Resumo: Os doutrinadores defendem a aplicação do princípio da anterioridade (não surpresa) ao que concerne a revogação das isenções tributárias. Entretanto, tal entendimento não é adotado pelo STF, que decide em sentido completamente oposto, uma vez que, para o referido Órgão, a revogação de norma isentiva não caracteriza instituição ou majoração de tributo e sim um retorno a situação a quo existente entre o contribuinte e o Fisco. Portanto, referido artigo tem intuito de esclarecer a possibilidade da aplicação do princípio relacionado à matéria em tela.
Palavras-chave: Princípio da Anterioridade; Isenção; Tributo.
Abstract: The writers say that the principle of anteriority is applied about the revocation of the tax exemptions. However, this understanding its not used by the STF, that decides in opposite sense, once that the revocations of a exemption’s law doesn’t characterizes the institution or increase of tax, but, just, the regress to a quo situation between the State and the taxpayer. So, the present article has the objective of explain the possibility of application about the principle related to the case topic.
Keywords: Principle of Anteriority; Exemption; Tax.
Sumário: Introdução. 1. Princípio da Anterioridade Tributária. 1.1. O Princípio da anterioridade tributária comum. 1.2. O Princípio da anterioridade nonagesimal. 1.3. Exceções ao princípio da anterioridade. 2. Isenções. 2.1. Isenções e Imunidades. 2.2 Isenções e não incidência. 3. Aplicação do princípio da anterioridade sobre as isenções legais. 3.1. Revogação das isenções e o princípio da anterioridade na ótica da doutrina. 3.2. A revogação das isenções e a aplicação do princípio da anterioridade na ótica da jurisprudência. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
É necessário estabelecer limitações ao poder de tributação do Estado, de modo a evitar, ou ao menos diminuir a prática de abusos por este. Diante de tal motivo surgem os princípios constitucionais tributários, previstos na Constituição Federal nos artigos 150, a 152. Dentre eles, destacamos o princípio da anterioridade tributária, também conhecido como não surpresa ao contribuinte, trata-se de inequívoca garantia individual do contribuinte, que, uma vez violada, produzirá inconstitucionalidade do ato.
O princípio da anterioridade se divide em dois, a anterioridade anual, presente no texto constitucional, desde sua criação, no artigo 150, inciso III, b; e a anterioridade nonagesimal (noventena), presente no artigo 150, inciso III, c, que teve sua inserção por meio da Emenda Constitucional 42/2003. A primeira determina que os Entes tributantes não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei majoradora ou instituidora do tributo. Entretanto, tal instituto tinha grande falha, uma vez que um tributo era criado nos últimos dias do ano, podendo entrar em vigor já no ano seguinte. Diante diss, tornou-se necessária a criação da anterioridade nonagesimal, a qual veda a cobrança de tributos antes de decorridos 90 (noventa) dias da data que tenha sido publicada a lei instituidora ou majoradora do tributo.
Entende-se isenção como mera dispensa legal de pagamento de determinado tributo devido. Na situação ocorre o fato gerador, entretanto, o legislador, por meio de expressa disposição, autoriza a dispensa do pagamento, bem como da cobrança do tributo. É uma das espécies de exclusão do crédito tributário, podendo ocorrer por tempo determinado ou indeterminado, de forma ser possível, ainda, sua revogação, a qualquer tempo.
Muito é indagado se a revogação de uma isenção acarreta efeitos imediatos para o contribuinte, ou seja, se o princípio da anterioridade deverá ser observado ao que concerne os efeitos da revogação de determinada isenção, que beneficiava o contribuinte. Podemos analisar de duas óticas: isenção temporária (tempo determinado) e na sem tempo determinado, ocasionando interpretação diversa para cada caso, conforme será observado.
1 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso III, alíneas b e c, prevê tal instituto principiológico. Resta evidenciado que as duas alíenas dispõe sobre um intervalo de tempo que deve ser observado no intermedio da data instituidora ou majoradora e a data de cobrança do tributo.
Entretanto, faz-se mister ressaltar que, caso a lei beneficie o contribuinte, não haverá de observar o referido principio uma vez que este é utilizado em benefício ao contribuinte, sendo vedada a utilização em seu detrimento. Portanto, caso a lei ocasione a extinção, reduza o valor do tributo, mitigue-lhe uma aliquota, conceda uma isenção ou, aumente o prazo para pagamento do tributo, sem provocar onerosidade ao sujeito passivo, deverá produzir efeitos imediatos, não sendo necessária obediencia ao princípio da não-surpresa.
Hugo de Brito Machado afirma que “os princípios constitucionais foram construidos para proteger o cidadão contra o Estado(…) Assim, o principio da anterioridade, como os demais princípios constitucionais em geral, nao impedem a vigencia imediata da norma mais favorável ao contribuinte.” Portanto, não resta dúvidas que, conforme exposto, o princípio em tela somente deverá ser utilizado de forma a beneficiar o o contribuinte integrante da obrigação tributária.
1.1 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE COMUM (ART. 150, III, b, CF)
O princípio da anterioridade comum dispõe que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal não podem exigir tributos no mesmo exércício financeiro em que tenha sido publicada a lei que agrava o ônus ao contribuinte. Deve-se entender exercício financeiro como ano fiscal. Entretanto, no Brasil, ele coincide com o ano civil, conforme a Lei 4320/1964.
A anterioridade anual existe desde a Constituição de 1988, sendo a única até o advento da Emenda Constitucional n. 42/2003. Ocorre uma postergação da eficácia da lei tributária para o primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao daquele que tenha ocorrido a publicação que institui ou majora a exação tributária. Portanto, o legislador não veda a criação ou majoração do tributo a qualquer tempo, entretanto, determina que a eficácia da lei será suspensa até o início do exercício financeiro seguinte.
1.2 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL (ART. 150, III, c, CF)
É notável que o a Emenda Constitucional n. 42/2003 acrescentou mais uma garantia ao contribuinte, no tocante ao princípio da anterioridade. Passou a vedar-se a cobrança de tributos antes de decorridos o prazo mínimo de 90 (noventa) dias da data que tenha sido publicada a lei que institúi ou majora o tributo.
Ressalta-se que tal princípio deve ser observado em consonância com a anterioridade comum, existindo uma aplicação cumulativa, garantindo uma maior segurança ao contribuinte contra uma tributação indevida.
1.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
O artigo 150, §1º, da Constituição Federal determina as exceções ao princípio da anterioridade.
Não se sujeitam tanto a anterioridade anual como a nonagesimal os impostos de importação e exportação, o imposto sobre operações fiscais e o extraordinário de guerra, além do empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência.
Sujeitam-se apenas a anterioridade nonagesimal o imposto de produtos industrializados, a CIDE combustíveis e a base de cálculo do ICMS sobre combustíveis. E apenas a anterioridade anual a base de cálculo do imposto de renda e as fixações da base de cálculo do IPTU e do IPVA.
Mais uma vez há de se ressaltar que, caso o tributo seja minorado, ou traga outros benefícios ao contribuinte, tal lei não deverá observar o princípio da anterioridade, pois não trará prejuízo algum ao contribuinte, pelo contrário, restará caracterizado como um benefício.
2 ISENÇÕES
O instituto da isenção constitui uma dispensa legal de pagamento de tributo devido, verificando-se uma situação na qual há a incidencia, uma vez que ocorre o fato gerador, entretanto, o legislador, através de lei, expressamente, dispensou o contribuinte do pagamento do imposto,
Trata-se de, junto da anistia, modalidade de exclusão de crédito tributário. É uma dispensa legal de pagamento de tributo, devendo a lei, inicialmente prever as situações nas quais é devido o tributo e só depois, uma lei isentiva criará obstáculos para a constituição do crédito tributário.
Oportuno, ainda, destacar que a isenção configura tratamento diferenciado entre pessoas, coisas e situações. É normal que a norma exonerativa estipule tratamentos diferenciados, sem que configure vício de inconstitucionalidade, haja vista o interesse público o qual é visado.
Hudo de Brito Machado (2010, p. 40-41), em sua obra, transcorre acerca do assunto:
“Em se tratando de imposto cujo fato gerador não seja necessariamente um indicador de capacidade contributiva do contribuinte, a lei que concede isenção certamente não será inconstitucional, já que não fere o princípio em estudo. Em se tratando, porém, de imposto sobre o patrimônio, ou sobre a renda, cujo contribuinte é precisamente aquele que se revela possuidor de riqueza, ou de renda, aí nos parece que a isenção lesa o dispositivo constitucional que alberga o princípio em referência.”
A isenção pode ser concedida de forma geral ou específica. A primeira decorre do fato que o benefício atinge a generalidade dos contribuintes, independente de características pessoais e particulare.. A segunda, por sua vez, decorre de restrição de benefício às pessoas quando observam e obedecem determinados requisistos, de modo que a sua fruição estará condicionada de requerimento à Administração Tributária, necessitando, ainda, da comprovação de cumprimento dos pressupostos legais, conforme determina a redação do artigo 179 do Código Tributário Nacional.
Portanto, as isenções podem ser concedidas por tempo determinado, de forma específica, o que gera direito adquirido sendo feito através de lei isentiva a qual estipulará prazo e condições para sua concessão, e por tempo indeterminado, de forma geral, situação em que a lei não estipula prazo determinado, não ocorrendo a geração de direitos adquiridos.
2.1 ISENÇÕES E IMUNIDADES
Muito se confundem as isenções com a imunidade. Ocorre que na isenção, conforme já anteriormente explicado, materializa-se realização do fato gerador, entretanto, o legislador, obedecendo o princípio da legalidade, afasta a cobrança do tributo, concedendo um benefício fiscal ao contribuinte.
A imunidade, de forma diversa, ocorre quando a Constituição Federal afasta a ocorrência do fato gerador do tributo. Nessa situação, não é uma lei ordinária que afasta a cobrança do tributo, e sim a Norma Suprema que torna inexistente o fato gerador, impossibilitando, por consequência, a cobrança. Portanto, apesar do contribuinte praticar situação a qual, em outras ocasiões configuraria a hipótese de incidência do tributo, não haverá a realização do fato gerador. De forma diversa ocorre nas isenções, onde somente a cobrança é afastada.
2.2 ISENÇÕES E NÃO INCIDÊNCIA
O conceito de não incidência significa a não ocorrência do fato gerador, ou seja, o sujeito passivo não pratica a hipótese de incidência da obrigação tributária, de forma que não há o que ensejar a cobrança de tributo.
Preceitua Luciano Amaro (2010, p. 245):
“Quando se fala de incidência (ou melhor, de incidência de tributo), deve-se ter em conta, portanto, o campo ocupado pelos fatos que, por refletirem a hipótese de incidência do tributo legalmente definida, geram obrigações de recolher tributos. Fora desse campo, não se pode falar de incidência de tributo, mas apenas da incidência de normas de imunidade, da incidência de normas de isenção etc.”
Portanto, o conceito de nao incidência diferencia-se da isenção pois na primeira o contribuinte não pratica o fato gerador, enquanto na última existe a prática, entretanto, a lei, de forma expressa, afasta a incidência da cobrança do tributo.
3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE SOBRE AS ISENÇÕES LEGAIS
Muito se discute acerca da aplicação do princípio da anterioridade sobre a revogação das isenções. Doutrina e jurisprudência não conseguem chegar a uma posição consonante, havendo grande divergência nas opiniões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal e no disposto pelos autores doutrinários.
As decisões divergem ao que concerne a natureza das isenções, e se, no caso de revogação, seria necessário a agravação do ônus tributário para que o princípio podesse ser aplicado, tendo sua eficácia garantida. Ainda perante o tema, a doutrina indaga se tal institúto deveria sujeitar-se as duas anterioridas, ou somente a anual.
3.1 REVOGAÇÃO DE ISENÇÕES E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA ÓTICA DA DOUTRINA
Conforme anteriormente exposto, as isenções tributárias podem ser condicionadas, concedidas com prazo determinado e sob determinadas condições, e incondicionadas, sem prazo determinado.
No que concerne as isenções tributárias condicionadas o entendimento, tanto doutrinário como jurisprudencial, é consolidado ao atribuir direito adquirido para a fruição do benefício, não podendo uma lei posterior revogar a isenção e prejudicar o contribuinte, retirando-lhe seu direito líquido e certo, anteriormente concedido.
A doutrina majoritária concorda que a revogação de norma concedente do benefício isentivo se equivale a uma norma de incidencia. Diante disso, diversos doutrinadores defendem que a revogação da isenção deve obedecer aos princípios tributários.
Paulo de Barros Carvalho compartilha do entendimento que a revogação da isenção deve observar o disposto no artigo 104, inciso III do CTN:
“Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:
I – que instituem ou majoram tais impostos;
II – que definem novas hipóteses de incidência;
III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.” (grifo nosso)
Portanto, a redução ou extinção da isenção deveria produzir seus efeitos somente no exercício financeiro seguinte, ou seja, devendo obediência ao princípio da anterioridade anual.
Do mesmo entendimento compartilha Hugo de Brito Machado (2010, p. 251):
“A revogação de uma lei que concede isenção equivale á criação de tributo. Por isso deve ser observado o princípio da anterioridade da lei, assegurado pelo art. 150, inciso III, letra “b”, da Constituição Federal (…) a irrevogabilidade da isenção passou a depender dos dois requisitos, isto é, de ser por prazo certo e em função de determinada condições.
Roque Antonio Carrazza (2009, p. 198) reforça a a corrente doutrinária que adota tal teoria, senão vejamos:
“Outra postura colocaria o contribuinte sob a guarda da insegurança, ensejando a instalação do império da surpresa nas relações entre ele e o Estado. Ao grado de interesses passageiros seria possível afugentar a lealdade da ação estatal, contrariando o regime de direito público e o próprio princípio republicano, que a anterioridade reafirma.
Por outro lado, em corrente minoritária, Luis Emygidio defende que a concessão de isenção não faz surgir uma obrigação tributária. A lei isentiva, portanto, suspende a eficácia da norma impositiva tributante. De tal forma, a revogação da lei isentiva gera, imediatamente, a eficácia da lei de incidência.
Portanto, poucos são os doutrinadores os quais opinam acerca de que a revogação da isenção não deverá observar o princípio na anterioridade tributária, sendo majoritária a corrente que defende a aplicação do princípio, como forma de evitar uma “surpresa desagradável” ao contribuinte.
3.2 A REVOGAÇÃO DAS ISENÇÕES E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA ÓTICA DA JURISPRUDÊNCIA
Tratando-se de revogação de insenções temporárias o Supremo pacificou jurisprudência em relação à geração de direito adquirido, portanto, seria necessário respeitar o período concedido, mesmo que revogada a norma de isenção.
Não oportuno, foi editada a Súmula 544 do STF, reforçando a idéia em tela, concedendo a segurança jurídica: “Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.”
Entretanto, ao que concerne as isenções concedidas por tempo indeterminado, o Supremo Tribunal Federal posiciona-se, atualmente, entendendo que a revogação de uma norma isentiva nao constitui majoração ou criação de tributo, sendo apenas a extinção de um incentivo fiscal concedido à alguem.
Desta via, o tributo volta a ser exigido de forma imediata, uma vez que não houve prejuízo ao contribuinte e sim o retorno ao status “a quo”. Assim decidiu o Tribunal Regional Federal, 5ª região:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RAZÃO DE NÃO RECOLHIMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS. IRRETROATIVIDADE DA LEI. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A sentença recorrida extinguiu o processo sem julgamento de mérito em razão do não recolhimento das custas (fls. 59/61). 2. O art. 9o., da Lei 6.032/74 isentava do pagamento de custas, entre outros, a União, os Estados, Municípios e respectivas autarquias; a Lei 9.289/96, revogadora daquele diploma normativo, afastou expressamente, em seu art. 4o, Parágrafo Único, as entidades fiscalizadoras do exercício profissional da referida isenção. 3. O STF já decidiu que, revogada a isenção, o tributo se torna imediatamente exigível, não havendo que se observar o princípio da anterioridade, por se tratar de tributação já existente (RE 204.062-2-ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 19.12.96). 4. No caso dos autos, observa-se que a Execução Fiscal foi protocolada em 25.06.96 e a Lei 9.289, revogadora da isenção, é de 04.07.96 (DOU 05.07.96), impossibilitando que seus efeitos incidam sobre atos processuais que lhes são anteriores, neste sentido: TRF5, AC 416.903-CE, Rel. Des. Federal FREDERICO PINTO AZEVEDO, DJ 19.11.07, p. 436. 5. Apelação provida para reformar a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento da Execução Fiscal”. (grifo nosso)
No mesmo sentido se posiciona Tribunal Regional da 2ª Região:
“TRIBUTÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. APELAÇÃO. A ENTIDADE COOPERATIVA, AO PRESTAR SERVIÇOS A SEUS ASSOCIADOS, SEM INTERESSE NEGOCIAL, OU FIM LUCRATIVO, GOZA DE COMPLETA ISENÇÃO. STF FIRMOU ENTENDIMENTO DE QUE A CONTAGEM DO PRAZO NONAGESIMAL TEM INÍCIO A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA PRIMEIRA MEDIDA PROVISÓRIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL NO PRESENTE CASO. NEGADO PROVIMENTO À REMESSA EX OFFICIO E À APELAÇÃO.
1. Cuida-se de remessa necessária e apelação cível interposta pela UNIÃO em face de COOPERATIVA EDUCACIONAL DOS ASSOCIADOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO – COOPEDUC, objetivando reformar a sentença de fls. 148/159, que concedeu, em parte, a segurança pleiteada na inicial nesta ação mandamental, para declarar, como ilegal, a revogação da isenção conferida pela LC n. 70/91, apenas durante o período de anterioridade nonagesimal, não respeitado pela MP n. 1.858-6/99. 2 […] 11. A anterioridade nonagesimal, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição da República, em regra, constitui limitação ao poder de tributar, incidindo tão-somente nos casos de instituição e modificação (ou majoração) de contribuições sociais. Na linha desse entendimento, quando ocorre isenção, há a incidência do tributo, está manifesto o fato gerador, instaura-se a relação jurídico-tributária, nasce a obrigação tributária, sendo assim devido o tributo; porém, por disposição legal, a parte contribuinte é dispensada do pagamento. 12. Nesse contexto, se considerar que, na isenção, ocorre mera dispensa do pagamento do tributo, a sua revogação não importa na instituição ou majoração do tributo, o que, a teor do art. 195, § 6º, da Constituição da República, ensejaria a aplicação da anterioridade em questão. Revogada a isenção, restabelece-se imediatamente a obrigação tributária, não incidindo assim a regra da anterioridade nonagesimal. 13. O c. Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 204.062-2/ES, na Relatoria do Min. Carlos Velloso, já havia decidido nesse sentido, aduzindo que, revogada a isenção, o tributo se tornaria imediatamente exigível, não havendo que se observar o princípio da anterioridade, por se tratar de tributação já existente. 14. De outra banda, o Plenário daquela Corte Suprema, no julgamento do RE 232896/PA, na Relatoria do também Ministro Carlos Velloso, firmou posicionamento no sentido de que a contagem do prazo nonagesimal tem início a partir da publicação da primeira medida provisória, posicionamento este adotado pelo c. Superior Tribunal de Justiça e pelos tribunais regionais federais. 15. No caso dos autos, a MP n. 1.858-6, de 29 de julho de 1999, em seu art. 23, II, a, revogou os incisos I e II do art. 6º da LC n. 70/91, determinando que a revogação se daria a partir de 30 de junho de 1999. 16. Adotando o novo posicionamento do e. STF, resta claro que houve sim ofensa ao princípio da anterioridade nonagesimal. Ora, a referida norma que revoga a isenção foi publicada em 29 de junho de 1999, sendo certo que, nos meses de julho, agosto e setembro/1999, ainda incidiria a norma de isenção dos incisos I e III do art. 6º da LC n. 70/91. 17. Remessa necessária e apelação a que se nega provimento.” (grifo nosso)
Portanto, a jurisprudencia segue o entendimento da teoria clássica, entendendo que a isenção seria a dispensa legal do pagamento do tributo, nao afastando sua incidência e a obrigação tributária, mas simplesmente a cobrança. De forma que, uma vez revogada, nada obsta a imediata cobrança do tributo antes isento, já que a obrigação tributária não restou impedida em qualquer momento.
É necessário, ainda, destacar a Súmula 615 do Supremo Tribunal Federal: “O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do artigo 153 da Constituição Federal) não se aplica à revogação de isenção do Imposto de Circulação de Mercadorias”. Portanto, aplicando a nalogia e a inteligencia da Súmula em referencia, nao há divergencia quanto a isenção e o princípio da anterioridade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que existem diversos entendimentos doutrinários acerca do assunto. Entretanto a maior parte dos autores é solidária à idéia de que o princípio da anterioridade deve incidir sobre as revogações de normas isentivas, aguardando, ao menos, o exercício financeiro seguinte.
Em sentido completamente oposto, o Supremo Tribunal Federal posiciona-se, atualmente. Segundo este, não há que se aplicar o referido princípio sobre a isenção revogada, podendo o tributo ser cobrado de imediato, sem respeitar a anterioridade anual ou nonagesimal. Inclusive tornando o assunto objeto de Súmulas, conforme as de número 544 e 615.
Alguns doutrinadores entendem que as referidas súmulas referem-se ao imposto sobre circulação de mercadorias, não havendo qualquer incompatibilidade com o presente no artigo 104, inciso III, do Código Tributário Nacional. Entretanto, o próprio Supremo Tribunal Federal entende que o referido artigo caiu em desuso, não devendo ser aplicado ao ordenamento jurídico brasileiro.
Todo questionamento da aplicação do princípio decorre da teoria sobre a natureza da isenção tributária. De um lado, a teoria clássica a qual sustenta ser a isenção uma mera dispensa legal do pagamento de tributo, ocorrendo a obrigação tributária. Do outro, a teoria contemporânea, sustentando que a lei isentiva impede a ocorrência do fato gerador, de modo que a revogação da lei isentiva incondicionada equivaleria-se a revogação de lei impositiva, criando ou majorando os tributos. Nesse sentido, portanto, deveria ser observado o princípio da não surpresa.
Por ser considerado um direito ao contribuinte, garantindo a chamada segurança jurídica, nos parece ser mais justo a adoção da corrente contemporânea.
Se o contribuinte encontra-se isento de pagar determinado tributo, certamente estará aplicando as verbas economizadas em outra operação. Quando ocorre a revogação da isenção a ele concedida, nada parece ser mais correto que a observância, mínima, de noventa dias, para o, ate então, beneficiado, se planejar para ter seu custo onerado. Um exemplo seria o caso de um comerciante ao qual é concedido, através de lei, isenção de determinado imposto, por tempo indeterminado. Por este motivo, ele aplicaria todo o dinheiro economizado com a não cobrança do imposto em ampliação de sua loja, não devendo ser simplesmente supreendido com a revogação da isenção e o consequente pagamento do tributo, sem um mínimo prazo para planejar-se. Sendo necessário, portanto, que seja respeitado, ao mínimo, a anterioridade nonegesimal, por caracterizar claro gravame tributário, contrariando as limitações ao poder de tributar, trazidas pela Constituição Federal.
Parece, então, ser mais adequado aos valores previstos na Carta Magna, o entendimento da observância a anterioridade tributária ao que concerne a revogação das isenções, evitando uma surpresa que agrave o ônus do contribuinte, objetivo principal do princípio, e disponibilizando-o um prazo mínimo para programar-se possibilitando, novamente, a exação tributária, de forma que pudesse suportar, sem grandes prejuízos, o ônus trazido pelo tributo.
Informações Sobre o Autor
Roberto Henrique Girão
Graduado do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduando em Direito e Processo Tributário pela Universidade de Fortaleza. Advogado Associado ao Escritório Nelson Willians e Advogados Associados. Professor do Curso preparatório para a OAB no Curso Juris Fortaleza-CE