Resumo: O presente estudo tem por escopo tecer algumas considerações acerca do princípio da transparência como informador do Direito Administrativo hodierno em especial quando trata dos gastos públicos sendo expresso pela Lei Complementar n 101/2000 ou seja a Lei de Responsabilidade Fiscal
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo tecer algumas considerações acerca do princípio da transparência como informador do Direito Administrativo hodierno, em especial quando trata dos gastos públicos, sendo expresso pela Lei Complementar nº 101/2000, ou seja, a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A referida norma é a regulamentação do art. 163 da Constituição Federal, ao dispor sobre os princípios e normas de finanças públicas e estabelecer um “regime de gestão fiscal responsável”. A supracitada lei faz parte de um projeto maior de reforma do Estado brasileiro, que inclui, entre suas diretrizes, introduzir um regime fiscal sustentável a médio e longo prazos, isto é, insere-se no plano maior de uma ampla reforma tributária.
Nesse contexto, a LRF concretiza diretamente a transparência administrativa, pois estabelece os meios através dos quais se pode assegurar a transparência da gestão fiscal, tais como o incentivo à participação popular e realização de audiência públicas durante os processos de elaboração e discussão dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos (parágrafo único do art. 48).
Assim, pode-se dizer que o controle do cidadão sobre os gastos públicos deriva do próprio Direito Natural. Ressalte-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, art. 15, definiu que a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público de sua administração.
E como forma de externar essa vontade popular, a LRF surge preceituando que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio nas contas públicas.
A transparência passa, pois, a ser um dos princípios fundamentais da Lei fiscal para o controle das despesas e do déficit público, já que adota medidas de transparência das contas públicas na aplicação e divulgação dos resultados alcançados.
2. OS ALICERCES DA LEI DE REPOSABILIDADE FISCAL (LRF)
Antes de adentrar no estudo mais aprofundado do princípio da transparência, impende proceder a uma investigação acerca dos sustentáculos da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual se sobre quatro pilares, dos quais depende o alcance de seus objetivos. São eles: o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilidade.
A rigor, esses pontos são recorrentes na doutrina sobre requisitos da boa administração pública. Na atualidade, parecem tomar revigorado impulso, dado o alto grau de endividamento dos entes da federação e também devido à democratização e desejo de maior participação e controle da sociedade, extenuada por suportar elevada carga tributária, sem a correspondente contrapartida em termos de prestação de serviços, como saúde, segurança, educação, saneamento, transporte público, e similares.
O planejamento dará suporte técnico à gestão fiscal, através de mecanismos operacionais, como o Plano Plurianual – PPA (embora vetado o artigo 3º da Lei, o PPA é exigência constitucional), a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária – LOA. Por meio desses instrumentos, haverá condições objetivas de programar a execução orçamentária e atuar no sentido do alcance de objetivos e metas prioritárias.
Os sistemas de controle deverão ser capazes de tornar efetivo e factível o comando legal, fiscalizando a direção da atividade administrativa para que ocorra em conformidade com as novas normas, como ressalta Fernandes (In: Castro, 2000, p. 22). A fiscalização, que há de ser rigorosa e contínua, exigirá atenção redobrada de seus executores, principalmente dos tribunais de contas.
Por seu turno, a responsabilidade é importantíssimo, pois ele impõe ao gestor público o cumprimento da lei, sob pena de responder por seus atos e sofrer as sanções inseridas na própria Lei Complementar 101/2000 e em outros diplomas legais, como disposto no artigo 73 da lei antes mencionada.
O último alicerce e objeto do presente trabalho, refere-se à transparência, por meio da qual se colocará à disposição da sociedade diversos mecanismos de cunho democrático, entre os quais merecem relevo: a participação em audiências públicas e a ampla divulgação das informações gerenciais, através do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, do Relatório de Gestão Fiscal, bem como dos Anexos de Metas e Riscos Fiscais.
Nesse ínterim, de maneira coerente com o disposto no art. 37 da Constituição da República, que dá suporte ao princípio da publicidade, a seção I do capítulo IX da LRF trata da transparência. Nesse caso, publicidade é definida como a divulgação oficial do ato, para conhecimento público e início de seus efeitos externos, constituindo, sem dúvida, requisito de eficácia e controle da moralidade dos atos administrativos, especialmente, no tocante ao aspecto financeiro.
Segundo o art. 48 da LRF, a transparência é assegurada através da divulgação ampla, inclusive pela internet, de planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; relatórios de prestações de contas e respectivos pareceres prévios; relatórios resumidos da execução orçamentária e gestão fiscal, bem como das versões simplificadas de tais documentos.
3. A TRANSPARÊNCIA COMO PRINCÍPIO DA LEI DE DESPONSABILIDADE FISCAL
A transparência administrativa constitui uma mutação fundamental no direito da Administração Pública, cujo princípio se impõe como um dos princípios gerais do direito, ao inverso da tradição do segredo administrativo.
Nesse contexto, na Constituição Federal de 1988 foi inscrita uma série de princípios e regras tendentes a assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos e os deveres de transparência do Estado, que, em última instância, decorrem da própria noção do que seja “Estado Democrático de Direito”. Daí o princípio da transparência estar, inicialmente, concretizado na Carta Maior, através do art. 5º, incisos XXXIII, XXXIV e LXXII, que assegura, por exemplo, a todos o direito de dos órgãos públicos informações (dados) de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral.
No tocante á inserção do princípio em análise no texto da LRF, podemos expor a lição de Maren Guimarães Taborda, para quem:
“(…) a Lei Complementar nº 101/00, que dispõe sobre a Responsabilidade Fiscal, também realiza, direta ou indiretamente, o princípio da transparência administrativa, porquanto obriga os administradores públicos não só a emitirem declarações de responsabilidade como também a permitirem o acesso público a essas informações.”[1]
O capítulo IX da Lei de Responsabilidade Fiscal refere-se à transparência, controle e fiscalização e estabelece regras e procedimentos para a confecção e divulgação de relatórios e demonstrativos de finanças públicas, a fiscalização e o controle, visando permitir ao cidadão avaliar através da informação disponibilizada em relatórios, o grau de sucesso obtido pela administração das finanças públicas, particularmente a luz das normas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal.
A transparência na Lei de Responsabilidade Fiscal está assegurada pelo incentivo à participação da população e pela realização de audiências públicas no processo de elaboração como no curso da execução dos planos, da lei de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos. Um bom exemplo é o orçamento participativo, que significa a abertura do processo orçamentário à participação da população com base no preceito contido no inciso XII, do art. 29, da Constituição Federal, que estabelece a cooperação das associações representativas no planejamento municipal. Resumindo, os cidadãos são convidados a tomarem as decisões sobre a melhor forma de aplicar os recurso públicos.
Além disso, conforme acima mencionado a Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu art. 48, determina a divulgação ampla em veículos de comunicação, inclusive via internet, dos relatórios com informações que tratam das receitas e das despesas, possibilitando verificar sua procedência e a autenticidade das informações prestadas.
Para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal, consideram-se instrumentos de transparência os planos, orçamentos e a Lei de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio dos órgãos de controle externo, os relatórios de gestão fiscal e sua versão simplificada e os relatórios resumidos da execução orçamentária e sua versão simplificada.
O Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) é exigido pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que estabelece em seu art. 165, parágrafo 3º, que o Poder Executivo o publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre. A União já o divulga, há vários anos mensalmente. O objetivo dessa periodicidade é permitir que, cada vez mais, a sociedade, por meio dos diversos órgãos de controle, conheça, acompanhe e analise o desempenho da execução orçamentária dos governos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal especifica os parâmetros necessários à elaboração do Relatório Resumido da Execução Orçamentária. Sua elaboração e publicação é de responsabilidade do Poder Executivo. As informações deverão ser elaboradas a partir da consolidação de todas as unidades gestoras, no âmbito da administração direta, autarquias, fundações, fundos especial, empresas públicas e sociedade de economia mista. Assim, o Relatório Resumido da Execução Orçamentária abrangerá os órgãos da administração direta, dos Poderes e entidades da administração indireta, constituídas pelas autarquias, fundações, fundos especiais, empresas públicas e sociedades de economia mista que recebem recursos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, inclusive sob a forma de subvenção para pagamento de pessoal e de custeio, ou de auxílio para pagamento de despesas de capital, excluídas, neste caso, aquelas empresas lucrativas que recebem recursos para o aumento de capital.
O Relatório Resumido da Execução Orçamentária é composto de duas peças básicas e de alguns demonstrativos de suporte. As peças básicas são o balanço orçamentário, cuja função é especificar, por categoria econômica, as receitas e as despesas e o demonstrativo de execução das receitas e das despesas.
A Lei estabelece ainda que ao final de cada quadrimestre, será emitido o Relatório de Gestão Fiscal pelos titulares dos Poderes Executivo, Legislativo (incluído o Tribunal de Contas), Judiciário e Ministério Público, prestando constas sobre a situação de tudo que está sujeito a limites e condições como, despesas com pessoal, dívida, operações de crédito, ARO, e as medidas corretivas implementadas se os limites forem ultrapassados.
Caso não seja observado os prazos para divulgação do Relatório Resumido de Execução Orçamentária e do Relatório de Gestão Fiscal, o órgão público ficará impedido de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito.
A interação que norteou a inclusão desses documentos é a de permitir maior transparência na gestão dos recursos públicos. Os instrumentos postos à disposição do Legislativo, do Tribunal de Contas e, especialmente, dos cidadãos e dos contribuintes possibilitam o conhecimento do que ocorre com as contas do Município e a responsabilização dos responsáveis.
Em suma, os planos, os orçamentos e a lei de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio exarado pelo Tribunal de Contas respectivo, os Anexos de metas Fiscais e de Riscos Fiscais e os Relatórios da Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, acrescidos de suas versões simplificadas, devem estar disponíveis para consulta e exame, inclusive por meio eletrônico.
Obrigatoriamente, a cada quatro meses, deverá ser realizada, no legislativo, audiência pública sobre o cumprimento das metas fiscais, conforme previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. É de fundamental importância que a população participe das audiências, inclusive com a presença de representantes de órgãos técnicos em condições de discutir o conteúdo das informações apresentadas nos relatórios. É através destas informações que a população poderá controlar a aplicação dos recursos públicos e a transparência das ações dos administradores.
Nessa esteira, com certa particularidade, explicita a já citada Maren Guimarães Taborda, ao tratar do aspecto prático da transparência, quando da sua aplicação em termos de gestão dos recursos públicos:
“Em última instância, só através da transparência – apresentação de dados consistentes e compreensíveis, oportunos e atualizados – que se expressa através da obrigação de as autoridades públicas, em cada nível de Governo, emitirem declarações mensais, trimestrais e anuais de responsabilidade fiscal, atendendo aos limites previstos nas metas e objetivos ou justificando seus desvios temporários e, ainda, permitirem o acesso público a essas informações, é que os objetivos da Lei podem ser alcançados. Por outro lado, a efetividade da Lei Fiscal será assegurada por mecanismos de compensação e de correção dos desvios, e com transparência, a fim de punir a má gestão mediante a disciplina do processo político.”[2]
Desse modo, os cidadãos, por sua vez, terão à sua disposição as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo durante todo o exercício, no âmbito tanto do respectivo Poder Legislativo, como do órgão técnico responsável por sua elaboração.
4. CONCLUSÕES
Ante o exposto, é possível afirmar que a intenção da Lei de Responsabilidade Fiscal é justamente aumentar a transparência na gestão do gasto público, permitindo que os mecanismos de marcado e o processo político sirvam como instrumento de controle e punição dos governantes que não agirem de maneira correta.
No tocante ao princípio em comento, necessário se faz esclarecer que a transparência buscada pela LRF tem por objetivo permitir à sociedade conhecer e compreender as contas públicas. Logo, não basta a simples divulgação de dados. Essa transparência buscada pela lei não deve ser confundida com mera divulgação de informações. É preciso que essas informações sejam compreendidas pela sociedade e, portanto, devem ser dadas em linguagem clara, objetiva, sem maiores dificuldades.
Dessa feita, a transparência buscada pela lei tem por objetivo permitir um controle social mais efetivo, partindo do pressuposto de que, conhecendo a situação das contas públicas, o cidadão terá muito mais condições de cobrar, exigir, fiscalizar. Assim, imperioso demonstrar que a participação popular e a realização de audiências públicas não podem ficar apenas figurar como “letra morta”, devendo ser incentivadas, de modo a atingir os fins almejados pelo legislador pátrio.
Acredita-se, enfim, que a transparência na gestão fiscal, caso se torne efetiva, será veículo capaz de revolucionar a administração pública brasileira, produzindo efeitos na melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro.
Por fim e como forma de sintetizar o disposto no decorrer do presente ensaio, é importante colacionar e encontrar respaldo nas sábias palavras de Machado & Figueiredo, quando, discutindo conflitos oriundos da aplicação da LRF, ressaltam:
“O Executivo e o Legislativo têm o dever constitucional de discutir seriamente o Orçamento e as incongruências da Lei de Responsabilidade Fiscal. (…) No Estado de Direito, nada pode ser mais odioso do que a denegação da justiça. Não há indenização que repare a injustiça de um direito sonegado, suprimido. (…) Não há responsabilidade fiscal que justifique a intolerância e a irrazoabilidade e o temor reverencial ao positivismo cego dos valores da cidadania.”[3]
Informações Sobre o Autor
Dijonilson Paulo Amaral Veríssimo
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, advogado, especialista em Direito Público pela mesma Universidade. Procurador Federal de 2ª Categoria. Chefe da Procuradoria Regional do INSS em Brasília