Dispõe o art. 150, § 5°, da CF:
“§ 5º – A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.”
Não se trata de mera norma de natureza programática, mas de preceito cogente dirigido ao legislador ordinário.
Além de não implementado esse dispositivo constitucional que, na verdade, estatuiu o princípio da transparência tributária, o legislador ordinário vem elaborando leis cada vez mais confusas, cujos preceitos são eivados do vício da nebulosidade tributária, para ocultar o peso real da incrível carga tributária que recai sobre mercadorias e serviços.
Além do desperdício de tempo, para dar cumprimento a “n” obrigações tributárias, principais e acessórias, os contribuintes pessoas jurídicas devem arcar com os custos de contratação de contabilistas e advogados especializados em Direito Tributário para correta aplicação das normas tributárias que se caracterizam pelo seu dinamismo caótico.
Os consumidores, por sua vez, nunca conseguem visualizar a carga tributária que de fato incidem sobre os preços das mercadorias e dos serviços. É que todos os chamados tributos indiretos são calculados por dentro, isto é, o valor do tributo é adicionado à sua própria base de cálculo fazendo com que o tributo incida por si próprio.
Na chamada tributação por dentro a alíquota do imposto é fixada a partir do preço reajustado pelo montante do seu imposto, pelo que a alíquota real é superior à alíquota legal. No caso do ICMS, por exemplo, a alíquota real é de 21,38% , sendo que a alíquota legal é de 18%. O valor do imposto de 18% consignado, em separado, na nota fiscal não representa o efetivo valor do imposto que está sendo pago. Seu destaque é para mero efeito contábil (crédito de imposto pela entrada e débito do imposto pela saída de mercadoria) a fim de assegurar o princípio constitucional da não-cumulatividade. Caso contrário, não haveria esse destaque em separado, como não há em relação ao ISS, que é imposto cumulativo, mas igualmente cálculo por dentro.
Portanto, esse destaque de 18% do ICMS não cumpre o princípio de transparência tributária, porque oculta a alíquota real que é de 21,38%. O consumidor, na realidade, está arcando com o valor do imposto bem maior do que aquele destacado na nota fiscal. Só que ele não consegue vislumbrar a diferença que fica ocultada.
O único documento que exterioriza o encargo financeiro de cada tributo esclarecendo o consumidor acerca deles é a tradicional conta de energia elétrica. Examinemos a conta abaixo, apresentada em nome de determinado consumidor de energia elétrica, com os destaques dos seguintes elementos:
a) o valor do KWh = R$ 0,29651000
b) a quantidade de KWh consumida = 389,0
c) valor da energia consumida (389,0 x 0,2965100) = 115,34;
d) o valor do PIS/PASEP = 1,79
e) o valor da COFINS = 8,26
f) o valor do ICMS = 41,00
g) o valor da COSIP = 4,17
h) valor total da conta = 171,36
Dessa conta absolutamente transparente é possível verificar que o percentual do ICMS aplicado sobre o valor do consumo de energia elétrica (115,34) corresponde a muito mais que 25% previsto na legislação tributária. Corresponde aos exatos 36,24%. Verifique-se, também, que o valor total da conta (171,36) corresponde em termos percentuais a 48,569% do preço da energia elétrica consumida (115,34), percentual bem superior à soma das alíquotas legais dos diferentes tributos especificados na conta.
Isso fez com que, no passado, milhares de consumidores de energia elétrica questionassem o percentual do ICMS incidentes sobre o valor da energia elétrica consumida. Inúmeros deles ganharam em primeira instância e perderam em segunda instância e vice-versa. Dos julgados desfavoráveis muitos deles não tiveram o mérito examinado, porque o consumidor final não tem legitimidade para contestar o tributo, pois ele não é parte na relação jurídico-tributária que se estabelece unicamente entre a Fazenda e a empresa distribuidora de energia elétrica.
Essas controvérsias bem demonstram a complexidade da tributação por dentro adotada pela nossa legislação tributária. Embora não haja preceito constitucional expresso proibindo a tributação por dentro, o principio da transparência tributária, certamente, não autoriza tal prática legislativa. Tanto é que o projeto de Reforma Tributária prevê, de forma expressa, a inclusão na base de cálculo de tributos o valor do próprio tributo constitucionalizando uma prática, que, hoje, não tem amparo constitucional. Porém, o STF já decidiu que a tributação por dentro é constitucional.
Pacificada, na jurisprudência a legalidade e constitucionalidade da tributação por dentro do ICMS incidente no consumo de energia elétrica, bem como a falta de legitimidade do consumidor de buscar a repetição de indébito, agora, está sendo questionado o chamado repasse dos valores de outros tributos incidentes sobre a venda de energia elétrica (COFINS, PIS e COSIP).
Na verdade, isso acontece com todos os tributos indiretos, cujos valores entram na composição de preços de mercadorias e serviços. E maios, a base de cálculo do ICMS inclui-se o valor do próprio ICMS e o valor de outros tributos incidentes sobre o consumo de energia elétrica. E no valor da COFINS inclui-se o valor da própria contribuição social e o valor do ICMS e outros tributos incidentes.
O STF, atualmente, discute a exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS. Se a tese da exclusão estiver correta haverá de excluir, também, o valor de outros tributos. Em outras palavras, nenhum tributo poderá ter na sua base de cálculo o valor do próprio tributo e o valor de outros tributos.
Na verdade, a legislação tributária em vigor conduz a essa tributação em cascata sem que o consumidor saiba seus efeitos reais. A única hipótese em que a Constituição expressamente proíbe essa tributação em cascata é a da operação realizada entre os contribuintes do ICMS e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, quando, então, o montante do IPI deverá ser excluído da base de cálculo do ICMS (inciso XI, do § 2°, do art. 155, da CF).
A tributação em cascata (um tributo incidindo sobre o valor de outro tributo) é generalizada. Contudo, apenas em relação a conta de consumo de energia elétrica essa tributação odiosa aparece com clareza, gerando contestações no Judiciário. É o preço da transparência tributária. Daí porque o governo gosta de investir em instrumentos tributários cada vez mais complexos, confusos e nebulosos.
No nosso entender a propositura de ação judicial contra a empresa concessionária energia elétrica para ver excluído da conta os valores das contribuições sociais não pode prosperar a menos que se comprove que o preço cobrado, incluindo os custos com os tributos indiretos, está acima da tarifa estabelecida pelo poder público concedente. A exclusão do valor das contribuições sociais, que integra o preço da energia elétrica fornecida, levaria ao rompimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, a ensejar a recomposição do valor da tarifa.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.