Resumo: Após uma recente mudança nos critérios legais do recrutamento que alterou o nível de escolaridade exigido na seleção. A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) está com o processo de mudança em curso 2009 a 2015, formando as três primeiras turmas que ingressaram no Curso de Formação de Oficiais (CFO) portando diploma de curso superior. Alterar o requisito da escolaridade acarreta uma diferença no perfil dos ingressantes, fato constatado não só na PMDF. Qual o novo perfil dos ingressantes? o que esse perfil tem interferido na formação? Diante da imposição legal e seus reflexos cabe aos gestores da organização avaliar o novo cenário e propor os ajustes no processo de formação/integração, dos novos clientes internos.
Palavras-chave: Polícia Militar. Recrutamento. Seleção. Formação.
Sumário: 1 Recrutamento e Seleção da Administração Pública. 2 O recrutamento e seleção para ingresso como oficial na Polícia Militar do Distrito Federal. 3 Questionamentos relativos à “carreira jurídica militar”. 4 O perfil dos ingressantes após os novos requisitos adotados pela Polícia Militar do Distrito Federal. 5 Análise dos resultados da pesquisa relativa ao perfil dos ingressantes e dos egressos. Conclusões. Referências.
Introdução
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), criada em 13 de maio de 1809, sofreu forte influência do contexto político da época, inclusive de outras instituições de ensino militares, haja vista ser um órgão militarizado e criado com as características da Guarda Real da Polícia de Lisboa, a qual era subordinada à Intendência-Geral da Polícia. A Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro, esse primeiro núcleo da PMDF tinha o dever institucional de zelar pela segurança da cidade do Rio de Janeiro. Tal núcleo também foi chamado de Corpo de Quadrilheiros.
Depois de sofrer alterações em sua nomenclatura, somente em 1966, seis anos após a inauguração da Capital Federal, a Polícia Militar do Distrito Federal foi deslocada do Rio de Janeiro para Brasília e instalada no Distrito Federal.
A Academia de Polícia Militar de Brasília (APMB) foi instituída em 13 de junho de 1986, por meio da lei 7.491 que determinou a criação na estrutura da PMDF de órgãos de gestão e execução de ensino.
A justificativa da presente pesquisa está na necessidade de se confrontar as informações coletadas no órgão responsável pela formação dos oficiais, com os conceitos da ciência da Administração, na área de Gestão de Pessoas buscando a compreensão da implicação do processo de recrutamento e seleção dos Oficiais.
A problemática que o trabalho enfrenta é relativa ao recrutamento, seleção formação para a carreira dos Oficiais policiais militares do Distrito Federal, diante da exigência de formação superior para ingresso. Qual o perfil dos novos candidatos?
O objetivo da presente pesquisa é inicialmente traçar um cenário da atual exigência de formação para ingresso no Curso de Formação de Oficiais da PMDF. Bem como compreender as alterações introduzidas pala nova legislação no recrutamento e seleção da Polícia Militar do Distrito Federal e o perfil dos novos profissionais confrontado com o perfil dos últimos egressos.
1 O recrutamento e seleção
O termo recrutamento amplamente utilizado no meio corporativo teve a sua origem nas forças militares “Sua morfologia e significado teve origem, praticamente nos exércitos, pois estava vinculado a prática de captar recrutas para vagas de futuros soldados ou postos de guerrilha.” (ALENCAR et. al, 2008). No início da utilização do termo no meio corporativo, assim como as organizações militares, não havia uma preocupação com a qualidade e capacidades dos profissionais captados.
Hodiernamente Chiavenato (2006) afirma que recrutamento é um conjunto de técnicas e procedimentos que visa atrair candidatos potencialmente qualificados e capazes de ocupar cargos dentro da organização. No caso do estudo em tela, organização pública militar, o recrutamento acontece no momento da publicação do edital quando uma quantidade de pessoas, maior do que o número de vagas se candidata ao certame. Momento em que ocorre a seleção dividida em algumas fases como prova escrita, teste psicotécnico, exame médico, teste de aptidão física e investigação de vida pregressa, as fases mencionadas são em conformidade ao último edital publicado pela Polícia militar do Distrito Federal (2009).
A seleção no meio corporativo é a escolha daqueles candidatos mais adequados aos cargos existentes na empresa, visando manter ou aumentar a eficiência e o desempenho do pessoal (CHIAVENATO, 2006). A seleção pode ser pela aplicação de testes, inclusive testes psicológicos, e por entrevista, podendo ainda ser interna ou externa.
Não há diferenças conceituais entre recrutamento e seleção aplicados à organizações públicas ou privadas, civis ou militares. As diferenças estebelecidas são de caráter prático, enquanto as organizações privadas podem fazer tudo que a lei não proíbe a administração pública, além é óbvio de não poder contrariar a lei, está obrigada a fazer apenas o que a lei permite “Quanto ao princípio da reserva legal, ou legalidade em sentido positivo, preceitua que os atos administrativos só podem ser praticados mediante autorização legal” (MAZZA, 2012, p. 85).
Dessa maneira, o recrutamento na Administração Pública em certos momentos se confunde com o princípio da publicidade dos atos administrativos, nas nada impede que seja ampliado com publicidade nos meios de comunicação. Já a seleção, que no caso da Administração Pública, em regra, é o concurso público o que dificulta a seleção conforme o perfil profissiográfico desejado.
Conforme demonstrado, apesar das regras específicas que a administração pública se sujeita no momento da seleção e no momento do desligamento de colaborador, os outros aspectos da Gestão de Pessoas, como avaliação de desempenho, absenteísmo, motivação, qualidade de vida no trabalho, etc, seguem as mesmas doutrinas e práticas que a administração de empresas aplica ao meio privado. Do contexto apresentado inicialmente o recrutamento e seleção de candidatos para cursarem o Curso de Formação de Oficiais está no contexto do presente estudo.
2 O recrutamento e seleção para ingresso como oficial na Polícia Militar do Distrito Federal
Apesar de envolver o setor público, órgão da administração direta do Governo do Distrito Federal, o conceito de seleção dado por Chiavenato (2006, p. 130), “A seleção de pessoas funciona como uma espécie de filtro que permite que apenas algumas pessoas possam ingressar na organização: aquelas que apresentam características desejadas pelas organizações”, serve perfeitamente ao presente estudo, é por meio dele que a organização, pública ou privada, busca identificar as pessoas com o perfil que melhor se encaixam para assumir seus cargos.
As polícias militares são organizações militares estaduais, na forma do Artigo 42 da Constituição da República Federativa do Brasil. Forças auxiliares e reservas do Exército como afirma Pedro Lenza (2007, p. 646) “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública ficaram a cargo das polícias militares, forças auxiliares e reservas do Exército.”. Recruta e seleciona os candidatos para a carreira de oficiais na sociedade por meio de concurso público em atendimento à norma Constitucional do Artigo 37, II.
Após o advento da Academia de Polícia Militar de Brasília houve concurso promovido pela própria instituição onde se exgiu ensino médio para ingresso dos alunos-a-oficial dos anos de 1990 a 2009. A partir de 2005 há uma mobilização interna da instituição para exigência de curso superior para ingresso. Essa iniciativa culminou no final de 2008 no lançamento do Projeto Policial do Futuro. Que propriciou a formação superior para os policiais que não possuiam. Outra vertente do projeto é que para ingresso na instituição passaria a ser exigida a formação superior.
No dia 06 de novembro de 2009 com a sanção da Lei 12.086/2009 que dispõe sobre a reestruturação das carreiras dos militares do Distrito Federal e em seu Artigo 64 alterou o Artigo 11 da Lei no 7.289, de 18 de dezembro de 1984 (Estatuto dos Policiais Militares do Distrito Federal) que passou a ter o seguinte texto:
“Para matrícula nos cursos de formação dos estabelecimentos de ensino da Polícia Militar, além das condições relativas à nacionalidade, idade, aptidão intelectual e psicológica, altura, sexo, capacidade física, saúde, idoneidade moral, obrigações eleitorais, aprovação em testes toxicológicos e suas obrigações para com o serviço militar, exige-se ainda a apresentação, conforme o edital do concurso, de diploma de conclusão de ensino superior, reconhecido pelos sistemas de ensino federal, estadual ou do Distrito Federal.” (BRASIL; 2009)
A edição da Lei 12.086/2009 é o marco legal da exigência de diploma de conclusão de ensino superior para matrícula e consequentemente o ingresso na corporação. Além dessa exigência são fixados todos os outros requisitos que os candidatos recrutados devem satisfazer durante o processo de recrutamento.
Houve uma tentativa, sem êxito, de se exigir formação em Direito para ingresso no Curso de Formação de Oficiais da PMDF. Com a edição do Decreto 29.946/2009 que dispunha em seu artigo 2º acerca da escolaridade para ingresso no Curso de Formação de Oficiais: “Para o Curso de Formação de Oficiais será exigida a apresentação de diploma, devidamente registrado, de curso superior de graduação em Direito, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação.” (DISTRITO FEDERAL; 2009)
A legalidade de tal Decreto e o concurso público que seria regido por ele foi questionado pelo Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e julgada a sua ilegalidade. Já que para o Distrito Federal a forma correta seria a edição de lei fedral.
3 Questionamentos relativos à “carreira jurídica militar”
A exigência de formação em Direito para ingresso no CFO cria o que se tem chamado de Carreira Jurídica Militar. Os estados interessados têm promovido emendas às suas Constituições e, no caso de Minas Gerais, o Partido Social Liberal (PSL) impetrou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4590 de 19/04/2011, com pedido de liminar, relatada pelo ministro Gilmar Mendes. E a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) ingressou com a ADI 4448. Como compartilham o mesmo objeto, ambas tramitam em conjunto sob a mesma relatoria. Essa medida judicial teve o pedido de liminar negado, aguarda julgamento e a Procuradoria Geral da República por meio do parecer nº 4820-PGR-RG, PGR, datado de 22/06/2011 – opina pela improcedência do pedido.
A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais na pessoa do Presidente Luis Cláudio da Silva Chaves encaminhou ao Supremo Tribunal Federal parecer contrário às Ações Diretas de Inconstitucionalidade em trâmite naquela corte após expor os seus argumentos finaliza
“É sabido que a carreira jurídica oferece àqueles que a abraçam, um conhecimento mais profundo das virtudes e defeitos, dos acertos e dos erros inerentes ao ser humano. Não há dúvidas de que a aprovada Emenda Constitucional propiciará maiores e mais sábias decisões no encaminhamento das coisas da Segurança Pública, na certeza de que nenhuma ingerência haverá nas competências de nossas Polícias Federal e Civil, competências essas perfeitamente delimitadas por nossas leis.” (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL; 2010)
Ainda em defesa da opção pela formação jurídica o Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG Antônio Álvares da Silva escreveu em um artigo:
“A exigência de conhecimento jurídico é indispensável a todas as duas, pois, sendo agentes da administração pública, têm a obrigação de conhecer a moldura jurídica em que o Estado exerce sua atividade. Como pode a PM abordar um cidadão, intervir num local em que se pratica abuso de sons ou ruídos acústicos, fazer um boletim de ocorrência sem distinguir se a coisa alheia foi subtraída mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa? E nas fiscalizações de trânsito, pode ou não obrigar o motorista a soprar o bafômetro? E por aí vai. Nada que a PM faça pode ir além da lei e do respeito aos direitos humanos. Então, como agir sem conhecê-los?” (SILVA; 2013)
Os argumentos apresentados pelo professor carecem de sustentabilidade uma vez que todas as ações expostas são exaustivamente ensinadas nos Cursos de Formação de Oficiais com aulas teóricas e práticas e os alunos ainda são submetidos a estágio supevisionado. O ensino nas Academias de Polícia Militar é contextualizado, enquanto que nas faculdades de Direito o ensino é genérico, sugundo o Célio Egidio da Silva (2009; p. 50) “A Ciência Jurídica tem como fonte de entendimento a interpretação da norma, e não seria de outra forma, pois a lei é fonte de direito e método de análise e interpretação da ciência em questão.” Pois nos cursos de Direito não há a pretensão de se preparar nenhum bacharel especificamente para carreiras policiais.
A opção pela formação em Direito não é o que tem prevalescido no Brasil, segundo pesquisa realizada a maior parte das polícias militares continuam selecionando candidatos portadores do ensino médio e oferecendo uma formação específica em Ciências Policiais, Segurança Pública ou equivalente para os seus futuros oficiais. A exigência de ensino superior para ingresso como oficial nas polícias militares das vinte e sete unidades da federação quinze ainda impõe como critério para ingresso no quadro de oficiais o ensino médio. Essas quinze polícias dos estados do: Acre, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, São Paulo e Tocantins. Portanto cinquenta e cinco por cento das polícias militares exigem ensino médio como requisito de seleção para ingresso nos Cursos de Formação de Oficiais.
O Distrito Federal não conseguiu uma mudança na legislação que possibilitasse o ingresso de bacharéis em Direito no Curso de Formação de Oficiais, a pesquisa apresentada teve como base a publicação da última exigência para ingresso nas polícias mencionadas, bem como não considera projetos legislativos em curso. Cabe destacar ainda que no caso do Distrito Federal a Lei 12.086/2009 pôs fim à polêmica de forma que não há propostas de novas mudanças em curso.
4 O perfil dos ingressantes após os novos requisitos adotados pela Polícia Militar do Distrito Federal
Após a vigência da lei que trouxe os novos requisitos para ingresso até o no de 2015 houve apenas um concurso público. Dele incorporaram nas fileiras da corporação três turmas em intervalos de seis meses. As duas primeiras turmas com aproximadamente setenta alunos e a última turma com aproximadamente cinquenta alunos o que perfaz um total aproximado de duzentos alunos.
Os dados, relativos aos ingressantes, coletados na presente pesquisa são do trabalho Alda Lino, Maria Cristina Santos e Carlos Vieira (2012) responsáveis pela SOEP – Serviço de Orientação Educacional e Psicopedagógica da Academia de Polícia Militar de Brasília e pela Assessoria Pedagógica da Divisão de Ensino da APMB. Amigos e colegas de trabalho que gentilmente cederam os dados já coletados, haja vista que todas as perguntas pensadas na presente pesquisa já haviam sido formuladas pela equipe e aplicadas em um Questionário de Vivência Acadêmica QVAr (ALMEIDA; SOARES, 2001). Fato que fez com que a fonte analisada seja a documental. O instrumento foi adaptado e teve o número de questões reduzido pela equipe do SOEP para atender as especificidades do curso em questão.
Composto por quarenta e cinco questões as quais proporcionam informações acerca de várias dimensões da vida acadêmica dos alunos-a-oficial. Buscando dados dos aspectos da dimensão da vida pessoal, da perspectiva das experiências acadêmicas e da dimensão contextual da profissão, esta última mais ampla. Além de a adaptação ter direcionado as perguntas de forma que todas as dimensões explorem aspectos da profissão policial militar.
Foi realizado pré-teste com 10 alunos para a validação dos itens do questionário. Durante a aplicação os respondentes apresentaram poucas dúvidas em relação aos itens, sendo todas corrigidas para a aplicação final do instrumento. Assim, após a validação do questionário procedeu-se a aplicação no mês de dezembro de 2012, atingindo um total de 141 respondentes para um contingente de 147 alunos em formação.
Em relação aos egressos os dados são das 16ª, 17ª e 19 turmas totalizando 66 oficiais, desse total 37 responderam ao questionário – QvpE enviados aos egressos por correspondência eletrônica no período de 12 a 15 de agosto de 2013 pelo Grupo de Trabalho nomeado por Portaria do DEC s/n de 12 de agosto de 2013. Os instrumentos foram elaborados pela equipe de Assessoria Pedagógica da Divisão de Ensino da APMB e posteriormente submetidos aos membros da Comissão para sugestões e alterações.
5 Análise dos resultados da pesquisa relativa ao perfil dos ingressantes e dos egressos
Em relação ao sexo dos entrevistados a proporção constatada, de 91% de homens e 9% de mulheres, é a esperada em atendimento ao edital com uma pequena variação decorrente de desistências no curso (DISTRITO FEDERAL; 2013).
“1.2 O presente concurso público destina-se a selecionar 35 (trinta e cinco) candidatos, da seguinte forma: 31 (trinta e um) candidatos do sexo masculino e 4 (quatro) candidatos do sexo feminino para admissão no 1º ano do Curso de Formação de Oficiais Policiais Militares, a realizar-se durante o ano de 2010”.(DISTRITO FEDERAL; 2009; p. 01)
Proporção semelhante foi encontrada na amostra dos egressos onde 14% são do sexo feminino e 86% do sexo masculino.
O perfil de idade dos ingressantes aponta para um grupo com maioria igual ou acima de 29 anos (108). E a minoria quantitativa representa os mais jovens com 35 alunos entre 23 e 28 anos.
Já em relação aos egressos, que são formandos dos anos de 2009, 2010 e 2011 respectivamente, mesmo com uma parcela deles já com quatro anos de experiência profissional e duas das três turmas no posto de Primeiro Tenente, a idade média dos respondentes é de 28 anos. (DISTRITO FEDERAL; 2013)
O que leva a constatar que a exigência de formação superior eleva a idade média dos ingressantes a um patamar equivalente à idade dos oficiais no posto de Primeiro Tenente quando comparados com egressos que foram exigidos deles o ensino médio.
A tendência de aumento de idade dos ingressantes é detectada em outras academias militares conforme apontado em trabalhos científicos. As polícias militares estão superando aquele período em que a formação era destinada a jovens, dentre eles adolescentes. Como relata Rudnicki (2007; p. 313) na sua tese de doutoramento em trecho que se extraiu da entrevista de um oficial superior da Brigada Militar do Rio Grande do Sul:
“A instituição sempre foi voltada para pegar garotos de 15, 16 anos que estudavam no colégio Tiradentes e ficavam quatro anos aqui dentro, trancados, não tinham compromissos familiares. Tinham em média 17, 18 anos, e estavam aqui em período integral e existem coisas que não estão dentro dos manuais e que se aprendem dentro da Academia, e hoje em dia essa realidade é deferente, não se tem como pegar essa pessoa, com uma personalidade totalmente formada, a nossa média é 27 anos, 28, e tentar incutir os mesmos valores que se colocavam na cabeça de um guri de 15, 16 anos, não se consegue fazer isso”.
A citação acima retrada a mesma realidade enfrentada pela PMDF em relação à faixa etária, e ao estado civil do novo perfil de ingressantes onde predomina pessoas casadas. Levando-se em conta que são dois, três e quatro anos de formados respectivamente em relação ao estado civil dos egressos o resultado é semelhante ao apresentado pelos ingressantes com 49% casados, 46% solteiros e 5% divorciados. (DISTRITO FEDERAL; 2013)
Em relação ao número de filhos o percentual também é elevado em relação ao perfil daqueles que ingressavam com ensino médio: 40% dos ingressantes afirmam ter filhos. Em comparação feita pela APMB com a turma de aspirantes 2009, última turma que para o ingresso foi exigido o ensino médio, apenas 7% dos alunos afirmavam possuir filhos. Tal status indica um público diferenciado daquele que ingressava na academia da última década. Mês mo após quatro anos de formados os egressos pelo sistema anterior ainda apresentavam um número de filhos menor que os ingressantes 78% sem filhos e 22% com filhos (DISTRITO FEDERAL; 2013).
Em relação ao grau de instrução, como o edital do certame exige apresentação de diploma de curso superior o questionamento foi direcionado para saber o porcentual que possuem pós-graduação. Quanto ao atual grau de instrução dos formados respondentes 70% permanecem graduados, 25% são especialistas e 5% mestres. O que na média evidencia que a maioria procurou outra graduação como Direito ou Administração ou permaneceram com o Curso de Formação de Oficiais (CFO) e apenas 30% prosseguiram os estudos de pós-graduação (DISTRITO FEDERAL; 2013).
Foi perguntado quanto ao grau de adaptação à carreira militar percebido e autodeclarado pelos alunos. A dimensão profissional/acadêmica compreende as bases de conhecimentos necessários para o desenvolvimento da carreira Policial Militar, os métodos de estudo, o relacionamento com os professores, a adaptação ao curso e a ansiedade de desempenho da função. Mas apesar de 95% declararem “tudo a ver” ou “bastante a ver” em relação a sua adaptação à carreira militar apresentam dificuldades na compeensão de certos métodos da APMB (DISTRITO FEDERAL; 2013).
Não houve pergunta semelhante realizada aos egressos até por que não teria sentido perguntar para um Primeiro Tenente quanto ao seu grau de adaptação à carreira militar, mas duas constatações podem ajudar na comparação. A primeira é que quando avaliam o CFO por eles cursado, por vezes são citados como fatores positivos o respeito à hierquia e à disciplina e o controle aprendido no CFO. O outro ponto visto por eles como positivo é a formação militar. Isso demonstra a interiorização dos valores militares nos atuais oficiais que ingressaram com ensino médio (DISTRITO FEDERAL; 2013).
Se somados os resultados destes que possuem alguma ou muita dificuldade no entendimento o porcentual é expressivo, 71%, em contraposição daqueles que possuem entendimento, 29%. Tal resultado sugere incoerência quando comparado ao resultado da pergunta anterior em que 95% afirmam estarem adaptados à carreira militar.
O resultado apresentado no parágrafo anterior encontra fundamentação teórica no trabalho de RUDNICKI (2008; p. 113) quando cita Bittner (2003; p.180):
“Na perspectiva de Bittner (2003: 180), o ingresso de policiais com nível superior completo é impulso para que a atividade policial funcione com um maior nível de complexidade, sofisticação e responsabilidade; serve, igualmente, para que surja uma resistência em relação à disciplina mecânica e a trabalhos incompatíveis, por sua simplicidade, com as qualificações exigidas, e ainda faz pensar que esses servidores irão exigir reconhecimento de seu status profissional, treinamentos e atualizações, que permitirão novas possibilidades para o pensar a Polícia.”
Comparando essa dificuldade no entendimento dos objetivos das atividades realizadas na Academia com as respostas dos agressos que quando perguntados a respeito da sua formação na Academia em relação às atividades de gestão relacionadas à: Gerenciar subordinados, Fiscalizar a execução do serviço administrativo e operacional em ambos os casos os resultados predominaram com quase totalidade de satisfatório ou plenamente satisfatório (DISTRITO FEDERAL; 2013b).
Com relação à otimização do uso do tempo na academia, 61% dos alunos afirmaram perceber nunca acontecer ou acontecer poucas vezes uma boa distribuição do tempo para as atividades; corroborando 31% acusaram que algumas vezes acontece e outras não. Em contraposição, apenas 9% alegam perceber uma boa distribuição do tempo (DISTRITO FEDERAL; 2013).
Esses últimos resultados podem servir de indicadores para intensificar a otimização do tempo e das atividades oferecidas pela Academia com vistas a atingir os objetivos formativos dos futuros oficiais.
Existe uma equipe de professores civis com titulação de mestres e doutores na área de educação para assessorar a Divisão de Ensino da Academia de Polícia Militar de Brasília (APMB) na distribuição das atividades. Como exemplo das atividades desses especialistas, houve a redução da jornada diária de dez para oito horas aulas diárias, a distribuição das avaliações durante o semestre letivo de forma que não coincida mais de uma avaliação por dia ou mais de três por semana.
Esses mesmos docentes orientam os professores em como elaborar as avaliações e coordenam a Seção de Avaliação Docente que após o credenciamento do Instituto Superior de Ciências Policiais passou a ser a Comissão Própria de Avaliação (CPA).
Esta pesquisa evidenciou a parca utilização da biblioteca pelos alunos, onde 75% afirmaram nunca frequentar. Em relação à Biblioteca da APMB O Plano de Desenvolvimento Institucional estabelece que a Biblioteca funciona como órgão de suporte aos programas da instituição, tornando ágil e atualizado o serviço de informações existente, dotado de iniciativa a oferecer aos usuários informações necessárias para obter conhecimentos. Assim, contribui para o desenvolvimento individual e coletivo de alunos, professores e de pesquisadores da Instituição.
“Entre os documentos acessíveis, encontram–se periódicos, teses, anais de congressos, relatórios técnicos e partes de documentos. A descrição da Biblioteca quanto ao seu acervo de livros e periódicos, por área de conhecimento, política de atualização e informatização, área física disponível e formas de acesso e utilização”: (INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS; ano 2011; p. 107, 108)
É evidente a importância da frequência a uma boa biblioteca na formação superior, principalmente em uma formação específica como Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. A literatura é específica e não é encontrada com facilidade em outras bibliotecas. A bliblioteca da APMB é aberta ao público em geral e recebeu um considerável investimento que resultou em uma avaliação satisfatória pelo Ministério da Educação.
Quando perguntados acerca de sua organização pessoal em relação às atividades acadêmicas, das quais devem participar obrigatoriamente, 54% apresentaram resposta positiva. Nas semanas iniciais a equipe da SOEP faz palestras e dentre os temas está a gestão do tempo e técnicas de estudo, esse resultado positivo certamente está vinculado a essas atividades institucionais. (DISTRITO FEDERAL; 2013)
Em relação motivação para assistir as aulas o resultado é bom as respostas tudo a ver e bastante a ver predomimam com 59%.(DISTRITO FEDERAL; 2013) No Distrito Federal selecionam-se graduados e é oferecida compulsoriamente a eles uma nova graduação. Esse não foi objeto da pesquisa, mas talvez esse seja um fator desmotivante já que a pretensão dos alunos não é o título acadêmico e sim o oficialato. No modelo pioneiro adotado no Rio Grande do Sul selecionam-se graduados em Direito e oferecem um Curso Superior de Polícia com duração de dois anos. A percepção abaixo contextualiza os dois argumentos aqui expostos:
Em relação ao curso, os alunos percebem que ele não está militarizado, embora haja muito cuidado com a apresentação pessoal e a realização de uma “tortura mental” por meio da faxina: “Faz-se muita faxina, limpeza do pátio, só não fizemos cri-cri…”. Um aluno admite que não pretende continuar na Brigada, está fazendo outro concurso público, e declara: “Para mim é um atraso de vida, não se pode estudar lá, se tem um tempo livre, eles te põem a fazer faxina”.(RUDNICK; 2008; p. 127)
Quando indagados acerca da disponibilidade para estabelecer amizades e vínculos com os colegas a maioria indicou ter facilidade de relacionamento além de reconhecerem a importância destes para seu crescimento pessoal. Aqui é possível observar a força dos vículos militares, sobretudo no momento da formação que é a socialização daquela turma entre eles e com uma instituição militar. (DISTRITO FEDERAL; 2013)
A formação militar depende de um contingente de pessoas não há como acontecer de forma individual, não se resume às atividades acadêmicas nesse sentido Silva (2011; p. 167)
Além das atividades acadêmicas previstas no Quadro de Trabalho Semanal (QTS), os cadetes cumprem ainda uma escala de serviços internos na APM. Segundo os oficiais, tais serviços têm a finalidade de estimular-lhes a iniciativa, preparando-os para a realidade que encontrarão nos batalhões depois de formados.
De uma análise geral dos gráficos depreende-se uma resistência dos ingressantes em permanecer na APMB para receberem a formação. No caso da 19ª turma, quando havia um pleito para a redução do curso de três para dois anos a turma chegou a eleborar uma proposta de grade curricular de dois anos e tentar protocolar na Divisão de Ensino.
Os alunos-oficiais da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, chamados pelos oficiais que cursaram o CFO de Data Vênia como uma forma pejorativa de tratamento, em pesquisa etnográfica realizada também não entendem adequada a formação por eles recebidas. RUDNICKI (2008)
Não cabe aos alunos avaliar a adequação ou não da formação, isso não ocorre em nenhuma instituição de ensino, nem mesmo nas faculdades particulares onde se estabelece tecnicamente uma relação comercial de fornecimento de serviços educacionais. Essa avaliação cabe a comissões de pessoas com formação e experiência na área de adequação e tendo como base o perfil profissiográfico do profissional que se pretende chegar com essa formação ministrada.
Conclusões
A PMDF por força de lei adotou a formação superior em qualquer área como requisito de recrutamento e seleção e recebeu um verdadeiro mosaico de alunos para serem formados oficiais e declarados aspirantes em dois anos. Em relação ao perfil profissiográfico desses futuros oficiais ainda não há como se estabelecer se a nova formação atendeu as expectativas da corporação. Haja vista que no presente momento já concluíram a parte inicial, mas ainda estão em processo de conclusão do Bacharelado em Ciências Policiais.
A opção legislativa que prevalesceu no Distrito Federal foi cercada por uma série de fatores e interesses institucionais e políticos. Havia o ponto de vista relacionado ao projeto policial do futuro, que como para o ingresso na graduação de soldado iria se exigir a formação superior era necessária a mesma exigência para o ingresso no posto de Oficial. Mas não foi levado em conta que o Cadete ingressava com ensino médio e saia da APMB com formação superior, portanto, a carreira de oficiais sempre exigiu formação superior específica. Formação superior em Curso de Formação de Oficiais.
Em relação ao modelo antigo de formação, é possível encontrar vários estudos e pelas pesquisas realizadas com os egressos e seus comandantes a formação estava adequada. A necessidade de alguns ajustes foi constatada na mencionada pesquisa no que diz respeito à Gestão por Projetos e a tecnologias da informação como um todo. Essa adequação é esperada e resolvida nas reformulações das grades curriculares dos cursos.
Outra constatação é a “Carreira Jurídica Militar”, figura constitucionalmente inexistente em nível federativo, criada em alguns estados com uma justificativa que transparece ser intuito salarial. Tem sido objeto de críticas e está aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal. As carreiras de Estado são elencadas na Constituição Federal de 1988, onde há as carreiras jurídicas e as carreiras militares que em momento algum no texto constitucional se comunicam. As carreiras militares principalmente no oficialato superior são resultado de uma vida dedicada à formação, às provações e aos ritos de passagem, e que já foram, e ainda são, muito valorizadas socialmente.
A partir da exigência de conclusão de curso superior para ingresso na PMDF o que se constata é que diante da dificuldade de se mudar uma legislação federal, a formação deve procurar se adequar a um público diferenciado. Essa diferenciação é no sentido de possuírem diversos saberes, experiência profissional anterior, pertencerem a uma faixa etária mais elevada, um número maior de pessoas casadas e com filhos, uma parcela de cadetes que já ingressam pós-graduados, todos já terem cursado uma graduação. Alguns desses saberes em nada ou em pouco contribuem para as atividades administrativas e operacionais que recaem sob um oficial como a formação em área de saúde ou alguns cursos tecnólogos.
Pelo grande número de alunos que demonstraram insatisfação na formação quando perguntados, por exemplo, se entendem os objetivos das atividades realizadas na APMB, quanto à percepção de justiça na aplicação de sanções e concessão de recompensas, na percepção da organização das atividades, e na distribuição do tempo. Isso leva a uma reflexão sobre uma possível necessidade de se repensar o processo de formação, que apesar de ter passado por atualizações, não difere muito da formação ministrada no final do século passado.
Diante da dificuldade de se alterar a legislação federal que rege o ingresso na PMDF. Admitindo a nova realidade do perfil dos ingressantes, resta agora aferir o perfil profissiográfico dos formandos das 19ª, 20ª, e 21ª turmas para, após traçado o perfil. Sendo constatada necessidade de trabalhar em grupo multidisciplinar as estratégias educacionais e castrenses a serem aplicadas na formação das futuras turmas.
Informações Sobre o Autor
Leandro Rodrigues Doroteu
Mestre em Linguística pela Universidade de Franca. Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo CAES-Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito Público Docência do Ensino Superior e Direito Empresarial. Cursou CFO na APMB Direito na UNIP