Resumo: A realização de ajustes processuais constituía realidade já verificada nos diplomas processuais mais priscos. Contudo pode-se asseverar que a lei 13.105/15 ao trazer nova sistematização processual civil e em total consonância ao já consagrado no direito francês propiciou profundas modificações na compreensão do tema máxime a previsão de uma cláusula geral de negociação a incidir diretamente na situação processual das partes e/ou do próprio procedimento. Inserida no contexto de formatação de um modelo cooperativo a previsão da cláusula geral exorta comportamento proativo e sobranceiro das partes na busca pela efetividade da tutela jurisdicional vindicada. Em que pese o instituto não estar indene de questionamentos doutrinários sendo alguns entabulados com extrema argúcia a propósito – cumpre registrar que a inovação veicula relevantíssima valorização à vera autonomia negocial no palco do processo a ser observada não apenas nos procedimentos regulados pelo próprio codex mas de igual modo nos previstos pela legislação extravagante tal como o estabelecido pela Lei 8.245/91 que trata das locações de imóveis urbanos. Nesse sentido inexiste qualquer óbice legítimo para recusar a aplicação pena da novidade ao estatuto locatício predisposto a recepcionar e conviver com a ampliação do acordo procedimental em qualquer das quatro facetas estatuídas na lei esparsa despejo; consignatória; revisional e renovatória.
Palavras-Chave: Cláusula geral de negociação processual. Autorregramento da vontade. Rito locatício. Compatibilização.
Sumário: Introdução. 1 Da análise do perfil traçado pelo Código Buzaid. 2. Da nova experiência implementada pelo código processual de 2015. 2.1. Da estipulação de cláusula geral negociação atípica: base normativa características principais e definição dos contornos. 3. Da necessária e total compatibilização da cláusula geral com o rito das ações locatícias. 4. Da evolução jurisprudencial esperada trato harmônico dos estatutos em tela. Conclusão.
Introdução
Tratado como uma das inovações mais impactantes do novo diploma processual, o negócio jurídico processual constitui importante ferramenta de valorização da autonomia da vontade das partes e advogados, na medida em que torna possível a adaptação procedimental (ajuste do procedimento) ao conflito concretamente instaurado ou, ainda, àquele que se encontra na iminência de ser judicializado.
O objetivo, destarte, é muito claro: democratizar o processo, vez que a própria parte terá voz e vez na elaboração da forma procedimental a qual orientará seu litígio. O antigo protagonismo judicial, marcado por normas que não admitiam a interferência mínima das partes, cede espaço para um modelo de processo mais dispositivo, promovendo-se, pois, uma tutela jurisdicional mais efetiva e célere.
Nesse panorama, esxurge o princípio da jurisdição integral (máximo aproveitamento da relação processual), insculpido no artigo 4° do Código Processual Civil vigente, como modulador da atuação jurisdicional, componente imprescindível no atingimento da pacificação social, tudo a partir do necessário e imperioso deslinde do fundo da pretensão posta à apreciação.
1 Da análise do perfil traçado pelo Código Buzaid
Com vistas ao exame percuciente das mudanças implementadas pelo novo codex, importante gizar um breve retrato do panorama anteriormente encontrado: A ideologia que predominava, tanto à época da vigência do CPC/39, quanto do CPC/73, era de que às partes, basicamente, incumbia a instauração do processo perante o Poder Judiciário (rompimento da inércia jurisdicional; escolha do iter procedimental; fixação do objeto litigioso, etc).
Ao órgão judicial encarregado da análise do conflito posto, por sua vez, caberia impulsionar oficialmente o processo, segundo a observância de regras rígidas e, em sua imensa maioria, previamente estipuladas pelo legislador federal (questões atinentes a prazos para a prática dos atos processuais; distribuição do ônus probatório e modalidades recursais admissíveis, por exemplo).
Pois bem, nesse sistema anterior, certo que o juiz conduzia o processo, tomava como base quase que exclusivamente a orientação legal e, ao final, proferia uma decisão definitiva. Sob notável influência do sistema romano-germânico, o processo brasileiro era fortemente marcado pelo publicismo, cujo apanágio residia no reconhecimento de uma atuação protagonista e destacada do juiz.
Dito modelo, apontado por alguns como de viés marcadamente autoritário, a concentração de poderes nas mãos do magistrado era máxima. Às partes, meras espectadoras, reservavam-se diminutas oportunidades de alterar a sorte dos atos processuais. Discorrendo sobre o tema, assim se manifestou o processualista Leonardo Carneiro da Cunha (2015, p. 51):
“A legislação processual brasileira, embora seja permeada de estrutura liberal, sofreu a influência europeia de instituição do publicismo e da ruptura da visão liberal do processo, reforçando o protagonismo do juiz, seus poderes instrutórios e a estabilidade como marca da atividade jurisdicional.”
Ante a verificação de tal quadro, a doutrina brasileira discutia intensamente sobre a existência ou não dos negócios jurídicos processuais à luz do CPC/73. Explica-se: sob a égide do ordenamento anterior, todas as hipóteses em que se admitia a formulação de convenção tinham como fundamento a própria lei processual.
Ora, não havia propriamente uma transparente e vera liberdade disponível às partes, mas antes e superiormente um arcabouço normativo que permitia, em casos especialíssimos e desde que preenchidos as condições impostas, a perfectibilização do ajuste processual.
Em última instância, seus efeitos não resultavam, outrossim, da vontade das partes, mas de inequívoco permissivo legal. Predominava, contudo, a corrente dos que defendiam a existência unicamente de negócios jurídicos processuais típicos, é dizer, já previstos em lei.
Dentre os exemplos contidos no revogado Código Buzaid, podem-se citar alguns: a) Artigo 111, CPC/73 – possibilidade de as partes, no caso de competência relativa, convencionar o foro competente para processamento e julgamento de causa decorrente de relação jurídica a qual integram (comumente conhecida como cláusula de eleição de foro); b) Artigo 265, II, CPC/73 – possibilidade de as partes ajustarem a suspensão do andamento processual; c) Artigo 267, VII – possibilidade de as partes acordarem, antes ou durante a fase processual, o acertamento do direito pela via da arbitragem. No ponto, caso o juiz reconhecesse a validade da convenção arbitral (cláusula compromissória ou compromisso arbitral), deveria proceder à extinção do feito sem resolução do mérito.
2 Da nova experiência implementada pelo código processual de 2015
Com a aprovação do novo código de processo civil, o legislador visou mitigar o aspecto publicista que tisnava a sistemática anterior. Buscou-se, claramente, uma aproximação com o modelo dispositivo, na medida em que o ordenamento passou a reconhecer sobremaneira uma autonomia negocial à vontade da parte, que também deve dispor de certo protagonismo dentro do feito.
O processo é instaurado, não se deve esquecer, com o único objetivo de atingir a pacificação social, por meio da solução da pretensão resistida apresentada pela parte.
Quem melhor que a própria parte para desenhar a melhor forma de superar a crise? Sabedor disso, o legislador processual de 2015 trouxe, como um dos vetores interpretativos e matrizes axiológicas de todo o novo diploma, o princípio da colaboração ou cooperação participativa, insculpida no artigo 6º, extremamente afinado com o modelo constitucional de processo civil preconizado modernamente. Aliás, eis o teor do multicitado preceptivo: artigo 6°, cpc15: todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Uma lide cuja duração se mostre excessivamente longa gera inúmeros malefícios, que ultrapassam o aspecto financeiro – devem as partes suportar os custos com os profissionais contratados – e repercutem no próprio funcionamento do poder judiciário, que já se encontra assoberbado de demandas veiculando pretensões dos mais diversos tipos.
É justamente dentro desse panorama que o princípio da colaboração passa a ocupar espaço central e de inegável destaque no sistema processual. Impende registrar que o processo cooperativo ou colaborativo deve ser entendido como aquele em que todos os sujeitos processuais colaboram entre si com vistas a uma finalidade comum.
Por mais que autor e réu ocupem, inequivocamente, lados opostos, a duração indefinida da lide não pode (não poderia, pelo menos) ser desejada pelas partes, certo que a relação jurídica-processual, de evidente natureza pública, não pode ser frustrada ou sequer prejudicada em razão do antagonismo resultante da atuação das partes em polos díspares.
Com efeito, a noção de colaboração irradia efeitos de teor notadamente democrático na relação processual, visto que estimula a vera cidadania pelas partes, através do exercício dos poderes e faculdades processuais a elas correspondentes.
Nesse contexto, cada sujeito processual, conhecedor da sua função no processo e dentro das suas especificidades, deve ser considerado peça essencial para viabilizar a tutela jurisdicional justa e efetiva (bueno, 2016, p. 46-47). Isso só será possível, destarte, se tais potencialidades forem exercidas com autonomia e altivez. Uma escorreita prestação jurisdicional perpassa, com toda a certeza, pela correta e adequada compreensão da ideia acima exposta.
Ainda dentro da mesma temática, importante notar que o cpc/15 se atentou para essa necessidade e concedeu às partes maiores poderes para dispor de assuntos que lhe digam respeito. Trata-se de uma maior autonomia e liberdade dada às partes, aspecto esse muito criticado por não ser evidenciado nos códigos anteriores.
Da liberdade, direito fundamental estabelecido no artigo 5º da constituição federal de 1988, decorre o subprincípio (de direito processual) do autorregramento da vontade no processo que assegura, por sua vez, franca liberdade às partes na escolha e adaptação do procedimento judicial no qual estão inseridas.
Tal decorrência se refere não apenas à ideia de colaboração participativa, mas também ao próprio princípio do devido processo legal, impedindo-se dessa forma, a adoção de qualquer medida ilegítima e injustificada que possa acarretar restrição ao exercício do direito de liberdade pelas partes.
A seu turno, revela-se corretíssima a lição sustentada pelo processualista Fredie Didier Jr. (2015, p. 91), ao tratar sobre o tema ora em debate:
“No conteúdo eficacial do direito fundamental à liberdade está o direito ao autorregramento: o direito que todo sujeito tem de regular juridicamente os seus interesses, de poder definir o que reputa melhor ou mais adequado para a sua existência; o direito de regular a própria existência, de construir o próprio caminho e de fazer escolhas. Autonomia privada ou autorregramento da vontade é um dos pilares da liberdade e dimensão inafastável da dignidade da pessoa humana”.
As hipóteses de negócios jurídicos processuais típicos, já admitidas sob a égide do diploma anterior, por óbvio, foram mantidas no ordenamento. Na verdade, estas foram ampliadas, tal como demonstrado pelo atual artigo 222, §1º CPC/15: As partes podem acertar, em cooperação com o juiz, a redução de prazos processuais, ainda que considerados peremptórios.[1]
Outro exemplo de negócio jurídico processual típico inovador diz respeito ao calendário processual, previsto no artigo 191, CPC/15, segundo o qual as partes poderão, em comum acordo com o magistrado, fixar as datas para a ocorrência da totalidade dos atos processuais, dispensando-se, por conseguinte, a intimação dos mesmos.
Veja-se, pois, como é expressivo o ideário da cooperação no contexto da busca pela efetividade processual: homologada a calendarização, não haverá qualquer ato operado pelo juiz ou pela secretária judiciária determinando a comunicação aos litigantes. Poupam-se tempo e custos. De igual modo, oportuniza-se a otimização da prestação jurisdicional.
2.1 Da estipulação de cláusula geral (negociação atípica): base normativa, características principais e definição dos contornos.
A grande inovação reside na possibilidade de formalização de negócios atípicos (também conhecidos por cláusula geral), sendo assim denominados porque a legislação processual, em que pese reconheça sua validade, não especifica o objeto a ser negociado[2]. Quais tipos de ajustes poderão ser realizados, bem como os seus respectivos limites, note-se, a nova lei não esclarece. Daí se segue a razão pela qual a doutrina vem se referindo a tal fenômeno como cláusula geral, que sepulta, de vez, a concepção publicística pura enraizada na sistemática civil brasileira.
Com efeito, o artigo 190 do CPC15 é o dispositivo que almeja promover toda essa reformulação exegética. Pela sua importância, é indiscutível a necessidade de sua transcrição, a fim de que seja explorado com a atenção e prudência devida:
“Art. 190, CPC15. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
O negócio jurídico processual atípico pode ser celebrado antes da fase processual (caso em que deverá estar formalizado em contrato de cunho material – cláusula diferendo) ou durante a contenda já instaurada (hipótese em que será apresentada ao juízo de maneira incidental).
Segundo consta do referido dispositivo, poderão realizar negócios processuais as partes plenamente capazes, desde que sobre direitos que permitam autocomposição. Nesse ponto, uma observação merece ser registrada: discute-se deveras na doutrina acerca da possibilidade de formulação de negócios jurídicos processuais sobre direitos considerados indisponíveis.
Por todos os exemplos, tem-se o caso emblemático do ajuste cujo objeto seja a modificação do prazo recursal (ampliando-o ou reduzindo-o) ou mesmo a eliminação de determinada modalidade impugnativa.
A interpretação meramente literal do dispositivo vem sendo rechaçada pelos especialistas. Nesse sentido, conferir o enunciado nº 135 do FPPC, que assim concluiu: A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual.
No que atine às matérias passíveis de serem tratadas pelo negócio jurídico processual atípico, a lei registra a possibilidade de convencionar sobre os ônus, poderes, deveres e faculdades processuais, tudo com vistas a melhor adaptação do procedimento judicial ao caso no qual estão submetidos.
Ao nosso sentir, o conteúdo do negócio jurídico dependerá, é certo, do objetivo intencionado pelas partes. Assim sendo, se o que se quer é diminuir o tempo de duração do processo, pode-se pactuar, por exemplo, a redução das modalidades recursais a serem interpostas[3] ou mesmo restringir os meios de prova a serem apresentados.
A redução dos prazos processuais, desde que não haja violação à prudência e razoabilidade, inexistindo ainda o prejuízo ao funcionamento do próprio Poder Judiciário, também pode ser contemplada na convenção processual, s.m. j.
Caso a controvérsia gravite em torno de tema especial, pode-se acertar, por exemplo, a produção de meio de prova específico ou a ampliação dos prazos processuais, a fim de que partes e magistrado possam compreender melhor a contenda instaurada.
Ainda, a validade de convenções que tratem sobre os efeitos a serem atribuídos ao(s) recurso(s) eventualmente interposto(s); sobre o cabimento de execução provisória ou mesmo acerca da impenhorabilidade de bem específico[4] estará assegurada, considerando o contexto o ambiente processual do por vir.
Acerca dos temas que não poderão ser objeto de negócio processual, ainda não se sabe, com a exatidão necessária, quais matérias estarão totalmente imunes a tais convenções (quais os limites dos negócios processuais?). Para boa parte da doutrina, as partes não poderão transigir sobre comportamento ou norma de conduta previstos na lei como norma do tipo cogente. Nesses casos, há um evidente interesse público, não sendo lícito admitir sua convenção, ainda que haja coincidência de interesses particulares.
A propósito, Teresa Arruda Alvim Wambier e outros processualistas (2016, p. 402-403), comentando os artigos do Novo Código de Processo Civil, perlustram com extrema percuciência:
“Já quanto aos deveres processuais, há evidente preponderância do caráter público: os arts. 77 e 78 do NCPC estabelecem uma gama de condutas que têm que ser cumpridas e respeitadas pelas partes em nome da própria higidez da relação processual. O cumprimento de comandos judiciais e o dever de expor os fatos com veracidade são, portanto, a toda a evidência, impassíveis de disposição. Por força do art. 190 do NCPC, portanto, não reputamos ser possível a pactuação de negócio jurídico processual que tenha como objeto a minoração ou a extinção de deveres processuais imperativamente impostos às partes, sob pena de ser-lhe ilícito o objeto. Não vigora, ipso facto, o ‘’vale tudo processual’’ (grifos do autor).
O respeito à ordem pública, destarte, é o ponto de partida para que se possa admitir a validade da convenção processual. Qualquer tratativa que infirme a higidez do sistema processual, ainda que indiretamente, deve ser imediatamente recusada pelo magistrado.
Consoante se lê do próprio artigo 190, parágrafo único do CPC/15, o magistrado não precisará homologar o acordo processual. Não se trata, pois, de negócio que depende da aquiescência judicial para a regular produção de efeitos (não é um negócio trilateral).
A desnecessidade de referida homologação revela-se em sintonia com o conteúdo do disposto no artigo 200, CPC/15, in verbis: Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção dos direitos processuais (grifo meu).
Ainda no terreno do negócio jurídico processual atípico, previsto no artigo 190, CPC/15, registra-se que, caso as partes optem por realiza-lo, a fim de ajustar o procedimento judicial ao conflito material concretamente instaurado, não será exigido uma formatação específica para sua formalização.
Vigora, no direito brasileiro, o princípio da liberdade das formas, segundo o qual só se exigirá forma específica quando a legislação expressamente a exigir.
Eram essas as principais observações a serem feitas a respeito do tema da convenção processual, assunto que ainda será muito analisado pela jurisprudência pátria e que pode repercutir intensamente no campo das ações locatícias.
3 Da necessária (e total) compatibilização da cláusula geral com o rito das ações locatícias
Da leitura desavisada e pouco atenta da Lei 8.245/91 (dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes), poder-se-ia inferir pela impossibilidade de formulação de ajuste procedimental na hipótese de processamento de ação locatícia (e aqui, pouco importa se se está a tratar de despejo, renovatória, consignação ou revisional).
Isso porque o teor do Artigo 45 da precitada legislação é enfático ao consignar ser nula de pleno direito eventual cláusula estipulada pelos contratantes que visem elidir os objetivos constantes da normação referida. De maneira simples e objetiva, a multicitada previsão legal, em atenção ao máximo respeito à boa-fé contratual e ao equilíbrio econômico entre as partes, provoca inegável mitigação do princípio pacta sunt servanda, em ordem a prestigiar a finalidade instituída na lei locatícia.
Nessa senda, importa dizer que a doutrina especializada muito contribuiu para o aperfeiçoamento dos debates em torno do dispositivo ora em análise (por todos, cf. DE SOUZA, 2017, p.190).
Dentre os entendimentos já pacificados, evidencia-se aquele segundo o qual as hipóteses constantes no artigo 45 – como ensejadoras da nulidade de pleno direito – são meramente enunciativas, devendo ser admitidas, por conseguinte, outras situações igualmente reveladoras de flagrante ilegalidade e merecedoras de imediato reparo judicial.
Considerando o terreno da Lei 8.245/91, especialmente a previsão dantes referida, poder-se-ia excogitar a nulidade de qualquer cláusula que modifique o procedimento legalmente previsto (prazos, impugnações cabíveis, concessão de sanção premial, etc).
Sob esse aspecto, de pouca ou nenhuma relevância prática adviria o reconhecimento da negociação jurídico processual nos contratos de locação, invocando-se, para tanto, eventual descompasso entre os dois diplomas. Ao nosso sentir, contudo, inexiste qualquer razão legítima apta a sustentar o dito posicionamento.
Consoante já salientado alhures, o negócio jurídico processual atípico representa um superpoder conferido às partes que poderão discutir e acertar vários pontos. A liberdade, deve-se destacar, é a mais ampla.
Contudo, uma correta leitura do artigo 190 do CPC/15 traz a constatação de que não se está dando uma carta branca à parte, um tudo-pode ilimitado. Nada disso leitor. A propósito, o regramento legal é cristalino ao indicar que incumbe ao magistrado realizar o controle de validade (em momento posterior, é verdade) da convenção processual realizada.
Dentre as hipóteses merecedoras do referido controle, duas em especial devem ser rememoradas: casos de nulidade e as hipóteses de reconhecida vulnerabilidade da parte. Ora, não importa se ambos os contratantes aderiram àquela disposição contratual, mostrando-se pouco relevante a coincidência de interesses por eles manifestada antes ou durante o curso do processo. A liberdade, ainda que no tocante a essas convenções de procedimento, mostra-se passível de controle judicial.
De idêntico modo e com igual clareza, pode-se verificar o teor do artigo 45 retroindicado. A finalidade do legislador locatício foi bem similar à do legislador de 2015, visto que ambos estabelecem um limite à autonomia particular.
Desse modo, não se vislumbra qualquer antinomia entre os dispositivos legais. Ao contrário, pois na medida em que se pratica uma lesão à finalidade da lei locatícia, se está incorrendo ou em nulidade ou em situação que acarrete situação de vulnerabilidade a alguma das partes (geralmente o locatário, reitera-se, eis que é, na maioria das vezes, a parte mais frágil da relação). Isso é o que diz a lei 8.245/91 e também o próprio CPC/15.
É importante notar que outro reflexo promovido pelo CPC/15 às ações locatícias (ainda) no tocante ao artigo 45 se refere ao dever imposto ao juiz, ante convenção ofensora dos objetivos da lei, que proceda primeiramente à intimação das partes para que estas se manifestem sobre aludida violação. Esse é o comportamento esperado antes da decretação de eventual nulidade, caso contrário terá pouquíssima eficácia.
Essa será, inclusive, a oportunidade que a parte terá para convencer o juiz de que inexiste lesão e que o pacto vindicado resta plenamente afinado com os ditames legais. Tal itinerário pode ser extraído, principalmente, dos artigos 9º, caput e 10 do CPC/15 e representa clara opção do legislador quando da valorização do Princípio do Contraditório, a ser exercido de forma prévia e efetiva na nova sistemática processual[5].
4 Da evolução jurisprudencial esperada – trato harmônico dos estatutos em tela
Consoante gizado alhures, O estudo da nova sistemática implementada pelo atual estatuto adjetivo civil (Lei 13.105/15 e suas posteriores alterações) traz à tona constatação única, no sentido de admitir que o rito locatício sofrerá direta interferência do novo diploma processual.
Destarte, sublinha-se que a noção de jurisdição integral (máximo aproveitamento da relação processual), corolário do princípio da efetividade também deve ser emprestada ao exame das locatícias, compreendendo como inevitável a insuperável aplicação dos artigos 190 e 191 ao procedimento instituído na Lei 8.245/91.
Apenas para fins de exemplificação, põe-se em evidência o artigo 19 da Lei locatício, cujo teor explicita que o ajuizamento da ação revisional de aluguel pressupõe o transcurso do lapso de 03 (três) após a celebração do respectivo contrato ou último acordo nele realizado. Há, in casu, verdadeiro requisito especial de admissibilidade de julgamento do mérito, manifestado por meio da condição interesse de agir.
Dito isso, resgata-se antiga controvérsia instada no âmbito doutrinário a respeito da possibilidade, em sede contratual, de se renunciar ao direito de pleitear judicialmente a revisão do locatício, em especial à luz do artigo 45 da Lei de locações. Era questão de tempo para que a referida discussão batesse às portas do Judiciário com vistas a melhor interpretação para a hipótese sob comento.
Por muito tempo, prevaleceu a orientação segundo a qual constituía-se hipótese de nulidade o estabelecimento contratual de cláusula renunciativa ao direito de se socorrer da demanda revisional, transcorrido o triênio legalmente exigido. Eis o elucidativo acórdão proveniente do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REVISIONAL DE ALUGUEL. PROVA ORAL. INDEFERIMENTO. DESNECESSIDADE. FIXAÇÃO DE ALUGUEL PROVISÓRIO. RAZOABILIDADE DO VALOR ARBITRADO. MANUTENÇÃO. 1. (…). 2. Nos termos dos artigos e 45 da Lei 8.245 /91, é nula a cláusula que implique renuncia ao direito de rever o aluguel, após o decurso do prazo de 3 (três) anos do último acordo entre as partes, de modo que as ressalvas ao intuito do legislador devem ser interpretadas restritivamente, por se tratar de renúncia a direito previsto em lei específica, ainda que apenas patrimonial” (TJ-RJ – AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 00042338420138190000 RJ 0004233-84.2013.8.19.0000, Relator: Carlos Santos de Oliveira, Julgado em: 16/04/2013; . Nona Câmara Cível; Data da Publicação: 07/06/2013, grifo meu).
Imprescindível anotar que a conclusão acima foi extraída a partir de uma sistematização processual geral em que se vigoravam firmemente o publicismo e a parca autonomia negocial das partes no plano do processo no qual estavam envolvidos.
No entanto, o entendimento perfilhado por este autor, considerando tudo o que fora gizado, sobretudo a máxima aplicação dos sobreditos dispositivos que consagram o respeito ao autorregramento da vontade no processo, conferindo verdadeiro superpoderes aos contraditores no palco processual, é na direção de que eventual previsão contratual alterando (desde que o faça em prazo superior ao mínimo de três legalmente exigido) ou mesmo eliminando a possibilidade de revisional locatício afigura-se consentânea ao novo modelo processual posto.
Não custa repisar que a análise da situação sob comento deve ser focalizada de acordo com as condicionantes estipuladas no artigo 191 do atual codex, preservando-se ambiente de desejável isonomia e equilíbrio entre as partes polarizadas.
Conclusão
À face do exposto, revela-se absoluta o modus como a nova legislação processual civil se comporta diante das múltiplas faculdades postas à disposição das partes no que atine ao planejamento e definição do procedimento. Sai de cena sistemática de teor fortemente publicista, dando azo a uma nova perspectiva orientada pelo fomento a um ambiente processual de vera colaboração.
Com efeito, em plena observância ao comando da efetividade material, a previsão dos artigos 190 e 191 pela nova legislação adjetiva civil bem simboliza o ideário a ser valorizado pelo operador: respeito ao autorregramento da vontade no processo. Nessa quadra, mudanças significativas devem ser visualizadas não apenas no modelo de procedimento comum, mas também nos ritos previstos nas legislações extravagantes.
Assim sendo, inexiste qualquer óbice de ordem legal para se reconhecer a repercussão da nova sistemática ao procedimento das ações locatícias, delineado pela Lei 8.245/91. Ao intérprete, contudo, caberá a correta e necessária compatibilização entre os dois diplomas, em ordem a sempre encontrar o equilíbrio (virtude do meio termo), prestigiando notável relação de complementariedade entre eles.
Informações Sobre o Autor
Pedro Henrique Alencar Rebelo Cruz Lima
Advogado Graduado em Direito pelo Instituto Camillo Filho-PI Especializando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica – SP e Especializando em Advocacia Imobiliária Notarial e Registral pela Universidade Santa Cruz do Sul – RS