O polo ativo na ação da repetição

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Nos termos do art. 165, do CTN o sujeito passivo tem direito à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento. É uma decorrência do princípio constitucional da legalidade tributária.


O sujeito passivo é o contribuinte, ou o responsável tributário, conforme se trate de pessoa que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, ou se trate de uma pessoa obrigada ao pagamento do tributo por expressa disposição legal, sem revestir a condição de contribuinte (incisos I e II, do parágrafo único, do art. 121, do CTN).


Na ação de repetição as partes devem ser as mesmas da relação de direito material. Apesar da insistência da parcela da doutrina, com eco no Judiciário, no sentido de que o contribuinte de fato, em virtude do disposto no art. 166, do CTN, pode pleitear a repetição de indébito, na realidade, isso não é possível juridicamente. Não há como a Fazenda restituir o indébito a milhões de consumidores que sequer conhece. A repetição há de ser feita exclusivamente ao contribuinte que efetuou o pagamento do tributo indevido, perfeitamente identificado pelo sujeito ativo do tributo.


Contudo, o propósito deste artigo é o de examinar a jurisprudência do STJ que, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, tem sustentado que o consumidor final, principalmente quando se trata de “demanda controlada”, pode questionar judicialmente a exigência do imposto. Nesse caso, é entendimento daquela Corte que o consumidor final é “contribuinte de direito e ao mesmo tempo contribuinte de fato, e portanto, parte legítima para demandar visando a inexigibilidade do ICMS sobre os valores relativos à demanda contratada de energia elétrica” (Resp n° 809.753/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 24-4-2006, p.374). No mesmo sentido: Resp n° 952.834/MG, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 12-9-2007, p. 407; AgRg no Resp n° 797.826/MT, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 21-6-2007, p. 283; Resp n° 1044042/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe, de 31-8-2009). Portanto, esses julgados admitem o consumidor final no pólo ativo da ação de repetição de indébito.


Para bem entender a razão desses acórdãos é preciso atentar para o tratamento específico dispensado à energia elétrica pela Constituição de 1988.


A Carta Magna começa por conferir à energia elétrica, para fins de tributação pelo ICMS, a natureza de mercadoria (§ 3°, do art. 155, da CF) que, na conceituação tradicional, é bem corpóreo objeto de atos de comércio.


Em seguida, dispôs que não incide o ICMS sobre operações que destinem a outros Estados, dentre outros produtos, a energia elétrica (letra b, do inciso X, do § 2°, do art. 155, da CF).


Excepcionando o posicionamento no sentido de que os termos “não incidência” e “isenção” utilizados pelo texto constitucional significa imunidade, que atua no campo de definição de competência tributária, o STF entendeu que a hipótese da letra b, do inciso X, do § 2°, do art. 155 retro referido não é caso de imunidade.


 Do contrário, inconstitucional seria o disposto no inciso III, do § 1°, do art. 2°, da LC n° 87/96 que prescreve a incidência do ICMS “sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo… de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.”


De fato se a saída é imune, a entrada não pode ser tributada, porque uma coisa só sai do território de um Estado quando ela entra no território de outro Estado.


Interpretando esse preceito da Lei Complementar, conjugadamente com a letra b do inciso X, do § 2°, do art. 155 da CF, o STF entendeu que não é caso de imunidade, mas de não incidência, como a própria norma proclama, a fim de beneficiar, não o contribuinte, mas o Estado destinatário (RE n° 358.956-3/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 27-6-2008. No mesmo sentido: RREE ns. 198.088, Rel. Min. Ilmar Galvão, n° 338.681, Rel. Min. Carlos Velloso, n° 201.703, Rel. Min. Moreira Alves, AI n° 749.431-AgRg, Rel. Min. Eros Grau; AI n° 801.149, Rel. Min. Cârmen Lucia).


Nessas condições, o consumidor final, que adquire a energia elétrica de outro Estado, deve pagar integralmente o ICMS devido no Estado destinatário, beneficiário da norma de não incidência tributária. Neste caso, o consumidor final reveste a condição de contribuinte do ICMS nos expressos termos do inciso IV, do parágrafo único, do art. 4° da LC n° 87/96:


“Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, (…)


Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (…)


IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.”


É o único caso em que o consumidor final se posiciona como contribuinte. Essa hipótese não pode ser generalizada para sustentar que o contribuinte de fato, por arcar com o ônus do encargo tributário, é parte legítima para propor ação de repetição de indébito. A legitimidade, nesse caso excepcional não decorre do fato de o consumidor final ter suportado o encargo financeiro do tributo, mas da sua condição de contribuinte do imposto (contribuinte de direito), por expressa definição legal.


Importante assinalar que não existe contribuinte de tributo sem prévia definição legal. E a definição de contribuinte pela lei da entidade tributante há de ser precedida pela definição em caráter de norma geral, conforme art. 146, III, a, da CF.


Por isso, o consumidor final de energia elétrica só reveste a figura de contribuinte em operações interestaduais, conforme, aliás, bem esclarecido ficou no recente no acórdão de relatoria do Min. Herman Benjamin (Resp n° 928875/MT, DJe de 1-7-2010) que serve de parâmetro para desfazer eventuais confusões.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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