O que é a Teoria Pura do Direito

Resumo: Este artigo tem o objetivo de fornecer uma pequena introdução ao pensamento jusfilosófico de Hans Kelsen, principalmente com relação ao seu conceito de Direito e Justiça. A teoria de Kelsen vincula-se ao movimento positivista, tratando do Direito e da Justiça como esferas totalmente antagônicas e independentes uma das outra. Dessa forma, o objetivo de Kelsen era construir uma ciência jurídica “pura”, isto é, livre da axiologia e outras ciências sociais.


Palavras-chave: teoria pura; direito; justiça; filosofia.


Abstract: This article have the objective of supplying the small introduction to Hans Kelsen’s philosophical thought, mainly with relationship to your concept of Right and Justice. The theory of Kelsen is linked to the movement positivist, treating of the Right and of the Justice as spheres totally antagonistic and independent one of the other. In that way, the objective of Kelsen was to build the juridical science “pure”, that is, free from the values and other social sciences.


Keyword: pure theory; right; justice; philosophy.


Sob o mesmo título, o eminente jurista Hans Kelsen escreveu em 1953 seu artigo, explicando mais uma vez (entre as duas edições da Teoria Pura do Direito) sua polêmica teoria jusfilosófica.


Bem conhecida nos meios acadêmicos, a teoria pura do direito se vincula, geralmente, à filosofia do direito, apesar da negativa do próprio autor.


Kelsen nasceu em Praga, em 1881 e faleceu em 1973, nos Estados Unidos. É considerado por muitos como o maior jurista do século XX. Após lecionar por muitos anos em Viena, mudou-se para os EUA com receio das perseguições de Hitler. Contudo, sua doutrina espalhou-se, formando o que se chamaria a Escola de Viena, nas quais figuram os juristas Hart e Bobbio.


A teoria pura do direito é o ápice do desenvolvimento do positivismo jurídico. Para essa doutrina, o conhecimento é restrito aos fatos e às leis que os regem, isto é, nada de apelar para a metafísica, a razão ou à religião.


Portanto, para o positivismo a ciência é o coroamento do saber humano, porque é a única confiável. Os demais conhecimentos, provenientes de outras fontes não são confiáveis e seriam postos de lado com o passar do tempo. O fundador do positivismo, Augusto Comte (1798-1857) profetizou que o último estágio do conhecimento é o científico, e que os demais (o religioso e o metafísico) tenderiam a desaparecer.


Nesse sentido, Kelsen, como positivista crítico, defendeu a tese de que a teoria geral do direito, até aquele momento, não podia ser considerada uma teoria “científica”, já que, ao formular os conceitos fundamentais de diferentes ramos do direito, ainda se prendia à considerações ético-políticas.


Este é o intuito da teoria pura do direito: elaborar uma teoria do direito livre de qualquer especulação extra-jurídica (seja filosófica, ética ou política). Para tanto, o seu sistema tem as seguintes bases:


Primeiramente, para Kelsen o direito é restrito ao direito positivo, admitindo a possibilidade de justificar o direito apenas com noções jurídicas, tornando-o assim, autônomo das demais ciências.


Ademais, a teoria kelseniana considera o direito um conjunto de normas combinado com a ameaça de sanções, na qual a norma jurídica é o ato de vontade do legislador, escapando de toda justificação racional.


Kelsen é ciente de que o direito de um Estado é todo hierarquizado, na qual a Constituição é a norma superior. Em conseqüência, todas as outras normas lhe devem obediência. Mas, de onde provém esse poder?


Rejeitando o direito natural, Kelsen afirma que o fundamento de validade da Constituição se situa em outra norma, não escrita, de caráter hipotética, suposta pelo pensamento jurídico, chamada norma fundamental. Esta norma não possui conteúdo e não pertence a direito nacional algum, mas é impensável conceber o direito sem ela. O que então prescreve essa norma? Prescreve uma única ação, nas palavras do autor: “deve-se conduzir conforme a Constituição efetivamente instituída e eficaz”. Em outras palavras, a norma fundamental prescreve o dever de obedecer à autoridade, seja ela autoritária ou democrática. Com isso, justifica-se qualquer ordem jurídica, transformando o direito em mero instrumento do poder político.


Essa conseqüência da teoria pura do direito é justificável, já que Kelsen, como positivista fervoroso, não aceitou colocar o conceito de justiça como o fundamento do direito. Para ele, o direito é fruto da vontade, e não da razão, já que naquele contexto histórico, a razão estava desacreditada, primeiramente pelas descobertas científicas que acentuavam em demasia o conhecimento empírico, e porque o historicismo concebia o relativismo cultural, ou seja, nada poderia ser posto como universal. Desse modo, não é de se admirar que a justiça, para Kelsen, era um conceito nada confiável cientificamente.


Portanto, o dualismo direito positivo/direito natural segundo Kelsen, é insustentável por uma razão bem simples: fazer depender a validade da ordem jurídica de conformidade com preceitos de um ideal de justiça que se situam numa esfera fora dessa ordem jurídica, é supor que exista uma moral absoluta e única à qual se deveria conformar o direito positivo. Mas, para ele, isso é um absurdo, já que a experiência mostra que não há um sistema de valores com as características de imutabilidade e universalidade. Neste sentido, Kelsen chega a atacar a moral cristã, querendo revelar as discordâncias entre o Antigo e o Novo Testamentos.


Assim, o jusnaturalismo tradicional é substituído por Kelsen, por uma espécie de jusnaturalismo de forma, com sua teoria da norma fundamental. Em outras palavras, ele não considera universalmente válidos os direitos humanos mais elementares, mas o direito fundamental habilitando uma autoridade criadora de normas. É sabido que o argumento kelseniano responde de forma satisfatória as teorias de direito natural de cunho tradicional. Contudo, não responde às teorias de direito natural de conteúdo historicamente variável (como a de Stammler, Del Vecchio e Gény), segundo a qual o direito positivo, longe de esgotar na vontade arbitrária do legislador, corresponde ao espírito do povo (Volkgeist) em conformidade com determinada época.


Por fim, os juristas enumeram várias críticas ao sistema kelseniano:


A teoria pura do direito não é uma teoria “pura”, no sentido de que está isenta de ideologias. Ela pertence à doutrina positivista com sua “crença” de neutralidade axiológica.


Para se construir a ciência jurídica, não é preciso deixar de lado a filosofia ou a sociologia, muito menos os valores culturais que as normas carregam.


O direito natural, em suas diversas formas, nunca atrapalhou o desenvolvimento da ciência jurídica. O que fez foi fundamentar os ordenamentos jurídicos, às vezes, com pretensões pouco nobres (como ocorreu na época da escravidão e da discriminação dos indígenas).


Pensar o direito sem a idéia de justiça é transformá-lo num sistema formal e desumano, onde os juízes só se preocupam com aplicação fria das normas.


A doutrina kelseniana transforma o direito em instrumento de poder.


A norma fundamental é uma ficção que recai no mesmo dilema do direito natural.


A separação entre direito e moral não é absoluta como pensava Kelsen. A moral está dentro e fora das relações jurídicas, servindo muitas vezes, como fonte do direito.


Por fim, a doutrina kelseniana põe no centro a norma, ao invés do homem, para tornar-lo servo de um sistema mecânico e formal, que não atende à nenhum apelo, nem da moral, nem da justiça, a não ser a vontade do Estado. Dessa forma, Kelsen cria uma ideologia jurídica propícia para o aparecimento de autoritarismos como a do nazismo.


 


Bibliografia consultada

Billier, Jean-Cassien; Maryoli, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Trad. Maurício de Andrade. Barueri, SP: Manole, 2005.

Gusmão, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 33ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8˚ ed., São Paulo: Martins Fontes, 2009.


Informações Sobre o Autor

Igor Antonio Michallene Augusto

Bacharel em Direito pelo UNILAVRAS e pós-graduando em Ensino Religioso e Teologia comparada pela ESAB


logo Âmbito Jurídico