O princípio da igualdade

RESUMO: Propõe-se a pesquisa a analisar alguns dos principais desdobramentos experimentados pela evolução do princípio jurídico da igualdade, desde suas origens filosóficas até a forma atual de compreensão do princípio, conforme positivado em várias Constituições, inclusive na brasileira de 1988. Pesquisam-se as raízes históricas do princípio, em diferentes épocas. Buscam-se as principais lições quanto ao conteúdo jurídico da igualdade, enquanto princípio jurídico. O princípio é estudado em suas conhecidas vertentes “material” e “formal”, bem como na dicotomia doutrinariamente construída de igualdade “perante a lei” e “na lei”.

Palavras-chave: igualdade; igualdade material e formal; igualdade perante a lei e igualdade na lei.

Sumário: 1. Introdução. 2. A igualdade na história do pensamento jurídico. 3. A compreensão atual. 4. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Da barbárie verificada na segunda guerra mundial, e logo após a criação das Nações Unidas, decorreu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, editada na forma de resolução, com o artigo 1º, dispondo que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” Foi a primeira vez que uma comunidade universal de nações formulou uma declaração sobre a liberdade e os direitos fundamentais do homem.[1]

A reação da comunidade internacional direcionava-se a atrocidades cometidas em nome de uma ideologia que atribuía a si o monopólio da dignidade. É sintomático que a igualdade humana tenha sido declarada umbilicalmente conectada à dignidade, constituindo pressuposto essencial para o respeito à dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia entre os seres humanos.[2]

Há na interligação declarada, entretanto, um aparente paradoxo, onde o valor da dignidade humana exige a consideração de cada pessoa como ser insubstituível, como portador de uma existência única, conectando-se ao estabelecimento de uma igualdade de todos sob o alcance da lei. No slogan de Patrão-Neves[3], “todos iguais, todos diferentes”.

É sob este enfoque, de estreita ligação do princípio da igualdade com a dignidade humana que se compreende atualmente a igualdade enquanto princípio jurídico, a despeito de ter experimentado facetas sensivelmente distintas no longo decorrer de sua evolução, conforme se percebe desde um rápido panorama de seu desenvolvimento, em distintas fases do conhecimento humano.

Como obra humana que é, o princípio da igualdade experimentou um lento processo de elaboração conceitual, com pontuais avanços e retrocessos, influenciado por fatos e circunstâncias históricos, alguns positivos e outros tantos desastrosos, e esta abordagem pretende oferecer um panorama de alguns dos principais momentos históricos que influenciaram a lenta elaboração dos direitos humanos como obra humana para, dentre eles, buscar a construção da igualdade jurídica na forma com que é compreendida hodiernamente.

2. A igualdade na história do pensamento jurídico

Por primeiro, uma evidência: as sociedades, segundo nos informa a história, conviveram com a desigualdade humana. Desigualdades de várias ordens caracterizaram distintas sociedades, ao lado da desigualdade jurídica.

Em sua conhecida obra, Fustel de Coulanges informa a existência de desigualdades nas sociedades indo-europeias antigas, totalmente dominadas por uma religião familiar, de culto doméstico aos antepassados. O filho bastardo, v.g., aquele gerado fora de um casamento, chamado vóϴoς pelos gregos e spurius pelos latinos, não podia desempenhar o papel que a religião destinava ao filho legítimo. Não poderia participar do culto doméstico aos antepassados e a família não se perpetuaria por ele.[4] No direito romano, a filha não herdava do pai, se casada fosse, e no direito grego, não herdava em hipótese alguma,[5] numa distinção baseada exclusivamente no sexo, em favor de crenças religiosas. A indivisão do patrimônio da família antiga, ensina Coulanges, devia-se ao direito de primogenitura, que garantia ao primogênito, como continuador do culto doméstico, herdar os bens familiares.[6] Esta discriminação na ordem de vocação hereditária se enraizaria de tal forma na cultura indo-europeia que atravessaria séculos e só seria finalizada – é difícil crer – a partir do código civil napoleônico.

Na filosofia clássica, deve-se a Aristóteles a formulação da igualdade como o fim do direito[7]. Como conjunto de regras coercitivas que disciplinam a conduta dos homens na sociedade, o direito buscaria garantir a igualdade, seja nas relações entre os indivíduos (justiça comutativa) seja nas relações entre o Estado e os indivíduos (justiça distributiva). Nesta concepção clássica, um ordenamento jurídico só seria justo se protegesse os fracos contra os fortes, os pobres contra os ricos, e se estabelecesse medidas para que todos os membros da sociedade recebam igual tratamento, segundo certos critérios fundamentais, como o trabalho, o mérito, a necessidade etc.[8] Mas já entre os sofistas que discutiam a antítese nomosphisis[9] era surgida a ideia de igualdade e unidade do gênero humano. Segundo informa Guthrie, alguns dos defensores da physis declaravam que distinções baseadas em raça, nascimento nobre, status social ou riqueza, e instituições como a escravidão, não tinham base na natureza, mas existiam somente por nomos[10] (o que se aproxima da concepção de Rousseau, como se verá). Dizia Atenágoras, em discurso:

“Desagrada-vos estar politicamente em pé de igualdade com um número mais amplo? Mas como é justo que a membros do mesmo Estado se neguem os mesmos direitos? Dir-me-ão que a democracia não é sensata nem equitativa, e que os ricos são os mais bem qualificados para governar; mas, replico eu, primeiramente, que demos significa o Estado inteiro, e oligarquia apenas uma parte; em segundo lugar, que os ricos podem ser os melhores guardiães da propriedade, mas o melhores conselheiros são os inteligentes, e os melhores para ouvir e julgar argumentações são os muitos. E na democracia, todos estes, quer agindo separadamente, quer em conjunto, têm participação igual.”[11]

Posteriormente, o ponto de ruptura do cristianismo com o judaísmo viria com a superação da ideia de que o Deus único privilegiara um povo entre todos[12], com o cristianismo chamando todos à salvação. Encontram-se no novo testamento referências do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a consequência de que o ser humano é dotado de um valor intrínseco[13], não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento.[14]

Na obra de Tomás de Aquino, por exemplo, é constante a referência ao homem feito à imagem e semelhança de Deus. Gênesis 1:26 é por vezes citado para afirmar a dignidade natural de todo homem enquanto portador da imagem de Deus.[15] Por sua condição corpóreo-espiritual[16], o homem tem uma especial dignidade natural e por ela uma posição natural de domínio das demais criaturas terrestres. Em sua obra principal, a Suma Teológica, Tomás de Aquino apresenta o homem com uma imagem semelhante à de Deus e capaz de uma relação consciente e livre com seu criador, podendo assemelhar-se cada vez mais a Ele.[17] Em sua essência, a natureza do homem é corpóreo-espiritual e o homem tem uma atividade moral que consiste em alcançar, através de seus atos de conhecimento e de amor a Deus, uma semelhança progressiva com Ele.[18] O traço distintivo do homem não é ter sido criado diretamente por Deus, porque assim o foram também as demais criaturas terrestres, mas por sua condição de criado à imagem de Deus.[19]

Como o passar do tempo, dirigentes deixaram de lado as aspirações populares. Concentrando todo o poder político e econômico, editavam leis arbitrárias e passaram a manipular cidadãos de acordo com seus próprios interesses. Passa o poder a ser o próprio fim. Em oposição a este poder absolutista é que a quota desprestigiada da população iria se insurgir,[20] pavimentando o caminho para o Iluminismo e as revoluções burguesas. Conforme lembra Comparato, a própria Igreja, afastando-se das pregações primitivas do cristianismo, contribuiu para a desigualdade jurídico-social da Idade Média, ao reivindicar o clero como uma ordem separada dos leigos e dotada de privilégios, como a não submissão à justiça senhorial e a imunidade tributária.[21] Nas Ordenações portuguesas, v.g., havia disposições específicas para a relação entre Estado e Igreja[22], e judeus e mouros eram tratados como uma classe inferior. 

Um sopro contra o absolutismo viria com Rousseau, que subverteria a noção hobbesiana de homem, para afirma-lo originalmente bom, porém posteriormente corrompido pelo estabelecimento da sociedade. Em sua investigação sobre a origem e os fundamentos da desigualdade humana, Rousseau encontra desigualdades naturais que aceita, como as físicas, em nada próximas das qualidades distintivas que denomina morais ou políticas, que são sociais e convencionais. Rousseau aponta a riqueza, a nobreza ou condição, o poder e o mérito como as distinções principais pelas quais as pessoas se medem na sociedade, qualidades que se podem reduzir, por fim, à riqueza, e conclui ser a desigualdade moral a que reina entre os povos policiados, manifestamente contra o direito natural.[23] Posteriormente, Rousseau escreveria em uma nota, ao fim do Livro I, capítulo IX, do seu contrato social: “sob os maus governos, essa igualdade é apenas aparente e ilusória. Só serve para manter o pobre em sua miséria e o rico em sua usurpação. Na realidade, as leis são sempre úteis para aqueles que possuem e prejudiciais aos que nada tem.”[24]

Neste momento histórico, para além dos postulados jusnaturalistas, o pleito pelo reconhecimento dos direitos humanos surge como uma reação – capitaneada pela burguesia – aos excessos do Estado, e viria pregar a necessidade de contenção do poder estatal. É neste contexto que se sedimentam os ideais iluministas de igualdade como um valor universal.

A Declaração Francesa, que da revolução de 1789 decorreu, aceitou princípios jusnaturalistas para declarar a liberdade como imanente à condição humana e como princípio norteador e condicionante da confecção legislativa: art. 1º, “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”; art. 6º, “Ela (a lei) deve ser a mesma para todos, seja quando protege, seja quando pune”.[25] Como “declaração”, a Declaração Francesa não estabelece a liberdade ou a igualdade; antes, as reconhece. É semelhante à declaração de direitos do Estado da Virgínia, de 1776: “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes, e possuem alguns direitos inatos, dos quais entrando no estado de sociedade, não podem, através de convenção, privar ou despir a sua posteridade…”[26]. Este princípio de igualdade passou a ser reproduzido em praticamente todas as constituições editadas após a revolução francesa,[27] numa consagração do discurso liberal, onde a liberdade individual pressupõe a contenção do poder estatal.[28]

É representativa do ideal iluminista a noção kantiana da liberdade individual como um direito inato. Para Kant, outros direitos considerados inatos, como a igualdade, estão compreendidos no princípio da liberdade inata[29]. Há uma redução drástica de todos os direitos da tradição do jusnaturalismo na liberdade, fundamento último do ideal de justiça.[30] Em Kant, a igualdade frente à lei é formal. Os cidadãos não precisam ser iguais na quantidade e no grau de suas posses, mas somente ter uma pretensão igual de fazer valer seus direitos.[31]

Nesta concepção liberal (e burguesa), o Estado não tem fins próprios; limita-se a remover os obstáculos para o que os indivíduos possam alcançar o próprio bem estar, através de suas próprias capacidades. O Estado liberal é tanto mais perfeito quanto mais permite e garante a todos o desenvolvimento da liberdade individual.[32] “A não atuação estatal significa liberdade. Daí o primado do valor da liberdade, com a supremacia dos direitos civis e políticos e a ausência de previsão de qualquer direito social, econômico e cultural que dependesse da intervenção do Estado.”[33] É uma primeira geração (ou dimensão) de direitos, resultado do enfrentamento ao autoritarismo e arbitrariedade do governo, e compõe-se das liberdades públicas, integradas pelos direitos individuais e políticos e constituídas como núcleo dos direitos fundamentais.[34]

Os ideais iluministas foram exitosos no pleito por reconhecimento a valores imanentes à condição humana, declarados universais, aceitos mesmo que em oposição aos postulados da escola histórica do direito, e o ápice talvez seja a Declaração de Direitos.  Mas os primeiros momentos que se seguiram à revolução francesa foram marcados pela sedimentação apenas dos ideais de liberdade, assim entendida a abstenção do Estado – até então despótico. Nesta primeira dimensão de direitos, no imediato momento pós-revolução, era a liberdade o valor que sobrepujava e que experimentou maior penetração. Conforme Ferreira Filho, o Estado moderno nasce no século XVIII preocupado em assegurar, acima de tudo, a liberdade; essa é a meta fundamental e última das revoluções liberais.[35] Para os liberais, a chamada neutralidade da esfera pública simbolizaria a garantia da liberdade e da igualdade dos cidadãos[36], e isto bem convinha aos ideais burgueses, então no manche da história do ocidente.  

Os ideais de igualdade, entretanto, seriam traídos no seio da própria revolução francesa, que não se ruborizaria com pontuais hipocrisias. Mesmo frente à declarada igualdade entre os cidadãos, a França revolucionária experimentaria a instituição do voto censitário na Constituição de 1791, ardil a que recorreram para impedir a eleição de opositores da propriedade privada na recém-implantada monarquia constitucional. O próprio texto do artigo 6º da Declaração de Direitos da Revolução Francesa destoava, ao mencionar a dignidade humana numa acepção não inata: “sendo todos os cidadãos iguais a seus olhos (da lei), têm eles igual acesso a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo sua capacidade e sem outra distinção que a de suas virtudes e de seus talentos”.[37]

Um claro exemplo das preocupações que acompanhavam as primeiras manifestações do Estado moderno é dado por Gomes, que cita a inspiração individualista do século XVIII experimentada pela Constituição americana de 1787 que, “nos seus primórdios, tinha como preocupação básica, primeiramente, a consolidação da estrutura federal de governo e a fixação dos termos em que deveriam se dar as relações entre os Poderes e, num segundo plano, a proteção do indivíduo contra os excessos e abusos do Estado.”[38] O princípio da isonomia, pela equal protection of the law, só seria incorporado pelo Texto Constitucional americano em 1868, com a Emenda XIV, ou seja, após cessada a guerra civil.[39] Já a Declaração de Independência dos Estados Unidos, inspirada por Jefferson, proclama que todos os homens são iguais por criação e dotados de direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade e a busca da felicidade.[40]

Assim, os ideais iluministas de igualdade, também declarada um direito do homem, restringiam-se a um reconhecimento formal, sedimentando-se uma concepção hipócrita-formal do princípio que por tempos coexistiria com classes sociais economicamente distantes e com interesses contrapostos: os detentores do capital – ou burgueses – e o proletariado, também integrado por minorias. Lembra Gomes que a experiência mostrou que, tal como construída, à luz da cartilha liberal oitocentista, a igualdade jurídica nada mais era do que uma mera ficção[41]; ou, como mais incisivamente prefere Comparato, o princípio da igualdade liberal era o mero triunfo do formalismo abstrato e hipócrita, sobre a crua evidência das realidades concretas. Se antes havia uma sociedade juridicamente desigual, agora a desigualdade se deslocou para o campo econômico.[42]

Os ideais preconizados pelo movimento iluminista propiciaram, é verdade, um formidável desenvolvimento econômico setorizado, principalmente pelo liberalismo conquistado pela iniciativa privada, mas também levaram ao surgimento de uma classe social que se enriquecia, composta por detentores dos meios de produção capitalista, e de uma contraposta classe operária, formada por uma massa que tinha a oferecer apenas o seu trabalho, segundo as regras liberais de oferta e procura. Concomitantemente, elevado crescimento demográfico fornecia excesso de mão-de-obra, que não era inteiramente absorvida pela indústria, possibilitando condições ideais de exploração.

Tome-se o exemplo da Rússia, que produziria uma revolução com bandeiras de contestação à desigualdade econômica então reinante e ressoaria retumbantemente no ocidente. No início do século XX, a Rússia liderava a produção mundial de petróleo e a exportação de grãos, e sua classe de escritores, artistas, compositores e cientistas, mantinha estreito contato com países do Ocidente. Mas esta sociedade de extremados contrastes exibia oitenta por cento de sua população composta por camponeses não integrados à sociedade e vivendo como seus ancestrais da idade média. Até 1861, quando o czar Alexandre II liberou os servos após mais de 250 anos de servidão, cerca de metade dos camponeses russos compunha-se de servos (sem direitos civis), submetidos à autoridade arbitrária de seus senhores, e os demais submetiam-se ao Estado e à coroa. A aldeia russa era uma aglomeração de casebres de troncos alinhados ao longo de uma estrada que corria através da vila, sem órgãos formais de autogestão. Com o mais alto crescimento demográfico da Europa, a falta de terras para todos propiciou a emergência de uma classe rural sem terra ou pobre, e o desenvolvimento industrial, embora rápido, só absorvia uma fração do excesso da população rural. No campo jurídico, não dispunha de Constituição ou de parlamento.[43]

A liberdade conquistada, que de fato consistia na não intervenção do Estado, deixava os indivíduos livre para administrarem seus interesses e não havia qualquer forma de proteção estatal aos hipossuficientes, que passaram a ser explorados como trabalhadores e não tinham possibilidade de usufruir os direitos que formalmente lhes eram atribuídos.[44] Como interessava aos patrocinadores da ideologia dominante, o direito de propriedade deveria ser protegido tanto quanto quaisquer outros, e a liberdade que se venerava permitia o seu livre gozo.[45] Luisi identifica no postulado do art. 17 da Declaração Francesa de 1789, da propriedade como direito sagrado e inviolável, e sua apendícula liberdade de contratar, a origem de uma realidade social chocantemente desigualitária e injusta, contra a qual se levantaram vozes de pensadores da época.[46] De fato, contestações surgiram a criticar o caráter meramente formal da igualdade, do que é exemplo a doutrina social da Igreja[47]. Conhecida crítica de Marx afirmava que o exercício das liberdades reconhecidas nas Declarações pressupunha mínimas condições econômicas, sem as quais o indivíduo não poderia delas usufruir concretamente.[48] A superestrutura pressupõe a infraestrutura. Sem um mínimo necessário à sua existência, ninguém é livre. Em sua Oração aos Moços, Rui Barbosa discursou:

“Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.”[49]

Formalmente declarados iguais perante a lei, uns detinham os bens de produção e, sob os ideais de livre mercado, livre concorrência e propriedade privada, submetiam outros, os trabalhadores, que ofereciam o trabalho como única mercadoria de troca, e que não podiam se opor às condições violadoras da dignidade humana, nas indústrias, fábricas e minas. Este fenômeno – a “questão social” ou a “luta de classes” – verificado principalmente nos Estados que primeiro se organizaram sob o sistema capitalista e sob os ideais iluministas de liberalismo de mercado e absenteísmo estatal, logo produziria influência nas constituições. Assim, as primeiras inserções da igualdade nos textos constitucionais tem origem nas demandas sociais surgidas no pós-revolução industrial.[50]

É deste período o surgimento de um grupo de direitos de segunda dimensão, comumente chamado direitos sociais ou sociais e econômicos, cujo fim último é o implemento de fato de uma igualdade até então apenas formalizada, e é também deste contexto a criação da Organização Internacional do Trabalho, criada após a primeira guerra mundial com a finalidade de promover padrões internacionais de condições de trabalho.[51]

Ainda no âmbito internacional, os ideais de igualdade e liberdade permearam a já citada Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948.[52] A Declaração tem o mérito de anunciar a igualdade intrínseca do ser humano como um postulado e reconhece episódios brutais da história humana como barbáries evitáveis através de um regime de direito que combata a tirania e a opressão.[53] É desta época o primeiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos, aprovado no âmbito da ONU, e que já previa a criação de uma corte internacional penal.[54]

Assim, a conexão jurídico-positiva entre dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais começa como Estado social de Direito, nas Constituições e grandes textos internacionais subsequentes à segunda guerra mundial[55], e os ideais iluministas de igualdade formal passariam por um processo de reavaliação, senão forjado ao menos impulsionado por movimentos sociais de contestação, como a revolução russa que findaria o czarismo autocrata-absolutista e a dinastia Romanov.

Na constituição japonesa de 1947, onde o artigo 14 estabelece que “todos serão iguais perante a lei e não haverá discriminação nas relações políticas, econômicas e sociais por motivo de raça, credo, sexo, condição social ou origem de família”, a hereditariedade do Imperador é considerada uma exceção válida ao princípio de igualdade perante a lei.[56]

Na atual Constituição de Portugal, o artigo 13º dispõe sobre o princípio da igualdade:1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei; 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

Na Constituição espanhola, artigo 1º, 1, consta que “A Espanha se constitui em um Estado social e democrático de direito, que propugna como valores superiores de seu ordenamento jurídico a liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo político.”

No Brasil, a Constituição Federal de 1824 já previa a igualdade, no art. 179, XIII: “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.” Ao mesmo tempo, “escravos não eram tidos como seres humanos, logo, não tinham direito a processo e sofriam castigos (a esmo ou por seus supostos crimes) da forma que melhor deliberassem seus proprietários.”[57] Melhor fizeram os americanos, que no bill of rights de 1791, não declararam a isonomia; eram, nas palavras de Comparato, “sem dúvida menos hipócritas ou inconsequentes” que o constituinte brasileiro de 1824.[58]

A Constituição de 1891 voltaria a declarar, limitando-se a tal, serem todos iguais perante a lei[59]. A Constituição de 1934, abertamente influenciada pelo novo contexto europeu, haveria de, além de declarar a igualdade perante lei, estipular proibições de discriminação, uma tendência que se verificaria repetida nas experiências constitucionais posteriores, à exceção da Constituição de 1946, que apenas declarou a igualdade.[60] Mas o grande diferencial da Constituição de 1934 vinha pela previsão dos surgentes direitos sociais.[61] A despeito de afirmações de que a experiência constitucional brasileira pré-1988 conhecera um princípio da igualdade meramente formal[62], lições havia a pregar a convivência entre a vertente material do princípio da igualdade, com seu prisma formal.[63]

Na Constituição Federal de 1988, a igualdade consta já como objetivo da República (artigo 3º, III e IV), além da reiteração verificada no artigo 5º (caput e inciso I), e é neste ambiente jurídico que se deve perscruta-la, ciente da advertência de que a noção de igualdade é fluida e variável, e cada Estado, cada credo, cada ideologia acaba externando-a de forma diversa.[64]

3. A compreensão atual

Compreendido em rápidas linhas o aluviano desenvolvimento da igualdade jurídica material e sua absorção pelo direito brasileiro, passa-se à análise de seu do conteúdo, conforme compreendido pelo constitucionalismo atual.

Para José Afonso da Silva, o princípio da legalidade abrange a noção de igualdade material, de tratamento segundo condições de desigualdade. Para o autor, o Estado se sujeita ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas por busca da igualização das condições dos socialmente desiguais.[65] Segue-o Borges, ao afirmar o princípio da legalidade como manifestação do princípio da igualdade, e que a igualdade é um dos conteúdos necessários da legalidade; a igualdade formal garante a material.[66]

Para Ferreira Filho, o princípio da igualdade possui três aspectos: igualdade de todos perante o direito, uniformidade de tratamento dos casos iguais, e proibição de discriminações. A igualdade perante e lei, ou perante o direito, é a resposta dos movimentos liberais aos privilégios da nobreza e do clero. Sua inserção nas Declarações liberais significa que não se toleram mais distinções por nascimento ou pelo exercício de certas funções, devendo uniformizar-se o estatuto jurídico a todos os homens. Por uniformidade de tratamento, entende-se o imperativo de que as leis tratem igualmente os casos iguais, e desigualmente os casos desiguais. Por fim, a proibição de discriminações implica que eventual diferenciação legislativa deve ser justificada.[67]

Em Canotilho, o princípio da igualdade está associado à proibição do arbítrio; o arbítrio da desigualdade é condição necessária e suficiente para a violação do princípio da igualdade.[68]

O que releva considerar neste passo é que o acolhimento do princípio da igualdade não veda, peremptoriamente, a utilização de discrímens, ainda que sensíveis por razões histórico-culturais, como de fato o são o sexo ou a cor da pele. “O tratamento isonômico deve ser propiciado pelo Poder Público não só no momento da aplicação da lei, mas desde sua elaboração, o que não quer dizer que se exclua a possibilidade de certas discriminações, mas sim que estas ocorram de forma justificada.”[69]

O princípio da isonomia – em sua vertente material – em grande número de hipóteses de sua incidência, não apenas não veda o estabelecimento de desigualdades jurídicas, como, ao revés, impõe o tratamento desigual.[70] A igualdade pressupõe desigualdade e esta inexorabilidade sensibilizou mesmo o legislador constituinte originário, do que constitui exemplo a contraposição do artigo 5º, I, com os artigos 40, § 1º, III, e 201, § 7º, da Constituição Federal brasileira de 1988.

Na busca pelo conteúdo jurídico do princípio, na esteira de Bandeira de Melo, percebe-se ser da essência da lei discriminar, e o discrímen eleito pela norma – qualquer que seja – será legítimo ou não segundo sua correlação com os objetivos visados.

Em abordagem ao princípio da isonomia feita ainda sob a égide da Emenda Constitucional 1/1969, Valle Figueiredo concluía que ao Legislativo só é lícito estabelecer discrímens imediatamente referíveis à finalidade da norma que editará, discrímens relativos a classes lógicas, estando-lhe proibido criar diferenciações onde não haja uma relação de adequação entre as diferenciações e as situações tuteladas.[71]

Em célebre lição, Bandeira de Melo sublinha a imposição constitucional de que haja correlação lógica entre o discrímen eleito pela norma e seus objetivos. No exame de constitucionalidade da norma, sob o filtro da igualdade, deve-se, segundo Bandeira de Melo, verificar o fator escolhido pela lei como discriminatório; após, há de verificar-se se aquele elemento possui fundamento lógico a justificar o tratamento diferenciado; e, por fim, deve-se observar se a relação entre o elemento diferenciador de seu fundamento lógico se encontra em sintonia com os valores prestigiados e positivados no ordenamento jurídico.[72]

Bandeira de Melo também reitera ser próprio das leis desigualar situações; discriminações terão de haver. Para o autor, as normas sempre fazem e sempre farão distinções entre coisas, seres e situações, os quais sempre possuem entre si pontos comuns, que permitirão considera-los iguais. De outro lado, sempre apresentarão diferenças em relação a outros aspectos e circunstâncias que os envolvem, fato que ensejaria considera-los distintos entre si.[73]

Segundo a fórmula de Bandeira de Melo, se o tratamento discriminatório outorgado a uns for justificável, por existir uma correlação lógica entre o fator de discrímen tomado e o regramento que se lhe deu, a norma ou a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade; se, pelo contrário, inexistir esta relação de congruência lógica, a norma ou a conduta serão incompatíveis com aquele princípio.[74]

Por fim, são comuns as lições forqueando o princípio em igualdade na lei e perante a lei[75], divisão que parece ter se iniciado na doutrina brasileira com Pontes de Miranda:

“O texto começa a enumeração dos direitos fundamentais pelo princípio de isonomia ou princípio de igualdade perante a lei, dito também princípio formal porque não igualiza ‘materialmente’. Todos são iguais perante a lei. O princípio dirige-se a todos os poderes do Estado. É cogente para a legislatura, para a administração e para a justiça. Aliás podem ser explicitados dois princípios: um de igualdade perante a lei feita, e outro, de igualdade na lei a fazer-se. Não é só a incidência e a aplicação que precisam ser iguais, é preciso que seja igual a legislação.”[76]

Para José Afonso da Silva[77] esta é uma distinção do direito estrangeiro desnecessária entre nós, porque a orientação aqui é de que a igualdade é material, seja perante, seja na lei. Sem prejuízo, é possível identificar-se a dicotomia nas diversas abordagens doutrinárias do princípio e, de um modo geral, relacionando-se a igualdade perante a lei à igualdade formal, e a igualdade na lei à igualdade material. O próprio José Afonso da Silva aponta a dicotomia neste sentido, apesar de entendê-la inútil e desvantajosa no sistema brasileiro.[78]

Para Araújo[79], a igualdade perante a lei é a igualdade formal, o tratamento sem qualquer distinção, que não admite privilégios, e neste sentido o princípio da igualdade não admite que sejam feitas discriminações injustificadas. Já pela igualdade na lei, que identifica como material, admite-se que certos valores, direitos de pessoas ou grupos necessitam de proteção especial, e a utilização deste discrímen é aceita pela realidade vivida por tais grupos. É esta a vertente do princípio da igualdade que admite o tratamento desigual a grupos desiguais, a justificar que grupos de excluídos, como os deficientes, sejam beneficiados por medidas específicas de inclusão, por exemplo.

Também Gomes[80] identifica a igualdade perante a lei com a noção clássica iluminista de igualdade, ao afirmar que “a teoria constitucional clássica, herdeira do pensamento de Locke, Rousseau e Montesquieu, é responsável pelo florescimento de uma concepção meramente formal de igualdade – a chamada igualdade perante a lei.”[81]

Acrescente-se que a igualdade na lei – ainda uma igualdade material – está direcionada ao legislador, que, por tal, está orientado – ou mais, vinculado – à elaboração de leis condizentes com a igualdade constitucional. Veja-se, por representativa, a lição de Ferreira Filho:

“O Legislativo também se acha adstrito à proibição do arbítrio. E isto de dois modos diferentes. Um decorrente da supremacia da constituição, já que esta impõe uma ‘superlegalidade’ que se impõe a todos os poderes. Outro resultante do princípio de igualdade perante a lei que é também princípio de igualdade na lei. Ou seja, igualdade perante a lei que se faz. […] o Legislador não pode estabelecer leis arbitrária (sic). Não o pode porque a tanto o impede o princípio da igualdade jurídica.”[82]

Semelhantemente, em Canotilho a igualdade perante a lei é uma igualdade verificável na aplicação do direito, enquanto que quanto à criação do direito (ou considerado o conteúdo da lei) a igualdade é no sentido de igualdade na própria lei, ressalvando o autor que apenas se satisfaz a exigência constitucional por uma igualdade material.[83]

Eis, em breves linhas, a forma pela qual se tem compreendido a igualdade, enquanto princípio jurídico.

Ao final, o que se espera ter restado sublinhado é que a igualdade jurídica está constitucionalmente elevada a cânone de respeito à dignidade humana, fundamento da República brasileira e princípio norteador da hermenêutica constitucional. A dignidade humana é, em termos de Antunes Rocha, o único guia do princípio da igualdade.[84] O ser humano deve ser sempre tratado de modo diferenciado em face da sua natureza racional.[85]

Frente à realidade brasileira, de conhecidas miséria e exclusão, permanece a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República.

 

Referências
ARAUJO, Luiz Alberto David. Proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2003.
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Notas:
[1] SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana. In MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio Marques da (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 224-225.

[2] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 87.

[3] PATRÃO-NEVES, Maria do Céu. O genoma e a identidade da pessoa. In MELO, Helena; NUNES, Cristina; NUNES, Rui (Coord.). Genoma e dignidade humana. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2002, p. 33-34. A abordagem da autora é feita contrapondo identidade biológica, homogeneizadora e própria da espécie humana, à identidade pessoal, enunciadora do que é único, singular, em cada ser humano.

[4] COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. Aurélio Barroso Rebello e Laura Alves. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 74.

[5] COULANGES, Fustel de. Op. cit., p. 100.

[6] COULANGES, Fustel de. Op. cit., p. 112.

[7] Barroso, em conferência sobre a igualdade perante a lei, após abordar a concepção liberal de igualdade, conclui que: “a noção do princípio isonômico tem matriz individualista, sem maior cunho social, alheio a questões como a da distribuição da riqueza ou qualquer outro componente da igualdade material”. O próprio autor, entretanto, cita a concepção aristotélica de igualdade, que se afasta de uma concepção meramente formal (BARROSO, Luís Roberto. Igualdade perante a lei. Revista de direito público. São Paulo, ano XIX, vol. 78, p. 65-77, abr./jun. 1986).

[8] BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de emanuel kant. Trad. Alfredo Fait. Rev. trad. Estevão Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984, p. 72-73.

[9] Nos séculos V e IV a.C., nomos e physis são palavras-chave antitéticas do pensamento grego. Pode-se traduzir physis por ‘natureza’ ou ‘realidade’, enquanto nomos é algo em que se crê, que se pratica ou que se sustenta ser certo; nomos relaciona-se a uso ou costume baseado em crenças tradicionais e também a leis formalmente esboçadas, como norma obrigatória.  (GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. Trad. João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1995, p. 58-59).

[10] GUTHRIE, W. K. C. Op. Cit., p. 112.

[11] Apud GUTHRIE, W. K. C. Op cit., p. 139.

[12] COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, desigualdades. Revista trimestral de direito público. São Paulo, vol. 1, p. 69-83, jan./jun. 1993.

[13] Segundo Dworkin, uma coisa é intrinsecamente valiosa se seu valor for independente daquilo que as pessoas apreciam, desejam ou necessitam, ou do que é bom para elas (DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. Rev. trad. Silvana Vieira. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 99).

[14] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 30.

[15] REINHARDT, Elisabeth. La dignidad del hombre em cuanto imagen de Dios: Tomás de Aquino ante sus fuentes. Pamplona: Eunsa, 2005, p. 54.

[16] Na teoria tomista, também os anjos foram criados ad imaginem Dei; por serem, entretanto, criaturas espirituais, a semelhança perfectiva que podem ter as alcança de modo instantâneo, devido à perfeição de sua natureza; são criaturas desprovidas de atividade moral no transcurso do tempo e que não podem tender a um fim elegendo os meios, diferindo-se dos homens, que são mutáveis. (REINHARDT, Elisabeth. Op. cit., p. 38).

[17] REINHARDT, Elisabeth. Op. Cit., p. 29.

[18] REINHARDT, Elisabeth. Op. Cit., p. 38-39.

[19] REINHARDT, Elisabeth. Op. Cit., p. 33.

[20] SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 228.

[21] COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, desigualdades. Revista trimestral de direito público. São Paulo, vol. 1, p. 69-83, jan./jun. 1993.

[22] A este respeito, por exemplo, vide o Livro II das Ordenações Afonsinas.

[23] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1997, vol. 2.

[24] ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Escala Educacional, 2006, p. 32.

[25] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 19.

[26] In BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de emanuel kant. Trad. Alfredo Fait. Rev. trad. Estevão Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984, p. 75.

[27] BARROSO, Luís Roberto. Igualdade perante a lei. Revista de direito público. São Paulo, ano XIX, vol. 78, p. 65-77, abr./jun. 1986.

[28] A concepção de igualdade segundo o ideal liberal foi absorvida pela Constituição Brasileira de 1824 – vide artigo 179, XIII, transcrito infra.

[29] Mas esta liberdade inata, em Kant, é uma liberdade externa; é uma liberação dos impedimentos que provém dos outros. É a liberdade jurídica. Kant também reconhece uma liberdade interna, moral, que é a liberação de impedimentos de si mesmo – paixões, interesses, inclinações (a respeito, vide BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de emanuel kant. Trad. Alfredo Fait. Rev. trad. Estevão Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984, p. 58-61).

[30] BOBBIO, Norberto. Op. Cit., p. 75.

[31] BOBBIO, Norberto. Op. Cit., p. 144.

[32] BOBBIO, Norberto. Op. Cit., p. 132-136.

[33] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138-139.

[34] SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 225.

[35] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O princípio da igualdade e o acesso aos cargos públicos. RPGE. São Paulo-SP, 1978/1979, 13:15, p. 53.

[36] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 73-74.

[37] Redação extraída de FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O princípio da igualdade e o acesso aos cargos públicos. RPGE. São Paulo-SP, 1978/1979, 13:15, p. 68.

[38] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Op. Cit., p. 78.

[39] Em 2003, v.g., no caso Lawrence vs. Texas, a Suprema Corte ainda revisava um posicionamento seu, ao considerar violadora da igualdade e da liberdade pessoal – entre heterossexuais e homossexuais – uma lei do Texas que previa: “Texas Penal Code Ann. §21.06.a: Homosexual Conduct (a) A person commits an offense if he engages in deviate sexual intercourse with another individual of the same sex” (FELDENS, Luciano. A constituição penal: dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 49).

[40] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 39.

[41] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Op. Cit., p. 3.

[42] COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, desigualdades. Revista trimestral de direito público. São Paulo, vol. 1, p. 69-83, jan./jun. 1993.

[43] PIPES, Richard. História concisa da revolução russa. Trad. T. Reis. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 19-24.

[44] SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 229.

[45] Este primado do direito de propriedade permearia a confecção do Código Civil francês de 1804, e este por sua vez desencadearia uma onda de codificações por toda a Europa, e chegaria ao Brasil pelo Código Civil de 1916.

[46] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2003, p. 105-106.

[47] A este respeito, Grinover cita Leão XIII e a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, com aplicação dos princípios gerais da justiça e do bem comum a uma economia capitalista; Pio XI e a Qadragesimo Anno, de 1931, acentuando direitos de liberdade frente ao advento do socialismo e à crise do capitalismo norte-americano; e João XXIII com a Mater et Magistra, de 1961, onde se afirma a imposição de uma nova civilização do trabalho à civilização do capital e a função social da propriedade (GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 9).

[48] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 24.

[49] Oração aos Moços foi o discurso apresentado pelo então paraninfo Rui Barbosa, aos bacharéis de 1920 da Faculdade de Direito da USP (vide BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007).

[50] Não se pense tratar-se de questão ultrapassada. Ainda hoje, é comum o conformismo com a mera positivação do princípio da igualdade. Adverte-o Gomes: “Na maioria das nações pluriétnicas e pluriconfessionais, o abstencionismo estatal se traduziu na crença de que a mera introdução nas respectivas Constituições de princípios e regras asseguradoras de uma igualdade formal perante a lei de todos os grupos étnicos componentes da Nação, seria suficiente para garantir a existência de sociedades harmônicas, onde seriam assegurados a todos, independentemente de raça, credo, gênero ou origem nacional, efetiva igualdade de acesso ao que comumente se tem como conducente ao bem-estar individual e coletivo.” (GOMES, Joaquim B. Barbosa. Op. Cit., p. 36). 

[51] No Brasil, reformas trabalhistas seriam implementadas por Getúlio Vargas sob inspiração no modelo direitista-fascista italiano, com partidos políticos e sindicatos.

[52] A declaração Universal foi adotada pela ONU na forma de Resolução. Posteriormente, discussões foram travadas para atribuir-lhe força vinculante, culminando com a elaboração de dois tratados internacionais distintos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A respeito, vide PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 157-183.

[53] BALICO, Vladimir. A discriminação racial e a efetividade dos direitos fundamentais. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 295.

[54] Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 9 de dezembro de 1948, ratificada pelo Brasil em 15 de abril de 1952: art. 6º: “As pessoas acusadas de genocídio serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território foi o ato cometido ou pela corte penal internacional competente com relação às Partes Contratantes que lhe tiverem reconhecido a jurisdição.” Entretanto, a Assembleia Geral das Nações Unidas só aprovaria em 9 de dezembro de 1994 a Res. 49/53, criando um Comitê Especial para a criação do TPI, retomando aquelas antigas discussões. O relatório do Comitê Especial foi acolhido pela Assembleia Geral pela Res. 50/46, criando-se o Comitê Preparatório para o Tribunal Penal permanente. No cinquentenário da Convenção, em 17 de julho de 1998, na Conferência de Roma, foi aprovado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, mas o TPI só passaria a funcionar em 11.04.2002, após a satisfeita a exigência de ratificação por pelo menos sessenta países.

[55] MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos fundamentais. Vide também MENDES, Gilmar Ferreira. A proteção da dignidade humana no contexto do processo judicial. Ambos In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

[56] MORI, Seiichi. Direito constitucional japonês. Revista de direito público. São Paulo, ano XX, vol. 81, p. 24-31, jan./mar. 1987.

[57] BALICO, Vladimir. A discriminação racial e a efetividade dos direitos fundamentais. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 286.

[58] COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, desigualdades. Revista trimestral de direito público. São Paulo, vol. 1, p. 69-83, jan./jun. 1993.

[59] Vide artigo 72, com redação mantida pela Emenda Constitucional 3 de 1926.

[60] Tempos depois, indagaria Antunes Rocha, se é possível asseverar-se, sem qualquer traço de ingenuidade cômoda ou mesmo de hipocrisia mal dissimulada, que a igualdade é respeitada de modo eficiente e democrático apenas pela negação jurídica da desigualdade formal como comportamento válido (ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação afirmativa – o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de direito público. São Paulo, vol. 15, p. 85-99, 1996). Mas a cômoda previsão legislativa, despreocupada com a materialização de suas disposições, se destacaria como distintiva característica brasileira.

[61] Vide, em especial, o artigo 138.

[62] SILVA, José AFONSO DA. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 214.

[63] A respeito, vide lição de Pontes de Miranda, abaixo transcrita, em que defende a dicotomia igualdade perante a lei (formal) e igualdade na lei (material).

[64] FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 49.

[65] SILVA, José Afonso da. Curso de direito conselho positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 420.

[66] BORGES, José Souto Maior. Significação do princípio da isonomia na Constituição de 1988. Revista de direito público. São Paulo, vol. 15, p. 29-34, 1996.

[67] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O princípio da igualdade e o acesso aos cargos públicos. RPGE. São Paulo-SP, 1978/1979, 13:15, p. 59-63.

[68] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, (?), p. 419.

[69] SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 231.

[70] BARROSO, Luís Roberto. Igualdade perante a lei. Revista de direito público. São Paulo, ano XIX, vol. 78, p. 65-77, abr./jun. 1986.

[71] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direitos e garantias individuais: o princípio da isonomia. Revista de direito público. São Paulo, ano X, vol. 49-50, p. 121-131, jan./jun. 1979.

[72] BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 27-28.

[73] BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Princípio da isonomia: desequiparações proibidas e desequiparações permitidas. Revista trimestral de direito público. São Paulo, vol. 1, p. 69-83, jan./jun. 1993.

[74] BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Princípio da isonomia: desequiparações proibidas e desequiparações permitidas. Revista trimestral de direito público. São Paulo, vol. 1, p. 69-83, jan./jun. 1993.

[75] Ligeiramente distinta, a abordagem de Uyeda enfoca tridimensionalmente a igualdade: igualdade formal, como a igualdade perante a lei; igualdade material, como noção (aristotélica) de justiça social distributiva fundada em critério socioeconômico; e igualdade substancial, que corresponde ao ideal de justiça com reconhecimento da diversidade individual, relacionado a raça, etnia, orientação religiosa ou sexual etc..

[76] MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição de 1946. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. Tomo IV, p. 64.

[77] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 215.

[78] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 215.

[79] ARAUJO, Luiz Alberto David. Proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 200, p. 72-80.

[80] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 79-80.

[81] Ainda fazendo a distinção entre igualdade na lei e perante a lei, vide BORGES, José Souto Maior. Significação do princípio da isonomia na Constituição de 1988. Revista de direito público. São Paulo, vol. 15, p. 29-34, 1996.

[82] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O princípio da igualdade e o acesso aos cargos públicos. RPGE. São Paulo-SP, 1978/1979, 13:15, p. 56.

[83] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, (?), p. 416-417.

[84] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação afirmativa – o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de direito público. São Paulo, vol. 15, p. 85-99, 1996.

[85] SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 227.


Informações Sobre o Autor

Fernando Muniz Silva

Promotor de Justiça em Minas Gerais. Mestrando em direito processual penal pela PUC-SP


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