O papel da ONU diante a crise na Venezuela

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Resumo: Acompanhando as recentes notícias vinculadas na mídia, assistimos à crise na Venezuela, bem como o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) e, em especial, de seus orgãos e agências que tentam diminuir os efeitos do aumento de refugiados oriundos da Venezuela. Estes imigrantes desolados com a situação de seus país e sem perspectiva, rumam ao Brasil na esperança de terem uma vida digna. Somado a estes fatos, temos também que tratar da crise humanitária que tem assolado a Venezuela, bem como aos nacionais que lá permaneceram e estão sofrendo as consequências desta crise. E trataremos do papel da ONU nestas duas vertentes, bem como fazendo um paralelo a situações similares que ocorreram no passado em outros países. Com a evolução dos debates a respeito do direito dos refugiados, bem como a disseminação da discussão sobre essa temática, espera-se que a sociedade internacional se mobilize para tomar as providências necessárias no caso em questão. A sociedade espera que os orgãos internacionais pressionem através de sanções ou medidas coercitivas a fim de proteger as pessoas que permaneceram na Venezuela, assim, como já foi feito em outros casos. O método utilizado é o indutivo, comparativo e com pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Crise Humanitária. ONU. Refugiados. Venezuela

Abstract: Accompanying the recent media reports, we have witnessed the crisis in Venezuela, as well as the role of the United Nations (UN) and, in particular, its organs and agencies that try to reduce the effects of the increase of refugees from Venezuela. These desolate immigrants with the situation of their country and without perspective, come to Brazil in the hope of having a dignified life. Added to these facts, we must also address the humanitarian crisis that has plagued Venezuela, as well as the nationals who have remained there and are suffering the consequences of this crisis. And we will address the role of the UN in these two strands, as well as paralleling similar situations that have occurred in the past in other countries. With the evolution of debates on refugee law, as well as the dissemination of the discussion on this subject, it is expected that the international society will mobilize to take the necessary measures in the case in question. Society expects international bodies to press through sanctions or coercive measures to protect people who have remained in Venezuela, as has already been done in other cases. The method used is the inductive, comparative and with bibliographic research.

Keywords: Humanitarian Crisis. UN. Refugees. Venezuela

Sumário: Introdução. 1. Histórico da ONU. 1.1 Objetivos da ONU. 1.2 Poderes da ONU. 2. Órgãos e Agências. 2.1 ACNUR. 2.2 O alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos. 3. O refúgio no Brasil. 4. Crise da Venezuela e atuação da ACNUR. 5. A ingerência humanitária. 5.1 Crise Humanitária na Venezuela. Conclusão. Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO

Boa Vista, uma cidade no extremo norte do Brasil, em tempos remotos somente havia notícias dela nos grandes jornais do Brasil, como o palco de disputas indígenas e das demarcações de terras indígenas que foram realizadas pelo Governo Federal. Atualmente, volta-se a se citar esta cidade, capital do Estado de Roraima, este com mais de 50% de seu território tomado por terras indígenas, e, por consequência, sem indústrias e com tantos problemas sociais como qualquer cidade brasileira. Agora, entretanto, tendo que se preparar para receber os refugiados vindos da Venezuela. Formada pela Universidade Federal desta cidade, por ter iniciado minha carreira profissional nesta cidade tão peculiar, e por, atualmente, estar vivenciando, a problemática dos refugiados na França, fui compelida a tratar deste tema hercúleo. Apaixonada que sou pelo Direito dos Conflitos Armados (antiga terminologia dada pela ONU) e agora pelo Direito Humanitário lanço-me neste desafio. O objetivo do presente trabalho é apresentar a realidade vivenciada pelos refugiados, através do direito fundamental à imigração, e do esforço vivenciado pela ONU, Governo do Estado e demais entidades para recepcionar e integrar os imigrantes em um novo país da melhor forma possível. Vamos tratar também da crise humanitária vivenciada pelos venezuelanos que permaneceram em seu país. E por fim, como objetivo específico seria mostrar o papel da ONU, comparando ainda, com casos práticos em que já atuou.

Assim, o primeiro capítulo tratará da ONU, seus objetivos e poderes. O segundo capítulo abordará seus principais orgãos, em especial, os que estão atuando com mais empenho na situação da Venezuela, como, por exemplo, a ACNUR. O terceiro capítulo tratará do instituto do refúgio no Brasil e o papel do CONARE. O quarto capítulo abordará a crise da Venezuela e a atuação da ACNUR nessa questão. E o quinto e último capítulo citará a ingerência humanitária dos organismos internacionais e a crise humanitária da Venezuela. O objetivo final é fazer uma retrospectiva quanto à atuação da ONU e formular soluções para, a princípio, provocar discussões, sobre como ajudar resolver ou atenuar a crise pela qual os civis (aqueles que mais sofrem) passam.

1. Histórico da Organização das Nações Unidas (ONU)

No período entre as duas grandes Guerras Mundiais houve a necessidade de se criar uma organização internacional que tivesse como um dos seus objetivos principais: evitar guerras. Entretanto, após o fracasso da Sociedade das Nações, foi pensado em construir uma organização cujo objetivo fosse a manutenção da paz e a segurança internacional. A ONU foi criada usando o aprendizado da Liga das Nações, e sendo esta uma organização intergovernamental, ou seja, onde é vedada a intervenção na vida dos Estados membros, tendo estes a plena soberania sobre os seus assuntos, sua atuação seria mais tímida do que das organizações supranacionais, que têm uma organização jurídica própria e são capazes de afetar a soberania dos Estados membros, como é o caso da União Européia.

Portanto, segundo Manuel de Almeida Ribeiro:“Enquanto no que se refere às organizações supranacionais, no seu estado atual, é aceite e visível que os Estados Membros transferem para elas poderes que destacam dos seus próprios poderes soberanos, pelo que alteram as suas constituições nesse sentido, salvaguardando, embora, o direito de se retirarem das organizações, nas organizações intergovernamentais verifica-se a situação oposta – nenhum Estado do mundo aceita ou sequer declara que a sua participação nas organizações intergovernamentais afete a sua soberania”(DE ALMEIDA,2016, p.153).

Assim, podemos notar que a própria essência da ONU traz algumas dificuldades para realizar ações mais concretas, sendo o seu poder de dissuasão bem menor do que das organizações supranacionais.

Soma-se a isto o fato da ONU receber contribuições de vários países como meio de se sustentar como organização e cumprir sua missão. Assim, resta salientar que a ONU acaba tendo um viés político muito forte, haja vista a sua dependência financeira dos Estados-membros.

1.1 Objetivos da ONU

Na carta das Nações Unidas, temos os seguintes objetivos assim listados: “1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; 2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e 4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.”[1]

Assim, nota-se que como a Sociedade das Nações, a ONU continuou perseguindo o objetivo de manter a paz e a segurança internacional.

1.2 Poderes da ONU

Como as organizações intergovernamentais não se enquadram em sistemas completos de governo, ressalta-se a modéstia dos poderes destas. Assim cabe citar a doutrina de Michel Virally (RIBEIRO. 2016. p. 154) que aponta três poderes: poder de debater, poder de decidir e poder de agir.

O poder de debater consiste na necessidade, que ocorre na maioria dos casos, de promover a informação sobre fatos e posições pelos Estados, permitindo, assim, aprender sobre qualquer questão colocada em pauta. Por consequência, muitas vezes há o amadurecimento de idéias de interesse mútuo e isso facilita a compreenssão de idéias, discussões, e entendimentos sobre determinados assuntos.

Em um segundo momento, cabe citar o poder de decidir, que consiste em imputar as decisões tomadas pelos membros da organização internacional. Essas decisões podem ser imperativas ou exortativas. Em ambos os casos, a intenção da decisão é obter dos Estados uma ação ou omissão, o que as diferencia é que o descumprimento da decisão imperativa pode constituir uma violação do direito internacional e podem sujeitar o Estado a sanções pelo seu descumprimento. Já as decisões exortativas funcionam como um instrumento diplomático, ou seja, exercer pressão aos Estados a quem são dirigidas.

E o derradeiro poder, trata-se do poder de agir, ou seja, dispor de meios que permitam transformar as coisas, ou seja, de atuar efetivamente no caso concreto, isto envolve, meios materiais, financeiros, humanos, forças armadas, apoios técnicos e científicos. É válido ressaltar que as organizações internacionais não possuem grande parte destes meios, ficando a cargo dos Estados, o fornecimento dos meios ao serviço das organizações internacionais.

Como exemplo desses meios podemos citar as operações de manutenção de paz em que o Brasil já atuou ou atua, segundo o site do Itamaraty:[2]“O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuído com mais de 50 mil militares, policiais e civis. Priorizamos participar de operações em países com os quais mantemos laços históricos e culturais mais próximos, como nas missões realizadas em Angola, Moçambique e Timor-Leste, e, mais recentemente, no Haiti e no Líbano. A participação do Brasil em operações de manutenção da paz é condicionada à observância dos princípios que regem tais missões de paz: consentimento das partes em conflito, imparcialidade e não uso da força (exceto em autodefesa ou defesa do mandato). Atualmente, participa com cerca de 1300 efetivos em oito operações de paz: MINURSO (Saara Ocidental), MINUSCA (República Centro-Africana), MINUSTAH (Haiti), UNFICYP (Chipre), UNIFIL (Líbano), MONUSCO (República Democrática do Congo), UNISFA (Abyei), UNMISS (Sudão do Sul).”

2. Órgãos e Agências

Os principais órgãos da ONU são: a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e o Tribunal Internacional de Justiça. As características mais marcantes dos órgãos da ONU são a autonomia, complementaridade e a coordenação.

Cabe ressaltar dessas três características, a autonomia, em especial das agências especializadas, como a Agência da ONU para refugiados.

2.1 ACNUR

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados passaram a ter o objetivo de resolver o problema dos refugiados que foram obrigados a se deslocar dos seus países. Inicialmente a ONU encarou tal problema como se fosse temporário, e assim, a solução provavelmente esperada seria o reassentamento ou repatriamento.

Como os deslocados e refugiados estavam espalhados pelo continente europeu, a ONU organizou a repatriação e a ajuda aos sobreviventes juntamente com as organizações de caráter humanitário. A primeira entidade a se preocupar com a questão dos refugiados foi a Organização Internacional dos Refugiados (OIR), criada em 1946. Embora seu trabalho estivesse mais direcionado ao refugiado europeu, foi a precursora de várias ações como o registro, a classificação, a identificação, a proteção legal, etc. Entretanto tal organização foi extinta poucos anos após a sua criação.

Uma vez extinta a OIR, foi criado na ONU em 1950 um órgão subsidiário cuja finalidade era a proteção dos refugiados, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Segundo César Augusto S. Da Silva:“Ao final de 1949, após longas e sucessivas negociações, houve finalmente um acordo aceito por todas as partes, e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados foi criado como órgão subsidiário da Assembléia Geral da ONU, mas não submetido ao Secretariado-Geral”( S. DA SILVA. 2015, p. 84).

Segundo o site[3], o objetivo dessa agência é: “Dirigir e coordenar a ação internacional para proteger e ajudar as pessoas deslocadas em todo o mundo e encontrar soluções duradouras para elas.”

Conforme Dannielle Annoni & Lysian Carolina Valdes em seu livro:“Trata-se de uma organização humanitária, apolítica e social, cujos objetivos básicos são: proteger homens, mulheres e crianças refugiadas e buscar soluções duradouras para que possam reconstruir suas vidas em um ambiente normal. O referido Estatuto aprovado em 1950 e anexado à Resolução 428 (V) da AGNU, destaca o cunho humanitário e estritamente apolítico do seu trabalho, e define como competência da agência assistir qualquer pessoa que se encontre fora de seu país de origem e não possa (ou não queira) regressar ao mesmo por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política. Posteriormente, definições mais amplas do termo refugiado passaram a considerar também quem teve que deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada violação massiva dos direitos humanos.” (ANNONI; VALDES, 2013. p. 131).

2.2 O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos

Foi criado por meio da Resolução 48/141 da Assembléia Geral da ONU em 1993, com o objetivo de fomentar as atividades da ONU na área dos Direitos Humanos. Sua missão é acompanhar e incentivar o respeito dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, providenciar o apoio técnico, bem como a assistência financeira no campo dos direitos humanos, e coordenar programas de educação e formação das Nações Unidas no tema dos direitos humanos.

Antes de adentrarmos na atuação da ACNUR no caso da Venezuela, convém explicarmos o instituto do refúgio. Assim vejamos:

3. O Refúgio no Brasil

A Constituição Federal de 1988 no art 4º, X, foi a primeira a garantir o asilo lato sensu (asilo político e refúgio) como um princípio constitucional. Este mesmo artigo cita também a prevalência dos direitos humanos (inciso II), a autodeterminação dos povos (Inciso III) e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (inciso IX).

É importante citar o art. 5º da nossa Carta Magna:“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (….) LXXVII §2º os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.(VADEMECUM SARAIVA. 2017. p. 6).

Assim, pode-se notar que a Constituição Brasileira adotou o refúgio no país, bem como os Princípios fundamentais e tratados internacionais que guarnecem tal direito.

Outrossim, cabe ressaltar a Lei 9474/97 que definiu o termo “refugiado” em seu art. 1º[4]:“todo indivíduo que: I- devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II- não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III- devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.”

 Como podemos ressaltar, a legislação brasileira repetiu a definição prevista na Convenção de 1951 e no seu Protocolo de 1967, estando na vanguarda comparada à legislação de outros países. O conceito de refugiado vem sendo ampliado, como ocorreu através da Declaração de Cartagena, acrescentando assim, como motivo para concessão do refúgio a ocorrência de violência generalizada e a violação dos direitos humanos.

As pessoas que necessitem requerer o status de refugiado no Brasil precisam se apresentar às autoridades migratórias (Polícia Federal, Receita Federal) dentro do Território Nacional. Em Roraima, foram montados postos de trabalho em uma operação conjunta da PF, Receita Federal e Ministério do Trabalho. Tais pessoas têm que apresentar as justificativas que a levaram a sair do seu país de origem e solicitar refúgio, conforme Estatuto dos Refugiados. Esta solicitação não tem prazo para ser feita, podendo ser feita até depois que o estrangeiro esteja no Brasil.

Após, o requerimento será encaminhado ao CONARE (Comitê Nacional dos Refugiados) que decidirá sobre o pedido de refúgio. O solicitante passará por entrevistas e verificações, adquirindo documentos provisórios para sua legalização no país (carteira de trabalho, CPF, e previdência social).

Conforme César Augusto S. da Silva: “Tendo reconhecida sua condição de refugiado, em que ele é notificado pessoalmente, ele terá direito a toda documentação garantida pela Lei nacional: Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), a Carteira de trabalho e Previdência Social (CTPS), o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e o Passaporte para estrangeiro, no caso de viagem previamente autorizada pelo CONARE. Ou seja, participando parcialmente da sociedade brasileira, reconhecido enquanto pessoa, em um estado político e social transitório. Além disso, deve manter sua documentação atualizada, e não podendo sair do território brasileiro sem prévia e expressa autorização do CONARE, tendo como consequência a perda da condição de refugiado”.( S. DA SILVA, 2015, p. 161).

Dentre as atribuições do CONARE, destacamos a de “declarar e reconhecer em primeira instância a condição de refugiado”. É importante ressaltar que nas reuniões colegiadas que decidem sobre o pedido de refúgio, a ACNUR tem direito à voz, tendo em vista sua experiência nesse tema, mas não tem direito a voto.

Podemos destacar também o acordo entre o Ministério do Trabalho e a ACNUR, o qual promove a inclusão dos refugiados no mercado de trabalho brasileiro. Apesar dos empecilhos naturais como a dificuldade da língua, a diferença de culturas e a resistência dos nacionais em empregar os refugiados, foram criadas medidas para compensar esses obstáculos como: a subtração do termo refugiado da carteira de trabalho e previdência social, a diminuição do tempo mínimo de moradia no país para se solicitar residência permanente, dentre outros.

3.1 O Refúgio na Europa

No plano internacional, convém citarmos a recente notícia sobre a União Européia e a questão dos refugiados. Iniciou-se pela União Européia um processo judicial contra os países que estão se negando a receber imigrantes como a Hungria, Polônia e República Checa. Estes países estão infrigindo as regras do bloco, que impõe a instituição de cotas para cada país, visando realocar os refugiados. Tal demanda será levada ao Tribunal Europeu, e se deferida, poderá ensejar multa, bem como a retirada de benefícios comunitários aos países em questão.

Citamos assim o posicionamento do Alto Comissário da ONU para os refugiados e do executivo europeu:[5] “Para o executivo europeu, não se trata de uma opção, além do compromisso moral, houve uma decisão legal, uma obrigação de receber os refugiados”. Apesar da pressão nos países do Leste Europeu, Bruxelas sabe que o sistema de cotas obrigatórias não funcionou como deveria. O Alto Comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi, declarou estar decepcionado com os europeus. “Se a Europa, uma união de países ricos, não é capaz de compartilhar a responsabilidade, como podemos pedir ao resto do mundo que acolha refugiados?”

Assim apesar da proteção aos refugiados que vários países da Europa proporcionam, a crise que o deslocamento de milhares de pessoas vem sendo sentida por vários países, e apesar da União Européia estar cumprindo sua missão, já era esperada essa reação.

Portanto, com o aumento do número de refugiados, nos próximos anos, ou até décadas, talvez veremos uma solução a médio ou longo prazo. Assim, esperamos.

4. Crise da Venezuela e Atuação da ACNUR

Atualmente a Venezuela passa por uma crise econômica e de abastecimento que é acompanhada de instabilidade política e muita violência aos opositores do governo. Os insumos de primeira necessidade começam a faltar para a população. Várias instituições estão sendo ameaçadas pelo governo como o Poder Judiciário.

Assim, os efeitos desta crise foram o aumento do fluxo de refugiados econômicos para o Brasil, que se viram compelidos a migrar para fugir da miséria e tentar construir sua vida em outro lugar, sem fome, sem ataques do governo, com o sonho de ter e dar uma vida digna aos seus familiares.

A crise humanitária se tornou insustentável na Venezuela. A falta de alimentos e remédios complica o dia-a-dia em um país onde a inflação atinge níveis astronômicos. O êxodo é incomparável. A ONU estima que quase 13 mil venezuelanos pediram refúgio em Roraima, pedidos estes que quadruplicaram em dois anos segundo o jornal local[6]. De acordo com o CONARE, a média para análise desses pedidos é de dois anos e meio, o que causa uma grande espectativa aos imigrantes[7]. Apesar dos venezuelanos clamarem por oportunidades de emprego e por terem estimado mais de 2 mil carteiras de trabalho expedidas aos estrangeiros[8], a vida não tem sido fácil para eles, haja vista o preconceito que acabam sofrendo e a falta de infraestrutura da própria cidade para recebê-los.

Segundo a ACNUR[9]: “A maioria dos Venezuelanos não indígenas vivendo em Roraima é jovem, possui boa escolaridade, tem atividade remunerada e paga aluguel para morar. Entre os que trabalham, 51% recebem menos de um salário mínimo e 28% estão formalmente empregados”. Estes são alguns dos resultados revelados pelo perfil sócio demográfico e laboral dos venezuelanos que vivem em Roraima, em pesquisa promovida pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) vinculado ao Ministério do Trabalho. A pesquisa foi realizada pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello na UFRR.”

Apesar do governo do Estado de Roraima, de grupos religiosos e a Prefeitura de Boa Vista estarem empenhados em prestar assistência aos refugiados, ainda há falta de recursos para que todas as ações sejam tomadas.

As crianças refugiadas estão tendo dificuldades em estudar haja vista a diferença de sua língua materna e o idioma utilizado nas escolas. Os professores da rede pública estão sendo preparados para ministrarem aulas em espanhol, e a prefeitura está disponibilizando aulas de português para os refugiados a fim de efetivarem a integração ao novo país. Foi firmado um convênio em maio de 2017 entre a Universidade Federal de Roraima e a ACNUR, com a finalidade de discutir temas sobre os refugiados, e implementar disciplinas referente aos direitos internacional dos refugiados e ao direito humanitário.

Muitos desses refugiados estão em abrigos criados pelo governo, mas que não possuem estrutura para acolhê-los. Estão dividindo vagas com venezuelanos indígenas que são regidos por leis específicas.

É válido ressaltar que a Justiça Federal Brasileira julgou uma ação do Ministério Público suspendendo o pagamento de taxas pelos refugiados que comprovem insuficiência de recursos financeiros com a finalidade de requerer a residência temporária. Tal decisão respeitou o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana previsto na Constituição Federal Brasileira de 1988, assim vejamos:“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(…) III – a dignidade da pessoa humana;” (VADEMECUM SARAIVA. 2017. p. 5)

E ainda Gabriela Neves Delgado dispõe:“O primeiro pilar ético dos Direitos Humanos é a dignidade, valor-fonte e parâmetro contemporâneo para os instrumentos internacionais de proteção ao ser humano. Essa virtude positivada no cenário internacional também norteia, é claro, a Constituição Federal de 1988. Aliás, a Constituição Federal e 1988 protagoniza papel particularizado quanto à reflexão sobre a dignidade humana, sobretudo por consagrá-la como fundamento do Estado Democrático de Direito e por reconhecer o ser humano como centro convergente dos direitos fundamentais.”( GUIMARÃES. 2016, p. 34)

E podemos citar ainda António Castanheira Neves e Miguel Reale, respectivamente, in verbis:“A dimensão pessoal postula o valor da pessoa humana e exige o respeito incondicional de sua dignidade. Dignidade da pessoa a considerar em si e por si, que o mesmo é dizer a respeitar para além dos contextos integrantes e das situações sociais em que ela concretamente se insira. Assim, se o homem é sempre membro de uma comunidade, de um grupo, de uma classe, o que ele é em dignidade e valor não se reduz a esses modos de existência comunitária. Será, por isso, inválido e inadmissível o sacrifício desse seu valor e dignidade pessoal a benefício simplesmente da comunidade, do grupo, da classe, mas o homem pessoal, embora existencial e socialmente em comunidade ou classe.”“É da autoconsciência da dignidade do homem que nasce a idéia de pessoa, segundo a qual não se é homem pelo mero facto de existir, mas pelo significado ou sentido da existência. A pessoa do outro não é apenas um elemento circunstancial constitutivo do meu eu, pois ambos, o eu e o outro, acham-se condicionados transcendentalmente por algo que os torna histórica e realmente possíveis: esse algo que põe a subjetividade como intersubjetividade é o valor da pessoa humana, o que, como tal, pode ser considerado o valor-fonte de todos os valores e, por conseguinte, dos direitos humanos fundamentais.”(MIRANDA, 2017. p. 77).

É importante ressaltar que a ação em questão visa garantir os direitos dos imigrantes venezuelanos em ter acesso à educação básica, liberdade, saúde, segurança pessoal e assistência social, e, assim, uma das recomendações previstas pelo Ministério Público foi a realização de matrícula nos Ensinos Fundamental e Médio a todos os alunos de países estrangeiros, independente de portarem os documentos necessários. Apesar da dificuldade, a Prefeitura Municipal de Boa Vista está atendendo as recomendações. No entanto, há uma lista de espera, tendo em vista a falta de espaço físico para atender todas as crianças e assim, está em curso um novo plano de construção de novos prédios (escolas), enviado ao Ministério de Educação e Cultura (MEC).

Os representantes da ONU têm estado presente em várias reuniões, bem como participaram da visita à fronteira e abrigo de venezuelanos juntamente com os representantes do Governo Federal. Entretanto a sua atuação tem sido considerada um pouco tímida frente a atuações passadas em outros países.

Embora tenha criado o convênio com a UFRR, no intuito de divulgar os direitos dos refugiados, bem como propiciar a entrada destes nas universidades, a participação dos refugiados em audiências públicas para discutir tal tema, a ACNUR fica mais à margem da situação.

É válido ressaltar que o Governo e Prefeitura pedem apoio da ONU para enfrentar o aumento de imigrantes, entretanto, somente a prefeitura e os grupos religiosos que tem empregado ações mais efetivas para minorar as dificuldades dos refugiados e para atendê-los de maneira mais satisfatória.

É válido ressaltar que uma das últimas medidas, de que se tem notícia, adotada pela ACNUR foi o começo dos preparativos para iniciar a construção do Centro de Referência para Venezuelanos no campus da Universidade Federal de Roraima (UFRR). A ACNUR está selecionando empresas especializadas na execução de serviço de engenharia e reforma para realizar tal obra. A finalidade deste centro será a utilização do espaço para atender às necessidades dos estrangeiros.

5. A Ingerência Humanitária

Com o passar do tempo, a ONU se deparou com a seguinte questão: será possível a ONU agir ou autorizar que se faça algo para manter um mínimo de respeito aos Direitos Humanos quando a situação ocorre na esfera interna dos Estados? Esta discussão é bastante controversa havendo opiniões favoráveis e contrárias à ingerência da ONU.

Apesar dos debates acirrados, a maioria da doutrina concluiu que a ingerência humanitária é contrária à Carta das Nações Unidas. E ainda aqueles que defendem a ingerência, admitem-na como uma opção, e não um dever dos Estados. Porém esta visão tem mudado. Assim vejamos:

Conforme Manuel de Almeida Ribeiro:“A primeira experiência de intervenção da ONU foi a Resolução do Conselho de Segurança que autorizou a intervenção na Somália, classificada como operação de manutenção de paz. Na origem desta resolução esteve a situação de milhares de somalis, alvos do usos da chamada arma da fome- o controle da distribuição da comida disponível e do acesso à ajuda alimentar internacional era instrumentalizado pelos senhores da guerra no terreno, que, dessa forma, compravam lealdades e alinhamentos. Foi esta situação que justificou, ao mesmo tempo, a invocação de que se tratava de uma questão interna e a de que era uma tentativa de genocídio de uma determinada facção, uma grave violação de direitos humanos, um crime contra a humanidade…..Os objetivos estabelecidos por esta Resolução de 1992 foram: impor as condições de segurança necessárias para o desenvolvimento eficaz das operações de socorro humanitário; a implementação de um dispositivo armado para uma operação de força sob o controle das Nações Unidas, mas levado a cabo por forças nacionais, para permitir a chegada de socorros. Assim, a força de intervenção deveria proteger o encaminhamento dos víveres, instalar centros de distribuição seguros e disciplinar as forças armadas, forçando-as a desfazerem-se das armas pesadas.”(DE ALMEIDA.2016, p. 296).

Há ainda a ingerência judiciária que puniria os crimes contra a humanidade e teria que se basear nas normas de Direito Internacional. Assim, foram criados os dois Tribunais penais internacionais ad hoc (Ruanda e ex-Iugoslávia) e o Tribunal Penal Internacional, que foram a mola precursora para construir um sistema jurídico internacional capaz de julgar e condenar os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra, etc.

O Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia foi criado em 25 de maio de 1993 para julgar as sérias violações cometidas na ex-Iugoslávia desde 1991 e surge para defender a paz e a segurança internacional, bem como, dissuadir outros crimes, mas, principalmente, promover a reconciliação neste território. Este tribunal lançou vários precedentes no ramo do direito internacional e proferiu vários julgamentos.

O mesmo ocorreu com o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, a fim de julgar as pessoas envolvidas com a prática do genocídio e outros crimes ligados a violações do Direito Internacional Humanitário cometidos em Ruanda no ano de 1994. O principal objetivo desses tribunais é promover a reconciliação nacional e a paz. Apesar de terem sofrido várias críticas, como por exemplo não terem sido criado tribunais ad hoc para situações tão graves quanto a de Ruanda e da ex-Iugoslávia, ainda havia a necessidade de criação de um Tribunal mais amplo que pudesse julgar e condenar qualquer crime internacional.

Assim, em 1998 foi criado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional que era uma Organização internacional com sede própria e orçamento próprio. O TPI resultou de um tratado e seria um tribunal permanente com jurisdição sobre todos os crimes previstos cometidos depois da entrada em vigor de seu Estatuto (2002). Portanto, este Tribunal permitiu ser um instrumento para coibir e punir os crimes internacionais.

Além disso, temos também o fenômeno da humanização do direito internacional, trazendo o estrangeiro como sujeito de direitos no direito internacional. Assim citamos:“Neste contexto, García-Amador, relator da comissão de direito internacional sobre a questão da responsabilidade dos Estados, considerou que a oposição entre o princípio do tratamento nacional e do tratamento mínimo internacional se havia tornado obsoleta, já que os novos desenvolvimentos do direito internacional haviam feito uma síntese entre estas duas teorias. O relator tentou demonstrar essa síntese, defendendo que os instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos exigiam uma proteção igual para estrangeiros e nacionais e que respeitasse o tratamento mínimo internacional. No seu segundo relatório apresentou um projeto de capítulo sobre violação dos direitos humanos, cujo primeiro artigo propugnava: The State is under a duty to ensure to aliens the enjoyment of the same civil rights, and to make available to them the same individual guarantees as are enjoyed by its own nationals. These rights and guarantees shall not, however, in any case be less than the fundamental human rights recognized and defined in contemporary international instruments”. ( GIL. 2017. p. 176/177).

Embora o relatório supracitado ter recebido mais críticas do que aceitação, uma coisa foi defendida pela maioria, ou seja, o mínimo de direitos reconhecidos a estrangeiros no exercício da proteção diplomática, que se demonstra no mínimo de proteção que todos os Estados devem reconhecer aos estrangeiros.

5.1 Crise Humanitária na Venezuela

Antes de se adentrar ao mérito sobre a situação da Venezuela, convém verificar alguns pontos sobre os crimes contra a humanidade.

Assim, os crimes da Humanidade foram introduzidos no Direito Internacional pelo Estatuto de Londres de 1945. Em seu art. 6º foram definidos os crimes contra a humanidade, dentre os quais destacamos: o assassinato, o extermínio, a escravização, deportação e outros atos cometidos contra a população civil, antes ou durante a guerra, a perseguição de natureza política, racial ou religiosa. Na prática foram reconhecidos crimes contra a humanidade praticados durante ditaduras militares e civis, sem estar o país efetivamente em situação de guerra. Assim pode ser definido como crime contra a humanidade qualquer ato de violação grave de direitos humanos em uma situação de ataques a população civil.

Portanto, busca-se punir os regimes ditatoriais que usam a máquina do Estado para promover desrespeito a direitos humanos

Desde março de 2017, na Venezuela, centenas de milhares de pessoas foram às ruas do país para protestar contra a escassez de alimentos, crise médica e inflação exorbitante. Aproximadamente quarenta e duas pessoas morreram em protestos contra o Governo do Presidente Maduro em maio de 2017[10].

O protesto ocorreu com a finalidade de conseguir a realização de eleições, a libertação de ativistas presos, o recebimento de ajuda internacional para aliviar a crise econômica e a autonomia para o poder legislativo, atualmente controlado pela oposição. Entretanto, o presidente Maduro culpa a oposição pela crise no país e pelas mortes que atingiram os dois lados do conflito.

É importante citar a estória do Juiz Federal venezuelano Oswaldo José Ponce Peres, que mudou-se para Boa Vista e atualmente é artista de rua. No intuito de fugir da perseguição política por causa de sua atuação como magistrado, resolveu buscar um lugar com melhor qualidade de vida para residir. Após tentativas de suborno, ameaças de ter o seu carro incendiado na Venezuela, o magistrado preferiu se refugiar no Brasil, antes que fosse assassinado.

Portanto, esta é apenas uma estória que confirma os indícios de crimes contra a Humanidade, bem como a falta de respeito ao Judiciário.

Conforme afirmou a embaixadora norte-americana Nikki Haley[11]: “a Venezuela está à beira da crise Humanitária” e fez um apelo para que todos trabalhem juntos para garantir que o presidente venezuelano Maduro acabe com a violência e a opressão e restaure a democracia ao povo. Pediu também maior envolvimento internacional para acabar com a crise venezuelana. Ela se queixou do descaso do Conselho de Direitos Humanos da ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA). “O povo venezuelano passa fome enquanto seu governo atropela a democracia”, afirmou a embaixadora.

No discurso de abertura da 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, ocorrido em 11 de setembro de 2017, o alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al Hussein afirmou que “podem ter sido cometidos crimes contra a humanidade na Venezuela, no âmbito dos protestos antigovernamentais”[12], e pediu a abertura de uma investigação internacional. E se referiu ainda que há um perigo real de que as tensões no país se intensifiquem mais com o Governo a atacar as instituições democráticas e vozes críticas, incluindo através de processos penais contra líderes de oposição e recurso a detenções arbitrárias, o uso excessivo da força e maus-tratos a detidos, que em alguns casos equivalem a tortura”.

Destacou ainda que a Venezuela é atualmente membro do Conselho de Direitos Humanos, juntamente com 46 Estados, e tem, portanto, o dever de defender os direitos humanos.

Maduro, por sua vez, rejeitou os pedidos norte-americanos de ação internacional no país, exibindo uma declaração assinada por 57 nações, incluindo China, África do Sul e Rússia, que expressam apoio ao governo socialista e alertam contra interferências externas. “Os imperialistas têm uma obsessão fatal para conosco”, disse Maduro. “Não permitiremos que nos transformem em mártires ou que o mundo crucifique a Venezuela.” (Correio do Brasil, 23 de junho 2017).

Através de uma análise perfunctória, encontramos presentes várias violações de direitos humanos, bem como, a princípio, a probabilidade do cometimento de crimes contra a humanidade. Portanto há um clamor para que a comunidade internacional se pronuncie e se faça presente, através do cumprimento de sua missão.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, percebe-se que há mais de 50 anos a ONU através de seus órgãos e agências tem se preocupado com os Direitos Humanos e com a situação dos refugiados que estão em situação crítica, sem amparo e sem conseguir voltar a sua terra natal.

Neste cenário, e sendo a crise de refugiados um fenômeno mundial, esta questão vem sendo discutida de forma recorrente em todas as esferas. Na Europa, a vinda dos refugiados trouxe uma série de problemas sociais, econômicos e culturais que os países estão sendo obrigados a enfrentar. E embora seja uma conta que deveria ser dividida por todos os envolvidos, há muitos países que estão querendo fechar as portas para estas pessoas como é o caso de alguns países do Leste Europeu.

No caso da Venezuela, o Brasil, com fundamento no Princípio da não devolução, ou seja, não obrigando o retorno dos refugiados a seu país de origem, tem na medida do possível respeitado a Legislação brasileira e internacional.

Entretanto, no caso particular dos Venezuelanos, apesar do governo local estar envidando esforços para o cumprimento destas normas com fundamento no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, prevista na Constituição Federal Brasileira, não há recursos suficientes para guarnecer a grande demanda dos refugiados. Embora a ONU não tenha efetivamente exercido todo o seu poderio neste caso, apenas pequenos grupos religiosos e o governo estadual e municipal têm comparecido e tentado suprir as necessidades emergenciais com seus parcos recursos financeiros.

É importante ressaltar que Boa Vista é uma cidade com pouca infraestrutura e que está em crise como grande parte das cidades brasileiras, tendo elevado índice de desemprego, aumento da criminalidade e sendo ainda rota de tráfico de drogas e de mulheres e crianças. Se não bastassem esses problemas para gerenciar, tem de gerenciar o aumento de serviços públicos para atender a grande demanda de refugiados, aproximadamente 13.000 até o momento.

Assim, se faz urgente uma ação conjunta entre os governos estadual, municipal e federal, a ONU, ONGs e grupos religiosos, para que as ações sejam feitas de forma coerente, com recursos necessários e através de um planejamento ordenado, a fim de que os refugiados venezuelanos possam se adaptar de maneira tranquila à cultura, normas, trabalho e a vivência em outro país e assim, conseguir a integração local.

Uma outra solução seria os refugiados retornarem ao seu país de origem assim que cessarem as condições que os obrigaram a sair. Este é o desejo mais profundo da grande maioria dos refugiados, voltar ao seu país, permanecer perto de sua família, voltar a sua pacata vida, ou seja, a repatriação voluntária.

Tendo em vista a dificuldade de adaptação, o choque cultural entre os refugiados e o novo país, dificuldades com a língua, não acolhimento da população local, costumes e crenças religiosas diferentes são obstáculos ao processo de integração, e assim, uma solução seria o reassentamento. Tal condição ocorre quando o refugiado não pode permanecer no país que o acolheu pelas razões citadas no parágrafo anterior, bem como não pode voltar ao seu país de origem, por não ter cessado a causa de sua saída deste lugar. Assim, o refugiado segue para um terceiro país.

Quanto à questão dos supostos crimes contra a Humanidade cometidos na Venezuela, há que se proteger as pessoas que ainda residem na Venezuela, e que por várias razões, não conseguiram sair de lá. São inimagináveis o sofrimento, a tortura e a perseguição a que essas pessoas são expostas todos os dias. Portanto, há que se investigar e punir os responsáveis, a fim de se evitar consequências piores. Já existe um apelo internacional para que as providências necessárias sejam tomadas e que comecem as investigações e que os instrumentos internacionais necessários sejam utilizados no caso em questão, assim, como já o foram, em violações humanitárias no passado.

 

Referências
ANNONI, Dannielle; VALDES, Lysian Carolina. O direito internacional dos refugiados e o Brasil. Curitiba: Editora Juruá, 2013. ISBN: 978.85.362.4039-8
DE ALMEIDA RIBEIRO, Manuel; FERRO, Mônica. A Organização das Nações Unidas. 2ª Edição. Coimbra: Editora Almedina, 2016. ISBN 978.972.40.2355-7.
DE CARVALHO RAMOS, André. Curso de Direitos Humanos. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. ISBN: 978.85.472.1451-7.
GIL, Ana Rita. Imigração e Direitos Humanos. Editora Petrony, 2017. ISBN: 978.972.685.236-0.
GUIMARÃES, Priscilla de Brito Ataíde. A Imigração e a Proteção do Trabalho. São Paulo: Editora LTr., 2016. ISBN: 978.85.361.8931-4.
MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Coimbra: Editora Almedina, 2017. ISBN: 978.972.40.6870-1.
ROGUET, Patrícia. Direitos e deveres dos refugiados no Brasil e a Lei nº 9.474/97. Lexington: Novas Edições Acadêmicas, 2015. ISBN: 978.613.0.15408-0
S. DA SILVA, César Augusto. A política migratória brasileira para refugiados (1998-2014). Curitiba: Editora Íthala, 2015. ISBN: 978.85.5544.011-3
 
Notas
[1] Consultar o site https://nacoesunidas.org/carta/cap 1, disponível no dia 14 de setembro de 2017

[3] Consultar o site [3]https://www.acnur.org/ português/0-ACNUR disponível em 14 de setembro de 2017

[4] Consultar o site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9474.htm disponível em 01 de outubro de 2017.

[9] http://www.acnur.org/portugues/noticias/noticia disponível em 15 de setembro de 2017.


Informações Sobre o Autor

Carla Crespo Lopes Westphalen

Advogada graduada em Direito pela Universidade Federal de Roraima. Pós-graduada em Direito Militar pela UGF. Mestranda em Ciências Jurídico-política pela Universidade Portucalense UPT. Curso Universitário de Francês na Universidade UNICAEN- França