O principio da dignidade da pessoa humana nas constituições do Brasil

Resumo: O estudo é uma analise resumida das constituições da República Federativa do Brasil, onde se busca demonstrar a presença do conceito da dignidade da pessoa humana como fundamento maior da Carta Magna, conferindo a esta maior ou menor valoração das garantias individuais, sempre de acordo com a amplitude dado ao referido conceito o qual se vislumbra numa construção histórica dentro das constituições apresentadas. A abordagem metodológica é livre e exploratória sobre a temática apresentada e do tipo bibliográfica com a citação de autores e legislações pertinentes. Concluindo-se que o conceito da dignidade da pessoa humana nasce no seio social no respeito de um para com o outro, sem preconceitos ou crédulo, sendo um valor absoluto desenvolvido no campo da moral tendo por bem maior proteger o ser humano contra qualquer forma de desprezo.[1]


Palavras-chave: Constituições. Conceito da Dignidade da Pessoa Humana. Respeito.


Abstract: The study isabriefanalysisof the constitutionsof the Federative Republicof Brazil, where he seeks to demonstratethe presenceof the concept ofhuman dignityas the foundationofmostMagnaCharter, giving ithigher or lowervaluationof theindividual guarantees, all in accordance with theamplitudegiven tothis conceptwhich isseen during anhistoric buildingwithin theconstitutionspresented.The methodological approach isexploratoryandopenabout the issuepresentedand the typeofbibliographiccitationwithauthors andrelevant laws.It was concluded thatthe concept ofhuman dignityis bornwithinaboutasocialto each otherwithout prejudice orgullible,beinganabsolute valuedeveloped inthe field of moralsbyhavingmuch largerprotect humansagainst any form ofcontempt.


Keyword: Constitutions. Concept of Human Dignity. Respect.


1. INTRODUÇÃO


O principio da dignidade da pessoa humana, como um atributo de toda pessoa humana, é um valor em si absoluto, sendo fundamental para a ordem jurídica, pois, como o fundamento dos direitos humanos é também a condição prévia para o reconhecimento de todos os demais direitos, devendo sua presença na Carta Magna ser uma condição “sinequa non” para a validade do contrato social, tudo pelo motivo de ser este princípio fundado no respeito mútuo entre os seres humanos e ser esta a condição mínima para a existência dos nichos sociais, sendo assim sempre ocupou um lugar de destaque no pensamento filosófico, político e jurídico, inclusive tendo sido positivado por inúmeras constituições.


A República Federativa do Brasil em comparação aos Países do velho mundo, ainda, é uma nação em construção que labuta na resolução de suas necessidades essenciais, este Grande País desde sua primeira Carta em 1824 tem trazido a tonante do principio da dignidade da pessoa humana à suas paginas, mas como o conceito da dignidade da pessoa humana é histórico e em termos sofre uma construção através do tempo e, por conseguinte as oito Constituições Brasileiras não foram unissas na sua valoração.


Assim em nosso trabalho estamos analisando, de forma resumida, as constituições do Brasil desde a primeira em 1824 até a atual de 1988, observando a valoração do Conceito da Dignidade da Pessoa Humana em suas paginas.


2. CONCEITO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


O conceito da dignidade da pessoa humana é antes de tudo um conceito histórico é construído através das intempéries do tempo, daí suje logo a ideia de que o conceito usado hoje pode não ser mais útil amanhã, pois, o que se conceitua não é uma formula de “bolo” e sim um padrão que se dá naquele instante, dentro daquilo que o grupo social elege como o moralmente “correto”, é, pois na eleição dos valores que emergem dos nichos que se constrói o conceito da dignidade da pessoa humana, e quando os grupos sociais por motivos equacionados em si elegem outros “valores” há uma nova construção no conceito, o que por sua vez pode influir em mais (ou não) liberdade social.


Quanto à construção histórica do conceito da dignidade da pessoa humana, comumente é atribuída a Immanuel Kant, o prelúdio do principio da dignidade humana. Na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos declara o filosofo:


“Age de tal forma que possas usar a humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. (KANT, 2008, p.59)


Fica então evidenciado que todo ser humano tem o direito de ser tratado de forma igual e de forma fraterna e mais todo ser humano tem um direito legitimo ao respeito de seus semelhantes, para reforçar temos outro ponto iniciático do filosofo ao afirmar que:


“No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo o preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 2008, p.65)


Sendo é um princípio construído pela história tem buscado como bem maior proteger o ser humano contra qualquer forma de desprezo observando a declaração de Kant: […] Mas o homem não é uma coisa. (KANT, 2008, p.60)


A partir desta ideia passamos também a reconhecer que ao ser humano não se pode atribuir valor ou preço, pois o ser humano em virtude tão somente de sua condição meramente biológica, gênero humano, e independentemente de qualquer outra circunstância, é possuidor de dignidade, isso de via unilateral, sendo então segundo a concepção do direito moderno “igual” aos seus demais diante da lei.


Logo é todo ser humano titular de direitos, ainda que o mesmo não os defenda ou não os reconheça em si, devendo estes direitos serem reconhecidos e respeitados por nós seus semelhantes e pelo estado, pois, cabe a este último a tarefa de garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, o qual se faz através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Como bem fez a Constituição Federal de 1988:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:


I – a soberania;


II – a cidadania;


III – a dignidade da pessoa humana;


IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” (BRASIL, 1988,grifo nosso)


Infere-se então que o conceito da dignidade da pessoa humana é em sua essência complexo, desenvolvido numa diversidade de valores existentes na sociedade. Desta forma procurou o Professor Ingo Wolfgang Sarlet conceituar a dignidade da pessoa humana num prisma jurídico:


“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (SARLET, 2007, p.62)


De outra forma buscou a Professora Maria Helena Diniz conceituar a dignidade da pessoa humana tendo por moldura o direito de família, pois, ela bem observou a necessidade de se buscar garantir o pleno desenvolvimento dos anseios e interesses afetivos dos membros familiares, através garantia da assistência educacional aos filhos, com o objetivo fim de manter a família perene e feliz:


“É preciso acatar as causas da transformação do direito de família, visto que são irreversíveis, procurando atenuar seus excessos, apontando soluções viáveis para que a prole possa ter pleno desenvolvimento educacional e para que os consortes ou conviventes tenham uma relação firme, que integre respeito, tolerância, diálogo, troca enriquecedora de experiência de vida etc.” (DINIZ, 2007, p.18)


Conceituamos então a dignidade da pessoa humana como um valor em si, revelado pela moral, que é próprio do gênero humano não coexistindo com preconceitos, sendo ainda, independente de crédulo ou confissão. Deve ser tal o fundamento do Estado Democrático.


Vale ressaltar a lição do Professor Fernando Capez:


“Qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana, será materialmente inconstitucional, posto que atentória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado”. (CAPEZ, 2009, p.07)


Só nos resta concluirmos com a bela lição de Kant:


“só poderemos esperar pela paz universal quando os monarcas e ditadores, que se consideram os possuidores únicos do Estado, forem coisa do passado, quando cada homem em cada país, for respeitado com fim absoluto em si mesmo, e quando as nações aprenderem que é um crime contra a dignidade humana cada homem utilizá-lo como simples instrumento para lucro de outro homem”. (KANT, 2008, p.38)


3 BREVE RESUMO DAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL


3.1 Constituição política do Império do Brazil de 25 de março de 1824.


A primeira constituição do Brasil foi gerada de forma conturbada, como alias ainda é a política pátria, ora logo após a Proclamação da Independência do Brasil, ocorrida a sete de setembro de 1822, começaram, de forma bastante instável, entre Radicais e Conservadores, os trabalhos da assembleia constituinte.


No dia três de maio de 1823, o Imperador Dom Pedro I, como era tradição, discursou sobre o que esperava dos legisladores, então logo se instalou um impasse, pois, a base da constituinte era o Partido Brasileiro, formado por latifundiários e escravistas, que tinha orientação liberal-democrata, cujo objetivo fim era delimitar os poderes do Imperador e discriminar os Portugueses, e ainda, criar uma monarquia que respeitasse os direitos individuais. Porém Dom Pedro I queria ter poder sobre a legislação através do voto.


Então no dia 12 de novembro de 1823 Dom Pedro I, já decidido a não curvar-se aos liberais democratas, resolveu determinar que o Exército invadisse a Sessão Plenária, prendendo e exilando diversos deputados, este episódio ficou conhecido como “A Noite da Agonia”.


Após aquela arbitrariedade, o imperador reuniu dez cidadãos da sua inteira confiança, pertencentes ao partido português, formando assim um conselho de estado, criado unicamente com a finalidade de aprovar o projeto Imperial.


Assim foi gerada a constituição de 1824, que permanece como a de maior longevidade em nossa historia, talvez não por ser a primeira, mas, sim pelo fato de ter sido outorgada por Dom Pedro I, sendo a lei máxima vigente durante o império, caindo apenas quando da proclamação da República.


O Professor Marcelo Alexandrino nos ensina que a constituição Imperial foi de suma importância para a unidade nacional, que por sua vez deu ao Brasil sua forma continental:


“A constituição de 1824 deu forma unitária ao Brasil, dividido em províncias, com forte centralização político-administrativa. Em razão dessa característica, evitou a fragmentação de nosso território”. (ALEXANDRINO, 2007, p.27)


As principais características da Carta de 1924 são:


1) Logo se observa o nome do País em seu “Art. 1. O IMPERIO do Brazil…”, forma grafada com Z que perdurou por todo o império.


2) Em seu breve preâmbulo lê-se “EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE”, o que mostra a influencia religiosa advinda da colonização, algo repedido em seu Artigo 5º:


“Art. 5. A Religião CatholicaApostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.” (BRASIL, constituição, 1824, Art.5º)


A falta de liberdade religiosa era tamanha que até os cargos públicos eram precedidos em juramento a manutenção da religião oficial:


Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se: […]


III. Os que não professarem a Religião do Estado.[…]


Art. 103. 0 Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião CatholicaApostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio; observar, e fazer observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e mais Leis do Imperio, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber.


Art. 106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião CatholicaApostolica Romana, observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador.


Art. 14I. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de – manter a Religião CatholicaApostolica Romana; observar a Constituição, e às Leis; ser fieis ao Imperador; aconselhal-o segundo suas consciencias, attendendosómente ao bem da Nação.” (BRASIL, constituição, 1824, Arts. 95,III, 103, 106, 141, grifo nosso)


Nem mesmo os direitos civis estavam livres da religião oficial:


Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte: […]


V. Ninguempóde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.” (BRASIL, constituição, 1824, Art.179,V, grifo nosso))


3) Quanto à divisão dos poderes propugnados por Montesquieu, os quais são Legislativo, Executivo e Judiciário, acrescentou o Imperador o Poder Moderador com a finalidade de concentrar o império em suas mãos, como observa o Professor Celso Bastos:


“(o poder moderar) se utilizado por um monarca com inclinações autoritárias, levaria a um poder quase absoluto.” (BASTOS, 1999, p.112)


4) Quanto a sua estabilidade era classificada como Semirrígida, pois, limitava o seu poder ao que fosse constitucional tudo que não fosse constitucional poderia ser alterado pelas legislaturas ordinárias, ademais o Art. 178 só exigia um processo especial para sua modificação de parte do seu texto que o constituinte entendeu conter disposições substancialmente constitucionais, já para a modificação de todas as outras disposições, só formalmente constitucionais, podia se dar mediante processo legislativo simples, igual ao de elaboração das leis.


“Art. 178. E’ só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias.” (BRASIL, constituição, Art.178)


5) Na questão social houve um avanço com a declaração dos direitos individuais e sociais tais como saúde, ensino básico, colégios e universidades; portanto mesmo que de modo míope, ou seja, ao entendimento da época ou do Imperador a carta imperial trouxe uma socialização, mesmo que parcialmente eficaz. É importante lembrar que a constituição de 1824 é anterior à da Bélgica de 1831, logo foi à primeira constituição no mundo a subjetivar e positivar os direitos humanos, dando-lhes concreção jurídica.


Doutra sorte é salutar a critica aos direitos humanos amolgados no texto de 1824, uma vez que o Rio de Janeiro era formado por dois trecos de escravos, logo era um contrassenso o artigo 179:


Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. […]


XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.” (BRASIL, constituição, 1824, Art.179, grifo nosso)


Segundo Paulo Bonavides e Paes de Andrade o período imperial:


“[…] é aquela quadra de nossa de nossa história em que o poder mais se apartou talvez da constituição formal, e em que essa logrou o mais baixo grau de eficácia e presença na consciência de quantos, dirigindo a vida pública, guiavam o País para a solução das questões nacionais da época. Haja vista a esse respeito que nunca ecou na palavra dos grandes tribunos da causa abolicionista a invocação da Constituição como instrumento eficaz para resolver o dissidio fundamental entre a ordem de liberdade garantida por um texto constitucional e a maldição do regime servil, que maculava todas as instituições do País e feria de morte a legitimidade do pacto social; pacto aliás inexistente, diga-se de passagem. A verdadeira constituição imperial não estava no texto outorgado, mas no pacto selado entre monarquia e escravidão. O Brasil era uma sociedade dividida entre senhores e escravos, sendo o monarca o primeiro desses senhores e o trono, em aliança com a propriedade territorial , a base das instituições. Materialmente , a história constitucional  do Império seria portanto a história da sociedade brasileira, vista pelo ângulo da porfia contra a escravidão ou contra o tráfico, que alargou o espaço humano de incidência na coisificação do regime, onde o privilégio mantinha inarredável a guarda feroz dos interesses servis”. (ANDRADE, BONAVIDES, 1991, p.07, grifo nosso)


O próprio texto faz uma referência clara ao período escravista no Art. 179, XIX: Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. (BRASIL, constituição, Art.179)


Concluímos, pois, que a Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824 surgiu da imposição do Imperador Dom Pedro I, a Carta supriu momentaneamente a falta de um código civil, pois, trouxe os aspectos liberais da constitucionalização do Direito Privado, incorporando a regulação dos institutos pilares da área civil, a família, a propriedade e o contrato.


A pesar de sua inclinação aos direitos humanos a dignidade da pessoa humana estava, ainda, em fase embrionária uma vez que a Pátria sofria com a escravidão e o respeito ao gênero humano passava, por alguns, de forma tão despercebida que o Brasil criou em 1832 o Código Penal e só em 1916 foi escrito o Código Civil, que já estava previsto no artigo 179:


Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. (… )


XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.” (BRASIL, constituição, 1824, Art.179)


Pode-se afirmar que Constituição de 1824 era contraditória à realidade do País, pois, afirmava a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, mas a maioria da população continuava escrava. Garantia-se a segurança individual, mas podia-se matar um homem sem punição. Aboliam-se as torturas, mas nas senzalas os instrumentos de castigo como o tronco, a gargalheira e o açoite continuavam sendo usados e os “senhores” eram os supremos juízes da vida e da morte de seus homens, ou melhor, de seus escravos, em verdade existia todo um conjunto de idéias liberais que mascaravam as contradições sociais do país e ignoravam a distância entre a lei e a realidade.


Faltou a carta de 1824 considerar a pessoa humana como indivíduo em sua singularidade, tendo por premissa o princípio de que o ser humano deve, em regra, ser “livre”, gozando a liberdade externa, sendo oprimido apenas pelos obstáculos próprios da natureza, que ainda não foram afastados pelo avanço das ciências.


3.2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891.


Com a edição do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1891, foi decretada a República, nos termos daquele Decreto as províncias tornaram-se estados integrantes de uma Federação, nascendo assim os Estados Unidos do Brasil.


De pronto foi criado um governo provisório, até que se montasse um Congresso, com poderes para convocar uma Assembleia Constituinte. É importante lembrar que o governo provisório, da chamada “República da Espada”, tinha por chefe o Senhor Marechal Deodoro da Fonseca, este com poderes ditatórios tornou-se em seguida o primeiro presidente do Brasil, e por demais membros os seletos senhores Campos Sales, Benjamin Constant e Quintino Bocaiúva, e liberais da monarquia, que aderiram de primeira hora ao novo regime, como o Senhor Rui Barbosa e o Marechal Floriano Peixoto.


A Constituição de 1891 foi responsável por instituir, de modo definitivo, a forma federativa de estado e a forma republicana de governo; o Decreto número 1/1889 o fizera em caráter meramente provisório.


A autonomia dos estados foi assegurada, sendo a eles conferida a denominada “competência remanescente”, conforme inspiração do modelo norte-americano de federação foi estabelecida, também, a autonomia municipal, uma inovação que possibilita a descentralização de poder.


O regime é o representativo, com eleições diretas e mandatos por prazo certo nos Poderes Executivo e Legislativo. O sistema de governo adotado foi o presidencialista, de inspiração norte-americana de cujas instituições Rui Barbosa era um profundo estudioso.


De grande evolução para a Democracia foi à abolição do Poder Moderador, voltando-se à fórmula tradicional de separação entre poderes, propugnada por Montesquieu.


A declaração de direitos individuais foi fortalecida, com acréscimo de importantes garantias, como habeas corpus.


A Constituição adotou a forma rígida, considerando constitucionais todas as suas disposições, as quais somente poderiam ser alteradas mediante procedimento especial, o que é bem mais laborioso do que o exigido para a criação e modificação do direito ordinário.


Pode-se dizer que foi uma Constituição nominativa, pois suas disposições não encontraram eco na realidade social, vale dizer, que seus comandos não foram efetivamente cumpridos, pois, o poder não estava na ordem formalmente vigente como bem ensina o Professor. José Afonso da Silva (2007, p.80):


“O coronelismo fora o poder real e efetivo, a despeito das normas constitucionais… A relação de forças dos coronéis elegia os governadores, os deputados e os senadores… (assim não era possível) adequar a constituição formal à realidade.” (SILVA, 2007, p.80, parêntese nosso)


Em 1926 a Constituição sofreu uma profunda reforma, de cunho marcadamente centralizador e autoritário, que acabou por precipitar a sua derrocada, ocorrida com a Revolução de 1930.


Em uma analise mais sintética extraímos que a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil apresentava as seguintes características:


1)Instituiu a forma federativa de estado e a forma republicana de governo:


“Art.1º – A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a Republica Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.” (BRASIL, constituição, 1891, Art.1º, grifo nosso)


2) Com fulcro na teoria da separação dos poderes de Montesquieu, a Carta Magna normatizou as funções as funções em Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos:


“Art.15 – São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”. (BRASIL, constituição, 1891, Art.15, grifo nosso)


3) O sufrágio, ainda, não era universal, pois, encontrava restrições censitárias, impedia o voto daqueles que eram considerados mendigos e dos analfabetos:


Art.70 – São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.


§ 1º – Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados:


1º)os mendigos;


2º)os analfabetos;” (BRASIL, constituição, 1891, Art.70, grifo nosso)


4) No Art. 72, §22 fez-se uma previsão expressa do remédio chamado de Habeas Corpus, dispositivo que se liga diretamente ao conceito da dignidade da pessoa humana.


Art. 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […]


§ 22 – Dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.” (BRASIL, constituição, 1891, Art.72, § 22)


5. O estado tornou-se mais laico não sendo mais assegurado à Religião Católica o status de religião oficial, deste modo, foi estabelecido o direito de culto externo a todas as religiões.


Art. 11 – É vedado aos Estados, como a União: […]


§ 2º estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos.” (BRASIL, constituição, 1891, Art.11, § 2º)


6. Trouxe em sua seção II a declaração de direitos o que normatizou direitos de primeira geração.


A constituição de 1891 avançou nas concepções da dignidade da pessoa humana, ao trazer o remédio heroico do habeas corpus, ao declarar direitos de primeira geração, ao declarar que todos são iguais perante a lei, mas, foi uma carta nominativa uma vez que não alcançou o campo social, muito embora a Lei Áurea tivesse sido promulgada em 13 de maio de 1888, o País ainda respirava injustiças raciais e o voto não era universal, pois, não existia o voto feminino o que só tornou-se real na era Vargas, através do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o Código Eleitoral Brasileiro, onde disciplinavam o Art. 2º que:


“É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”. (BRASIL, decreto nº 21.076, 1932,Art.2º, grifo nosso).


É oportuno lembrar que a dignidade da pessoa está no íntimo do ser, o impulsionado a lutar pelo “justo”, no caso do sufrágio houve um resplendor dessa luta pela igualdade quando uma mulher conseguiu o alistamento eleitoral invocando a legislação imperial, a “Lei Saraiva”, promulgada em 1881, que determinava direito de voto a qualquer cidadão que tivesse uma renda mínima de 2 mil réis:


“Art. 2º E’ eleitor todo cidadão brazileiro, nos termos dos arts. 6º, 91 e 92 da Constituição do Imperio, que tiver renda liquida annual não inferior a 200$ por bens de raiz, industria, commercio ou emprego.” (BRASIL, lei saraiva, Art.2º)


Portanto a dignidade da pessoa humana é uma característica indissociável do ser humano, logo é legítimo requerer seu uso fruto, pois, tal é atributo da pessoa humana, é um valor em si absoluto, sendo condição prévia para o reconhecimento de todos os demais direitos.


3.3 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934


A Constituição de 1934, decorrente do rompimento da ordem jurídica ocasionada pela Revolução de 1930, a qual pôs fim à era dos coronéis, à Primeira República, costuma ser apontada pela doutrina como a primeira a preocupar-se em enumerar direitos fundamentais sociais, ditos diretos de segunda geração ou dimensão, são aqueles conquistados a partir das lutas dos trabalhadores na passagem do século XIX para o século XX, como reação às desigualdades sociais decorrentes da forte polarização das relações entre o capital e o trabalho e da proteção legal que o modelo de estado, até então, vigente garantiu.


Esses direitos quase todos traduzidos em normas constitucionais programáticas, tiveram como inspiração a Constituição de Weimar, da Alemanha de 1919. Com isso, a constituição de 1934 é apontada como marco na transição de um regime de democracia liberal, de cunho individualista, para a chamada democracia social, preocupada em assegurar, não apenas igualdade formal, mas também a igualdade material entre os indivíduos; assegurar condições de existência compatíveis com dignidade da pessoa humana.


É nela, também, que se observa o início do processo contínuo de publicização do direito privado, fruto da intervenção do estado na vida privada, através das reformas da constituição, passando desde então, na ampliação do rol de matérias tratadas no texto constitucional, o que gerou a constitucionalização que pode ser entendida como um fenômeno jurídico que expressa à incorporação da regulação dos institutos pilares do direito privado, a família, a propriedade e o contrato, na constituição, aquele fenômeno atuou em diversos ramos do Direito, inclusive daqueles antes disciplinados somente no âmbito das normas infraconstitucionais, como o Direito Administrativo. Por essa razão, a Constituição de 1934 apresentava mais do que o dobro de artigos que de 1891.


No que diz respeito estrutura fundamental a constituição de 1891 manteve:


1)A República;


2) A Federação;


3) A divisão de poderes;


4) O presidencialismo; e


5) O regime representativo.


Como teve curtíssima sobrevida, pouco relevantes foram seus reflexos práticos, uma vez que não houve tempo para que a implementação de suas normas influenciasse a realidade social.


A constituição promulgada por Getúlio Vargas, o qual tinha como ideologia política as questões socioeconômicas, foi um marco em nossa historia, pois, foi a primeira a abordar os temas econômicos e sociais, o que foi feito em seu Título IV, “Da Ordem Econômica e Social”.


“Art 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.” (BRASIL, constituição, 1934, Art.115, grifo nosso)


Porém desde o preâmbulo, aquela Constituição já era inovadora trazendo ao esquadrinhamento político a idéia de “bem-estar social e econômico”, como um pilar a ser respeitado.


“Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte.” (BRASIL, constituição, 1934, preâmbulo, grifo nosso)


Foi constituição de 1934 que inaugurou no Brasil, o Estado do bem-estar social, voltando às atenções para o bem estar do indivíduo, pregando a justiça social, porém aquela Carta teve curta duração; e logo foi substituída pela Carta de 1937, o que ocorrera fruto de um golpe político.


A pesar de ainda tolher a liberdade ao voto, pois proibia os mendigos e analfabetos de votar:


Art 108 – São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei.


Parágrafo único – Não se podem alistar eleitores:


a) os que não saibam ler e escrever; […]


c) os mendigos; (BRASIL, constituição, 1934, Art.108, letras ae c)


Mesmo assim a Carta de 1934 trazia em seu seio, mais notadamente nos artigos 115 e 121, que o princípio da dignidade da pessoa humana era a meta maior a ser atingida, uma vez que constitucionalizava diretrizes da ordem econômica delimitando que esta deveria ser direcionada conforme os princípios da justiça e em conformidade com as necessidades nacionais, de forma a permitir a todos uma existência digna, em toda sua plenitude, promovendo para tanto, entre outras coisas, melhores condições de trabalho, visando à proteção social do trabalho e os interesses econômicos do País.


Portanto houve em nosso historia um momento onde se preocupou em dar a todos o livre acesso as instituições democráticas, com certo aceno para a economia e o bem estar social, que não é outro se não moradia, saúde, educação e trabalho; sem estas instituições não pode haver DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, pois, “nem só de pão vive o homem” (Jesus de Nazaré).


3.4. A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937


Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas, dissolve a câmara e o senado, mas o Presidente não convocou uma nova assembleia constituinte, ele simplesmente encomendou uma nova Constituição ao Senhor Ministro da Justiça Francisco Luís da Silva Campos, o qual também foi responsável pela redação do AI-1do golpe de 1964 e dos códigos penal e processo penal brasileiros, político conhecido por sua posição antiliberal e autoritário buscou inspiração na Constituição da Polônia de 1933, e apresentou uma Carta de formatação fascista sendo de caráter marcadamente autoritário, pois, tinha uma forte concentração de poderes nas mãos do Presidente da República.


Desse modo, a Constituição de 10 de novembro de 1937 ficou conhecida como “Polaca”, foi outorgada revogando a constituição de 1934, dando início ao período de nossa historia conhecido como “Estado Novo”.


Quanto ao aspecto democrático aquela Carta tinha apenas uma embaçada imagem, pois dela se foram tolhidos os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei, entre outros. Trazia ainda em seu artigo 122, número 13, a previsão a pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade.


13) não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes: (grifo nosso)


a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro;


b) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania;


c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra;


d) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição;


e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social;


f) o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade.” (BRASIL, constituição, 1937, Art.122, nº 13, grifo nosso)


Também no mesmo artigo 122, número 15, atacava a manifestação de pensamento, autorizando a censura prévia da imprensa, teatro, cinema e radiodifusão, dando as autoridades competência para proibir a circulação, a difusão ou a representação de peças teatrais:


15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei.


A lei pode prescrever:


a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação.” (BRASIL, constituição, 1937, nº 15, letra a)


Na lição do Professor Celso Ribeiro Bastos a Carta de 1937 tratava simplesmente de ser um:


“Documento destinado exclusivamente a institucionalizar um regime autoritário. Não havia a divisão de poderes, embora existissem Executivo, o Legislativo e o Judiciário, visto que estes últimos sofriam nítidos amesquinhamentos.” (BASTO, 1999, p.133)


Também não é diferente a posição do professor José Afonso da Silva remata:


“A Carta de 1937não teve, porém, aplicação regular. Muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava concentrando nas mãos do próprio depois aplicava como órgão do Executivo”. (SILVA, 2007, p.84, grifo nosso)


Sobre a validade da Carta outorgada em 1937 há quem pense como o Professor Celso Ribeiro Bastos que declarou:


“Segue-se que, em termos jurídicos, a Constituição jamais ganhou vigência, pois na verdade o que prevaleceu nesta época foi o chamado Estado Novo, estado arbitrário despojado de quaisquer controles jurídicos, onde primava a vontade inconteste do ditador Getúlio Vargas.” (BASTOS, 1999, p.135)


A referida declaração se consubstancia pela inobservância do artigo 187 do aludido diploma cuja dicção referia-se a necessidade de que aquela Carta deveria ser fosse submetida a um plebiscito nacional, mas, tal fato nunca veio a ocorrer, pois, o artigo 186 declarava estado de emergência em todo país e enquanto perdurasse esse estado, todas as garantias constitucionais estavam suspensas.


Art 186 – É declarado em todo o Pais o estado de emergência.


Art 187 – Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacionalna forma regulada em decreto do Presidente da República.” (BRASIL, constituição, 1937, Art.189 e 187, grifo nosso)


Notadamente o período da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 foi uma letra morta, quando se refere aos direitos humanos, pois, tal nasceu de um golpe e se notabilizou por um estado autoritário onde não foram albergados os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei nem tampouco o Mandado de Segurança orgulhosamente inaugurado pela Carta Política de 1934.


Em lugar daquelas garantias surgiu a pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade.


O direito de manifestação de pensamento foi tolhido por meio da censura prévia, sendo facultado à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou representação, de tal forma nenhum jornal podia, ainda, recusar a inserção de comunicados do governo, nas dimensões taxadas em lei; pois, ao diretor responsável seria imposta à pena de prisão cumulada com a pronta cobrança de multa à empresa podendo esta ainda ser pronunciada por “delito de imprensa”.


O estado era tão autoritário que declarava em seu artigo 139 ser a greve uma atitude antissocial e nociva ao trabalho:


“A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”. (BRASIL, constituição, 1937, grifo nosso)


Em ultima analise, não há como falar em liberdades civis na Constituição de 1937, sua visão e valoração do conceito da dignidade da pessoa humana foram embasadas pelo autoritarismo político, faltou respeito ao individuo.


3.5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946


Depois de grande turbulência no quadro político interno ocorre à queda de Getúlio Vargas, é o fim do Estado Novo, o Brasil entra num processo de redemocratização quando foi eleita uma Assembleia Constituinte em 2 de dezembro de 1945, vindo a promulgar a nova Carta em 18 de setembro de 1946, sendo aquela de uma tendência liberal que venceu o nazifascismo, deu grande autonomia aos Estados; restabeleceu a República Federativa e democrática, formada por cinco territórios e vinte Estados, cada um com sua Constituição e governo eleito pelo voto popular, instituiu ainda, eleições diretas e secretas em todos os níveis.


Apesar de ter sido banido pela constituição de 1937 a forma Federalista retorna logo no artigo 1º:


“Art 1º – Os Estados Unidos do Brasil mantêm, sob o regime representativo, a Federação e a República.” (BRASIL, constituição, 1946, Art. 1º, grifo nosso)


Houve grande avanço nas liberdades individuais ao contrario da carta anterior esta por sua vez trouxe no Capitulo II Dos Direitos e das Garantias Individuais uma série de liberdades afincadas no artigo 141, retirando de pronto a “censura prévia” do regime de 1937:


Art 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:


§ 1º Todos são iguais perante a lei.


§ 2º Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.


§ 4º – A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual.


§ 5º – É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.


§ 6º – É inviolável o sigilo da correspondência.


§ 7º – É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil.


§ 8º – Por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, ninguém será privado de nenhum dos seus direitos, salvo se a invocar para se eximir de obrigação, encargo ou serviço impostos pela lei aos brasileiros em geral, ou recusar os que ela estabelecer em substituição daqueles deveres, a fim de atender escusa de consciência.” (BRASIL, constituição, 1946, Art.141, § 1ª, § 2º, § 4ª, § 5º, § 6º § 7º, § 8º)


O artigo 141, tão inovador ainda, trouxe as paginas constitucional a volta das figuras do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança:


“§ 23 – Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus.


§-24 – Para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus , conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.”  (BRASIL, constituição, 1946, Art.141, § 23 e § 24)


O artigo 157 normalizou os direitos do trabalhador, mas, foi o artigo 158 que verdadeiramente inovou, pois, direto a greve que fora considerado uma atitude antissocial e nociva ao trabalho foi abraçado pelo novo diploma como uma garanti individual do trabalhador:


“Art 158 – É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”. (BRASIL, constituição, Art.157, grifo nosso)


A então Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi elaborada com base nas Constituições de 1891 e de 1934, com isso ela buscou cumprir a tarefa da redemocratização com o objetivo de proporcionar melhores condições para o desenvolvimento do País, durante as duas décadas de sua vigência.


O rol de direitos fundamentais retoma o que existia na Constituição de 1934, com alguns importantes acréscimos, como o do princípio da inafastabilidade de jurisdição, e supressões relevantes, como a exclusão da pena de morte, do banimento e do confisco, suas principais características são:


1) A igualdade de todos perante a lei


2) A liberdade de manifestação de pensamento, sem censura, a não ser em espetáculos e diversões públicas;


3) A inviolabilidade do sigilo de correspondência;


4) A liberdade de consciência, de crença e de exercício de cultos religiosos;


5) A liberdade de associação para fins lícitos;


6) A inviolabilidade da casa como asilo do indivíduo;


7) A prisão só em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente e a garantia ampla de defesa do acusado;


8) Extinção da pena de morte; e


9) Separação dos três poderes.


Em 1961, uma emenda constitucional estabelece o parlamentarismo como sistema de governo, visando a reduzir os poderes do Presidente da República, João Goulart. O parlamentarismo acabou sendo rejeitado por um plebiscito, com o que se retornou ao presidencialismo, em 1963, fato que precipitou o golpe militar de 1964, inaugurando mais um período de ditadura em nossa constituição.


A constituição de 1946 foi notadamente avançada para a Democracia Brasileira da época e para as liberdades individuais, foi um momento de valoração e amplitude do conceito da dignidade da pessoa humana.


3.6 Constituição do Brasil de 1967 de 24 de janeiro


Em 31 de março de 1964 o Brasil sofre o golpe militar que derrubou o presidente João Belchior Marques Goulart, conhecido como Jango, o golpe estabeleceu acarretou profundas modificações na organização política, na vida econômica e social do Brasil; aquele regime durou longos vinte e quatro anos só terminando em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o primeiro presidente civil desde 1960.


Ocorre que depois do dia 31 de março de 1964, surgiram muitos conflitos com a constituição de 1946, então os militares convocaram seus aliados os senhores Carlos Medeiros Silva, Francisco Luís da Silva Campos, os quais elaboraram um projeto e mais tarde o então presidente o cearense Humberto de Alencar Castelo Branco, baixou o Ato Institucional Número Quatro, ou AI-4, o qual por sua vez atribuiu função de poder constituinte originário ao Congresso Nacional, este tendo os membros da oposição afastados aprovou aquele projeto e em 24 de janeiro de 1967 promulgou a nossa sexta Carta, porém só entrou em vigor no dia 15 de março de 1967.


A aquele Carta ficou conhecida como semi-outorgada, pois foi elaborada sob a pressão dos militares, com a finalidade de legalizar e institucionalizar a ditadura militar.


O texto mostra uma grande preocupação com a “segurança nacional”, por isso em seu artigo 90 atrás a institucionalização do “conselho de segurança nacional”:


Art 90 – O Conselho de Segurança Nacional destina-se a assessorar o Presidente da República na formulação e na conduta da segurança nacional.


§ 1º – O Conselho compõe-se do Presidente e do Vice-Presidente da República e de todos os Ministros de Estado”.


Também foi privilegiada a justiça militar, inclusive com poderes para processar e julgar civis, bem como os governadores de estado:


Art. 122 – À Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhados.


§ 1º – Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional, ou às instituições militares


§ 2º – Compete, originariamente, ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários, nos crimes referidos no § 1º.” (grifo nosso)


Naqueles “anos de chumbo” houve um flagrante retrocesso aos direitos humanos apregoados pela constituição de 1946; no que pese a pena de morte esta retorna na tentativa de tolher qualquer possível movimento revolucionário ou mesmo os ditos subversivos a ordem nacional:


Art 150 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)


§ 11 – Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta.” (grifo nosso)


O estado militar tinha tamanho controle que ousou em reduziu a autonomia dos Municípios, dando poderes ao governador para nomear os Prefeitos de alguns municípios:


Art 16 – A autonomia municipal será assegurada: (…)


§ 1º – Serão nomeados pelo Governador, com prévia aprovação:


a) da Assembléia Legislativa, os Prefeitos das Capitais dos Estados e dos Municípios considerados estâncias hidrominerais em lei estadual;


b) do Presidente da República, os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional, por lei de iniciativa do Poder Executivo.”  (grifo nosso)


Houve a expressa redução dos direitos individuais e direitos políticos, no artigo 151, quando se trata da liberdade de pensamento, de profissão e do direito a livre associação, quando porventura o exercício de tais direitos atentarem contra a “ordem democrática” ou quando forem utilizados para a prática da corrupção:


Art 151 – Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23. 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla, defesa.


§ 8º – É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe.


§ 23 – É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer.


§ 27 – Todos podem reunir-se sem armas, não intervindo a autoridade senão para manter a ordem. A lei poderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autoridade, bem como a designação, por esta, do local da reunião.


§ 28 – É garantida a liberdade de associação. Nenhuma associação poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial. (grifo nosso)


Diante da tantas reduções nas liberdades individuais não é de se surpreender que os analfabetos fossem proibidos de votar:


Art 142 – São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos, alistados na forma da lei. (…)


§ 3º – Não podem alistar-se eleitores:


a) os analfabetos;” (grifo nosso)


Fica clara a real intenção do estado em controlar a liberdade individual, não só de controlar mais ainda de vigiar, todas as liberdades são ressalvadas, não existindo de fato o livre arbítrio, pois a posição filosófica de alguém pode ser entendida com “subversiva”, acarretando em sanção prevista na Carta Maior.


É interessante notar o contrassenso do artigo 157, pois ao mesmo tempo em que alega a valoração do trabalho como forma de condição da dignidade da pessoa humana, no seu parágrafo sétimo restringe ao trabalhador o direito de greve:


Art 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: (…)


II – valorização do trabalho como condição da dignidade humana;


§ 7º – Não será permitida greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei.” (grifo nosso)


A grande característica da Carta de 1967 foi ideologia da “segurança nacional”, fica fácil perceber essa ideologia, pois, a expressão “segurança nacional” aparece por dezoito vezes e ainda existe uma seção, a seção V, com o titulo de “Da Segurança Nacional”; mas tal segurança era de fato a desculpa utilizada sempre que havia “interesse” do governo militar em intervir nas liberdades individuais.


Não demorou muito e o Regime logo deixou sua forma maquiada e tratou de vilipendiar o principio da dignidade da pessoa humana com diversas leis de único interesse do governo, tais como a Lei de Segurança Nacional que restringia severamente as liberdades civis (como parte do combate à subversão), também houve a Lei de Imprensa que estabeleceu a Censura Federal; mas entre os anos de 1964 e 1968, houve o decreto dos famosos, mas infelizes, Atos Institucionais ou simplesmente AIs:


1. Ato Institucional Nº 1, em 9 de abril de 1964, cassou direitos políticos e os cidadãos considerados da oposição, também marcou eleições para 1965, é oportuno lembra que em seu preâmbulo o Ato nº1 se declarava autenticamente democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, mas, tudo com a finalidade de combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na verdade eram apenas palavras ao vento que buscavam justificar a tomada de poder:


“CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria” (BRASIL, ato institucional nº 1, 1964, preâmbulo, grifo nosso)


2. Ato Institucional Nº 2, em 27 de outubro de 1965, extinguiu os partidos existentes e estabeleceu, na prática, o bipartidarismo;


3. Ato Institucional Nº 3, em 5 de fevereiro de 1966, determinava a eleição indireta para governador e vice governador, sendo executada por meio de um colégio eleitoral estadual, e estes governadores teriam o poder de indicar e nomear os prefeitos das capitais e das cidades de segurança nacional;


4. Ato Institucional Nº 4, 7 de dezembro de 1966, atribuiu função de poder constituinte originário ao Congresso Nacional, transformado este em Assembléia Nacional Constituinte e forçando-o a votar o projeto de constituição; e


5. Ato Institucional Nº 5, em 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, suspendeu as garantias constitucionais e ainda deu poder ao executivo para legislar sobre todos os assuntos:


Art. 2º – O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.


§ 1º – Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.” (BRASIL, ato institucional, nº 5, 1968, Art. 2º, § 1º. grifo nosso)


A redação dos artigos 3º e 4º desconhecem a Constituição Federal como uma Carta Magna, pois, autorizam o Presidente a ir além dos regramentos da lei, nada é próximo da ditadura e da tirania do que esse texto:


Art. 3º – O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.


Parágrafo único – Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.


Art. 4º – No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais”. (BRASIL, ato institucional, nº 5, 1968, Art.3º e 4º, grifo nosso)


Seu artigo 5º trás a figura da “liberdade vigiada”, o artigo 10 suspendeu o direito ao habeas corpus, e por fim o artigo 11 negava a possibilidade da apreciação judicial de todos os desrespeitos praticados:


Art. 11 – Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.” (BRASIL, ato institucional, nº 5, 1968, Art. 11, grifo nosso)


Em resumo a Constituição de 1967 foi uma caminhada na contra mão da dignidade da pessoa humana, foi quebrada por ela a bem sucedida evolução da constitucionalização dos direitos civis, ainda acreditamos ser juridicamente inaceitável que a força militar, que tem por incumbência moral e histórica ser a Ultima Ration Legis, se substitua ao povo, delegando, em nome do deste, mas, em proveito próprio.


Faltou respeito ao próximo, faltou valoração a dignidade dos Brasileiros.


É interessante notar que esta Carta era denominada simplesmente de “Constituição do Brasil”.


3.7 Constituição da República Federativa do Brasil de Brasil de 17 de outubro de 1969


Houve uma grande alteração na Constituição de 1967 com a edição da Emenda nº1 de 17 de outubro de 1969, esta foi tão substancial que muitos constitucionalistas acusam a emenda de ser verdadeiramente uma nova Constituição Outorgada, mesmo que em tese seja uma emenda à constituição de 1967.


Fica claro na lição do Professor José Afonso da Silva que a Emenda nº1 foi sim uma nova constituição outorgada:


“Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil”. (SILVA, 2007, p.86)


A Emenda Nº 1 foi decretada por uma Junta Militar, que furtivamente apossou-se do governo quando o então presidente Costa e Silva estava enfermo por causa de uma trombose; ora seu vice-presidente o senhor Pedro Aleixo fora impedido de assumir a presidência, pois, havia se posicionou contra a edição do AI-5 chegando inclusive a elaborar uma revisão da Carta de 1967, e ainda, foi acusado de ter a intenção de restabelecer o processo democrático; toda essa temática teatral dos militares só comprova seu comprometimento com o golpe dado no estado brasileiro, uma franca marcha na direção contraria a dos direitos humanos.


Quanto aos políticos não demorou e os militares apertaram o cerco e seus primeiros alvos foram os Deputados e os Senadores, estes podiam ser presos e processados a qualquer tempo:


Art. 32. Os deputados e senadores são invioláveis, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo nos casos de injúria, difamação ou calúnia, ou nos previstos na Lei de Segurança Nacional.


§ 1º Durante as sessões, e quando para elas se dirigirem ou delas regressarem, os deputados e senadores não poderão ser presos, salvo em flagrante crime comum ou perturbação da ordem pública.


§ 2º Nos crimes comuns, os deputados e senadores serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. (BRASIL, constituição, 1969, Art. 32, grifo nosso)


Em resumo o regime da Constituição de 1969 não se coadunou, de forma alguma, com o ideal dos Direitos Humanos, estando muito distante das concepções de justiça; não existe espaço para o conceito da dignidade da pessoa humana, pois, não existia livre acesso as instituições democráticas, também não existe dignidade humana sem justiça social.


3.8 Constituição da República Federativa do Brasil de 5de outubro de 1988.


Após muitas lutas e com o fim do regime militar e a decretação da Lei da Anistia, e ainda, com a eleição de Tancredo Neves primeiro presidente civil, mesmo que de sufrágio indireto, após mais de vinte anos o Brasil teve novamente a oportunidade de aspirar por dignidade humana.


A constituição Federal de 1988 nasceu da proposta encaminhada ao Congresso Nacional por José Sarney, que resultou na Emenda Constitucional 26, de 27 de novembro de 1985, tal emenda convocava uma Assembleia Nacional Constituinte, formada pelos deputados e senadores da época; a constituinte iniciou seus trabalhos em 1º de fevereiro de 1987 só terminando em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da Carta Magna atual.


Nossa lei maior nasceu moderna e em comparação com as constituições anteriores ela é inovadora como bem declara o Professor José Afonso da Silva:


“É um texto moderno, com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial. Bem examinada, a Constituição Federal, de 1988, constitui, hoje, um documento de grande importância para o constitucionalismo em geral.” (SILVA, 2007, p. 89)


Essa constituição foi tão inovadora, principalmente no que diz respeito aos direitos humanos, que recebeu de Ulisses Guimarães o nome de “Constituição Cidadã”, pois, ela veio para proteger, os direitos do homem, calcados no conceito de dignidade da pessoa humana, os quais muitos já estavam nas paginas da Constituição de 1946, que foi uma bela Constituição, mas, foi abruptamente derrubada pelo Regime Militar, com a ditadura.


Logo no seu preâmbulo a Carta Maior mostra seu alinhamento com o respeito aos direitos humanos e sociais, pondo seu foco na segurança, no bem-estar, na igualdade e na justiça como o destino do Estado Democrático:


“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (BRASIL, constituição, 1988, preâmbulo, grifo nosso)


É de longe o preâmbulo mais constitucional e legislador de todas as constituições, desde a de 1824 até a de 1969, em suas poucas linhas ele dá a diretriz interpretativa da Constituição e determina:


1. Que somos um Estado Democrático;


2. Que o destino, ou melhor, a razão de ser, da constituição é assegurar:


2.1. O exercício dos direitos sociais;


2.2. O exercício dos direitos individuais;


2.3. A liberdade;


2.4. A segurança; e


2.5. O bem-estar.


3. Que os valores supremos da constituição são a igualdade e a justiça;


4. Que a sociedade deve ser fraterna, pluralista e sem preconceitos; e


5. Que o fundamento maior deve será a harmonia social.


Fica fácil notar que o conceito da dignidade da pessoa humana permeia toda a Carta, tendo no Art. 1º inciso III, a costura perfeita entre o texto principal e o preâmbulo, pois, quando este fala de direitos individuais, de liberdade, de igualdade, de justiça e tudo sem preconceitos, aquele, trás como fundamento ou alicerce da Constituição a dignidade da pessoa humana, mais adiante, ainda, existe o Art. 4º, inciso II, trazendo os direitos humanos como regente da Republica e o Art. 5º, que fala da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à igualdade.


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]


III – a dignidade da pessoa humana;


Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: […]


II – prevalência dos direitos humanos;


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (BRASIL, constituição, 1988, Art. 1º, III e Art. 5º, grifo nosso)


A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é diferente de todas as suas antecessoras porque tem de fato um texto voltado para o lado humano, o que fica claro quando se observa os remédios constitucionais, os quais têm por finalidade garantir os direitos individuais, baseados nos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, são sete os remédios:


1. Habeas Corpus – Art. 5º – LXVIII – conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. (BRASIL, constituição, 1988, Art. 5º, LXVIII)


2. Mandado de Segurança – Art. 5º – LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. (BRASIL, constituição, 1988, Art. 5º, LXIX)


3. Mandado de Segurança Coletivo – Art. 5º – LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:


a) partido político com representação no Congresso Nacional;


b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;(BRASIL, constituição, 1988, Art. 5º, LXX, letra a e b)


4. Mandado de Injunção – Art. 5º – LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. (BRASIL, constituição, 1988, Art. 5º, LXXI)


5. Habeas Data – Art. 5ª – LXXII – conceder-se-á “habeas-data”:


a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;


b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. (BRASIL, constituição, 1988, Art. 5º, LXXII, letra a e b)


6. Ação Popular – Art. 5ª – LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (BRASIL, constituição, 1988, Art. 5º, LXXIII)


7. Ação Civil Publica – Art. 129, III, CF/88 –. São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.” (BRASIL, constituição, 1988, Art. 129)


Depreende-se da leitura da Constituição Federal de 1988 que seu objetivo fim é a busca pela igualdade, pela justiça social, talvez tudo seja fruto do bárbaro momento que a antecedeu, pois, sua constituinte fora montada ainda sob o peso do Regime Militar, parece então mais que razoável que suas paginas estejam cheias de clamor pela liberdade, buscou-se no texto a blindagem dos direitos e garantias individuais, provavelmente com a intenção de evitar no futuro uma possível volta aos “anos de chumbo”, período que vergastou dignidade da pessoa humana.


Hoje através da interpretação humanitária da Constituição, temos por certo que toda e qualquer ação do Estado Brasileiro, ou melhor, do Governo deve ser produzido tendo por primeiro e ultimo a proteção da dignidade da pessoa humana, tendo por inconstitucional qualquer ato que o viole.


O Brasil tem uma Constituição ímpar em sua historia, uma Carta que recepcionou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas, cada brasileiro tem a obrigação moral de ser um vigiar, pois, um País que declara estar fundado na dignidade da pessoa humana, deve a todo instante, considerar se cada cidadão é tomado como fim em si mesmo ou como instrumento, sendo meio para outros objetivos.


4. CONCLUSÃO:


Fica claro que a dignidade da pessoa humana, que esta presente nas constituições brasileiras, não pode ser visto apenas como um principio, pois, é muito mais, é de fato fundamento constitucional estando assim além dos princípios servindo de guia a todos aqueles, em termos mais claros nada deve ser produzido ou normatizado sem observar o fundamento maior de nossa República, em bons termos pode-se inferir a idéia de que todos os direitos inclusive os direitos humanos, sejam eles pertencentes a qualquer geração, exigem a obrigação moral do reconhecimento dos diretos dos outros (seres humanos).


Cada direito humano pressupõe o dever moral de respeitar o outro enquanto fim em si mesmo, isto é, enquanto humanidade, os direitos humanos, pois, implicam em universalidade da dignidade da pessoa humana e desprezar os outros significa negar-lhes o respeito devido aos direitos humanos.


Das constituições podemos resumir que:


1) A Constituição outorgada de 1824 foi à primeira Carta no mundo a normatizar os direitos humanos, mas, foi nominativa, pois, era contraditória à realidade do País, embora afirmasse a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, a maioria da população continuava escrava.


2) A Constituição promulgada de 1891 trouxe em sua seção II a declaração de direitos o que normatizou direitos de primeira geração, implementou a Republica e a Federação, mas, foi nominativa, pois, suas disposições não encontraram eco na realidade social, vale dizer, seus comandos não foram efetivamente cumpridos.


3) A constituição promulgada de 1934 inaugurou no Brasil a idéia do bem-estar social, voltando às atenções para o bem estar do indivíduo, pregando a justiça social; deu início ao processo contínuo de publicização do direito privado, mas, teve curtíssima sobrevida, pouco relevantes foram seus reflexos práticos.


4) A Constituição outorgada de 1937 deu inicio ao “Estado Novo”, quanto ao aspecto democrático tinha apenas uma embaçada imagem, pois dela foram tolhidos os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei, entre outros, trazia a previsão expressa da pena de morte e da censura prévia. Não havia liberdades civis.


5) A Constituição promulgada de 1946 foi notadamente avançada para a Democracia Brasileira da época e para as liberdades individuais, normalizou os direitos do trabalhador, retirou a censura prévia, e ainda, trouxe a volta da figura do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança.


6) A Constituição semi-outorgada de 1967 nasceu do Ato Institucional Número Quatro, ou AI-4, sendo elaborada sob a pressão dos militares, com a finalidade de legalizar e institucionalizar a ditadura militar; houve um flagrante retrocesso aos direitos humanos apregoados pela constituição de 1946, todas as liberdades são ressalvadas. Houve, ainda, a edição dos AIs.


7) A Constituição outorgada, por uma junta militar, de 1969 foi à efetivação dos “Anos de Chumbo”, aquela Carta não se coadunou, de forma alguma, com o ideal dos Direitos Humanos, estando muito distante das concepções de justiça; não existia espaço para o conceito da dignidade da pessoa humana.


8) A Constituição promulgada de 1988 trouxe maior liberdade e direitos ao cidadão, ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, seu foco esta na segurança, no bem-estar, na igualdade e na justiça social, como o destino do Estado Democrático, sua finalidade é garantir os direitos individuais, baseados nos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana. É uma Carta que valoriza o conceito da dignidade da pessoa humana como nenhuma outra fez.


No ordenamento jurídico brasileiro, destacou-se a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu parâmetros e princípios que devem ser observados por todos, principalmente pelo legislativo. Houve uma valorização do conceito da dignidade da pessoa humana, como um valor absoluto para as liberdades individuais, sendo ainda, essencial para o sistema jurídico.


Por fim, como este conceito é histórico, temos por certo que, nos dias atuais sua amplitude esta nos limites do respeito ao próximo, não havendo espaço para qualquer tipo de preconceito, devendo sempre labutar para que ninguém seja menosprezado.


Aduz-se nesse artigo, que a historia do conceito da dignidade da pessoa humana, é a historia do processo civilizatório; e nada mais.


 


Referências:

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Nota:

[1] Trabalho orientado pelo Prof. MsC. Carlos Magno Gurgel Cavalcante, Mestre em Direito Constitucional.


Informações Sobre o Autor

Francisco Arnaldo Rodrigues de Lima

Especialista em direito constitucional e direito público


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