Resumo: No direito processual do trabalho, vige o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, hipótese que não quer dizer a aquiescência da parte que suporta suas respectivas conseqüências. A irrecorribilidade, entretanto, é mitigada, eis que, as partes dispõem de um instrumento simples e eficaz a fim de garantir o duplo grau de jurisdição e o princípio do contraditório, denominado protesto antipreclusivo. Este, apesar de não ter previsão legal expressa, revela-se como mecanismo apto a garantir a futura discussão e possível revisão da decisão interlocutória em sede recursal. Do contrário, experimentará a parte, a impossibilidade de rediscutir a matéria objeto de tais decisões.
Palavras-chave: Irrecorribilidade. Protesto antipreclusivo. Decisão Interlocutória. Processo do Trabalho.
Sumário: 1. Introdução; 2. Princípio da Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias; 3. Princípio da concentração dos atos processuais; 4. Protesto Antipreclusivo; 5. Considerações finais.
1. Introdução
Tem por escopo, o presente estudo, enfatizar o procedimento a ser adotado diante de decisões interlocutórias no processo do trabalho, encontrando como medida apta para tal enfrentamento o protesto antipreclusivo.
Para delinear o contexto, necessária a verificação de alguns princípios que norteiam o processo do trabalho, uma vez que a aplicabilidade dessa modalidade de protesto se dá pela superveniência do princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
A discussão doutrinária acerca da matéria ainda é escassa e pouco explorada, todavia, o enfrentamento destas situações perante os tribunais é usual e corriqueiro, deixando clara sua importância no campo prático.
2. Princípio da Irrecorribilidade das Decisões Interlocutórias
Vige na Justiça do Trabalho, o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, o qual tem sua base alicerçada no Art. 893, § 1º, da CLT.
A propósito do que sejam decisões interlocutórias, valemo-nos da conceituação dada pelo § 2º, do Art. 162, do Código de Processo Civil, que as define como sendo o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.
Diferentemente do que ocorre no processo civil, no processo do trabalho o instrumento processual adequado para combater as decisões interlocutórias não é o agravo de instrumento[1]. Aliás, seu cabimento é limitado, sendo pertinente apenas em casos de decisões que denegam a interposição de recursos, conforme define a Instrução Normativa n. 16, do TST, de 15 de maio de 2003.
Segundo o Enunciado 214 do TST, nos termos do Art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão:
a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho;
b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal;
c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.
Também a Súmula nº 414, do TST, abre alternativas sobre a possibilidade de revisão das decisões interlocutórias, mais especificadamente sobre o caso de antecipação de tutela, e estabelece duas posições que valem ser ressaltadas no presente estudo:
“I – A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso.
II – No caso da tutela antecipada (ou liminar) ser concedida antes da sentença, cabe a impetração do mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio.
III – […]”
Como se percebe das normas citadas, a título de exceção, há decisões interlocutórias específicas que podem ser atacadas imediatamente através de instrumentos aleatórios, tais como o mandado de segurança e recurso.
Suponhamos então que a decisão proferida em processo de conhecimento trabalhista não se encaixe nas hipóteses de exceção à regra da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, qual seria então a efetiva medida a ser tomada pela parte a fim de combater o efeito preclusivo da decisão interlocutória?
Há muito tempo os tribunais trabalhistas vem encarando situações em que algum dos litigantes interpõe recurso (Ordinário ou de Revista), ou até mesmo impetram mandado de segurança a fim de buscar a revisão de decisões interlocutórias. De consequência, os tribunais a quo, à unanimidade, negam provimento a esse tipo de recurso. Para ilustrar, trazemos à baila:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RELAÇÃO DE EMPREGO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Vige no Processo do Trabalho o princípio da irrecorribilidade, de imediato, das decisões interlocutórias, classificada como tal a que reconhece como empregatícia a relação de trabalho, determinando o retorno dos autos à Vara de origem para julgamento dos pedidos declinados na petição inicial. Enunciado 214 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST- AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA: AIRR 759299 759299/2001.9, Relator(A): André Luís Moraes de Oliveira, Julgamento: 29/10/2003, Órgão Julgador: 5ª Turma, Publicação: DJ 14/11/2003).
HORAS EXTRAS. Hipótese em que as demandadas não se desincumbiram do seu encargo probatório quanto à não sujeição do empregado à regra normal da duração do trabalho e ao desempenho efetivo de cargo de gestão, nos termos da legislação consolidada, inclusive porque não houve o devido protesto antipreclusivo quando do indeferimento da prova testemunhal. Provimento negado ao recurso. (…). (TRT-4 – RECURSO ORDINARIO: RO 506200500604008 RS 00506-2005-006-04-00-8. Relator(a): TÂNIA MACIEL DE SOUZA. Julgamento: 09/07/2009. Órgão Julgador: 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre).
De notar que tanto o mandado de segurança quanto o recurso ordinário não são instrumentos apropriados para enfrentar as referidas decisões, vez que, por princípio, estas são imediatamente irrecorríveis.
Conquanto, cabe ressaltar, também, que o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias tem íntima relação com o princípio da concentração de atos processuais, que tem origem nos usos e costumes do Direito Processual do Trabalho e será mais bem explicitado a seguir.
3. Princípio da concentração dos atos processuais
Dentre os diversos princípios que norteiam o processo trabalhista está o princípio da concentração, segundo o qual a audiência deve concentrar o maior número possível de atos processuais. Consoante o Art. 849 da CLT, somente em caso de força maior é que se admite que a instrução e o julgamento não se procedam no mesmo dia.
Além disso, o Art. 845 da CLT estabelece que as partes devam comparecer em audiência acompanhadas de suas testemunhas e demais provas. O caput do Art. 825, da mesma consolidação, preceitua que as testemunhas comparecerão à audiência independente de notificação.
Observa-se que o princípio insculpido na lei demonstra a preocupação com a celeridade e a objetividade processuais. Busca, pois, não simplesmente abreviar os atos, mas reunir em uma única ocasião as condições para oportunizar o amadurecimento do processo visando o seu julgamento.
Assim, a audiência revela-se como o momento mais comum e apropriado para a concentração desses atos. Somente em casos extremos, como o próprio Art. 849 menciona, é que será possível procrastinar os atos para momento futuro, dada à especialidade de cada caso, sempre a critério do juiz.
É dizer, na audiência UNA, assim instituída pela justiça do trabalho, devem as partes integrantes do processo preparar todo seu arsenal probatório, com o qual poderão instruí-lo e comprovar suas alegações da melhor forma possível.
Contudo, ante a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias preceituada pela CLT, nesse momento do processo, podem surgir irresignações, diante das quais as partes experimentarão certa impotência, devendo manifestar-se de imediato, sob pena de ver seu direito precluir pela ausência de manifestação no momento oportuno.
Eis aqui o nascedouro do protesto antipreclusivo que, a despeito de sua forma sucinta, evita a preclusão do direito da parte, se utilizado no momento adequado. Sendo a audiência o vetor de concentração dos atos processuais, infere-se que é o momento mais apropriado para utilizá-lo. Caso a decisão não tenha sido proferida em audiência, o protesto deverá ser feito no primeiro momento em que a parte tiver que falar no processo.
4. Protesto Antipreclusivo
Antes de adentrar ao tema, para se ter uma melhor idéia do que representa no mundo jurídico, é de bom grado situar as expressões no contexto do presente trabalho.
O termo “protesto”, apesar de suas diversas aplicações no direito, advém de uma mesma origem, ou seja, possui um mesmo fundamento, que é o de manifestar solenemente uma intenção, de objetar uma situação que se apresenta, sem acrescer ou diminuir, mas apenas conservar ou preservar direitos preexistentes.
A “preclusão”, por sua vez, é a perda de uma faculdade processual pelo não exercício desta. É a falta de atuação da qual decorre a perda de um direito, isto é, no momento em que teve ciência do ato processual, a parte se quedou inerte, consentindo tacitamente com o mesmo, não podendo reclamar em momento posterior.
Diante disso, protesto antipreclusivo é a insurgência, a manifestação solene acerca de determinada decisão interlocutória, a fim de garantir a sua não aquiescência, melhor dizendo, a contrapreclusão e, inclusive, tornar possível sua discussão em futuras razões recursais.
O Art. 795, da CLT, determina que “As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argui-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos.”
O protesto antipreclusivo torna-se um instrumento indispensável para o exercício pleno das faculdades processuais, dado ao fato de serem as decisões interlocutórias irrecorríveis no processo do trabalho.
Tem ainda o condão de interromper o fluxo do prazo prescricional, conforme disciplinado pelo Código Civil, notadamente no inciso II do Art. 202, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho.
“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II – por protesto, nas condições do inciso antecedente;”
Assim, a irrecorribilidade dessas decisões não significa convalescência ou irreversibilidade. Manejado o protesto tempestivamente, a parte resguarda seus direitos e garante a apreciação da sua irresignação no momento adequado, pois a irrecorribilidade das interlocutórias é tão somente de imediato e não a posteriori.
Cumpre destacar, ainda, mormente a vigência do princípio da inexigibilidade de fundamentação no processo do trabalho, que os recursos podem ser interpostos por simples petição, havendo quem sustente a possibilidade de serem interpostos até mesmo oralmente. Ressalva-se, evidentemente, que há recursos que por sua própria natureza demandam maior técnica, a exemplo do recurso de revista e dos embargos.
Nada obstante, por força deste princípio, é plenamente possível a utilização do protesto antipreclusivo de forma simples, usualmente através de manifestação oral, ficando a insurgência consignada em ata de Audiência, garantindo a possibilidade de ser o protesto renovado e discutido por ocasião do recurso interponível à decisão definitiva que vier a ser exarada nos autos.
Pode-se ainda traçar um paralelo entre o protesto antipreclusivo e o agravo retido do processo civil (Art. 522, CPC). De forma semelhante, o agravo retido é interposto contra decisão interlocutória, com o detalhe de a mesma ter sido proferida em audiência de instrução. No caso do protesto antipreclusivo, é mais abrangente, pois, pode ser promovido contra qualquer decisão interlocutória proferida em audiência ou não.
Outro ponto comum entre o agravo retido e o protesto antipreclusivo, trata de sua retenção nos autos, devendo, obrigatoriamente, ambos serem renovados por ocasião do recurso da decisão definitiva (Apelação Cível ou Recurso Ordinário).
Denota-se, assim, que o protesto antipreclusivo tem íntima relação com as características do agravo retido do processo civil, o que permite a aplicação, por analogia, dos dispositivos do Código de Processo Civil.
Entretanto, na prática, dado às peculiaridades do processo do trabalho, a inércia da parte no momento exato, especialmente na audiência, quedando-se silente ante decisões interlocutórias contra as quais poderia e deveria se opor, pode tornar inalterável o curso do processo, posto que precluso o direito, sendo inútil a interposição de qualquer tipo de recurso.
5. Considerações finais
A presente abordagem sobre protesto antipreclusivo buscou enfatizar a sua importância no exercício da vida forense trabalhista. Procurou situar este instrumento no contexto do processo do trabalho que, ante as peculiaridades dos princípios que o norteiam, pode mudar as perspectivas do processo, dada à sua utilização ou não.
É evidente que este trabalho, de forma singela e um pouco tímida, não adentrou às diversas hipóteses que o profissional do direito pode enfrentar no desenrolar do processo. Todavia, o estudo do tema centro é de suma importância, pois, não havendo previsão legal específica, ainda assim, o instituto do protesto antipreclusivo deve ser utilizado com freqüência a fim de garantir o duplo grau de jurisdição e a ampla defesa em relação às decisões interlocutórias que são irrecorríveis de imediato na seara trabalhista.
A vigência do princípio da irrecorribilidade imediata das interlocutórias pode deixar transparecer a idéia de que a parte não pode exercitar seu direito perante determinadas decisões. Não obstante, o protesto antipreclusivo comprova justamente o contrário, ou seja, que é perfeitamente possível a reforma de tais decisões em momento posterior, desde que seja manifestada a indignação em momento oportuno.
Portanto, faz-se indispensável o uso deste instrumento no curso do processo do trabalho, uma vez que, não manejado de forma precisa, faz com que a decisão, em tese recorrível, torne-se irrecorrível, podendo gerar prejuízos irreversíveis às partes.
Informações Sobre o Autor
João Carlos de Lima
Advogado em Campo Mourão/PR.