O planejamento tributário na estruturação das políticas de compra e venda das empresas

Resumo: As empresas se encontram em constante competição com o objetivo de aumentar sua participação no mercado e maximizar seus lucros. A sistemática adotada nos seus processos de venda, assim como nos processos de produção e compra, influência consideravelmente na competitividade das organizações. Como os encargos tributários participam de parte considerável dos preços de aquisição de matérias-prima e produtos, assim como, nos preços de venda de bens e mercadorias, não podem ser desconsiderados dos estudos que visam melhor eficiência empresarial. O planejamento tributário pode ser utilizado por várias perspectivas, como na escolha de uma ou outra forma de apuração de imposto ou na utilização de reestruturação societária, por meio de fusões, cisões, etc. O planejamento tributário também pode ser utilizado considerando a influência dos tributos na composição dos custos dos produtos adquiridos e dos preços finais ofertados aos clientes. 

Palavras chave: comprar. vender. custos. tributos. planejamento.

Abstract: Companies are in a constant competition in order to increase its market share and enhance the profits. The adopted systematic in their selling processes as well as in manufacturing processes and purchase, influence significantly in the organizations competitiveness. As the tributary charges participates with a considerable part of the raw materials purchase price, its acquisition and other products, as well as the selling prices of goods and services, cannot be disregarded from studies that aim to better corporate efficiency. The tributary planning can be used in many perspectives, as in choice of one or another form to calculate the tax or in the use of ownership restructuring, through fusions, splits, etc. Tax planning can also be used considering the influence of taxes on the composition of the costs of purchased products and the final price offered to customers.

Keywords: buy. sell. costs. taxes. planning.

Sumário: Introdução. 2. O Planejamento Tributário. 3. A Contabilidade de Custos como instrumento gerencial. 4. Os tributos formadores do preço dos produtos vendidos. 5. Vender a prazo ou financiado. Conclusão. Referências.

Introdução

Vivemos em uma sociedade altamente competitiva, fato que vem se dilatando progressivamente devido à minimização das fronteiras econômicas e à evolução do conhecimento científico.

As empresas lidam com custos industriais, comerciais e administrativos, cuja otimização é decisiva no sucesso do empreendimento. Presente em todas essas espécies, temos os tributos. Incluem-se nesse custo tributário, os decorrentes do cumprimento das obrigações acessórias.

O peso dos tributos sobre os custos e despesas das organizações exige que estas adotem postura proativa também sobre esse aspecto, sendo indispensável a utilização do planejamento tributário como rol de ações que impeçam a estagnação da companhia.

Tal aspecto não envolve, tão somente a economia de impostos sob a perspectiva de recolhimento ao erário, mas também, a necessidade de se pensar formas de reorganização empresarial, adequando-se a estrutura operacional à racionalização dos custos principiados pelo Sistema Tributário.

Os processos de compra ou produção e a política de vendas das companhias podem e devem ser objeto de estudo visando a eliminação, redução ou postergação do ônus tributário. 

Nesse estudo torna-se necessária a junção de conhecimentos contábeis e jurídicos. A abordagem da sistemática contábil em matéria de gerenciamento de custos e da apuração de tributos deve aliar-se ao estudo do Sistema Tributário, à doutrina e jurisprudências vigentes no ordenamento jurídico nacional.

2. O Planejamento Tributário

A constante procura pela redução dos encargos tributários é um importante diferencial para alcançar uma vantagem competitiva frente aos demais concorrentes no mercado nacional e estrangeiro, pois a carga tributária inegavelmente assume cada vez maior proporção sobre a economia nacional.

Essa redução dos encargos tributários pode ser alcançada por meio do planejamento tributário, que consiste no estudo sistemático de meios legais que permitam eliminar ou reduzir o ônus tributário, adiar o pagamento do tributo ou ainda reduzir os custos envolvidos nas atividades relacionadas às obrigações acessórias.

Por meio do planejamento tributário procura-se a estruturação dos negócios de forma a aproveitar incentivos fiscais, a utilização de diferentes formas de tributação, a discussão no judiciário quanto à validade das leis, a adoção de procedimentos que adiem o pagamento do tributo, a escolha por segmentos operacionais com menor carga tributária e a redução dos custos dos impostos nas etapas comerciais.

Encontrado o melhor caminho para o empreendimento, deve-se fazer uma análise prospectiva dos resultados das ações que serão adotadas, assim como manter o devido controle quanto aos reflexos de tais ações e a constante procura por novas oportunidades.

Borges (2006, p. 36) apresenta regras práticas a serem aplicadas de forma a proporcionar uma redução dos custos tributários de maneira lícita. Tais regras são aplicáveis, segundo o autor, no planejamento tributário na área dos impostos indiretos, sendo elas:

“Verificar se a economia de impostos é oriunda de ação ou omissão anterior à concretização da hipótese normativa de incidência.

Examinar se a economia de impostos é decorrente de ação ou omissão legítimas.

Analisar se a economia de impostos é proveniente de ação realizada por meio de formas de direito privado normais, típicas e adequadas.

Investigar se a economia de impostos resultou de ação ou conduta realizada igualmente a suas formalizações nos correspondentes documentos e registros fiscais.”

Uma etapa da elaboração dos projetos voltados à economia de impostos parte de estudos que visam identificar ações diversas das já adotadas e que podem levar à redução dos custos tributários. Essas possibilidades podem ser encontradas expressamente na legislação ou em lacunas na lei, e o reflexo da adoção de uma ou outra alternativa deve ser projetado de forma a se estimar o resultado da escolha.

3. A Contabilidade de Custos como instrumento gerencial

Tem sido percebida, cada vez mais, a importância da contabilidade na gestão das empresas como requisito de eficiência econômico-financeira e suporte indispensável no aprimoramento operacional. Entretanto, muitos gestores ainda vêm na escrituração contábil uma obrigação a ser cumprida por determinação legal, restringindo-se apenas ao que a legislação determina.

A Contabilidade de Custos é um ramo das Ciências Contábeis que pode ser utilizado como instrumento gerencial e de controle. Vale-se basicamente de dados históricos e estimados, internos e externos, monetários e físicos, que são utilizados na elaboração de estudos visando a tomada de decisões quanto ao planejamento de operações futuras, comando das operações rotineiras e desenvolvimento de estratégias relacionadas aos negócios da organização.

A Contabilidade de Custos tradicionalmente possui forte ligação com a atividade industrial, porém, seus princípios e técnicas podem e devem ser utilizados em empresas de serviços, comerciais e financeiras.

Warren, Reeve e Fess (2008, p. 7) definem o objetivo de um sistema de contabilidade de custos como o de acumular os custos do produto. Os autores subdividem o sistema de custos nas modalidades por ordem e por processo.

“As informações sobre os custos do produto são usadas pelos gerentes para estabelecer os preços dos produtos, controlar as operações e preparar as demonstrações financeiras. Além disso, o sistema de contabilidade de custos melhora o controle ao fornecer dados sobre os custos incorridos em cada departamento ou processo de produção.”

O sistema de custos por processo acumula os custos por fases do processo, por departamento ou por operação, sendo mais adequados às empresas que fabricam ou prestam serviços idênticos e que são processados continuamente.

“Em alguns aspectos, o custeio por processo e o custeio por ordem são similares. Ambos acumulam custos do produto – de materiais diretos, de mão-de-obra direta e indiretos de fabricação – e alocam esses custos para as unidades produzidas. Ambos mantêm contas de inventários permanentes nos razões auxiliares de materiais, produtos em processo e produtos acabados. Ambos também fornecem dados de custo do produto para a administração planejar, dirigir, melhorar, controlar e tomar decisões. A principal diferença entre os dois sistemas é a forma pro meio da qual os custos dos produtos são acumulados e relatados.” (Warren, Reeve e Fess. 2008, p. 48)

Reforçamos a importância de se estender a percepção dos ensinamentos em matéria de contabilidade de custos para além do processo de fabricação de produtos, devendo ser visualizadas as sistemáticas para acumulação de custos também nas atividades de vendas e nas prestações de serviços.

4. Os tributos formadores do preço dos produtos vendidos

O Sistema Tributário Nacional apresenta cinco espécies de tributos, sendo três identificadas no art. 5º do CTN, os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. O art. 145 da Constituição Federal cita os empréstimos compulsórios e no art. 149 temos as denominadas contribuições especiais.

Cada espécie tributária apresenta peculiaridades quanto à participação estatal, ao fato gerador e à vinculação da receita.

Os impostos se caracterizam pelo fato gerador não vinculado à atividade estatal. Se o contribuinte realizar o fato gerador, o imposto passa a ser devido, inexistindo qualquer contraprestação estatal específica. Por isso, outra característica dos impostos é a não afetação das receitas arrecadas.

As taxas possuem fato gerador vinculado a uma atividade estatal. Para que o valor da taxa seja devido, deve existir o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico ou divisível. Assim, deve haver correlação entre o valor pago a título de taxa e o custo da atividade estatal descrita como fato gerador.

As contribuições de melhoria também apresentam vinculação do fato gerador à atividade estatal, esta que consiste na realização de obra pública que resulte na valorização de imóvel do contribuinte. O valor arrecadado não pode superar o valor da obra e o limite individual do tributo é o montante que o imóvel foi valorizado.

Os empréstimos compulsórios são de competência exclusiva da União e podem ser instituídos somente para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ou ainda, no caso de investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional. A receita da arrecadação deve ser utilizada estritamente para os fins que ensejaram sua criação. Há ainda a obrigação de posterior devolução ao contribuinte do valor arrecadado pela União.

As contribuições especiais apresentam vinculação do valor arrecadado à finalidade de sua instituição, sendo que o destino da arrecadação é relevante na estrutura que assumem. As contribuições especiais podem estar estruturadas na forma de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, de interesse das categorias profissionais ou econômicas e a contribuição de iluminação pública.

Essas cinco espécies tributárias incidem sobre diversas situações jurídicas e econômicas, como sobre os produtos fabricados, sobre as vendas e serviços prestados, sobre despesas administrativas e de vendas, sobre a renda e o lucro, sobre a propriedade e sobre a mão-de-obra.

Considerando as características dos tributos, percebemos que as espécies tributárias que podem compor o preço dos produtos e serviços são os impostos, as taxas e as contribuições especiais.

Os impostos de maior interesse são os impostos indiretos, que são repassados para o preço do produto ou serviço, como ICMS, IPI e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) não será abordado devido a sua incidência apenas na prestação de serviços, já que propomos analisar a atividade mercantil de compra e venda.

Os impostos aduaneiros não serão considerados, pois sua abordagem exige estudo exclusivo sob pena de superficialidade, já que apresentam muitos instrumentos úteis ao planejamento tributário.

A contribuições sociais do PIS/Pasep e da Cofins também oneram o preço dos produtos vendidos, sendo de maior interesse as modalidades não cumulativas.

As demais contribuições e as taxas não serão consideradas devido à ocorrência em situações específicas, não sendo possível a abordagem de todas as possibilidades nesse estudo, ainda que algumas modalidades possam compor o preço dos produtos.

No entanto, essas contribuições e taxas, assim como os impostos sobre o patrimônio, não prejudicam a análise das decisões de compra e venda, já que podem ser agrupadas a outros custos ou despesas sem redução, na maioria dos casos, das oportunidades em matéria tributária.

Deve-se, porém, analisar caso a caso a fim de se verificar a possibilidade de situações peculiares colocarem tais tributos em evidência, como pode ocorrer com a incidência de CIDE ou de alternativa entre Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) ou Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).  

Não consideraremos como composição dos preços os tributos sobre a renda, como IR e a CSLL, pois, naturalmente não são custos de produção ou de aquisição, e sua inclusão no preço deve-se principalmente à finalidade de se estabelecer o preço de venda que poderá proporcionar aos sócios o retorno pré-estabelecido.

5. Vender a prazo ou financiado

Na atividade mercantil temos a prática regular na qual o adquirente de bens ou mercadorias as recebe em um primeiro momento, sem efetuar o desembolso imediato, e posteriormente, em único ou parcelados pagamentos feitos ao estabelecimento vendedor, ou a terceiros, quita a obrigação originada pela aquisição realizada.

Resume-se tal prática no oferecimento de crédito ao consumidor, o que se tornou importante ferramenta no aumento de vendas no comércio varejista.

O progressivo aumento da vendas por meio de crédito ao consumidor é devido às condições favoráveis no oferecimento de crédito que vêm se apresentando, como a redução de juros e a possibilidade de pagamentos mais baixos a prazos mais longos, a acessibilidade das classes mais baixas aos bens duráveis, a evolução do emprego e a implantação de incentivos e isenções pelo governo.

As principais formas de oferecimento de crédito são na forma de venda financiada e venda a prazo, o que em primeiro momento não apresenta visível diferença, mas que, juridicamente, resulta em aplicações distintas, principalmente em matéria tributária.

Em julgado realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo percebe-se que a distinção entre as vendas financiadas e as vendas a prazo afetam a incidência ou não do ICMS, sendo:

“Apelação Com Revisão CR 4665335000 SP (TJSP)

MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS – Pretensão voltada ao reconhecimento do direito à exclusão da base de cálculo do ICMS de valores decorrentes de vendas a prazo (vendas financiadas) – Segurança denegada em primeiro grau – Decisório que merece subsistir – Distinção entre "vendas a prazo" e "vendas financiadas", de maneira que, dependendo do caso, o ICMS pode ou não incidir sobre os acréscimos decorrentes da operação – Impetrante que, no entanto, não identificou em qual tipo de operação pretende ver reconhecido o direito invocado na inicial, tratando-os, na verdade, como se questões idênticas fossem – De qualquer modo, ainda que se considere que a pretensão reside nas operações de "vendas financiadas", onde se admite a pretendida exclusão, o reclamo é improcedente – Inexistência de documentação inequívoca a permitir de plano o reconhecimento do direito invocado pela parte – Sentença mantida – Negado provimento ao recurso. TJSP – 17 de Dezembro de 2008”

Na venda a prazo temos que o próprio vendedor oferece o crédito ao consumidor, embutindo o custo do dinheiro no preço de venda do produto.  O preço da mercadoria vendida e a quantidade de parcelas para pagamento são estabelecidos diretamente entre vendedor e comprador, sem influência de qualquer outra entidade.

Consideramos que, ainda que o vendedor indiretamente custeie suas vendas a prazo com empréstimos junto a estabelecimentos financeiros, ou se utilize de operadoras de cartão de crédito como simples meio de recebimento das parcelas das vendas, sem que tal fato determine na sua relação contratual com o cliente, alterando o preço do produto e as condições de pagamento, isto é, não resultando na junção dos negócios jurídicos entre financeira e vendedor e entre vendedor e consumidor, continuamos a ter o instituto da venda a prazo.

Carrazza (2002, p. 92) conceitua a vendas a prazo dissertando que: 

“Com efeito, na venda a prazo (também chamada venda a crédito), deve haver, por expressa determinação legal, a declaração do preço a vista da mercadoria vendida, bem assim, do número e do valor dos pagamentos mensais a serem efetuados pelo comprador. O valor da venda é, neste caso, o somatório das prestações mensais convencionadas. No próprio contrato de compra e venda, portanto, estão especificados, de modo inequívoco, a existência de um único negócio jurídico.”

Percebe-se que não é oferecida uma operação de crédito ao adquirente do bem ou mercadoria, mas uma operação mercantil. Assim, lembrando que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação de circulação de mercadorias ou o valor do serviço prestado, o valor total da venda a prazo será utilizado no cálculo desse tributo, em contrapartida, não há que se falar em imposto sobre operação de crédito em tal negócio jurídico.

Nas vendas financiadas temos o pagamento efetuado direta ou indiretamente pelo consumidor de forma a quitar a obrigação contratada, sendo o recurso utilizado para pagamento obtido por meio de contratado distinto com instituição financeira ou operadora de cartão de crédito.    

Referente às vendas financiadas, Carrazza (2002, p. 93) leciona:

“(…) na venda financiada, há captação de custo de financiamento, pelo vendedor ou por terceiro. Ou, se preferirmos, há uma operação de crédito, que se identifica com a troca de bens atuais por bens futuros. O financiamento nasce de um acordo de vontades entre o vendedor e o comprador, em tudo e por tudo autônomo do contrato de compra e venda que o ensejou.”

Consideramos que, mesmo sendo efetivado negócio jurídico somente entre vendedor e comprador, se existir a operação de financiamento destacada do preço da venda, com a imposição de juros e outros encargos financeiros, temos uma venda financiada.

Temos que o custo do financiamento não compõe o valor da operação mercantil, é operação de crédito distinta, não incidindo sobre aquele custo o ICMS. Porém, o valor financiado é objeto do IOF, ainda que o financiamento não seja efetuado por instituição financeira, já que o fato gerador do IOF é a operação de crédito realizada entre pessoas jurídicas e entre pessoa jurídica e física.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que os encargos do financiamento não são afetados pelo ICMS, sendo:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – ICMS – COMPRA E VENDA A PRAZO – ENCARGOS DE FINANCIAMENTO – OPERAÇÕES DISTINTAS – EXCLUSÃO DOS ENCARGOS DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS – PRECEDENTES. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que, nas vendas a prazo, não são incluídos, na base de cálculo do ICMS, os encargos decorrentes do financiamento do preço das mercadorias. Aplica-se à espécie, mutatis mutandis, o mesmo raciocínio que ensejou a edição da súmula 237 desta Corte, a qual estabelece que “nas operações com cartão de crédito, os encargos relativos ao financiamento não são considerados no cálculo do ICMS”, razão por que não prospera a pretensão da recorrente de afastar a incidência da referida súmula, ao argumento de que “no caso dos autos, não se trata de venda financiada ou com cartão de crédito, mas de venda a prazo, na qual desde já se sabe o valor que será pago em parcelas mensais" (fl. 210). Agravo não provido. (AgRg no REsp 421916/RS, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2005, DJ 05/12/2005 p. 267).”

Conclui-se que a principal distinção entre as vendas a prazo e as vendas financiadas, de forma a influenciar na tributação, é a existência ou não de dois negócios jurídicos. Um seria a operação mercantil com a promessa de entrega de um bem ou mercadoria em troca de pagamento em pecúnia e o outro seria uma operação de crédito, caracterizada pela antecipação de valor monetário com o compromisso de pagamento futuro, que será acrescido de encargos financeiros como juros, atualização monetária e taxas conexas.  

O julgado do Superior Tribunal de Justiça reforça a existência de duas operações no caso de venda financiada e de uma única operação no caso de venda a prazo, como se segue:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 743717 SP 2005/0064874-7 (STJ)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – ICMS – VENDA FINANCIADA – BASE DE CÁLCULO – ENCARGOS FINANCEIROS – EXCLUSÃO – AGRAVO REGIMENTAL.

1. Na venda financiada, há duas operações: uma de compra e venda e uma de financiamento, sendo que o ICMS não incide sobre os encargos financeiros da operação; enquanto que na compra e venda a prazo, existe uma única operação na qual há incidência do ICMS sobre os encargos financeiros decorrentes.

2. In casu, houve uma venda financiada, devendo ser excluídos os encargos financeiros da operação. Precedente: REsp 739.910/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 12.6.2007, DJ 29.6.2007. Agravo regimental improvido. STJ – 04 de Março de 2008”

O resultado da distinção entre vendas a prazo e vendas financiadas recai principalmente sobre a aplicação ou não do IOF e a ampliação ou não da base de cálculo do ICMS e do IPI. Tal distinção também reflete no ônus decorrente das contribuições do PIS/Pasep e da COFINS.

Tendo o empreendedor a possibilidade de escolher qual sistemática será adotada nas suas vendas, a de vender a prazo ou financiado, deve analisar tais reflexos sobre o preço do produto, ainda que  o imposto não componha imediatamente o preço de venda, como no caso do financiamento contratado pelo cliente diretamente com a instituição financeira. 

Mesmo que o financiamento não interfira no preço de venda acordado diretamente pelo vendedor e o comprador, os custos financeiros e tributários serão suportados pelo adquirente da mercadoria, influenciado em sua decisão de compra.

Analisando detidamente o assunto, sob a perspectiva do valor suportado pelo adquirente do bem ou mercadoria, temos:

Nas vendas a prazo, a repercussão do IPI, ICMS, PIS/Pasep e COFINS é sobre o valor total da operação, que será o preço a vista, incluindo frete e seguro, acrescido do custo do dinheiro pelo parcelamento.

Nas vendas financiadas, o IPI, ICMS, PIS/Pasep e COFINS incidem sobre o valor da operação, sendo somente o preço a vista da mercadoria, frete e seguro. Entretanto, sobre esse preço também teremos o IOF, já que este incide sobre o valor do principal emprestado.

Como o valor acrescido pelo financiamento é receita financeira para a empresa que cede o crédito, não teremos a incidência dos impostos citados acima, lembrando que, sobre as receitas financeiras não incidem PIS/Pasep e Cofins (incidem sobre a receita bruta) e o IOF (incide sobre o principal emprestado).

Nos casos de instituições financeiras, existe debate quanto a incidência ou não do PIS/Pasep e Cofins sobre as receitas financeiras, já que a operação de crédito é atividade corrente dessas entidades. Entretanto, consideramos nesse trabalho, ainda que aplicável essas contribuições às receitas das instituições financeiras, seu valor estará incluído no custo do financiamento, embutido na taxa de juros. 

6. Comprar ou produzir

Não é raro as empresas se depararem com possibilidades entre comprar ou produzir bens e materiais utilizados no processo de produção, ou entre terceirizar ou executar serviços relacionados diretamente à suas atividades ou serviços secundários. 

Muitas vezes essas decisões se apresentam devido à perspectiva de expansão da produção ou da participação do mercado, ou ainda, da necessidade de acompanhar a competitividade empresarial.

Para que não seja desperdiçada uma boa oportunidade, ou ainda, para que não se faça uma escolha desastrosa, é indispensável o estudo pormenorizado a fim de verificar a viabilidade de adoção de cada alternativa, sendo incluído em tal estudo o retorno projetado, a avaliação dos custos totais e o investimento total, do custo incremental e a análise de retorno sobre os investimentos realizados.

Vários são os pontos a serem abordados nesse tipo de estudo, como a dispensa ou necessidade de instalações, máquinas, equipamentos e pessoas; a logística necessária e seus custos de acordo com cada alternativa e o seu resultado sobre o fluxo de produtos e serviços; a gestão de estoques e a quantidade de mercadoria necessária de acordo com a escolha; e a influência sobre processos administrativos e de vendas.

A análise de custos é a base para esse tipo de decisão, e nos dias atuais, os custos tributários não devem deter menor atenção. A decisão entre comprar ou produzir parte dos produtos, ou sua totalidade, sob a perspectiva da tributação, tem efeito sobre os créditos aproveitáveis, o que influencia diretamente no custo final do produto e na margem de contribuição.

As análises devem observar os créditos tributários com a aquisição do produto e os relacionados à aquisição de matérias-prima e outros insumos utilizados na produção. Deve-se observar também os créditos tributários relacionados aos custos e despesas fixos, e que estes podem aumentar ou diminuir de acordo com a decisão de comprar ou produzir.

A necessidade de investimento em máquinas, instalações e equipamentos, ou a possibilidade de vender ou alugar os imobilizados dispensados, devem ser analisados utilizando o conceito de custo de oportunidade.

O custo de oportunidade é o retorno que se teria se o valor aplicado em um investimento fosse utilizado em outra aplicação de igual risco. Martins (2003, p. 234) afirma que a comparação entre empreendimentos diferentes é imperfeita, já que os graus de risco são bastante diferentes, apontado como solução: 

“(…) ou entendemos o custo de oportunidade em relação a outro investimento de igual risco ou tomamos sempre como base o investimento de risco zero, que seria, no caso brasileiro, em títulos do Governo Federal, ou a Caderneta de Poupança.”

Conclusão

Os encargos tributários, assim como os créditos recuperáveis, são componentes importantes na formação dos preços dos produtos, sendo indispensável a análise do reflexo da legislação tributária na formação do custo do produto que será vendido, assim como no preço suportado pelo cliente.

Por exemplo, nas vendas a prazo e financiadas, a variação ocorre em função das taxas adotas e dos prazos, pois, enquanto na venda a prazo temos a incidência de impostos sobre o valor acrescido ao preço a vista, temos nas vendas financiadas a incidência do IOF sobre o preço a vista e o acréscimo do financiamento.

Importante ressaltar que as análises na decisão de vender a prazo ou financiado não podem se limitar ao apresentado nesse trabalho. Deve-se fazer estudo a fim de verificar a ocorrência de despesas adicionais, assim como a possibilidade de eliminação de algumas despesas.

Tal análise torna-se mais complexa na decisão entre comprar ou produzir determinado produto ou componente utilizado na produção de bens e produtos.

Na oportunidade de aumento da produção para aproveitar o crescimento nas vendas ou apresentando-se oferta para compra de componente utilizado pela empresa, é importante observar a relação do crédito dos tributos na aquisição de produtos e de materiais utilizados no processo de produção, assim como, dos créditos sobre os custos e despesas fixos.

Os créditos tributários sobre os custos e despesas fixos influenciam na quantidade necessária de produtos a serem vendidos de forma que a empresa obtenha lucro nas suas atividades.

Os créditos tributários nas compras incidem, normalmente, sobre o valor total de aquisição. Na produção temos custos, como os referentes à mão-de-obra, que não geram créditos para os impostos indiretos.

A relação desses custos pode resultar ainda na escolha de produzir até certo montante e ao mesmo tempo comprar certa quantidade, de forma a maximizar o aproveitamento dos créditos tributários sobre os produtos adquiridos e dos créditos decorrentes de instalações fixas e de outras despesas que não seriam eliminadas se decidida pela produção também na empresa.

Outras informações são indispensáveis para a análise das alternativas entre comprar ou produzir determinado produto. Como o volume de vendas que se estima ser absorvido pelo mercado; a capacidade financeira da empresa para o aumento nas compras e vendas relacionadas aos custos de financiamentos que se tornarem necessários; a capacidade do fornecedor de atender às demandas da empresa e se os produtos adquiridos daquele são de qualidade compatível com os oferecidos por esta. 

É importante ressaltar que as decisões devem se basear também em fatores e resultados projetados a longo prazo. O estudo focado nas variáveis imediatas pode levar a uma escolha aparentemente correta a curto prazo, porém, de resultados negativos ao longo do tempo.

Outras formas de planejamento também são indispensáveis. É importante observar incentivos fiscais, formas alternativas de apuração dos tributos e matérias controversas passíveis de discussão no judiciário, com o objetivo de conjugar com a análise dos custos dos produtos produzidos e dos respectivos valores de venda.

 

Referências
BRASIL. Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Diário Oficial da União, Brasília, 17 de junho de 1999.
BRASIL. Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007. Regulamenta o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF. Diário Oficial da União, Brasília, 14 de dezembro de 2007.
BRASIL. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de junho de 2010, retificado em 25 de junho de 2010.
BRASIL, Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966. Institui o Imposto sobre Operações Financeiras, regula a respectiva cobrança, dispõe sobre a aplicação das reservas monetárias oriundas de sua receita, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 24 de outubro de 1966.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, Brasília, 27 de outubro de 1966.
BRASIL. Lei nº 9.701, de 17 de novembro de 1998. Dispõe sobre a base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS devida pelas pessoas jurídicas a que se refere o § 1º do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de novembro de 1998.
BRASIL. Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998. Altera a Legislação Tributária Federal. Diário Oficial da União, Brasília, 28 de novembro de 1998.
BRASIL. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (LEI KANDIR). Diário Oficial da União, Brasília, 16 de novembro de 1996.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no recurso especial: Agrg no resp 421916 RS 2002/0032938-4. Comercial de Eletrodomésticos Pedro Obino Júnior Ltda versus Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Franciulli Netto. Brasília, 14 de junho de 2005. Disponível em http://www.jusbrasil.com.br.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no recurso especial: Agrg no resp 743717 SP 2005/0064874-7. Relator: Ministro Humberto Martins. Brasília, 04 de março de 2008. http://www.jusbrasil.com.br.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação com revisão: Cr 4665335000 SP. Eletrolux do Brasil S.A versus Delegado Regional Tributário de Araguara. Relator: Rubens Rihl. São Paulo, 17 de dezembro de 2008. Disponível em http://www.jusbrasil.com.br.
BORGES, Humberto Bonavides. Planejamento Tributário: IPI, ICMS, ISS e IR. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 408p.
CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 9. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2002. 494p.
DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. 784p.
FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade Tributária. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 384p.
FIPECAFI. Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações: aplicável às demais sociedades. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 569p.
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004. 495p.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2006. 549p.
MARTINS, Eliseu. Contabilidade de custos. 9. ed. São Paulo; Altas, 2003. 370p.
MINAS GERAIS. Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002. Aprova o Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (RICMS). Publicado no “Minas Gerais”, 14 de dezembro de 2002.
MOREIRA, André Mendes. Elisão e evasão fiscal: limites ao planejamento tributário. Disponível em: http://sachacalmon.com.br. Acesso em 18 de dezembro de 2010.
PEIXOTO, Marcelo Magalhães; LACOMBE, Rodrigo Santos Masset, et al. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP Editora, 2005. 1489p.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito Tributário: Elementos de Direito. 8. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2006. 438p.
WARREN, Carl S., REEVE, James M., FESS, Philip E. Contabilidade Gerencial. 2. ed. São Paulo: Thomson Learning, 2008. 587p.
Sites consultados:
https://bcb.gov.br/
http://www.cosif.com.br
http://www.jusbrasil.com.br
http://www.planalto.gov.br
http://www.portaltributario.com.br
http://www.receita.fazenda.gov.br

Informações Sobre o Autor

Rodrigo Pereira Guimarães

Analista do Ministério Público de Minas Gerais bacharel em Ciências Contábeis pela UFMG pós-graduado em Gestão Tributária pela UCAM e em Direito Tributário pelo Ceajufe – Centro de Estudos Jurídicos


logo Âmbito Jurídico