as the roles that make this mechanism undoubtedly polemic and contentious issue in the tax world. Some considerations will be made in order to define the current trends and doctrinal position on the Progressive Tax Substitution in ICMS by the Supreme Court, beyond their reflections in the world economy and consumers when their application in the society. It is discussed so far about the sum of the dogmatic theory of jurisprudence and doctrinal position and practice of the mechanism, in order to set that this system was brought to institute a tax law in favor of improving the Brazilian Tax System and make it less costly to taxpayers and equal and fair for the Brazilian society. Finally, it should be pointed that this research was developed with doctrinal and jurisprudential basis and that such material is situated in the spheres of Constitutional Law, the Tax Law, the Financial and Economic Law and Consumer Law.
Keywords: Tax Law. Progressive Tax Substitution in ICMS. Constitutionality of systematics. Reflex. Supreme Court.
Sumário : 1. Introdução. 2. Do breve relato histórico. 2.1. Do surgimento e da importância da substituição tributária no Direito Tributário Brasileiro. 2.2. Da evolução legal da substituição tributária no Brasil. 3. Do conceito de substituição tributária. 3.1. Do conceito de substituição tributária. 3.2. Das modalidades de substituição tributária. 3.3. Das teorias de substituição tributária no ICMS. 4. Teorias acerca da constitucionalidade do mecanismo da substituição tributária. 4.1. Dos princípios constitucionais aplicáveis ao mecanismo da substituição tributária progressiva. 4.2. Da constitucionalidade da restituição do valor pago quando não ocorrer o fato gerador. 4.3. Da constitucionalidade do valor pago a maior na substituição tributária progressiva. 5. Da regra matriz de incidência tributária no ICMS e suas observações de ordem jurídica. 5.1. Da regra matriz de incidência tributária no ICMS e as alterações provocadas pela substituição tributária. 5.2. Da sujeição tributária passiva. 6. Da substituição tributária “pra frente” e seus aspectos econômicos. 6.1. Do uso da sistemática da substituição tributária “pra frente” na economia brasileira. 6.2. Dos setores da economia brasileira que utilizam o mecanismo da substituição tributária “pra frente”. 6.3. Do consumidor como contribuinte de fato. 7. Do posicionamento do stf acerca da substituição tributária e das tendências sobre o mecanismo. 8. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, mais conhecido como ICMS, certamente é considerado um dos tributos mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, afora que é a maior fonte de recursos dos Estados da Federação. Neste passo, cediço que o ente público possui várias sistemáticas administrativas utilizadas com a finalidade arrecadatória do aludido imposto, sendo a substituição tributária uma delas. Tal mecanismo, o qual antecipa o recolhimento do tributo antes mesmo que se concretize a operação, representa esse incitamento arrecadatório, o qual é considerado, por inúmeros doutrinadores, inconstitucional.
O mecanismo da substituição tributária foi criado e incorporado no ordenamento jurídico brasileiro, primeiramente, a fim de impedir a sonegação, facilitando, assim, que fosse realizado um controle e uma fiscalização mais eficaz pelos respectivos órgãos competentes, além de, num segundo momento, propiciar maior arrecadação. O Código Tributário Nacional – CTN, em seu texto original, mais precisamente seu artigo 58, § 2º, II, foi quem instituiu a sistemática da Substituição Tributária. Todavia, foi revogado em 1968. Mas, no ano de 1983, voltou a viger no ordenamento juridico brasileiro, ganhando no ano de 1993 status constitucional, através da edição da Emenda Constitucional nº. 03/93. No entanto, só foi possivel viabilizar a aplicabilidade deste mecanismo com a edição da Lei Complementar nº. 87/96.
Nesta conjuntura, a constitucionalidade do mecanismo da substituição tributária foi abundantemente discutida, arguindo-se, sobretudo, a presunção do fato jurídico futuro sob o escudo dos princípios da tipicidade tributária e da capacidade contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, sob a égide do princípio da não cumulatividade.
Um dos principais pontos de inconsonância foi introduzido pela reforma de 1993 da Constituição Federal, em seu artigo 150, § 7º. Parte da doutrina alega a inobservância da faticidade do pressuposto na hipótese de incidência quando da aplicação da substituição. Neste passo, o ilustre doutrinador Marco Aurélio Greco leciona em sua obra Substituição Tributária[1] que “tal regime se legitima a partir da observação dos requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade” (sob o âmbito da relação entre o fato jurídico presumido e o fato real).
Outrossim, Marciano Seabra Godói e Gilberto Ayres Moreira (2001, p. 81-87) dispõem que:
“A proporcionalidade estaria vinculada à proibição de excessos de forma que o arbitramento da base de cálculo abstrata e o valor real obtido se aproximem ao máximo”.
Desta forma, conforme a magnitude em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador presumido, verifica responsabilidade em relação a serviços, mercadorias ou bens aos sujeitos da relação, convenciona-se a base de cálculo da incidência precipitada, sendo que essa base de cálculo pautar-se-á na soma do valor da operação ou da prestação efetivada pelo substituto, sendo acrescidos a ela o valor do transporte das mercadorias e o valor referente à margem de valor agregado, adsorvendo-se parâmetros para compor a aludida base de cálculo.
Neste diapasão, o mecanismo da Substituição Tributária no ICMS, mesmo sendo uma forma diferenciada de arrecadação tributária, não se distingue dos diversos tributos existentes no ordenamento jurídico quanto a sua incidência e quanto à aplicação da regra matriz de incidência. Assim, com a ocorrência do fato imponível[2] na hipótese incidente legal[3], nasce a obrigação do particular que praticou tal fato para com o Fisco. Adverte-se, contudo, no que tange ao ICMS, a aplicação do princípio da não cumulatividade, competindo ao contribuinte, na ocasião de adimplir com a obrigação tributária, descontar a quantia devida dos valores de ICMS pagos na etapa anterior.
Nas esferas econômica e consumerista, verifica-se que a predileção do elemento presumido necessita ocorrer dentro do ciclo econômico da mercadoria, em etapa antecedente e expressivamente reducente do número de contribuintes a serem fiscalizados. Assim, a base de cálculo presumida deve obedecer a critérios específicos de dedução, aproximando-se, o mais possível, do valor da futura venda ao consumidor.
O Pretório Excelso, no âmbito do direito tributário, oferece um raciocínio no sentido de conferir a máxima eficácia aos valores da isonomia, do combate à sonegação e da praticidade, conservando a finalidade desejada pelo legislador ao instituir a sistemática da substituição tributária no ordenamento jurídico. Tem-se, destarte, um posicionamento respaldado em valores jurídicos, coesos com a hodierna linha interpretativa do Tribunal, além de compatibilizar com o esboço dogmático do mecanismo e com os princípios tributários.
Portanto, verifica-se comprovado que as questões levantadas em relação à sistemática da substituição tributária a partir da óptica constitucional, jurídica e econômica devem ser tratadas de uma maneira crítica, fática e analítica, com a finalidade de extinguir quaisquer dúvidas que se engendrem em relação a sua aplicabilidade e suas consequências, seja pela relação formada entre os sujeitos do regime, seja pela reação econômica e aos consumidores finais dos produtos sob o amparo deste sistema.
2 DO BREVE RELATO HISTÓRICO
2.1 Do surgimento e da importância da substituição tributária no Direito Tributário Brasileiro
A substituição tributária foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro com um único objetivo: evitar a sonegação por meio da facilitação do controle e da fiscalização através dos órgãos competentes. Consequentemente, atingindo-se o objetivo, seria propiciada maior arrecadação do aludido imposto ao ente competente para tanto.
Com feito, a fim de facilitar o controle da arrecadação e fiscalização do tributo, os Estados, na década de 70, imediatamente nos primeiros anos de vigência do antigo ICM, passaram a refletir na substituição tributária como forma de facilitar a operacionalização do imposto. Todavia, grande debate nasceu com a retenção do ICMS na fonte, em que o fabricante, ao vender para o comerciante, já deveria reter o ICMS que incidiria em venda futura, destarte, antes da ocorrência do fato gerador[4].
Assim, foi no texto original do Código Tributário Nacional – CTN – mais precisamente em seu inciso II, § 2º, artigo 58, que brotou o instituto da substituição tributária, o qual assim dispunha:
“Art. 58. Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor que promova a saída da mercadoria. (…)
§2º A lei pode atribuir a condição de responsável: (…)
II – ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem nao excedente a 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar.”
No entanto, no ano de 1968, referido instituto foi revogado através do Decreto lei nº. 406, voltando a viger, tão somente em 1983, através da edição da Lei Complementar nº. 44. Com a edição da Emenda Constitucional nº.03/1993, a substituição tributária ganhou status constitucional, assim determinando em seu artigo 150, §7º:
“Art. 150. …
§ 7º. A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
Mesmo com status constitucional, a sistemática da substituição tributária ainda não possuía a devida aplicabilidade, o que passou a ocorrer somente em 1996, quando foi editada a Lei Complementar nº. 87, a qual conferiu à substituição tributária viabilidade aplicativa, pois passou a incorporar em seu próprio texto a autorização para tal procedimento.
Já a substituiçao tributária “para frente”, em que o ICMS é retido na fonte, foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro na década de 70, também como meio facilitador de controle das operações e dificultador de sonegações. Ato contínuo, no ano de 1983 houve a edição da Lei Complementar nº. 44, inserida através do Decreto Lei nº. 406/68, a qual previa a possibilidade de subistituição tributária das operações subsequentes.
Ainda após a edição da referida Lei Complementar, porém, as decisões judiciais permaneceram divergentes, pois ora eram favoráveis ao Fisco, ora aos contribuintes. Mas, no ano de 1994, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da uniformização jurisprudencial, pacificou o entendimento no sentido de legitimar esta modalidade de substituição.
Portanto, o mundo jurídico muito discutiu acerca da constitucionalidade desse mecanismo, questionando, principalmente, a possibilidade de se presumir fato jurídico futuro sob a égide dos princípios da tipicidade e capacidade contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, o princípio da não cumulatividade.
Neste passo, no alcance em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador presumido, atribui responsabilidade em relação a mercadorias, bens ou serviços aos sujeitos da relação, estipula-se a base de cálculo da incidência antecipada, pautando-se na soma do valor da operação ou da prestação realizada pelo substituto, acrescida pelo valor do transporte das mercadorias e pela margem de valor agregado, fixando-se parâmetros para compô-la.
Acerca da importância do mecanismo no universo jurídico tributário e na sociedade como um todo, a substituição tributária evidencia ser, indubitavelmente, um meio eficaz de combate à sonegação, garantindo que todos os contribuintes arquem com o ônus tributário que lhes é cabível. Ademais e de suma importância, trata-se referido mecanismo de uma técnica indispensável à promoção da justiça fiscal, zelando para que os cidadãos percebam a efetividade prática e isonômica das normas tributárias pertencentes ao Estado Democrático de Direito, que tem vultosos gastos sociais a cumprir e escolhe as imposições fiscais como fonte ordinária de receitas.[5]
De tal modo, cristalino é o valor deste mecanismo na atual sociedade brasileira, posto que alcança setores economicamente acentuados e de complicada fiscalização, correspondendo a significativa parte da arrecadação dos estados.
2.2 Da evolução legal da substituição tributária no Brasil
Heleno Torres (2001, p. 87-108), inteligentemente, definiu a substituição tributária como o mecanismo de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o pagamento devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime plurifásico.
Portanto, conclui-se que a obrigação tributária se extingue com a ocorrência do fato gerador previsto para o contribuinte.
Desta maneira, a Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de março de 1993, em seu artigo 150, § 7º, determinou que:
“A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
Da leitura deste texto e extraindo-se as principais características do instituto ora analisado, tem-se que: num primeiro momento, a técnica da substituição tributária implica uma pessoa substituta e outra substituída, sendo que a substituta é a responsável, enquanto a substituída é a verdadeira contribuinte, conforme ensina Aires F. Barreto (2002, p. 7-32). E mais, observa-se que, sob este regime de arrecadação tributária, a terceira legalmente responsável é quem efetua o recolhimento antecipado da exação que incidiria em operação futura, substituindo o contribuinte desta obrigação tributária presumida, repassando-se o encargo tributário adiantado.
A Lei Complementar nº. 87/96, através de seu artigo 6º, autoriza a aplicação da sistemática de substituição tributária ao ICMS, restando aos Estados a atribuição de responsabilidade em relação às mercadorias, bens ou serviços. Desta maneira, embasando-se em fato gerador presumido, estabelece-se a base de cálculo da incidência antecipada como a soma do valor da operação ou prestação realizada pelo substituto tributário, do montante dos valores relativos ao transporte de mercadorias e da margem de valor agregado, incluindo-se o lucro das operações ou prestações subsequentes.
Neste diapasão, o legislador estipulou parâmetros para determinar valores abstratos aproximados, estabelecendo-se, assim, a margem de valor agregado:
“(…) com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.”
É desta maneira acima citado que dispõe o §4º do artigo 8º da Lei Complementar nº. 87/96.
Outrossim, no Estado de São Paulo, a lei contempla uma ampla interpretação ao dispositivo constitucional quanto à obrigação da restituição do valor pago a maior. Ora, a redação do artigo 66 da Lei Estadual nº 6.374/95, alterada pela Lei 9.176/95, certifica a restituição do imposto pago antecipadamente, não apenas no caso em que não se efetive o fato gerador presumido na sujeição passiva (artigo 66–B, inciso I, da Lei Estadual nº. 6374), mas ainda quando se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço restou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida (alteração da Lei Complementar nº. 87/96, em seu artigo 19).
A incidência e o emprego da regra matriz do ICMS são semelhantes aos demais tributos. Não obstante, nesse há a particularidade do cumprimento ao princípio da não cumulatividade, ou seja, o contribuinte abaterá do montante devido os valores referentes aos ICMS já pagos na etapa anterior do momento que adimplir sua obrigação. Conforme ensinamento de Geraldo Ataliba (1989, p.730-96), o direito de abater é expressão fática do princípio da não cumulatividade do ICMS.
Por derradeiro, o artigo 20 da Lei Complementar nº. 87/96 não adotou o método do tax on tax (dedução do imposto) para efeitos da substituição tributária no ICMS.
De acordo com aludido artigo, o sujeito passivo pode abater o imposto anteriormente cobrado, para a compensação, em “operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente.”
3 DO CONCEITO DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
3.1 Do conceito de substituição tributária
Conforme afirmado em capítulo anterior, o mecanismo da substituição tributária foi positivado com o objetivo de evitar a sonegação por meio da facilitação do controle e da fiscalização através dos órgãos competentes, bem como propiciar uma maior arrecadação do aludido imposto ao ente competente para tanto, além de condensar a cobrança de tributos plurifásicos em um singular pagamento.
Pois bem, foi com esse objetivo que houve a inserção da substituição tributária junto ao ordenamento juridico brasileiro. Cumpre, agora, conceituá-la.
O Doutrinador Heleno Torres (2001, p. 87-108) define a substituição tributária como:
“[…] o mecanismo de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o pagamento devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime plurifásico.”
Para José Eduardo Soares de Melo (1997, p. 179), a substituição tributária é definida da seguinte maneira:
“Trata-se a substituição de imputação de responsabilidade por obrigação tributária de terceiro que não praticou o fato gerador, mas que tem vinculação indireta com o real contribuinte. O substituto tem decorrer naturalmente do fato imponível, da materialidade descrita (hipoteticamente) na norma jurídica, não podendo ser configurado por mera ficção do legislador.”
3.2 Das modalidades de substituição tributária
Quanto às modalidades, quando se fala em substituição tributária, é comum associá-la à cobrança antecipada em relação a um fato gerador futuro. Todavia, é necessário observar que ela também pode ocorrer relativamente a operações e prestações antecedentes, concomitantes ou subsequentes. O presente trabalho aborda a substituição tributária das operações subsequentes, ou seja, a retenção do ICMS na fonte, que ocorre quando determinado produto tem poucos fabricantes ou importadores, e inúmeros comerciantes que o revendem, sendo de grande valia para o Estado exigir daqueles que, ao vender para o comerciante, calculem, à parte, o valor presumido da venda futura do comerciante e já cobre na nota fiscal, em separado, o valor do ICMS retido por substituição tributária em relação às operações subsequentes (ROSA, 2009, p. 10).
3.3 Das teorias de substituição tributária no ICMS
Diversas são as linhas argumentativas que analisam o instituto da substituição tributária na esfera do ICMS, sendo que algumas delas merecem um destaque especial.
Há a tese da inconstitucionalidade do instituto, que será detalhadamente exposta neste trabalho em momento oportuno, e que consiste, basicamente, na afirmação de que tal instituto viola diversos princípios constitucionalmente garantidos. Trata-se de opinião já superada, inclusive pela posição jurisprudencial.
Outra tese bastante discutida é a da presunção relativa, supostamente criada por lei, a ser confirmada no momento da ocorrência do fato no mundo real, o que cria a necessidade de eventual devolução nos casos em que o valor presumido não corresponder ao valor real da venda[6].
Nesse modelo, o futuro fato material presumido teria o condão de confirmar ou não a presunção, ou seja, em havendo diferenças entre a base de cálculo presumida e o preço final de venda:
“[…] a alternativa que entendemos viável, reproduz-se pela recomposição da conta corrente do ICMS, o que implica reformulação do sistema de apuração originário que se faz por confronto entre débito e crédito por mercadoria em cada operação, para fazê-lo por período. Porém, nessa circunstância analisada, para saber quais os débitos das operações realizadas pelos varejistas, torna-se imperioso o fracionamento do valor agregado, em partes iguais, quando não houver outra forma no caso concreto”. (LIMA NETO, 2000, p. 78)
Há, ainda, a tese defendida por renomados juristas como Marco Aurélio Greco, em que o cerne da norma descrita no § 7º do artigo 150 da Constituição Federal não seria a substituição tributária em si, mas sim a antecipação da exigência do tributo, visto ser esta norma aplicável não somente ao ICMS, mas a impostos e contribuições também. Nas palavras de Marco Aurélio Greco:
“[…] o § 7º do art. 150 da CF de 1988 está prevendo a figura da “antecipação”, pois contempla hipótese de atribuição de responsabilidade tributária em função de um evento futuro; ou seja,figura em que o tributo é exigido de um contribuinte numa etapa do ciclo econômico, em contemplação de um fato gerador a ocorrer em etapa posterior, em geral tendo a mesma mercadoria por objeto”. (GRECO, 2001, p.14).
Ainda segundo essa tese, se a antecipação for com substituição, deve atender a três cláusulas: vinculação, atribuição e vedação de excesso ou restituição. A vinculação estaria atrelada ao pressuposto de fato (e não ao fato gerador):
“[…] ao invés da legislação atrelar a exigência de recolhimento do dinheiro aos cofres públicos ao momento em que estiver concluída a ocorrência do fenômeno (econômico ou jurídico) qualificado pelo ordenamento, ela conecta a exigência a uma fase preliminar, como que antecipando as consequências que, no modelo tradicional, só seriam deflagradas depois da ocorrência do próprio fenômeno. Sublinhe-se que o fato qualificado para fins de deflagrar o recolhimento deve ser fase preliminar do fenômeno, econômico ou jurídico, que compõe a materialidade da competência tributária constitucional prevista, e não necessariamente do fato gerador do tributo.” (GRECO, 2001, p.30).
Em relação às cláusulas de atribuição e de vedação de excesso ou de restituição, tem-se que a primeira diz respeito à necessidade de vínculo entre a terceira pessoa responsável pelo recolhimento do tributo com o respectivo pressuposto de fato sendo, no caso do ICMS, o ciclo econômico da mercadoria e a segunda implica uma
“vedação a se cobrar mais do que resultaria caso fosse aplicado o modelo clássico do fato gerador da obrigação tributária, impondo-se a devolução sempre que o fato real não acontecer ou, acontecendo, não se der na dimensão originalmente prevista, pois havendo excesso este tem natureza de cobrança indevida”. (GRECO, 2001, p.25).
Ainda, outra tese pertinente de se ressaltar é a que considera a substituição progressiva uma técnica legal situada no plano normativo, em que não há alteração no plano de incidência tributária, ou seja, não se modificam sujeitos, base de cálculo ou elemento material da hipótese de incidência. O § 7º do artigo 150 da CF apenas autorizaria o legislador a escolher uma nova técnica de arrecadação, por meio de novas hipóteses de incidência vinculadas às materialidades previstas na Constituição Federal (SANTI, 2005, p. 535-552).
É cediço destacar que o artigo 150, parágrafo 7º, da CF é daqueles dispositivos que contêm mais de uma norma, ou seja, diferentes suportes fáticos. Assim, todas essas teorias apresentam interpretações singulares do mecanismo da substituição tributária e objetivam desmembrá-lo a fim de obter a maneira mais adequada de sua aplicação conforme seus interesses jurídicos e econômicos.
As normas extraídas do referido artigo tanto autorizam ao legislador infraconstitucional tributar uma parcela da realidade, econômica ou jurídica, por meio da presunção – e daí uma das grandes polêmicas da doutrina tributária brasileira – quanto dispões sobre a obrigação de o Estado devolver o pagamento caso o elemento presumido não ocorra no universo fático.
Alfredo Augusto Becker é um dos pioneiros na discussão sobre a presunção dos fatos no universo tributário. Considerando a observância ao princípio da legalidade, a incidência do tributo deve corresponder à realidade, uma espécie de verdade real deve guiar o tributarista. O renomado jurista chama atenção para o fato de que o sistema da avaliação direta da base econômica de incidência é um processo
“[…] arcaico, bárbaro e frequentemente menos seguro para a descoberta da verdade, cabendo ao legislador escolher não apenas a finalidade de determinada regra jurídica, como também os meios para alcançar aquele fim, com a maior possível aproximação”. (BECKER, 1998, p. 504).
Destaca, ainda, que, frequentemente, o legislador elege como presunção de capacidade contributiva determinado fato jurídico de mais fácil e segura identificação e captação que o fato econômico esquivo que normalmente corresponde àquele fato jurídico.
Ora, para atingir seus fins, o Estado precisa captar recursos, e os obtém através dos tributos, exigindo do cidadão uma parcela de sua renda ou capital, tributando, isonomicamente, aqueles que têm disponibilidade econômica para tal. Nas palavras de Becker:
“Uma das funções do direito positivo, qual seja a de conferir certeza à incerteza das relações sociais, certeza esta ausente nas ciências físicas e sociais, onde mesmo a mais precisa das leis científicas naturais nunca será mais do que uma extrema possibilidade, o que, ainda assim, não lhe rouba a utilização prática.” (BECKER, 1998, p. 506).
Assim, torna-se claro que as presunções no direito tributário podem ocorrer, o que não pode é haver critérios absolutos e incontroláveis na elaboração dessas presunções, que devem ater-se aos métodos científicos em curso e serem passíveis de controle. Ainda nas palavras de Becker:
“Em síntese, ante o problema prático, o legislador valorizou os interesses em conflitos e o critério de preferência que inspirou a solução legislativa (fato jurídico como hipótese de incidência da regra jurídica tributária) foi o de perder em justiça absoluta aquilo que ganhava em certeza e praticabilidade do Direito Tributário; verbi gratia: certeza e praticabilidade do lançamento tributário. Ora, as valorações dos interesses em conflito num problema prático e o critério de preferência que inspirou a solução legislativa, participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados pelo seu intérprete sob o pretexto de melhor adequação à realidade econômica, no momento da incidência da regra jurídica. O intérprete da lei tributária deverá investigar sua incidência exclusivamente sobre o fato jurídico (e desde que revestido daquela espécie jurídica preestabelecida pelo legislador) e não sobre a realidade econômica que lhe corresponde ou corresponderia”. (BECKER, 1998, p. 507 e ss.).
A substituição progressiva objetiva combater a sonegação fiscal, propiciando a justiça fiscal, pois torna certas e praticáveis relações jurídicas em que é difícil a fiscalização. O instituto deixa de buscar a verdade real, mas para possibilitar a praticabilidade, a certeza jurídica e a operabilidade sistemática, tornando-se, assim, meio eficaz para se atingir os fins previstos pelas normas de tributação: captar recursos dos contribuintes que têm disponibilidade econômica, manifestada em determinados fatos objetivos, dela indicativos. Ou seja,
“ao fixar os objetivos visados por certa regra jurídica tributária em processo de formação, o legislador observa obstáculo prático, o que tornaria impraticável, ou muito difícil, a sua aplicação; diante disso, resolve abandonar a realidade que normalmente lhe serviria de base, seja para constar no polo passivo, seja para constar como elemento material da hipótese de incidência, e substituí-la por uma falsidade”. (BECKER, 1998, p. 523 e ss).
4 TEORIAS ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO MECANISMO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
4.1 Dos princípios constitucionais aplicáveis ao mecanismo da substituição tributária progressiva
Através da Emenda Constitucional nº. 03/93 a sistemática da substituição tributária incorporou caráter legal, aniquilando rumores de inconstitucionalidade do instituto.
Com o surgimento do aludido mecanismo, passou-se a analisar quais eram os princípios constitucionais a ele aplicáveis, a fim de adequá-los da mais justa e eficaz maneira à realidade jurídico econômica brasileira.
Neste sentido, o ilustre Doutrinador Marco Aurélio Greco[7] esclarece que o regime da substituição se legitima a partir da observação dos requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Já sob o ponto de vista da jurisprudência, entende-se por necessidade e adequação a relação entre o fato presumido e o fato real, sob o qual incidiu o tributo antecipadamente. No que tange à proporcionalidade, estaria tal princípio vinculado à proibição de excessos de modo que a base de cálculo abstrata e o valor real obtido se aproximem ao máximo (GODOI, 2001, p. 81-87)
Todavia, de maneira diametralmente oposta, há ainda quem sustente, apesar de o instituto já dispor de viés constitucional, acerca da inconstitucionalidade da substituição progressiva (CARRAZZA, 2000, p. 182 e ss, 2004, p. 405 e ss; MACHADO, 1999, p. 118; MELO, 2000, p. 151 e ss.), sustentação esta fulcrada na tese de que referido mecanismo viola princípios como os da legalidade e da segurança jurídica.
Contudo, tais posicionamentos encontram-se deveras superados, visto ser a questão da constitucionalidade do instituto entendimento já pacificado tanto pelo próprio ordenamento jurídico constitucional, quanto pela posição firmada dos Tribunais Superiores, tal qual o que se observa no julgamento do Recurso Extraordinário n° 213.396/SP, do Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJU de 01.12.2000, em que se reconheceu que a responsabilidade como substituto fora imposta por lei, como medida de política fiscal autorizada pela Constituição Federal, não havendo sentido falar-se em exigência tributária despida de fato gerador.
Relativamente ao princípio da legalidade estrita, também conhecida como legalidade formal e tipicidade, justaposto à substituição, conspícuos doutrinadores como Roque Antônio Carrazza (2000, p. 195-197), Hugo de Brito Machado (1999, p. 118 e ss.) e José Eduardo Soares de Melo (2000, p. 148 e ss.) não permitem o uso de presunções, mas, única e tão somente, de fatos reais, sem o que se estaria tributando por analogia com a realidade, quando a tipicidade demanda semelhança de rigorosa identificação entre elemento legal e fato real.
Contudo, com a nova predisposição de relativização da ideia de estrita tipicidade tributária, típico do progresso hermenêutico ocorrido desde a escola da exegese até os dias de hoje, pautada na projeção do moderno pós positivismo centralizador de atenções nos princípios, tem-se provado a disposição de as leis tributárias empregarem cláusulas gerais ou conceitos abertos, fortalecendo a supremacia da Constituição e, portanto, permitindo uma maior atuação pelos seus aplicadores, notadamente os administradores e os juízes.
Segundo pontifica Ricardo Lobo Torres (2004,p.105):
“A legalidade não é um princípio absoluto e fechado, posto que a lei tributária opera também através de cláusulas gerais, princípios indeterminados e tipos, tornando-se aberta à interpretação e à complementação judicial.”
Marco Aurélio Greco (1998, p.68), da mesma maneira, conserva uma revisão deste conceito de legalidade tributária, questionando onde está escrita a tipicidade fechada na Constituição Federal Brasileira.
Desta maneira, por ser constituída por elementos taxativos, determinados e exclusivos, faz-se impraticável acobertar uma tipicidade fechada diante dos princípios constitucionais tributários, sendo mister que esta noção seja atualizada por uma legalidade o mais determinada possível, em que os elementos do suporte fático da lei tributária sejam enumerados, no entanto, sem ignorar a invencível margem de indeterminação dos signos a serem objetivados numa atividade hermenêutica declaratória, mas não rígida, que considere a variabilidade do sentido no compasso da variabilidade dos fatos e a possibilidade de graduação em cada um desses elementos, identificáveis com o fato real até o limite mais extremo, sem perder o núcleo significativo mínimo.
Neste passo, verifica-se que a presunção é tida como uma graduação quanto a algum dos elementos do suporte fático, qual seja, do elemento material. Assim, a captação do pressuposto do fato constitucionalmente autorizado tanto pode ser feita por um fato real quanto por uma presunção, desde que esta continue vinculada ao pressuposto de fato e seja devidamente justificada. É essa graduação, à vista da nova legalidade tributária, que permite a captação da riqueza através de elementos que vão do real ao presumido, mas que não podem ser desvinculados do pressuposto de fato constitucionalmente autorizado.
Outro aspecto importante que merece destaque é o fato de a legalidade não ser um fim em si mesmo, ou seja, está diretamente vinculada à concretização da segurança jurídica, “princípio que orienta a interpretação de outros princípios, dada a sua grande carga axiomático-valorativa”, conforme pontifica o nobre jurista Paulo de Barros Carvalho (2004, p. 29-60).
Cumpre salientar, ainda, que o princípio da segurança jurídica sempre foi atrelado à previsibilidade, à certeza do direito, vetor interpretativo à legalidade, e segurança jurídica sempre foi atrelada à previsibilidade, à certeza do direito, vetor interpretativo à legalidade, garantindo aos contribuintes encontrarem na lei formal todos os elementos que lhes permitam quantificar o quantum debeatur da obrigação tributária.
A partir dessa premissa, percebe-se claramente que o mecanismo da substituição tributária progressiva preza pela segurança ao permitir que o contribuinte saiba, antecipadamente, qual será o valor do ICMS que irá incidir nas operações a serem realizadas, podendo utilizá-lo como custo do produto para fins de cálculo de sua margem de lucro. Uma obrigação por natureza bastante fluida no mundo real é tornada certa, reforçando a segurança jurídica na complexa sociedade de massas.
Na esfera dos direitos fundamentais, o princípio da igualdade tributária apresenta importante aplicação à sistemática em pauta. Ora, a substituição tributária em si não consiste num direito fundamental, mas em um mecanismo que possui a finalidade de combater a sonegação, em busca da igual tributação para todos, impedindo àqueles que devem contribuir de escapar da carga tributária a ser repartida em prol de toda a sociedade.
No terreno da isonomia, a legislação discerne entre grupos de comerciantes, os que se sujeitarão à substituição tributária, objetivando-se a necessidade da substituição progressiva em face das mercadorias negociadas, não havendo violação nenhuma a este princípio. Meramente, o que ocorre é que algumas mercadorias, devido a alíquotas maiores, ao pequeno número de produtores e grande de revendedores, à maior margem de valor agregado, dentre outros fatores, são mais propensas à sonegação, sendo deveras difícil a fiscalização, o que enseja a aplicação da substituição. Nesse sentido, a posição de Manoel Cavalcante de Lima Neto (2000, p.121):
“[…] a substituição não ofende o princípio da isonomia, na medida em que a discriminação é feita para todos que comercializam ou industrializam produtos expressamente determinados na norma de tributação. Assim, atinge-se todo o universo de contribuintes que estão relacionados com o produto eleito. Nesse sentido atende o princípio da isonomia.”
Vale observar que compete ao Estado produzir provas acerca da existência das razões que explicam a discriminação, e não ao contribuinte provar que elas não existem. É o que bem observa o jurista Humberto Ávila (2004, p.352):
“O princípio da igualdade, tal como posto na Constituição Federal, exige igualdade na lei e perante a lei, só podendo o Estado afastar-se desse dever preliminar se houver um motivo para isso. Nesse sentido, é o Estado que deve justificar e fundamentar a diferenciação e, não havendo motivo, não pode ela prosperar”.
Por derradeiro e, acentuadamente, impende observar tanto o princípio da não cumulatividade e do não confisco no mecanismo da substituição tributária. Na linha de pensamento de Sacha Calmon Navarro Coelho, em seu Manual de Direito Tributário (2000, p.33), a interpretação restritiva do § 7º do artigo 150 da Constituição Federal ofenderia o princípio da não cumulatividade quando houvesse excesso da alíquota máxima do ICMS no último ciclo de circulação de mercadoria, de modo que a antecipação com substituição acarretaria o pagamento de imposto maior do que o devido se não houvesse o mecanismo, ou seja, o excesso deveria ser devolvido, sob pena de se cobrar mais do que o constitucionalmente permitido.
O que se verifica, no entanto, é a repúdio dessas justificativas pelos Egrégios Tribunais Brasileiros, conforme se verifica no julgamento do Recurso Especial nº. 213.396/SP, pelo voto do Ilustre Ministro Relator Ilmar Galvão, conforme segue:
“Por igual se mostra descabida a alegação de ofensa ao princípio da não cumulatividade, se no preço do produto passado do industrial para o varejista não se embute mais do que se embutiria na hipótese de tratar-se de operações regulares, ou seja, o tributo devido pela saída do bem do estabelecimento do industrial, mais a parcela incidente sobre o valor acrescido até sua entrega ao consumidor final. Quanto ao confisco, não é difícil demonstrar a impossibilidade de sua ocorrência, tendo em vista o reembolso, pelo substituto, do imposto pago, quando do recebimento do preço das mãos do substituído; reembolsando-se esse, de sua vez, ao receber o preço final das mãos do consumidor”.
O atendimento aos princípios da não cumulatividade e da vedação ao confisco concentram-se no momento da fixação do valor presumido, alterando-se a sua observância multifásica, tal qual ocorre no modelo “normal”, sem substituição.
A não cumulatividade evita o bis in idem no ICMS substituição tributária. Cada contribuinte abate a totalidade do valor do ICMS substituição, apenas o valor da última operação (a venda do varejista ao consumidor final) é captada por meio de presunção, no início da cadeia produtiva. O imposto obedece a não cumulatividade, cuidando-se para que a base de cálculo presumida seja proporcional ao preço final de mercado.
Já o princípio do não confisco se incorpora através da proporcionalidade na formação da base de cálculo presumida, mantendo-se a isonomia sem comprometer-se a livre-iniciativa.
4.2 Da constitucionalidade da restituição do valor pago quando não ocorrer o fato gerador
A constitucionalidade acerca do mecanismo da substituição tributária talvez seja uma das maiores questões já suscitadas ao seu próprio respeito. Teorias dessemelhantes contrastam operadores do direito, no rastreio de argumentos que sustentem ou deturpem a legalidade da substituição tributária.
Pela ciência constitucional, a quantia paga caso não se verifique a realização do fato gerador presumido deve ser imediata e preferencialmente garantida. Desta forma, a ocorrência do fato jurídico tributário por operação realizada pelo substituído será condição suspensiva para a substituição tributária.
Conforme amestra Heleno Torres (2001, p.87-108), desde que realizado o fato jurídico tributário e reconhecido em ato de lançamento próprio, extingue-se o crédito tributário. Portanto, a restituição, quando da não ocorrência do fato gerador presumido – base de cálculo do imposto – será elemento legitimador da substituição tributária.
Na seara jurisprudencial, quando a referência for a análise constitucional do mecanismo, tem-se, majoritariamente, que se trata
“[..] de regime a que, na prática, somente são submetidos produtos com preço de revenda final previamente fixado pelo fabricante ou importador, como é o caso dos veículos, cigarros; ou tabelados pelo Governo, como acontecia até recentemente com os combustíveis; e como acontece com a energia elétrica etc., razão pela qual só eventualmente poderão ocorrer excessos de tributação, de resto, facilmente reembolsáveis, por via de simples lançamento de credito.”[8]
Desta forma, verifica-se aqui uma nítida tendência a não considerar a presunção do fato gerador como empeço à exigência antecipada do tributo.
O artigo 10º da Lei Complementar nº. 87/1996, que regulamenta o tema, salienta:
“Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.
§1º. Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo.
§2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao entorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.”
Para a compensação, pode o sujeito passivo abater o imposto anteriormente cobrado em “operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente.” (caput do artigo 20 da LC 87/96), não subsistindo incertezas acerca da constitucionalidade e aplicabilidade prática deste dispositivo denominado de substituição tributária.
Com efeito, a lei complementar gera um mínimo a favor do contribuinte, com prazo máximo, possibilidade de uso do crédito na própria escrita fiscal, entre outros, o que proporcionaliza sistemas ainda mais benéficos, rápidos e desburocratizantes, inexistindo, conforme alude Marco Aurélio Greco (2001, p.32-36): antecipação do fato gerador, inconstitucionalidade nessa sistemática.
Explorando-se pormenorizadamente a natureza das eventuais quantias a serem devolvidas em face do implemento da condição legal resolutiva de eficácia, analisa-se resultarem em um indébito tributário, em um valor não prontamente exato, mas necessitado de quantificação. Além das questões de legitimidade de quem está apto a demandar a respectiva devolução, para se depurar o objeto da prestação e identificar o credor, é mister um processo administrativo, ou seja, não se prediz, aqui, um direito de crédito a ser unilateralmente apurado e disponibilizado de forma automática e em dinheiro por quem quer que o alegue, mas sim, um indébito tributário constitucionalmente garantido quanto à devolução, de maneira mais rápida e fácil do que aquele previsto para as devoluções administrativas em geral.
Cria-se, portanto, uma devolução por meio de um processo especial, mais rápido que o normal, sendo o prazo de 90 (noventa) dias razoável para um processo administrativo tributário.
Ademais, “preferencial” não é sinônimo de “em dinheiro”, visto que o Estado possui mais de uma sistemática de devolução de quantias indevidas, como é o caso dos precatórios, por exemplo. E, nos casos de indébito tributário, o sistema de compensação com débitos do mesmo contribuinte consiste em modalidade usualmente praticada de extinção das obrigações, sendo que o “preferencial” apenas significa mais facilitado do que o “não preferencial”, ou normal.
Desta maneira, insofismável verificar, ao contrário do que afirma Roque Antônio Carrazza (2000, p. 189-194), que a Constituição não prevê uma devolução automática e nem que deve ser “em dinheiro”. De tal modo, a expressão “devolução imediata e preferencial” não possui um conteúdo semântico mínimo, incongruente com o sistema de créditos a serem lançados na escrita fiscal e somente compensados quando houver débitos de ICMS.
4.3 Da constitucionalidade da restituição do valor pago a maior na substituição progressiva
A polêmica da restituição do valor pago a maior na substituição tributária progressiva é também um dos pontos mais delicados e polêmicos dentro deste universo jurídico tributário.
Quando o comerciante vende a mercadoria por preço menor do que aquele que serviu de base para a retenção do imposto, os Estados não devolvem o valor retido a maior, sendo que o STF corroborou tal assertiva em Ação Direta de Inconstitucionalidade no ano de 2001.
Todavia, o Estado de São Paulo possibilitava o ressarcimento nesses casos e, até o ano de 2008, tal dispositivo continuou válido no Estado, devendo o contribuinte provar detalhadamente os valores de entrada e saída de cada mercadoria, para fazer jus ao ressarcimento, nos termos da previsão da Portaria CAT – 17/99.
Adequado examinar que o próprio Estado de São Paulo pleiteou judicialmente, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, solicitando que o Tribunal declare inconstitucional um dispositivo da própria lei paulistana – o que permite o ressarcimento na venda final por valor menor.
Dando continuidade à incoerência, em 23 de dezembro de 2008, sem aguardar o final da ação no STF, São Paulo publicou a Lei Estadual 13.291/08 que, na prática, extinguiu a hipótese de ressarcimento em seu território. Esta lei inseriu o § 3º ao artigo 66-B da Lei 6.374/89, prevendo que tal ressarcimento, nos casos de venda final por valor menor, aplica-se somente na hipótese de a base de cálculo da substituição tributária ter sido o preço fixado ou autorizado por autoridade competente (artigo 28, caput, da Lei 6374/89). Importante observar que, atualmente, esta hipótese em relação aos produtos sujeitos à substituição tributária, de preço fixado pelo governo ou por órgão que tenha delegação para tal, não existe, tornando impraticável o ressarcimento em virtude de o comerciante substituído vender por um valor menor do que aquele utilizado pelo substituto para reter o ICMS. Assim sendo, observa-se que a legislação paulista acompanha o procedimento dos demais estados, sendo consentânea com o decidido pelo STF na ADIn de 2001.
Aroldo Gomes de Matos defende, em seu artigo: “Restituição de ICMS pago a Maior no Regime de Substituição Tributária e as Decisões da Suprema Corte” (2001, p. 17-24) que a interpretação restritiva da norma que fixa a condição legal resolutiva na substituição tributária progressiva (art. 150, § 7º, in fine, da CF) ofende o princípio da não cumulatividade, que proíbe ao ICMS exceder, no último ciclo de circulação da mercadoria, a sua alíquota máxima, sendo que, se houver antecipação com substituição, ocorre ofensa ao princípio toda vez que o imposto pago na operação final for maior do que o devido se não houver a aplicação do mecanismo. Ou seja, haveria necessidade de devolver o respectivo excesso, sob pena de se cobrar mais do que o permitido pela Constituição Federal.
De modo semelhante, Sacha Calmon Navarro Coelho (2000,p.33) argumenta que a tese da condição legal resolutória de eficácia ofende o princípio do não confisco, já que toda vez que a base de cálculo presumida ocorrer em dimensão menor do que a suposta pelo Fisco, haverá tributação em ofensa à Constituição.
Essas linhas de raciocínio se mostraram equivocadas, conforme se percebe no voto do relator Ministro Ilmar Galvão ao julgar o Recurso Especial nº 213396/SP[9]:
“Por igual se mostra descabida a alegação de ofensa ao princípio da não cumulatividade, se no preço do produto passado do industrial para o varejista não se embute mais do que se embutiria na hipótese de tratar-se de operações regulares, seja, o tributo devido pela saída do estabelecimento do industrial, mais a parcela incidente sobre o valor acrescido até sua entrega ao consumidor final.
Quanto ao confisco, não é difícil demonstrar a impossibilidade de sua ocorrência, tendo em vista o reembolso, pelo substituto, do imposto pago, quando do recebimento do preço das mãos do substituído; reembolsando-se esse, de sua vez, ao receber o preço final do consumidor.”
Também em seu voto na ADIn nº. 2777/SP, o Ministro Nelson Jobim enfrentou com bastante clareza o tema, concluindo que, no mecanismo da substituição tributária para frente, o valor do ICMS torna-se fixo e previamente conhecido de todos os contribuintes, tanto substituídos, quanto substitutos, e que eventuais variações no correr da cadeia de circulação da mercadoria não afetam o montante do tributo, mas a margem operacional dos empresários, que, portanto, não tomam por base prejuízos tributários, e sim situações concorrenciais e econômicas normais num mercado equilibrado. Além de que defender que diferenças entre o preço presumido e preço real ofenderiam a não cumulatividade e implicariam confisco, resultaria no Fisco atribuir aos comerciantes, notadamente aos substituídos varejistas, um enorme poder de interferência mercantil, com riscos de causar desequilíbrios, pois já cientes do valor do tributo pago, cada comerciante poderia reduzir o seu preço de venda e tentar compensar a diferença junto ao Estado, comprometendo gravemente o sistema.
5 da regra matriz de incidência tributária NO ICMS e suas observações de ordem jurídica
5.1 Da regra matriz de incidência tributária no ICMS e as alterações provocadas pela substituição tributária
De acordo com as instruções do ilustre doutrinador Alfredo Augusto Becker, em sua obra Teoria Geral do Direito Tributário (1998), determinados fatos, bens ou situações são valorados pelo constituinte como sendo fatos signos presuntivos de riqueza e formarão a zona material na qual o legislador ordinário editará leis, criando espécies tributárias, já que estas têm de obedecer aos limites constitucionalmente autorizados, de modo que se torna inconstitucional a lei que tributar fatos que não tenham sido objeto da previsão constitucional ou que usurpar a competência de outro ente federativo.
Roque Antônio Carrazza (2000, p.32 e ss.) preleciona acerca das zonas materiais de incidência do ICMS do seguinte modo:
“A sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes; a saber: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias); b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e, e) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculos diferentes.”
Em meio aos aspectos materiais de incidência acima descritos, o ICMS incidente sobre “operações mercantis” é o de maior magnitude econômica. Este tipo de operação contém conteúdo de negócio jurídico; circulação, por sua vez, mostra-se como ideia de transferência de propriedade e mercadoria, de bem móvel destinado à revenda visando lucro.
Assim sendo, a materialidade do ICMS amoldura-se na somatória do negócio jurídico – operação referentes à circulação de mercadorias – bens móveis destinados à revenda lucrativa, configurando-se a incidência no momento da saída da mercadoria do estabelecimento.
Dessarte e considerando os limites constitucionais, o legislador estadual constitui um elemento para figurar na hipótese de incidência do ICMS, construindo uma norma que prevê a classe dos fatos (elemento material) em seu suporte fático, ocorridos no momento da saída da mercadoria do estabelecimento comercial (elemento temporal), em consonância com os limites territoriais do ente federativo (elemento espacial), incidindo, assim, a norma e, consequentemente, formando a relação jurídica – vínculo abstrato – entre o sujeito ativo (Estado ou Distrito Federal) e o sujeito passivo (contribuinte) e tendo por objeto uma prestação pecuniária, obtida pela aplicação de uma alíquota sobre a base de cálculo.
Nada obstante, a substituição tributária conduz algumas modificações nesta sistemática do ICMS. Aqui, o parágrafo 7º do artigo 150 da CF autoriza o legislador ordinário a agregar em algumas mercadorias específicas a presunção definitiva ao suporte fático de que tal mercadoria vendida pelo substituto seguirá sua “cadeia” normal até chegar ao consumidor final, ou seja, ao elemento material presumido, dando-se a ocorrência da presunção no mesmo instante da saída da mercadoria do estabelecimento do substituto e dentro do mesmo limite territorial, ocasionando em um vínculo jurídico abstrato, com o Estado ou DF como sujeito ativo e o substituto como sujeito passivo, tanto pela operação própria, quanto pelas presumidas, e por objeto uma prestação pecuniária, dimensionadora dessas operações.
Ou por outra, em relação aos aspectos especiais, sujeitos ativos e alíquotas da regra matriz de incidência tributária do ICMS, vale evidenciar que tanto o ICMS sem substituição tributária, quanto o com substituição tributária ostentam os mesmos elementos.
De todos os elementos da regra matriz de incidência tributária, a diferença entre ambos são quatro dos elementos da norma tributária, quais sejam: o elemento material e o elemento temporal do suporte fático, o sujeito passivo e a base de cálculo, os quais serão analisados na sequência.
5.2 Da sujeição tributária passiva
Quem determina os fatos que indicam riqueza que serão passíveis de serem tributados é a Constituição Federal, a qual reparte a competência para tributar esses fatos entre os entes federativos. Referidos entes, por sua vez, criam leis que indicam como elementos materiais das hipóteses de incidência fatos que estejam dentro do ciclo econômico constitucionalmente prenunciado.
De tal modo, sempre que ocorrer o fato previsto em lei, ter-se-á a incidência da norma, criando um vínculo jurídico entre o sujeito ativo (credor, Estado ou outra pessoa jurídica) e o sujeito passivo e, tendo por objeto, a prestação tributária.
Neste passo, nas palavras de Ferreiro Lapatza (2000, v.2, p.55, tradução nossa):
“A obrigação tributária é uma relação jurídica constituída em virtude de certos fatos entre duas ou mais pessoas pelas quais uma, denominada credora (Estado ou outro ente público), pode exigir de outra, devedora, a entrega de uma quantia em dinheiro a título de tributo.”
O renomado doutrinador Lourival Vilanova, em sua magnífica obra Causalidade e Relação no Direito (2000, p. 121), adverte que toda relação jurídica tem caráter interpessoal, ou seja, todos os direitos, faculdades, autorizações, poderes e pretensões conferidos a um sujeito de direito, ativo, estão em relação necessária e contraposta com condutas de outros sujeitos de direito, passivo, qualificadas como deveres jurídicos em sentido amplo. E nas relações jurídicas tributárias, o polo passivo é obrigado a pagar o tributo, ou seja, é o sujeito passivo, contribuinte ou responsável, nos termos do artigo 121 do CTN[10].
Novamente nos dizeres de Ferreiro Lapatza (2000, v.2, p.55, tradução nossa):
“[…] o sujeito passivo da obrigação tributária é aquela pessoa sobre a qual pesa o dever de realizá-la. Dito de outra forma, como é óbvio, toda pessoa obrigada a cumprir a obrigação tributária é sujeito passivo da citada obrigação”.
Neste contexto, busca-se distinguir contribuintes de responsáveis tributários, o que repercute na dificuldade em se enquadrar o substituto tributário. O texto legal é impregnado de interpretação econômica do direito tributário, contribuindo, então, para a confusão do tratamento jurídico que deve ser dispensado ao tema.
No direito espanhol, extensível ao dispositivo discutido, Ferreiro Lapatza (2000, v.2, p.52) assevera que o contribuinte é a pessoa, natural ou jurídica, a quem a lei impõe a carga tributária derivada do fato imponível. Assim, é possível deduzir que quando a regra matriz de incidência escolhe alguém que faz parte do ciclo econômico de um determinado fato signo presuntivo de riqueza constitucionalmente autorizado como sujeito passivo da respectiva relação jurídica tributária, essa pessoa colocada no polo passivo da relação, em caráter originário, denomina-se contribuinte, individual ou solidário.
Cumpre vislumbrar, ainda, que entre os contribuintes individuais existe outra subdivisão, a qual está relacionada com a presença ou não de substituição tributária na regra matriz de incidência.
Logo, os contribuintes individuais podem ser relacionados como normais ou como substitutos, sendo estes sujeitos passivos escolhidos por lei, integrantes do respectivo ciclo econômico, porém, diversos do contribuinte normal. A diferença entre os aludidos subtipos localiza-se em momento pré-jurídico, quando da feitura da lei.
Neste sentido, pontifica o ilustre Alfredo Augusto Becker (1998, p.553):
“O sujeito passivo da relação jurídica tributária, normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é um fato signo presuntivo. Entretanto, frequentemente, colocar esta pessoa no polo negativo da relação jurídica tributária é impraticável ou simplesmente criará maiores ou menores dificuldades para nascimento, vida e extinção destas relações. Por isso, nestas oportunidades, o legislador como solução emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda vez que utiliza esta outra pessoa, cria o substituto legal tributário.”
Neste diapasão, verifica-se que quando a regra matriz de incidência tributária nomeia como sujeito passivo contribuinte individual, em razão de esse praticar fato próprio, tem-se a caracterização do contribuinte individual normal ou sem substituição.
Antagonicamente, quando o sujeito passivo tem o dever de pagar a dívida tributária oriunda da operação por ele praticada, somada à dívida referente às operações presumidas, ou pretéritas, tem-se o contribuinte individual substituto.
Em relação à diferença entre o contribuinte substituto e responsável, quando a alteração do sujeito passivo normal é operada pelo legislador antes da incidência e escolhendo pessoa vinculada ao pressuposto de fato, tem-se o contribuinte substituto; quando a alteração ocorre posteriormente à incidência, está-se diante de simples mutação subjetiva no polo passivo da relação jurídica tributária, estando-se diante da responsabilidade tributária.
Portanto, o divisor de águas das categorias jurídicas de contribuinte e responsável tributário consiste na observância da norma jurídica e do momento em que o respectivo sujeito passivo aparece: se em caráter primário da regra matriz de incidência, tem-se um contribuinte; se posteriormente à incidência da regra matriz, ou seja, em caráter secundário, seja substitutivo, subsidiário ou solidário, e por força do preceito de norma diversa, secundária ou administrativa, tem-se o responsável tributário.
6 DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA “PRA FRENTE” E SEUS ASPECTOS ECONÔMICOS
6.1 Do uso da sistemática da substituição tributária “pra frente” na economia brasileira
Conforme já discorrido na presente monografia, o direito tributário opera, comumente, através de presunções de disponibilidade econômica das pessoas, por meio de elementos objetivos indicativos dessa manifestação de riqueza, os fatos signos presuntivos de riqueza. Essa presunção pode ser antecipada para o momento anterior à realização do fato presumido sendo, contudo, passível de controle.
Não apenas na substituição tributária, mas também em vários outros casos, é possível observar o fenômeno da antecipação tributária, comprovando a sua relevante importância no universo das relações jurídico econômicas. O imposto de transmissão inter vivos, ITBI, por exemplo, apresenta antecipação quando da lavratura do contrato de compra e venda de bem imóvel; do mesmo modo, o imposto de exportação, em que o pagamento é realizado antes da saída do produto ou, ainda, na utilização do lucro presumido no imposto de renda quando se apura a renda das pessoas jurídicas mediante uma presunção e não pela apuração do lucro real.
Enfim, vários são os exemplos de incidência de mecanismos como o da substituição tributária na esfera jurídico econômica, demonstrando o seu significativo papel no desempenho e na efetivação das normas jurídicas em prol da economia brasileira. Do conjunto de mercadorias sujeitas à tributação pelo ICMS, algumas se submetem a essa técnica, conforme o ciclo econômico que a envolva, justificando a aplicação do mecanismo. É o que ocorre, por exemplo, com as mercadorias propensas à forte sonegação, cabendo à lei ordinária estadual essa seleção, através da indicação das mercadorias que se sujeitarão à substituição.
Na substituição tributária do ICMS, cada contribuinte abate a totalidade do valor do ICMS substituição, diferindo apenas no valor da última operação – a venda realizada pelo varejista ao consumidor final – que é captado por meio de uma presunção, e no início da cadeia produtiva. A captação do referido fato signo indicativo de riqueza é feita presumidamente, e o imposto observa a não cumulatividade, cuidando-se da proporção entre a base de cálculo presumida e o preço final de mercado.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do valor do ICMS na substituição tributária apresenta reflexos diretos na economia do país. Em seu voto na ADIn 2777, o Ministro Nelson Jobim abordou com bastante clareza o tema, concluindo que na substituição tributária para frente o valor do ICMS torna-se fixo e previamente conhecido de todos os contribuintes – substituídos e substitutos – , e eventuais alterações no correr da cadeia de circulação da mercadoria não afetam o montante do tributo. Afetam, na verdade, a margem operacional dos empresários, que, para tal, não tomam por base prejuízos tributários, mas situações econômicas e concorrenciais normais num mercado equilibrado.
Eventuais variações do preço de venda real são consequências de oscilações comuns do mercado, que, por sua vez, atingem a margem operacional do comerciante e não o valor do tributo – que é fixo. A sistemática do Fisco evita desequilíbrios e interferência excessiva de comerciantes no mercado, notadamente de substituídos – varejistas, pois, já sabendo o valor do tributo pago, cada comerciante poderia reduzir o seu preço de venda e tentar compensar a diferença junto ao Estado. Além do que, haveria a enorme dificuldade de se compatibilizar com um sistema em que atacadistas reduziriam a sua margem operacional livremente e por qualquer razão e alegariam sofrer prejuízos tributários, que poderiam ser reivindicados cumulativamente por outros substituídos, outros atacadistas e varejistas, tornando o sistema caótico.
Além disso, uma vez assegurado um preço presumido verdadeiramente correspondente à realidade de mercado, é nítido que ao bom contribuinte é mais viável suportar, num determinado mês, uma pequena diferença de preço, que pode ser suprida tranquilamente nos meses subsequentes, em que o Estado não poderá cobrar complementação caso o preço real seja maior do que o preço presumido, do que suportar a concorrência desleal dos que se utilizam de meios fraudulentos de difícil combate, ou seja, a sonegação.
Claro parece, então, que o mecanismo jurídico da substituição tributária é possível e economicamente vantajoso, permitindo ao Direito conviver com margens em que não haja verdade absoluta, pois, como bem explicita Alfredo Augusto Becker (1998, p.511):
“Necessitaria tomar conhecimento de todas estas mutações. E não sendo isso possível, a lei tomou conhecimento daquilo que se verifica no maior número dos casos e, sobre a hipótese que se verifique em todos os casos, fundamenta a norma jurídica. Deste modo, a norma jurídica tem o caráter de generalidade, e se pode com linguagem matemática dizer que representa uma “quantidade média”, um “valor de aproximação”. Tudo isto aparece manifesto nas presunções da lei. As quais são outras tantas hipóteses que correspondem provavelmente, isto é, no maior número dos casos, à verdade”.
6.2 Dos setores da economia brasileira que utilizam o mecanismo da substituição tributária “pra frente”
Na substituição progressiva, o contribuinte substituto é quem recolhe o tributo devido, ficando os demais partícipes daquele ciclo econômico (os substituídos), em regra, desobrigados quanto à obrigação tributária principal, respondendo somente subsidiariamente por ela. A legislação, porém, não determina que o substituto assuma o encargo financeiro decorrente do pagamento, permitindo o reembolso da quantia antecipada a título de imposto por aqueles que dela adquirem a mercadoria. Assim, é possível ao substituto reter, ao vender a mercadoria para o substituído, a quantia paga a título de tributo por força da presunção de realização das operações subsequentes.
Desse modo, o substituto, normalmente o fabricante ou o importador, ao efetuar a venda da mercadoria para um revendedor, irá providenciar a retenção do imposto. E a base de cálculo para o imposto retido será o preço-varejo, o preço final da mercadoria, que chegará ao consumidor.
O Estado de São Paulo alterou sua política tributária em relação à forma de utilização da cobrança antecipada do ICMS, passando, a partir de 2008, a incluir inúmeras mercadorias na sistemática da substituição tributária progressiva.
Até janeiro de 2008, o estado incluía na substituição mercadorias de venda porta a porta, o chamado marketing direto, mercadorias para revenda em bancas de jornal, fumo ou seus sucedâneos manufaturados, refrigerante, cerveja, água mineral e chope, cimento, frutas, automóveis e motos, combustíveis e lubrificantes, tintas e vernizes, pneus e câmaras-de-ar. A partir de fevereiro de 2008, diversos outros produtos foram incluídos, de forma gradual, à sistemática, notadamente: medicamentos, produtos de perfumaria e higiene pessoal, papel, produtos alimentícios, autopeças, ferramentas, materiais de construção, dentre outros. Além desses, recentemente, também foram sujeitos ao mecanismo da substituição tributária os produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos (ROSA, 2009, p. 78).
Como se nota, a substituição tributária abrange diversos e importantes setores da economia brasileira, sendo sua aplicação de extrema relevância ao equilibro do mercado. Uma observação importante é a de que somente existirá retenção quando houver operação subsequente, o que é da própria natureza do instituto. Assim, se o destinatário não revenderá a mercadoria, mas a consumirá ou utilizará como insumo de outro produto diferente, o remetente fará a operação normal, sem aplicar o mecanismo.
Sempre observando a pré-condição de existência de operação subsequente com a mercadoria, tem-se, a título ilustrativo, a aplicação da substituição tributária quando uma indústria de cosméticos vende para salão de beleza que também possui setor de revenda de tais produtos, ou quando uma indústria de refrigerantes vende tais mercadorias para fabricante de cachaça que irá revendê-los conjuntamente com seu produto (ROSA, 2009, p.83).
6.3 Do consumidor como contribuinte de fato
Ao abordar o papel do consumidor no mecanismo, deve-se, primeiramente, esclarecer a função e a influência da base de cálculo no corpo da sistemática. A operação mercantil que delineia a base de cálculo presumida é a varejista-consumidor final; o preço que influi na definição da base de cálculo presumida é o preço de venda ao consumidor final. Senão vejamos:
“O conceito de margem que se extrai da lei complementar é um conceito mais amplo, consistente na diferença entre o valor da operação do substituto (e verbas enumeradas na lei) e a realizada na ponta do consumo. Este conceito é compatível com a figura, pois o interesse arrecadatório do Fisco é o de receber o ICMS sobre o ciclo econômico inteiro – portanto, sobre o preço de ponta, na última operação realizada com aquela mercadoria, ao consumidor final. É este o preço que vai definir o interesse arrecadatório do Estado”. (GRECCO, 2001,p.111).
A base de cálculo na substituição progressiva busca se aproximar o máximo possível do preço de venda do varejista. Quando o preço é fixado pelo Estado, ou onde houver preço sugerido pelo fabricante, o mecanismo fica mais claro, inexistindo grandes controvérsias. Todavia, quando isso não é possível, soma-se aos encargos passíveis de aferição de uma forma objetiva a margem de valor agregado inserida na mercadoria (quando da venda a consumidor final), através de consultas com o auxílio de entidades representativas da categoria econômica objeto da substituição, chegando-se ao resultado pela média ponderada dos preços pesquisados, conforme instrui a Lei Complementar 87/96, em seu artigo 8.
É importante ressaltar que o consumidor não é o sujeito passivo das obrigações tributárias, não devendo ser a sua capacidade contributiva observada, mas sim a do produtor, industrial, importador ou comerciante. Isto porque, obviamente, o ICMS não é imposto sobre consumo, mas sobre a circulação de mercadorias.
Para o produtor, o ICMS possui preço considerável no lucro operacional da empresa, sendo o imposto indireto que significa o maior custo para a produção. Em consulta ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – o CADE – ficou claro que, conforme o setor produtivo, a carga tributária do ICMS representa uma exoneração de até 59% do preço do produto. De modo semelhante, as alterações das alíquotas e as diferenças de benefícios concedidos entre os Estados podem significar uma variação de 128% no lucro operacional da empresa.[11]
O regime dos tributos atua diretamente sobre os incentivos dos agentes econômicos, influenciando decisões de investimento, consumo e produção, e, assim, determinando o desempenho da economia e o bem-estar da sociedade enquanto influente mecanismo de redistribuição de renda. A partir do momento em que se reconhece o fator indutor da norma tributária no desempenho dos mercados, as categorias econômicas e os efeitos sobre a economia podem ser utilizados como instrumentos para extrair o máximo de utilidade do sistema jurídico, de modo a melhor satisfazer os valores democraticamente estabelecidos em sociedade e que justificam a sua produção.
Na seara da substituição progressiva, o contribuinte consegue saber, com antecedência, o valor do ICMS a incidir na operação que irá realizar. A possibilidade de apurar o valor referente a todas as operações futuras, bem como os valores dessas operações presumidas, possibilita aos substituídos, quando do repasse, utilizá-los como custo do produto para fins de cálculo da margem de lucro. Assim, o mecanismo reforça a segurança jurídica, permitindo o repasse dos valores do ICMS ao consumidor final, o que permite, inclusive, que os substituídos tenham melhor condições de calcular a margem de lucro que irão utilizar. Torna-se certa uma obrigação de natureza demasiadamente fluida no mundo real, evitando a sonegação, e reforçando a segurança do sistema.
O ICMS mensura a capacidade contributiva do consumidor final, sem atingir o comerciante. A tributação, através da seletividade, busca atingir a disponibilidade econômica de quem compra mercadorias e se utiliza das alíquotas diferenciadas conforme a necessidade dos produtos, se básica ou mais supérflua. Nesse sentido, Marco Aurélio Greco (2001, p.83 e ss.) ressalta:
“O ICMS não é um imposto sobre o consumo enquanto tal, posto que não visa captar globalmente o perfil de consumo de cada indivíduo; ele é, na verdade, um imposto tendencialmente sobre o consumo, com ensina Gian Antonio Micheli. ‘tendencialmente’ porque tem por pressuposto de fato da sua incidência o ciclo econômico e porque vai, em última análise, onerar o consumidor final daquela determinada mercadoria.”
Depreende-se, então, que se a capacidade contributiva aponta o consumidor, os comerciantes participantes do ciclo econômico de determinada mercadoria (industrial, distribuidor, varejista) apenas antecipam o ônus financeiro a ser suportado por aquele. Observa-se aqui que o mecanismo da substituição tributária observa os princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
O posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto a esta questão é claro. Ao julgar o leading case acerca da constitucionalidade do regime de substituição progressiva no Recurso Extraordinário número 213.396/SP, o Ministro Relator Ilmar Galvão deixou assentado que:
“Não há falar-se, portanto, em violação da capacidade contributiva, visto que nos impostos indiretos, como o ICMS, como é por demais sabido, conquanto o contribuinte de direito seja aquele obrigado, por lei, a recolher o tributo, é o adquirente ou consumidor final o contribuinte de fato. Esse é que vai ser atingido pelo ônus do imposto, haja, ou não, substituição tributária. A capacidade contributiva do consumidor é que é considerada.”
Portanto, a crítica de que a capacidade contributiva ofenderia o princípio da capacidade contributiva não procede. Sem dúvidas, o referido princípio é obrigatório para o ICMS, mas visa atingir a capacidade potencial – indicativa em face da mercadoria – do consumidor. Assim, a substituição progressiva apenas atinge a capacidade do consumidor, de modo semelhante ao ICMS sem substituição, provando ser incabível a crítica de inconstitucionalidade da sistemática por não atingir a capacidade pessoal do contribuinte.
7 DO POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E DAS TENDÊNCIAS SOBRE O MECANISMO
A análise do posicionamento dos tribunais se faz essencial a fim de identificar tendência e linhas de raciocínio, na busca da construção de modelos jurídicos cada vez mais compassados e eficazes. Dito isso, cabe observar que discussões acerca da substituição tributária não são novas, havendo grande acervo de pesquisa em todas as instâncias de julgamento. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre a matéria, o que ensejará a análise das decisões tomadas por este tribunal após a EC 03/93, que acrescentou o artigo 150, parágrafo 7, da Constituição Federal.
Nesse sentido, há dois precedentes judiciais substanciais apresentados pela Suprema Corte brasileira. O primeiro deles, Recurso Extraordinário 213.396/SP, julgado em sessão plenária dia 02.08.1999, o relator Ministro Ilmar Galvão trata da constitucionalidade da substituição tributária progressiva, ao cotejar o texto constitucional com dispositivos da Lei Paulista número 6.374/89 (artigo 8, XIII e parágrafo 4) que previam esse novo mecanismo para o comércio de veículos novos, reconhecendo-se que a responsabilidade, como substituto, fora imposta por lei, como medida de política fiscal autorizada pela Constituição, não havendo sentido se falar em exigência tributária despida de fato gerador.
No julgado, o voto condutor analisou o confronto do instituto com diversos princípios constitucionais, considerando ser a substituição perfeitamente compatível com o sistema jurídico. Para tanto, o STF considerou por base a teoria de Marco Aurélio Greco, considerando que a Constituição autoriza modelos de arrecadação, ao estabelecer competência tributária, desde que estes estejam vinculados aos limites constitucionalmente previstos:
“Com efeito, trata-se de fato econômico que constitui verdadeira etapa preliminar do fato tributável (a venda de veículo ao consumidor), que o tem por pressuposto necessário; o qual, por sua vez, é possível prever, com quase absoluta margem de segurança, uma vez que nenhum outro destino, a rigor, pode estar reservado aos veículos que saem dos pátios das montadoras, senão a revenda aos adquirentes finais; sendo, por fim, perfeitamente previsível, porque objeto de tabela fornecida pelo fabricante, o preço a ser exigido na operação final, circunstância que praticamente elimina a hipótese de excessos tributários”.
Porém, solucionado o precedente da constitucionalidade do instituto, iniciou-se a discussão sobre a possibilidade de se devolver eventuais diferenças entre o preço presumido e o preço da venda real ao consumidor. A questão foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade que tinha por objeto o Convênio CONFAZ ICMS número 13/97 e dispositivos da legislação do Estado de Alagoas, promovida pela Confederação Nacional do Comércio (número 1851-4/AL), tendo como relator o Ministro Ilmar Galvão. Nessa Ação foi deferida medida liminar suspendendo a eficácia do Convênio ICMS n. 13/97, em julgamento do Plenário do STF realizado em 03.09.1998, DJ 23.10.1998:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ICMS. REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO ICMS N. 13/97, DE 21.03.97, E PARÁGRAFOS 6 E 7 DO ARTIGO 498 DO DECRETO N. 35.245/91, COM A REDAÇÃO DO ARTIGO 1 DO DECRETO N. 37.406/98, DO ESTADO DE ALAGOAS. PRETENDIDA AFRONTA AO PARÁGRAFO 7 DO ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO. REGULAMENTO ESTADUAL QUE ESTARIA, AINDA, EM CHOQUE COM OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE PETIÇÃO E DO LIVRE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Plausibilidade da alegação de ofensa, pelo primeiro dispositivo impugnado, à norma do parágrafo 7 do art.150 da Constituição Federal, o mesmo efeito não se verificando relativamente aos dispositivos do Regulamento alagoano, que se limitaram a instituir benefício fiscal condicionado, que o STF não pode transformar em incondicionado, como pretendido pelo Autor, sob pena de agir indevidamente como legislador positivo. Cautelar deferida apenas em parte.”
Como se observa, na própria medida liminar foi abordada a inconstitucionalidade da legislação do Estado de Alagoas, que estabeleceu benefício fiscal – redução da base de cálculo – condicionado à renúncia a toda e qualquer pretensão à restituição dos valores decorrentes de diferenças entre o preço presumido e o preço real de venda, tendo entendido o Tribunal, em posição mantida no julgamento de mérito, não haver nenhuma inconstitucionalidade em se condicionar a fruição de benefícios fiscais, visto que tais benefícios estavam amparados por Convênio autorizativo, conforme a exigência do artigo 155, parágrafo 2, XII,g, da CF e LC 24/75, e caso o Poder Judiciário declarasse a inconstitucionalidade, estaria agindo como legislador positivo, situação descabida pela jurisprudência da referida Corte.
Posteriormente, houve uma mudança no entendimento do STF, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 266523/MG, da 2 Turma, relator Ministro Maurício Corrêa, julgado em 08.08.2000, em que passou-se a entender em sentido contrário ao fixado no julgamento da ADIn n. 1851/AL:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. LEGITIMIDADE. BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA E VALOR REAL DA OPERAÇÃO. APURADAS. RESTITUIÇÃO.
1.É responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subsequentes saídas de mercadorias ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte. Legitimidade do regime de substituição tributária.
2.Base de cálculo presumida e valor real da operação. Diferenças apuradas. Restituição. Impossibilidade, dada a ressalva contida na parte final do artigo 150, parágrafo 7, da Constituição Federal, que apenas assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga somente na hipótese em que o fato gerador presumido não se realize.
3.Agravo regimental não provido.”
Esse julgado demonstra a primeira oportunidade em que a Suprema Corte se manifestou no sentido do mérito da questão, acolhendo, por unanimidade, a tese da impossibilidade de restituição, além de receber uma imediata e forte crítica de importantes doutrinadores tais quais Hugo de Brito Machado, Marciano Seabra de Godói e Gilberto Ayres Moreira, dentre outros, que pleiteavam a reforma do entendimento da segunda Turma, voltando a determinar a possibilidade da restituição de valores nos casos de diferenças entre o preço presumido e o real.[12]
Finalmente, a questão foi pacificada pelo STF, ao julgar o mérito da ADIn n. 1851-4/AL, em 08.05.2002, em julgado de eficácia erga omnes e efeito vinculante. O Tribunal entendeu, por maioria, ser impossível cobrar ou devolver diferenças entre o preço presumido e o preço da venda real a consumidor final, uma vez que o fato gerador presumido é definitivo, sendo cabível a devolução somente em caso da não ocorrência absoluta. É o que se abstrai da interpretação do referido acórdão:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente.”
Observa-se, da análise, do referido julgado, que a Corte não demonstrou uma preocupação descritiva direta do tema, mas, no corpo do julgado, verificam-se referências à possibilidade do uso de presunções absolutas, e consequentes base de cálculo presumida, conforme depreende-se no voto do Ministro Ilmar Galvão:
“Ao autorizar a atribuição a outrem de condição de responsável pelo pagamento de tributo cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, na verdade, antecipou, o novo dispositivo, o momento do surgimento da obrigação e, consequentemente,da verificação do fato gerador que, por isso mesmo, definiu como presumido. […]
O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer de parte do Fisco, que de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade”.[13]
O STF decidiu que os valores almejados pelo artigo 150, parágrafo 7, da CF, da isonomia, segurança, praticidade, eficiência da administração, celeridade, certeza, mereciam ser prestigiados. É evidente, assim, que a decisão baseia-se em valores jurídicos, encontra descrição dogmática e, notadamente, preservou de maneira fiel a finalidade do instituto, conforme bem observou o Ministro Sepúlveda Pertence[14] – ao afirmar ter invertido sua inclinação inicial manifestada no julgamento da liminar após a leitura do memorial apresentado pelo Estado de Alagoas –, desde que a presunção não seja arbitrária, não há de advogar-se pela sua provisoriedade, uma vez que o princípio da máxima efetividade dos dispositivos constitucionais assim o exige, uma vez que a EC 03/93, de que resulto o parágrafo 7 do artigo 150, surgiu para dar ao fisco um mecanismo eficaz para determinado tipo de circulação econômica e fez a ressalva. Agora, se esta ressalva é interpretada de modo a inviabilizar o instrumento fiscal que se autorizou, o que se está é negando a efetividade no sentido principal.
Essa é a linha de pensamento indicativa da direção adotada pelos Tribunais em âmbito tributário, evidenciando-se a linha hermenêutica que interpreta os valores isonomia, combate à sonegação, praticidade, de modo a propiciar-lhes a máxima eficácia, preservando o fim almejado pelo legislador ao instituir tais normas. Assim sendo, é certo afirmar que a posição do STF no que tange à substituição tributária “para frente” foi respaldada em valores jurídicos, em consonância com a linha interpretativa do Tribunal na atualidade, além de acordar com a descrição dogmática do instituto e com os princípios tributários.
Por fim, é pertinente observar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade número 2777/SP e número 2675/PE. Os estados de São Paulo e Pernambuco não haviam aderido ao Convênio ICMS n. 13/97 e suas legislações previam a devolução/complementação dos valores decorrentes das diferenças entre preço presumido e preço real de venda[15]. Assim, ambos os estados impugnaram a constitucionalidade de suas respectivas leis estaduais acerca do assunto.
A Ação de São Paulo alegava ofensa à alínea “g” do inciso XII do parágrafo 2 do artigo 155 da CF, argumentando que a devolução constituiria benefício fiscal concedido sem constar de convênio autorizado, nem lei específica. Na de Pernambuco, negava-se a existência de benefício fiscal, mas discutia-se a inconstitucionalidade da legislação estadual à tese de que esta estaria ultrapassando os limites da autorização constitucional pelo parágrafo 7 do artigo 150 da CF, pois o STF teria, ao julgar a ADIn n. 1851/AL, fixado a única possibilidade interpretativa possível para o mencionado dispositivo, além do que a devolução de valores inviabilizaria o mecanismo estadual, acarretando enormes prejuízos financeiros.
Estas ações estão sendo julgadas em conjunto, apesar das diferentes causas de pedir. Até o presente momento, não se sabe qual a posição que será acolhida pela Suprema Corte. Contudo, é nítida a inaplicabilidade da ADIn n. 1851-4/AL aos casos debatidos nas Ações de São Paulo e Pernambuco, seja pelo fato de estas impugnarem leis estaduais que não foram objeto de análise da Ação de Alagoas, seja porque a legislação estadual que prevê a complementação do ICMS caso a operação final seja por valor superior ao preço presumido nitidamente estabelece um regime que não objetiva finalizar a fiscalização em todas as etapas do processo de circulação de mercadorias, ou seja, configurar-se-ia um modelo de substituição tributária que não visa, primordialmente, combater a sonegação, mas meramente antecipar o valor final. Ao cobrar a diferença, estar-se-ia escalonando a cobrança do imposto, de modo a recolher a maior parte no início da cadeia de circulação e deixando eventuais diferenças para a última fase, não dando benefício fiscal nenhum. Os prejuízos da antecipação certamente seriam maiores do que as vantagens de antecipar a receita.
Com efeito, o parágrafo 7 do artigo 150 da Constituição Federal cria mais de um modelo arrecadatório para as legislações estaduais, seja antecipação sem substituição, seja substituição tributária fiscalizatória, seja antecipatória. Os Tribunais já esclareceram a constitucionalidade dos dois primeiros modelos, não havendo posicionamento firmado quanto ao terceiro, justamente o tratados nas ADIn em questão.
Assim, ao que parece, o fato de ter se fixado a constitucionalidade do modelo de substituição tributária fiscalizatória, perante a análise de leis que claramente negam qualquer devolução ou complementação de diferenças entre preço presumido e preço de venda a consumidor final, bem como da incidência de princípios diretamente vinculados, como isonomia, à justiça fiscal, não afasta, isoladamente, a possibilidade de analisar a constitucionalidade de outro modelo baseado em legislação que cobra ou devolve valores referentes a diferenças entre preço presumido e preço real, e cujo objetivo principal não é o combate à sonegação, visto que não visa reduzir o número de contribuintes a serem fiscalizados, mas apenas antecipar receita, por motivos diversos, a serem ponderados e pacificados pelos Tribunais.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo de uma explicação conceitual sobre a substituição tributária, e, especificamente, sobre o mecanismo da substituição tributária progressiva no ICMS, evidencia-se a dificuldade da doutrina e da jurisprudência em uniformar a interpretaçãoe a aplicação deste instituto na sociedade econômica brasileira.
O estudo do sistema jurídico pátrio, no que tange a esta sistemática, não pode se limitar ao exame de seu regime jurídico, ou mesmo exclusivamente à relação jurídica entre o fisco e o contribuinte, de fato ou de direito. A análise minuciosa da fundamentação jurídica, em busca da equidade e da constitucionalidade dos instrumentos jurídicos de que lança mão o Estado em sua função arrecadadora, não estaria completa sem a consciência de que tais institutos não são apenas um meio de financiamento de despesas estatais, mas também um instrumento de interferência na vida social.
O ICMS possui peso considerável no lucro operacial de uma empresa, sendo o imposto indireto que representa o maior custo para a produção. A partir do momento em que se reconhece que a norma tributária pode ser um fator indutor do desempenho dos mercados, as categorias econômicas, assim como os efeitos na economia, podem ser utilizados como instrumentos para extrair o máximo de utilidade do sistema jurídico. O que, certamente, aprimora os valores democraticamente estabelecidos em sociedade, e que justificam a sua produção.
E é nesse contexto que a substituição tributária surge, como técnica arrecadatória que visa o combate à sonegação, a prevenção da concorrência desleal e, consequentemente, o equilíbrio mercadológico. E com isso concordam até mesmo os críticos dessa sistemática, como pode ser observado nas conclusões de Hugo de Brito Machado (1999, p.116) ao narrar um caso concreto, ocorrido no Ceará, na época da Constituição de 1946, em que empresários da indústria de panificação e do comércio de bebidas propuseram a cobrança antecipada do então ICM, por motivos de concorrência desleal, ao argumento de que esta cobrança traria benefícios a todos, a exceção dos sonegadores (MELO, 2008, p. 69).
A crítica de que a substituição tributária progressiva ofenderia o princípio da capacidade contributiva não procede. A sistemática atinge apenas a capacidade do consumidor, de modo semelhante ao ICMS sem substituição, tornando, portanto, insustentável o argumento de inconstitucionalidade por não atingir a capacidade pessoal do contribuinte. Além disso, é consenso que o mecanismo realiza a praticidade e igualdade tributárias, sendo válido destacar que ao assim fazer alcança a efetividade máxima do parágrafo sétimo do artigo 150 da Constituição Federal.
Imperioso ressaltar também que as alegações de ofensa aos princípios da não cumulatividade e da vedação ao confisco, possíveis ocasionadoras de enriquecimento ilícito do Estado, só se justificam quando observadas sob a óptica da falsa premissa de que o ICMS só pode ter por elemento material a realidade absoluta, e nunca presumida, e por base de cálculo o preço real, e nunca presumido. Na substituição tributária deve-se utilizar raciocínio diverso do usado para o ICMS sem substituição, de modo que apenas uma base de cálculo presumida pode confirmar o elemento material presumido, uma vez que uma base de cálculo real não permitiria a quantificação do débito no momento da incidência, mas apenas no futuro, em momento ulterior ao próprio pagamento, pelo que infirmaria o elemento material.
O atual sistema tributário brasileiro é demasiadamente injusto e oneroso, todavia as fórmulas para o seu aperfeiçoamento não devem ser buscadas com o sacrifício dos mecanismos mais eficientes no combate à sonegação, a exemplo da substituição tributária progressiva (MELO, 2008, p. 247).
Baseando-se nessa ideologia que o instituto da substituição tributária adentrou o universo jurídico tributário, como mecanismo eficiente de arrecadação de tributos, é cediço afirmar que se trata de técnica indispensável à justiça fiscal na moderna sociedade de massas, zelando para que os cidadãos percebam a efetividade prática e isonômica das normas tributárias, pré-requisitos do Estado Democrático de Direito. Afinal:
“Um sistema tributário racional estimula as decisões de investimento. Ao mesmo tempo em que a sustentabilidade das finanças públicas é condição para viabilizar o crescimento sustentável, o aumento da produtividade, a difusão de novas tecnologias, os investimentos em infraestrutura e o incentivo ao empreendedorismo propiciam um longo ciclo de crescimento econômico. Nesse sentido, os instrumentos tributários devem ser orientados para a melhoria da qualidade dos tributos, em termos de eficiência e equidade, com redução dos tributos sobre bens de capital e sobre a poupança de longo prazo, o fim da cumulatividade que provoca distorções nos preços relativos e reduz os incentivos à alocação ineficiente dos fatores de produção, permitindo um aumento da produtividade.”[16]
Informações Sobre o Autor
Leonardo Lucci
Advogado Tributário. Bacharel em Direito pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS. Pós-Graduado em Direito Tributário – Uma Visão Constitucional – pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP