O mito da imputabilidade penal e o estatuto da Criança e do Adolescente

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1. Introdução

Não se impressione o leitor com as
referências ao Direito Penal Juvenil encontradas no
texto.

É cediço que o Estatuto da Criança e do
Adolescente trasladou as garantias do Direito Penal, propiciando como resposta
à delinqüência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas
predominantemente pedagógicas.

Não defendo a carcerização
do sistema sócio-educativo. Muito menos medidas meramente retributivas.
Ao contrário, ao invocar o Direito Penal, preconizo a humanização das respostas,
as alternativas à privação de liberdade, a descriminalização e a despenalização – o Direito Penal Mínimo.

O que procuro desmascarar são as
posições “paternalistas” do sistema de penas disfarçadas, impostas com
severidade e sem os limites do Direito Penal, em muitos casos mais rigorosas do
que, em iguais circunstâncias, seriam fixadas pela Justiça Criminal.

Sem embargo do aspecto
predominantemente pedagógico das medidas sócio-educativas, insisto na
necessidade de tornar efetivos os limites e as garantias do Direito Penal.

Com o advento do Estatuto da Criança e
do Adolescente, não cabe persistir reproduzindo viéses,
equívocos, mitos e falácias do antigo modelo, onde a “proteção” não passava de
odiosa “opressão”, onde o sistema “educacional” e “protetivo”,
na prática, reproduzia o sistema carcerário dos
adultos.

Uma das grandes preocupações dos
militantes da defesa dos direitos humanos de adolescentes submetidos às medidas
sócio-educativas tem sido a falta de critérios objetivos capazes de conter o
arbítrio do Estado, haja vista a existência de muitos casos de privação de
liberdade em hipóteses sem gravidade.

O fenômeno, confirmado através de
levantamento do Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça, deve-se à
interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente com base nos princípios
da chamada “Doutrina da Situação Irregular”.

A Lei 8.069/90, que teve como fontes
formais os Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas, introduziu no país
os princípios garantistas do chamado Direito Penal
Juvenil. Reconheceu o caráter sancionatório das
medidas sócio-educativas, sem embargo de enfatizar o seu aspecto
predominantemente pedagógico. Também que, tendo traço penal, só podem ser
aplicadas excepcionalmente e dentro da estrita legalidade, pelo menor espaço de
tempo possível.

Esta postura, além de ser útil aos
jovens e à sociedade, traslada para o âmbito da Justiça da Juventude as
garantias do Direito Penal, aceitando como resposta à delinqüência juvenil, em
vez da severidade das penas criminais, medidas predominantemente pedagógicas,
afastando o estigma e os males do sistema carcerário dos adultos.

No presente trabalho, procuro
demonstrar a importância da nova posição para os direitos humanos de vítimas e vitimizadores, principalmente para o Sistema de Justiça.

2.
A
crise da justiça e do direito do menor

Não se pode cogitar do Estatuto e do
novo Sistema de Justiça da Infância e da Juventude sem se ter em conta a
Doutrina das Nações Unidas para a Proteção Integral da Infância.

Surgido da crise da Justiça de Menores,
cujos viéses, equívocos e antijuridicidades do
chamado “Direito do Menor” visou superar, o novo modelo se baseia nos
princípios do Direito Ciência, da Epistemologia
Jurídica, notadamente do Direito Judiciário.

A Convenção Internacional dos Direitos
da Criança, as Regras Mínimas para a Organização da Justiça da Juventude, as
Diretrizes para a Prevenção da Delinqüência Juvenil, as Regras Mínimas para os
Jovens Privados de Liberdade e outros importantes Documentos de Direitos
Humanos das Nações Unidas tornaram legislações e sistemas da “Doutrina da
Situação Irregular” completamente ultrapassados,
obrigando ampla revisão de conceitos, práticas e normas. Revisão que para ser,
mesmo, adequada, exigiu mudança substancial e formal nos sistemas judiciário e
administrativo, abolindo disposições e práticas, muitas delas
inconstitucionais, a maioria completamente dissociada de princípios
secularmente consolidados no Direito.

Caíram os mitos do “Sistema Tutelar”.
Foram desnudados os eufemismos das medidas protetivas
e da “inimputabilidade penal dos menores”.

Diante da clareza dos novos textos, não
era mais possível conviver com legislações e sistemas que não reconheciam
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais. Por exemplo: o
de não ser privado de liberdade, salvo em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada da autoridade judicial, nos casos previstos em lei.

No Brasil, por exemplo, existia uma
Delegacia de Polícia de “Proteção ao Menor”, onde meninos pobres eram
encarcerados “para serem diagnosticados e tratados”.

A “situação irregular” abrangia do
abandono e vitimização do “menor” aos “atos
anti-sociais” por ele praticados.

A “tutela” e os bons propósitos do
superior interesse do “menor” não permitiam falar em delinqüência juvenil.

Não se admitia que o “menor” fosse
estigmatizado pela sentença penal. Exorcizava-se o juízo criminal pelos
aspectos “retributivo” e “punitivo”, mas
“encaminhavam-se” crianças e adolescentes a celas iguais às da pior carceragem,
sem garantir um dos mais elementares direitos da pessoa humana, o devido
processo legal. Garantias como tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade,
presunção de inocência, proporcionalidade eram ignoradas, tudo em nome do
“superior interesse do menor”.

Afastava-se o estigma da sentença e da
justiça criminal, mas sem o devido processo, “menores” pobres eram esquecidos
em depósitos e masmorras. Eram os eufemisticamente
chamados Centros de Recepção, Triagem e Observação, Centros de Recuperação e
outras denominações “capazes de afastar todo e qualquer estigma”.

A taxionomia acobertava a iniqüidade da
prisão por pobreza e, o que é pior, sem determinação de tempo e sem observância
de qualquer critério. Confundiam-se infratores, abandonados, vítimas e vitimizadores.

Sentenças, quando preenchiam os
pressupostos da fundamentação, eram indeterminadas.

As respostas pela delinqüência juvenil
não se atinham aos critérios da legalidade e da proporcionalidade.

Casos atípicos, em que adultos jamais
seriam privados de liberdade, resultavam em “internações”, ou seja, reclusões,
em muitos casos, mais severas e desumanas que as impostas a temíveis criminosos
adultos.

Como não havia processo de execução com
limites de estritos prazos, muitos permaneciam esquecidos, institucionalizados,
mutilados psicologicamente até serem “desinternados”
– verdadeiramente jogados para fora por terem atingido a idade da
responsabilidade penal.

Os mitos da proteção, da reeducação, da
ressocialização apenas serviam para encobrir a
passagem do regime verdadeiramente penitenciário, da “terapia” de “menores”
para o dos adultos, já que o “cliente”, salvo exceções, saía do sistema
“tutelar” condicionado, preparado para a violência e à criminalidade.

No antigo modelo a “regra de ouro” era
o “superior interesse do menor”.

Todas as medidas visavam a integração sócio-familiar. Assim, os filhos da classe
média ou da classe média alta, envolvidos em atos delinqüenciais,
tinham aberta a larga porta da impunidade.

Não havendo acusação ou delinqüência,
estando integrados na família, não se levando em conta qualquer retributividade, o seu interesse sobrelevando a qualquer
outro, eram mantidos na família, enquanto os pobres, não envolvidos com
delinqüência, por estarem em “situação irregular”, eram “encaminhados” ao
diagnóstico e à terapia do “internamento”, ou seja, à prisão por pobreza.

Diante das novas exigências de
contenção de leis e práticas aos princípios jurídicos dos Documentos de
Direitos Humanos das Nações Unidas, tamanha antijuridicidade, imenso viés, não
podia subsistir.

3.
A
doutrina da proteção integral e o novo sistema de justiça

A nova Doutrina Jurídica da Proteção
Integral preconiza que crianças e adolescentes são sujeitos especiais de
direito. Gozam de todos os direitos fundamentais e
sociais, principalmente de proteção, decorrência de se encontrarem em fase de
desenvolvimento.

Recomenda a Doutrina das Nações Unidas
que na ordem jurídica interna de cada país existam normas legais capazes de
garantir todos os direitos: vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade,
convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer,
profissionalização, proteção no trabalho, etc…

Para tornar efetivos os direitos
individuais, difusos ou coletivos, principalmente à saúde, à
educação, à recreação, à profissionalização, à integração
sócio-familiar, inclusive contra o Estado, as novas legislações baseadas na
Doutrina da Proteção Integral vêm introduzindo modernas ações judiciais, por
exemplo: ações cíveis públicas.

De outro lado, a doutrina da ONU deixa
claro que a educação para cidadania exige que o adolescente se conscientize de
sua responsabilidade social, tendo o direito de ser julgado por autoridade
imparcial e independente, num devido processo, sempre que acusado de conduta
penalmente reprovada.

A superação de viéses
(“situação irregular do menor”), mitos (tutela e superior interesse),
eufemismos (medidas protetivas) e falácias
(reeducação, ressocialização) exige
normas legais adaptadas substancialmente aos Documentos de Direitos Humanos das
Nações Unidas, principalmente a Convenção e as Regras Mínimas de Beijing.

Segundo o Assessor Regional do Unicef
para América Latina e Caribe, Emílio Garcia Mendez,
essa adaptação só será completa e efetiva quando expurgar dos sistemas
judiciário e administrativo interpretações e práticas próprias da antiga
“Doutrina da Situação Irregular”, onde havia enorme confusão de papéis.

O Juiz não julgava o “menor”, “definia
a situação irregular”,  aplicando “medidas terapêuticas”.

O Ministério Público, inclusive quando
pleiteava “internação” como resposta pela prática de atos delinqüenciais,
rotulados de “desvios de conduta”, de atos anti-sociais, etc., estava
“defendendo o menor”.

A defesa e o superior interesse
justificavam tudo. Serviam para tudo, inclusive para limitar e, até, impedir a
participação do advogado, figura praticamente desconhecida no “Direito do
Menor”. No nosso Código, chamado procurador, era constituído por familiares,
não pelo “menor”.

Para estar conforme a Doutrina da
Proteção Integral, o Sistema de Justiça precisa banir o “modelo tutelar”, que
propiciava decisões simplistas e autoritárias, onde operadores, abandonando
princípios garantistas do Direito, baseavam-se
fundamentalmente num suposto “superior interesse do menor”.

O novo sistema se contém nos limites do
Estado Democrático de Direito, onde as decisões judiciais para terem validade
carecem do pressuposto da fundamentação, onde os operadores têm papéis
definidos, juiz é o experto em Direito que julga de acordo com a Hermenêutica
Jurídica; o Ministério Público, o titular das ações de pretensão
sócio-educativa e das ações necessárias à defesa dos interesses da sociedade e
dos incapazes; o fiscal do fiel cumprimento das leis; o advogado, o
representante dos interesses da criança e do adolescente, defensor de direitos,
atua, como os demais, no devido processo legal.

Os técnicos, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos,
médicos são peritos que produzem prova necessária à convicção do Juiz, que não
pode ser arbitrário, mas deve se fundar, como na Justiça Comum, em elementos
contidos no processo.

Não se cogita, na nova Justiça da
Infância e da Juventude, das decisões sem fundamentação ou das providências
extraprocessuais.

Princípios, normas e cautelas
secularmente consolidadas como indispensáveis à segurança dos direitos têm de
estar presentes para validade e legitimidade de decisões e sentenças.

Processo de conhecimento, processo
cautelar, processo de execução, recursos surgem no novo
Direito como indissociáveis da prestação jurisdicional.

Na chamada delinqüência juvenil, a nova
posição é realista e científica. Reconhece que jovens penalmente inimputáveis,
cometendo crimes, por eles devem ser responsabilizados, o que resulta
pedagógico e corresponde à necessidade do controle social.

Não mais se tolera privações de
liberdade, mesmo eufemisticamente rotuladas de
internações, sem os pressupostos da estrita legalidade, do juízo natural e da
observância do devido processo.

4.
A
responsabilidade penal juvenil como categoria jurídica

Adultos, crianças e adolescentes, sendo
pessoas desiguais, não podem ser tratadas de maneira igual.

A legislação brasileira, por exemplo,
fixa a responsabilidade penal juvenil a partir dos 12 anos.

A criança (menos de doze anos) fica
isenta de responsabilidade. É encaminhada ao Conselho Tutelar, estando sujeita
a medidas protetivas com intervenção administrativa
no seio da família, submetendo-se pais ou responsáveis a restrições e penas
impostas pela Justiça.

Quanto aos adolescentes (doze a dezoito
anos) têm responsabilidade penal juvenil.

Como falar em responsabilidade penal
juvenil, se os adolescentes são penalmente inimputáveis?

A inimputabilidade penal dos “menores”
sempre serviu para legitimar o controle social da pobreza, por isso que os
“maus” filhos das “boas famílias”, como explicitamos, tinham aberta a larga
porta da impunidade.

Mito conveniente, porquanto, a pretexto
de proteger, o Estado pôde segregar jovens
“indesejáveis”, sem que tivesse de se submeter aos “difíceis” caminhos da
estrita legalidade, das garantias constitucionais e dos limites do Direito
Penal.

As medidas dos antigos Códigos,
rotuladas de protetivas, objetivamente, não passavam
de penas disfarçadas, impostas sem os critérios da retributividade,
da proporcionalidade, principalmente da legalidade.

Penas indeterminadas e medidas de
segurança sem os pressupostos da certeza da autoria, por fatos geralmente
atípicos, repetiam-se no “superior interesse do menor”, que precisava ser
protegido “dos condicionamentos negativos da rua”.

Com tal falácia, crianças e
adolescentes pobres eram internados, isto é, presos em estabelecimentos penais
rotulados de Centros de Recuperação, de Terapia, e até de Proteção, quando não
reclusos em cadeias e celas de adultos.

A nova Doutrina, ao reconhecer o
caráter sancionatório das medidas sócio-educativas,
deixa claro a excepcionalidade da respectiva
imposição, jungido o juiz aos critérios garantistas
do Direito Penal.

Como conjugar em nosso
Direito Positivo inimputabilidade
e responsabilidade penal juvenil?

O Estatuto da Criança e do Adolescente,
regulamentando os artigos 227 e 228 da Carta Política, ao tempo em que conferiu
direitos fundamentais e sociais, criou regime jurídico em que o adolescente foi
elevado à dignidade de responder pelos seus atos.

A responsabilidade penal juvenil
encontra sólidas bases doutrinárias na Carta Política e nas Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Administração da Justiça da Juventude (Resolução 40/33/85
da Assembléia-Geral), incorporadas pelo Estatuto Brasileiro, que no artigo 103
conceituou o ato infracional como “a conduta descrita
como crime ou contravenção penal”.

Vale dizer, remeteu o intérprete aos
princípios garantistas do Direito Penal Comum, tendo
como normas específicas as do Estatuto. Estas se referem tão-somente à natureza
da resposta, ou seja, às medidas que, por serem
sócio-educativas, diferem das penas criminais no aspecto predominantemente
pedagógico e na duração, que deve ser breve, face o caráter peculiar do
adolescente como pessoa em desenvolvimento.

Bem por isso, o artigo 228 da
Constituição, ao conferir inimputabilidade penal até os dezoito anos, ressalvou
a sujeição “às normas da legislação especial”.

Sendo a imputabilidade (derivado de imputare) a possibilidade de atribuir responsabilidade pela
violação de determinada lei, seja ela penal, civil, comercial, administrativa
ou juvenil, não se confunde com a responsabilidade, da qual é pressuposto. (Ver
De Plácido e Silva – VOCABULÁRIO JURÍDICO, Rio,
Forense, 1982, p. 435).

Não se confundindo imputabilidade e responsabilidade,
tem-se que os adolescentes respondem frente ao Estatuto respectivo, porquanto
são imputáveis diante daquela lei.

Aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode
imputar (atribuir) responsabilidade frente à legislação penal comum. Todavia, podendo-se-lhes atribuir responsabilidade com base nas
normas do Estatuto próprio, respondem pelos delitos que praticarem,
submetendo-se a medidas sócio-educativas, de inescondível
caráter penal especial.

Como as penas criminais, as medidas
sócio-educativas podem ser restritivas de direitos ou
privativas de liberdade.

Como no Direito Penal Comum, no
Estatuto (Direito Penal Juvenil) predominam os princípios da despenalização, da descriminalização, do Direito Penal
Mínimo, optando a lei juvenil pelas penas restritivas de direitos, como
importantes alternativas à privação de liberdade.

Em suma, embora inimputáveis frente ao
Direito Penal Comum, os adolescentes são imputáveis diante das normas da lei
especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, respondem penalmente,
face o nítido caráter retributivo e sócio-educativo
das respectivas medidas, o que se apresenta altamente pedagógico sob o ângulo
dos direitos humanos de vítimas e vitimizadores. Além
disso, respostas justas e adequadas são de boa política criminal, exsurgindo como elementos indispensáveis à prevenção e à
repressão da delinqüência.

O que não se admite no Direito Penal
Juvenil são respostas
mais severas e duradouras do que as que, em idênticas situações, seriam
impostas aos adultos.

Os princípios da legalidade estrita, da
retributividade (temperada pela possibilidade da
remissão), do caráter predominantemente pedagógico e excepcional das medidas
sócio-educativas constituem garantias de natureza penal (Direito Ciência e
Norma), que não podem ser negadas aos infratores do Estatuto da Juventude.

Como visto, os
jovens em conflito com a lei (o Estatuto) – decorrência de condutas penalmente
reprovadas, têm responsabilidade que pode ser definida como penal especial.

5. Medidas sócio-educativas, espécie do
gênero das penas

Diante da delinqüência juvenil, seja
nos antigos Códigos da Doutrina da Situação Irregular, seja nas modernas
legislações, não se encontrou outra alternativa que referir a
condutas tipificadas na lei penal.

A resposta, tenha o nome que tiver,
seja medida protetiva, sócio-educativa, corresponderá
sempre à responsabilização pelo ato delituoso.

Tais medidas, por serem restritivas de
direitos, inclusive da liberdade, conseqüência da responsabilização, terão
sempre inescondível caráter penal. Essa
característica (penal especial) é indesmentível e, em
antigas ou novas legislações, não pode ser disfarçada.

O grande avanço será admitir
explicitamente a existência da responsabilidade penal juvenil, como categoria
jurídica, enfatizando o aspecto pedagógico da resposta como prioritário e
dominante.

Legislações juvenis, antigas e novas,
geralmente relacionam as seguintes medidas como respostas pela delinqüência
juvenil:

. advertência
(a mais branda de todas);

. prestação de
serviços à comunidade;

. liberdade
assistida;

. semiliberdade;

. internação
em estabelecimento educacional.

Se a simples advertência, materializada
através da repreensão, da ameaça de sanções mais graves, não tiver caráter
penal, não corresponder a uma punição? A que corresponderá?

Prestação de serviços à comunidade é
pena restritiva de direitos na maioria das legislações penais de adultos.

Liberdade assistida não passa do probation da legislação penal comum.

A internação, eufemismo, corresponde à privação da liberdade.

É cediço que a expressão pena pertence
ao gênero das respostas sancionatórias e que as penas
se dividem em disciplinares, administrativas, tributárias, civis, inclusive
sócio-educativas.

São classificadas como criminais quando
correspondem a  delito praticado por pessoa de 18 anos ou mais, imputável
frente ao Direito Penal Comum.

Embora de caráter predominantemente
pedagógico, as medidas sócio-educativas, pertencendo ao gênero das penas, não
passam de sanções impostas aos jovens.

A política criminal os aparta da sanção
penal comum, mas os submete ao regime do Estatuto próprio.

É útil aos direitos humanos que se
proclame o caráter penal das medidas sócio-educativas, pois reconhecida tal
característica, só podem ser impostas observado o critério da estrita
legalidade.

Sua execução, por esse motivo, tem de
ser jurisdicionalizada, redobrando-se operadores judiciais e administrativos em
cuidados para não malferirem os direitos dos jovens, tolhendo ou limitando a
liberdade, sem motivo autorizado por lei.

Os princípios garantistas
do Direito Penal Comum e do Direito Penal Juvenil (Especial), devem ser
invocados, comparando o intérprete as respectivas
categorias jurídicas, para que por idêntico fato, não seja o jovem punido com
maior rigor do que seria o adulto.

A nova posição, tendo como fontes os
Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas, garante a
crianças e adolescentes todos os direitos fundamentais e sociais,
notadamente o de não ser punido sem motivo previamente estabelecido em lei.

Um bom começo na efetivação dos
princípios e normas da Convenção implica na mudança de mentalidade dos
operadores dos sistemas judicial e administrativo para reconhecerem que
crianças e adolescentes gozam de direitos fundamentais, notadamente o da
dignidade de também serem responsáveis.

6. Conclusões

No antigo modelo, a pretexto de
proteger, o Estado pôde segregar jovens
“indesejáveis”, sem que tivesse de se submeter aos “difíceis” caminhos da
estrita legalidade, das garantias constitucionais e dos limites do Direito
Penal.

Com tal falácia, crianças e
adolescentes pobres eram “internados”, isto é, presos em estabelecimentos
carcerários rotulados de Centros de Recuperação, de Terapia, e até de Proteção,
quando não em cadeias e celas de adultos.

A nova Doutrina, ao reconhecer o
caráter sancionatório das medidas sócio-educativas,
deixa clara a excepcionalidade da
respectiva imposição, jungido o juiz aos critérios garantistas
do Direito Penal.

A responsabilidade penal juvenil
encontra sólidas bases doutrinárias na Carta Política e nas Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Administração da Justiça da Juventude (Resolução 40/33/85
da Assembléia-Geral), incorporadas pelo Estatuto Brasileiro, que no artigo 103
conceituou o ato  infracional como “a conduta
descrita como crime ou contravenção penal”.

Embora inimputáveis frente ao Direito
Penal Comum, os adolescentes são imputáveis diante das normas da lei especial,
o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os princípios garantistas
do Direito Penal Comum e do Direito Penal Juvenil (Especial) devem ser
invocados, comparando o intérprete as respectivas
categorias jurídicas, para que por idêntico fato não seja o jovem punido com
maior rigor do que seria o adulto.

O sistema Justiça da Infância e da
Juventude para ser, mesmo, democrático de direito tem de ser garantista e responsabilizante,
seguindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde a inimputabilidade deixou
de ser um mito para se adequar à realidade e à necessidade social.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antônio Fernando Amaral e Silva

 

Desembargador do TJ/SC