Resumo: Esse artigo tem por objetivo apresentar e discorrer sobre o regime diferenciado de tributação relativo ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza conferido ao segmento de previdência privada. Além da introdução e conclusão, o artigo é composto por quatro capítulos. No primeiro capítulo é feita abordagem sobre os fatos geradores e a base de cálculo do tributo em menção. No segundo são apresentadas as deduções que podem ser realizadas pelos participantes, pela instituidora ou patrocinadora de planos de benefícios coletivos e pela entidade de previdência complementar. No terceiro capítulo aborda-se a isenção concedida sobre os rendimentos decorrentes das aplicações dos valores das contribuições no mercado de capitais e/ou imobiliário. Finalmente, no quarto capítulo, discorre-se sobre a incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos pelos participantes a título de benefícios ou de resgate e os regimes de apuração que podem ser por eles adotados (regime progressivo e regressivo). Todas essas medidas importam em incentivo aos participantes a aderirem a planos de benefícios e permanecerem a eles vinculados por um longo período.
Palavras-chave: Previdência privada. Imposto de renda. Deduções. Isenção. Incidência.
Abstract This article aims to present and discuss the different tax regime related to income tax and earnings of any nature granted to private pension segment. In addition to the introduction and conclusion, the article consists of four chapters. The first chapter approaches the triggering events and the tax calculation basis mentioned. The second presents deductions that can be performed by the participants, or by the founding sponsor of collective benefit plans and the pension entity. The third chapter deals with the exemption on income arising from investments of the contributions values in the capital market and/or real estate. Finally, the fourth chapter elaborates on the incidence of income tax on the amounts received by participants of title benefits or redemption and verification schemes that may be adopted by them (progressive and regressive regime). All these measures matter in encouraging participants to join benefit plans and remaining linked to them for a long period.
Keywords: Private Security. Income tax. Deductions. Exemption. Incidence.
Sumário: Introdução. 1. Os fatos geradores e a base de cálculo do IR. 2. As deduções admitidas por lei. 2.1. As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pelo participante. 2.2. As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de plano coletivo. 2.3. As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pela entidade de previdência complementar. 3. A isenção dos valores decorrentes dos rendimentos oriundos das aplicações realizadas pela entidade de previdência complementar. 4. A incidência do ir sobre os valores recebidos pelo participante a título de resgate e de benefícios. 4.1 O regime progressivo. 4.2 O regime regressivo. Conclusão. Referências.
Introdução
A previdência privada foi primeiramente regulamentada pelo ordenamento jurídico brasileiro em 1977, com a edição da Lei n. 6.435.
Em 1998, por meio da alteração da redação do art. 202 da CR/1988, realizada com a entrega em vigor da Medida Provisória n. 20, ela passou a ser recepcionada constitucionalmente.
Em decorrência da determinação contida no caput do art. 202 da CR/1988, em 2001 foi promulgada a Lei Complementar (LC) n. 109. Essa legislação revogou a Lei n. 6.435/1977 e passou a regulamentar a previdência privada.
O art. 202 da CR/1988 estabelece, ainda, que o regime de previdência privada, possui caráter complementar ao regime geral da previdência social, é organizado de forma autônoma, é facultativo e baseado na constituição de reservas que garantam os benefícios contratados.
O segmento de previdência privada é composto por entidades abertas e fechadas de previdência complementar (art. 4º da LC n. 109/2001). As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) são constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos e exercem as atividades de administração e execução de planos de benefícios previdenciários, cujo acesso deve ser assegurado a todos os empregados do patrocinador ou associados do instituidor (art. 16, §1° do art. 31 e art. 32 da LC n. 109/2001).
Já as entidades abertas de previdência complementar (EAPC) são constituídas sob a forma de sociedade anônima e possuem como objeto social a instituição e gestão de planos de benefícios de caráter previdenciário, concedidos na forma de pagamento único ou renda continuada, acessíveis a quaisquer pessoas físicas (art. 36 da LC n. 109/2001).
A finalidade precípua da previdência privada consiste, assim, na constituição de planos de benefícios de caráter previdenciário, com o objetivo de conceder benefícios futuramente aos participantes que complementem suas fontes de renda e lhes possibilitem manter um padrão de vida similar ao que possuíam no período economicamente ativo.
Devido à sua finalidade, a previdência privada exerce e função social relevante. Por tal razão, o Estado intervém fortemente nas relações firmadas no âmbito da previdência privada, estabelecendo, entre outros, as políticas públicas que devem ser adotadas (art. 3º da LC n. 109/2001).
Entre as políticas públicas estabelecidas pelo Estado, destaca-se o tratamento tributário diferenciado relativo ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza. Ele foi instituído na tentativa de preservar a natureza jurídica dos investimentos realizados pelos participantes (custeio de benefícios de caráter previdenciário), incentivando a adesão a planos de benefícios e evitando o desvirtuamento dos fins a que se propõe essa contratação, mediante a realização de resgates prematuros (GAUDENZI, 2008, p. 157).
Esse tratamento está atrelado à ideia de diferimento do recolhimento do imposto de renda, ao ser permitida a dedução das contribuições realizadas para o custeio de benefícios de caráter previdenciário de sua base de cálculo, tributando-as, somadas aos rendimentos percebidos em virtude dos valores investidos, somente no momento em que os recursos são disponibilizados aos participantes em decorrência do resgate ou de pagamento de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 158).
Ademais, visando estimular a manutenção dos valores aportados à EAPC (contribuições) por um longo período, preferencialmente até a fase final do período de diferimento ou de cobertura do contrato de previdência complementar, foi atribuída ao participante a faculdade de optar pelo regime regressivo de apuração do imposto de renda.
Essa possibilidade acaba interferindo na maneira como o imposto de renda devido pelo participante e pela pessoa jurídica instituidora (regime aberto de previdência complementar) ou patrocinadora (regime fechado de previdência complementar) de planos de benefícios deve ser apurado, no momento em que deve ser recolhido aos cofres públicos e nas alíquotas aplicáveis sobre os valores recebidos pelos participantes a título de resgate e de benefícios.
O objetivo deste artigo consiste, portanto, na análise do regime tributário relativo ao IR conferido ao regime de previdência complementar. Para tanto, foram apresentadas nas subseções a seguir quais são os fatos geradores do imposto em menção, quais valores compõem sua base de cálculo e qual é seu período de apuração.
Em seguida, discorreu-se sobre os benefícios fiscais concedidos pelo Estado, ao possibilitar a dedução do valor correspondente às contribuições realizadas pelos participantes e pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de planos coletivos da base de cálculo do imposto de renda, da isenção do valor correspondente aos rendimentos auferidos por meio da aplicação dos recursos formadores das reservas técnicas, provisões e fundos garantidores das obrigações contraídas pela entidade de previdência complementar, perante os participantes, durante o período de diferimento ou de cobertura do contrato firmado entre ela e os participantes.
Finalmente, foram apresentados os casos de incidência e de isenção do imposto de renda sobre os valores pagos pela EAPC aos participantes e beneficiários a título de resgate e de benefícios.
1 Os fatos geradores e a base de cálculo do IR
O inciso III do art. 153 da CR/1988 atribuiu à União competência para instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Fazendo uso da prerrogativa que lhe foi conferida, o Estado estabeleceu a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda entendida como produto do capital e/ou do trabalho e de proventos de qualquer natureza, apreendidos como os acréscimos patrimoniais não contemplados no conceito de renda como fatos geradores do imposto em menção (art. 43 do CTN) (MACHADO, 2002, p. 270).
A disponibilidade econômica consiste no recebimento de valores que acrescem o patrimônio do contribuinte e a disponibilidade jurídica dos valores creditados que ele passa a ter juridicamente, apesar de ainda não tê-los efetivamente recebido (MACHADO, 2002, p. 271). Percebe-se, portanto, que podem sujeitar-se à incidência de imposto de renda tanto os valores recebidos como os creditados ao seu patrimônio.
Conforme esclarece Fialdini (2007, p. 151), a disponibilidade econômica ou jurídica da renda e dos proventos está relacionada aos regimes contábeis de competência e de caixa. O regime de competência determina que a contabilização das receitas e das despesas deve ser processada no momento em que o contribuinte adquire direitos sobre elas ou assume a obrigação de pagá-las, respectivamente, independentemente de ter havido seu efetivo recebimento ou pagamento. Esse regime está, portanto, relacionado à disponibilidade jurídica.
O regime de caixa, por sua vez, estabelece que a contabilização das receitas e das despesas deve ocorrer somente a partir do momento em que elas ingressem ou saiam, respectivamente, do conjunto de bens que compõem o patrimônio do contribuinte, estando esse regime, consequentemente, relacionado à disponibilidade econômica.
De acordo com a redação do art. 44 do Código Tributário Nacional (CTN), “a base de cálculo do imposto de renda é o montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”. A forma para se definir a base de cálculo desse imposto varia conforme o contribuinte seja uma pessoa física ou uma pessoa jurídica.
A base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica são os lucros que ela aufere em determinado período e apurados conforme o critério de determinação: real, presumido ou arbitrado. Há, também, o critério especial aplicável aos optantes pelo Simples[1]. Já a base de cálculo do imposto de renda da pessoa física são os rendimentos por ela obtidos em determinado período (MACHADO, 2002, p. 274).
O imposto de renda possui como período de apuração o correspondente a um ano civil (BALEEIRO, 2002, p. 327). Dadas as hipóteses de antecipação previstas em lei, na prática, o imposto de renda da pessoa física é apurado e recolhido mensalmente[2], considerando-se os valores efetivamente recebidos pelo contribuinte naquele período (art. 2º da Lei n. 7.713/1988) (FIALDINI, 2007, p. 158-159).
Como o período de apuração do imposto de renda é de um ano civil, a pessoa física deve elaborar, anualmente, uma Declaração de Ajuste do Imposto de Renda. Nessa oportunidade, é verificado se haverá necessidade de realizar alguma complementação ao valor do imposto já recolhido antecipadamente ou se haverá alguma restituição a ser feita pelo Fisco ao contribuinte, caso o pagamento tenha sido maior do que o total realmente devido, levando-se em conta os valores efetivamente recebidos pela pessoa no ano-calendário de apuração, deduzidas as despesas previstas e permitidas em lei.
A compensação, no entanto, não é permitida nos casos em que o imposto recolhido antecipadamente é considerado definitivo pela legislação, tal como ocorre com as retenções decorrentes de aplicações financeiras em títulos de renda fixa ou variável, do recolhimento sobre ganhos de capital na alienação de bens e direitos e do recebimento, pelos participantes, de benefícios e de valores decorrentes do exercício do resgate, cuja tributação se dê pelo regime tributário regressivo (FIALDINI, 2007, p. 159).
2 As deduções admitidas por lei
Nas subseções seguintes são apresentadas, de forma discriminada as deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pelo participante, pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de plano coletivo e pela entidade de previdência complementar.
2.1 As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pelo participante
Até o advento da Lei n. 9.250/1995, os valores das contribuições realizadas pelos participantes se sujeitavam à incidência do imposto de renda, uma vez que integravam sua base de cálculo, não sendo permitidas quaisquer deduções a eles referentes (art. 3º c.c/ art. 14 da Lei n. 7.713/1988). Consequentemente, para evitar a bitributação, poderia ser descontado do valor efetivamente recebido pelo participante, a título de resgate ou de benefícios, aqueles decorrentes das suas contribuições. Dessa forma, o imposto de renda incidia apenas sobre a diferença entre os valores efetivamente recebidos pelo participante e os valores das suas contribuições (incisos VII e VIII do art. 6º c.c/ art. 31 da Lei n. 7.713/1988).
Com a entrada em vigor da legislação em comento, foi concedido aos participantes o direito de deduzir da base de cálculo do imposto de renda o valor das suas contribuições à entidade de previdência complementar “destinadas a custear os benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social” (inciso V do art. 4º). Tal direito foi também previsto na alínea “e” do inciso II do art. 8º da Lei n. 9.250/1995 e contemplado pela LC n. 109/2001, ao determinar que “as contribuições realizadas pelos participantes de planos de previdência complementar são dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda, nos limites e condições estabelecidas por lei” (caput do art. 69).
O imposto de renda, consequentemente, passou a incidir sobre a totalidade dos recursos efetivamente recebidos em virtude do exercício do direito de resgate ou de pagamento de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 159-160). Houve, dessa forma, postergação da tributação dos valores aportados pelos participantes para custear benefícios de caráter previdenciário, passando-a para o momento em que lhes foram efetivamente disponibilizados (GAUDENZI, 2008, p. 162).
Dois anos após a entrada em vigor da Lei n. 9.250/1995, tais deduções foram limitadas a 12% do total de rendimentos computados para a determinação da base de cálculo do IRPF, sem que tenha havido, em contrapartida, limitação para o imposto de renda incidente sobre os valores dos resgates e benefícios pagos aos participantes.
Os valores das contribuições realizadas pelo participante podem ser deduzidos da base de cálculo do imposto de renda devido mensalmente. Esses valores podem ser deduzidos, também, da folha de pagamento do empregador do participante, uma vez comprovado o recolhimento da contribuição à entidade de previdência complementar.
O limite de 12% para a realização das deduções, todavia, somente será levado em consideração no momento da realização da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, uma vez que se considera o percentual incidente sobre o total da renda e dos proventos do contribuinte e não somente sobre os provenientes do trabalho assalariado (FIALDINI, 2007, p. 166).
Em 18 de junho de 2004, foi publicada a Lei n. 10.887 que, mediante a alteração da redação do art. 11 da Lei n. 9.532/1997, impôs como condicionante à realização das deduções acima tratadas o recolhimento de contribuições para o regime geral de previdência social ou, conforme o caso, para o regime próprio de previdência social, observada a contribuição mínima.
Segundo Gaudenzi, o condicionamento da realização de dedução dos valores das contribuições realizadas pelos participantes da base de cálculo do IRPF teve por finalidade “[…] criar uma vinculação financeira entre o regime de previdência complementar privada e os regimes de filiação obrigatória […]” (2008, p. 167).
A instituição desse condicionamento é, entretanto, criticada por Gaudenzi (2008, p. 167-169) e Fialdini (2007, p. 167), uma vez que o art. 202 da CR/1988 prevê a total autonomia da previdência privada em relação à previdência social, não havendo, portanto, razões que o justifiquem. Além disso, a impossibilidade de dedução dos valores das contribuições da base de cálculo do IRPF e, ao mesmo tempo, a manutenção da tributação sobre os montantes totais pagos aos participantes a título de resgate e de benefícios geram uma bitributação. Isso porque eles são custeados, primordialmente, pelas contribuições realizadas pelos participantes, já tributadas no momento da disponibilização econômica da renda e/ou dos proventos dos quais originam.
É certo, ainda, que o direito de realizar as deduções previstas na Lei n. 9.250/1997 e na LC n. 109/2001 existirá independentemente do regime tributário (progressivo ou regressivo) escolhido pelo participante (MARTINEZ; FERRAZ; KOSUGI, 2014, p. 355; GAUDENZI, 2008, p. 198).
Podem ser também deduzidas da base de cálculo do imposto de renda a ser pago pelo participante as quantias relativas às parcelas isentas dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão pagos por qualquer entidade de previdência privada, a partir do mês em ele completar 65 anos (inciso VI do art. 4º da Lei n. 9.250/1995 e § 1° do art. 8º da Lei n. 9.250/1997).
Finalmente, é importante lembrar que as contribuições realizadas pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de planos coletivos em favor dos participantes são isentas do imposto de renda da pessoa física, não integrando, portanto, à base de cálculo do imposto devido pelo participante (inciso VIII do art. 6º da Lei n. 7.713/1988). Sobre esses valores somente incidirá o IRPF quando e na medida de sua efetiva disponibilização ao participante, mediante o pagamento de valor de resgate ou de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 172-173).
2.2 As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de plano coletivo
O valor das contribuições realizadas pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de plano coletivo pode ser deduzido da base de cálculo do IRPJ e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) a serem por ela recolhidos aos cofres públicos, caso ela apure os referidos tributos de acordo com o critério de lucro real (art. 13 da Lei n. 9.249/1995). As instituidoras ou patrocinadoras tributadas de acordo com o critério de lucro presumido não possuem tal prerrogativa, porque na base de cálculo do imposto de renda apurado dessa forma não se admite a dedução de despesas autorizadas pela legislação (GAUDENZI, 2008, p. 173-174).
A dedução acima mencionada fica, todavia, limitada, em cada período de apuração, às contribuições realizadas pela instituidora ou patrocinadora que correspondam até 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração de seus dirigentes (§ 2° do art. 11 da Lei n. 9.532/1997). O valor das contribuições realizadas pela instituidora ou patrocinadora que superarem o limite de 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração de seus dirigentes deve ser adicionado ao lucro líquido do exercício para fins de determinação do lucro real e da base do cálculo da CSLL (§ 3° do art. 11 da Lei n. 9.532/1997).
2.3 As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pela entidade de previdência complementar
Como visto, o regime de previdência privada é baseado na constituição de reservas que garantam os benefícios contratados. Para viabilizar as atividades que são por elas desempenhadas e garantir o cumprimento das obrigações por elas assumidas perante os participantes de planos de benefícios, as entidades de previdência complementar celebram uma série de contratos, contemplando riscos homogêneos e sujeitos a um mesmo conjunto de cláusulas gerais (plano de benefícios).
Os recursos oriundos dos aportes realizados pelos participantes (contribuições) em contrapartida à garantia que lhe é prestada pela entidade de previdência complementar (pagamento de benefícios vindo o risco coberto a se concretizar – sobrevivência do participante ao período de diferimento do contrato – morte ou invalidez, durante o período de cobertura) devem ser aplicados, na maior parte dos casos, no mercado financeiro e/ou de capitais e em conformidade com as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) (§ 1º do art. 9º da LC n. 109/2001).
Dado o fato de essas reservas técnicas, provisões e fundos possuírem destinação própria (custeio dos benefícios e demais direitos garantidos pela entidade aos participantes dos planos de benefícios), foi admitida a dedução dos valores a elas inerentes da base de cálculo do imposto de renda a ser recolhido pela entidade de previdência complementar (inciso I do art. 13 da Lei n. 9.249/1995).
3 A isenção dos valores decorrentes dos rendimentos oriundos das aplicações realizadas pela entidade de previdência complementar
Como visto no capítulo anterior, os recursos que formam as reservas técnicas, provisões e fundos constituídos pela entidade de previdência complementar, para garantir as obrigações que ela contraiu perante os participantes de seus planos de benefícios, devem ser aplicados no mercado de capitais e/ou imobiliário durante o período de diferimento ou de cobertura do contrato de previdência complementar, conforme o caso.
Com o advento da Lei n. 11.053/2004, os rendimentos alcançados por meio dessas aplicações deixaram de ser tributados durante o período contributivo dos contratos firmados entre a entidade e o participante (art. 5º). Somente a partir do momento em que os recursos acumulados são acessados pelo participante, por meio do resgate ou do recebimento de benefícios, é que haverá incidência do imposto de renda. Antes disso, não há qualquer tributação sobre os rendimentos auferidos por meio da aplicação dos valores formadores das reservas técnicas, provisões e fundos mencionados.
4 A incidência do ir sobre os valores recebidos pelo participante a título de resgate e de benefícios
Os valores recebidos pelos participantes de planos ofertados por entidade de previdência complementar, a título de resgate ou de benefícios, pagos de uma só vez ou sob a forma de renda, em princípio, compõem a base de cálculo do IRPF, haja vista que estão contemplados no conceito de renda. O imposto de renda incidirá sobre a totalidade dos valores disponibilizados aos participantes e beneficiários, independentemente de terem sido realizadas as deduções permitidas por lei de sua base de cálculo e de acordo com a forma prevista no art. 33 da Lei n. 9.250/1995 (GAUDENZI, 2008, p. 192).
O legislador, entretanto, excepcionou essa regra ao estabelecer que os valores recebidos pelos participantes ou pelos beneficiários, em decorrência da invalidez permanente ou da morte do participante, são isentos de imposto de renda (art. 6º da Lei n. 9.250/1995).
O imposto de renda incidente sobre os valores a serem pagos aos participantes e beneficiários, a título de resgate ou de benefícios, passa a ser devido a partir do momento em que são disponibilizados. O valor do imposto será retido na fonte e recolhido aos cofres públicos pela entidade de previdência complementar (art. 33 da Lei n. 9.250/1995). Dessa forma, os participantes e beneficiários receberão os valores a ele devidos, já descontado o imposto de renda respectivo.
4.1 O regime progressivo
Em atenção ao disposto no inciso I do § 2° do art. 153 da CR/88, o imposto de renda é estruturado, como regra geral, segundo o critério da progressividade. No regime tributário progressivo, as alíquotas do IRPF vão aumentando à medida que os contribuintes apresentarem maior capacidade contributiva (RODRIGUES, 2006, sem paginação; FIALDINI, 2007, p. 147).
As alíquotas do imposto de renda a ser recolhido mensalmente e anualmente (por ocasião do ajuste) pela pessoa física são de 0%, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%, conforme o valor da base de cálculo do referido tributo[3].
São essas as alíquotas que devem ser consideradas pela entidade de previdência complementar ao realizar a retenção do imposto de renda devido pelos participantes e beneficiários em decorrência do recebimento de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 199-200).
Sobre os valores dos resgates totais ou parciais realizados pelos participantes, a alíquota do imposto de renda a ser recolhido por ocasião da disponibilização desses recursos é de 15%. O imposto de renda incidente sobre esses valores também será retido na fonte, como forma da antecipação do imposto a ser apurado na declaração de ajuste da pessoa física (art. 3º da Lei n. 11.053/2004). Por tal razão, admite-se sua compensação na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda (art. 33 e inciso V do art. 12 e art. 13 da Lei n. 9.250/1995).
Na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda será calculado o valor total das rendas e demais rendimentos tributáveis e aplicada a alíquota do tributo, conforme base de cálculo e Tabela Progressiva Anual do IRPF. Os valores de imposto de renda retidos na fonte serão compensados em relação ao montante a recolher, apurado conforme rendimentos tributáveis anuais do contribuinte. Caso o valor a recolher seja maior do que o valor retido na fonte, o contribuinte deverá pagar o montante correspondente à diferença. Se o valor retido na fonte for maior do que o valor total a recolher, ao contribuinte será restituída a diferença pelo Fisco (art. 13 da Lei n° 9.250/1995).
4.2 O regime regressivo
A Lei n. 11.053/2004 atribuiu aos participantes que celebrarem, a partir de 1° de janeiro de 2005, contratos de previdência complementar vinculados a planos estruturados nas modalidades de contribuição definida ou de contribuição variável a faculdade de optarem pelo regime regressivo de tributação do imposto de renda (art. 1º).
A instituição desse regime de apuração do IRPF se deu como forma de incentivo aos participantes em manterem em poder da entidade os valores aportados para custear os benefícios contratados, inibindo, assim, a realização de resgates (REIS, 2014, p. 128). Afinal, quanto maior é o tempo de aplicação dos valores das contribuições realizadas, menor será a alíquota devida a título de IRPF.
Além disso, ao permanecerem vinculados a planos de benefícios até o final do prazo de diferimento ou de cobertura do contrato de previdência complementar, os valores das contribuições realizadas pelos participantes e pela instituidora ou patrocinadora acabam sendo utilizadas para o pagamento dos benefícios contratados e que vão complementar a renda dos participantes por ocasião de sua aposentadoria, finalidade última da previdência privada.
Enquanto os valores não forem utilizados para o pagamento dos benefícios contratados, serão aplicados pela entidade de previdência complementar no mercado de capitais e/ou no mercado imobiliário, permitindo realocação de recursos em setores deficitários e, consequentemente, auxiliando o Estado no fomento da economia, além de evitar que a adesão a planos de benefícios, especialmente aqueles ofertados por EAPC se dê como mero instrumento de aplicação financeira (WEINTRAUB, 2014, p. 251; FIALDINI, 2007, p. 187).
Verifica-se, pela leitura do art. 1º da legislação em comento, que a faculdade atribuída ao contribuinte em escolher o regime de tributação do IRPF a ser adotado (progressivo ou regressivo) se restringe aos planos de previdência complementar estruturados nas modalidades de contribuição definida ou de contribuição variável, estando aqui incluídos os planos contemplados pela Lei n. 11.196/2005 (art. 83). Nos planos de previdência complementar estruturados na modalidade de benefício definido inexiste tal faculdade, prevalecendo, nesses casos, o regime progressivo.
Fialdini (2007, p. 184) explica que tal restrição foi realizada pelo legislador por razões técnicas. Afinal, a inexistência de reservas técnicas, provisões e fundos individualizados em nome do participante não se adapta ao regime tributário instituído pela Lei n. 11.053/2004. O legislador parece, entretanto, ter se esquecido de que os planos da modalidade de benefício definido também podem ser estruturados pelo regime financeiro de capitalização, situação em que haverá a constituição de tais reservas, provisões e fundos. Mesmo nos planos da modalidade de benefício definido, estruturados sob os regimes financeiros de repartição simples ou repartição de cobertura de capitais, há como a entidade realizar um controle analítico contemplando as datas e valores das contribuições realizadas pelos participantes e dos benefícios são a ele pagos.
Conforme mencionado, no regime regressivo, as alíquotas do imposto de renda são reduzidas de acordo com o período de acumulação dos recursos oriundos das contribuições realizadas pelos participantes e/ou pela instituidora ou patrocinadora, e não conforme o valor da renda e dos proventos auferidos pelo contribuinte em determinado período, como ocorre no regime progressivo. Quanto maior o intervalo de tempo entre a data da realização da contribuição e a data do recebimento do benefício ou do resgate, menor será a alíquota do imposto de renda aplicável.
Pelo regime regressivo, a alíquota de imposto de renda aplicável para investimentos de período inferior a dois anos é de 35%; de 30% para aplicações de período entre dois e quatro anos; 25% para investimentos por período de quatro a seis anos; de 20% para aplicações de seis a oito anos; 15% para aplicações de oito a dez anos e 10% para os investimentos de período superior a dez anos (art. 1º da Lei n. 11.053/2004).
Os prazos mencionados no parágrafo anterior são computados de acordo com o tempo transcorrido entre a data da realização das contribuições, individualmente consideradas, e a data do efetivo pagamento do valor correspondente ao resgate ou aos benefícios contratados, considerando-se o tempo de permanência, a forma e o prazo de recebimento e os valores aportados (§ 3° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004).
“De acordo com o princípio acolhido por esse regime alternativo de tributação, […] o primeiro capital que entra no plano previdenciário é o primeiro que sai. Portanto, se um participante contribuiu para seu plano previdenciário, de forma regular e homogênea ao longo de dez anos, isso não quer dizer que ao final desse período, ao acessar suas reservas, seja como resgate ou benefícios, haverá automaticamente a incidência da alíquota mínima de 10%.
A depender das diversas datas de aporte e, por consequência, dos diversos períodos em que tais aportes ficaram internalizados na forma de poupança, haverá a incidência de alíquotas diferenciadas, pois o prazo a ser considerado para efeito de enquadramento nos percentuais acima (prazo de acumulação) é contado a partir de cada contribuição realizada” (REIS, 2014, p. 129).
Havendo a portabilidade dos recursos formadores da provisão matemática de benefícios a conceder e da provisão de excedentes financeiros de um plano de benefícios para outro plano de mesma natureza, os prazos acima referidos são computados, considerando-se aqueles já transcorridos no plano originário (§ 4° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004).
Como visto, no regime regressivo de tributação, o imposto de renda também é devido no momento em que são disponibilizados aos participantes e aos beneficiários quaisquer valores a título de resgate ou de benefícios (art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Da mesma forma como ocorre no regime progressivo, o valor do imposto será retido na fonte e recolhido aos cofres públicos pela entidade de previdência complementar. Os valores do imposto retidos na fonte pela entidade, no entanto, não são compensáveis na Declaração Anual de Ajuste do Imposto de Renda, como acontece no regime progressivo (RODRIGUES, 2006, sem paginação). O valor do imposto apurado, retido na fonte e recolhido ao Fisco, é definitivo (caput e § 2° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004).
Antes do advento da Lei n. 11.196/2005 (que alterou a redação do § 6º do art. 1º da Lei n. 11.053/2004), a opção pelo regime de tributação do IRPF deveria ser realizada no momento em que o participante aderisse ao plano de benefícios de natureza previdenciária. A partir de sua entrada em vigor, todavia, a opção pelo regime de tributação (progressivo ou regressivo) passou a dever ser realizada até o último dia útil do mês subsequente ao de adesão ao plano de benefícios (§ 6º do art. 1º da Lei n. 11.053/2004).
Apesar de o novo prazo ser mais vantajoso para o participante, uma vez que ele terá mais tempo para refletir sobre qual é o melhor regime para atender às suas pretensões e possibilidades, pela prática de mercado, essa opção acaba sendo realizada no momento do preenchimento do formulário de inscrição (MARTINEZ; FERRAZ; KOSUGI, 2014, p. 352).
Aos participantes de planos de benefícios estruturados pelas modalidades de contribuição definida ou de contribuição variável antes de 1º de janeiro de 2005 foi também atribuída a faculdade de optarem pela adoção do regime regressivo de tributação. Para tanto, foi-lhes conferido prazo até o último dia útil do mês de dezembro de 2005 para que a opção pelo regime regressivo fosse realizada (art. 2º da Lei n. 11.053/2004).
Nos casos em que o participante tiver feito opção pelo regime regressivo referente a planos já em curso antes de 1º de janeiro de 2005, o período de acumulação teve sua contagem iniciada a partir de 1º de janeiro de 2005 para os aportes realizados até 31 de dezembro de 2004 e a partir da data de cada um dos aportes realizados após 1º de janeiro de 2005 (§ 3° do art. 2º da Lei n. 11.053/2004).
Finalmente, é importante mencionar que a opção feita pelo participante quanto ao regime de tributação a ser adotado é irretratável e prevalecerá mesmo em caso de portabilidade de recursos e respectivas reservas (§ 6° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Tal opção prevalece tanto para os valores a serem pagos aos próprios participantes como aos beneficiários (GAUDENZI, 2008, p. 195).
Uma vez feita a opção pelo regime de tributação do imposto de renda, a entidade de previdência complementar deve transmitir essa informação à Secretaria da Receita Federal do Brasil, na forma por esta regulamentada (§ 5°do art. 1º da Lei n. 11.053/2004).
Conclusão
Como se viu, o regime diferenciado de tributação relativo ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza conferido ao segmento de previdência privada foi instituído pelo Estado, como política pública e na tentativa de tornar a adesão a planos de benefício mais interessante e menos onerosa para os participantes e evitar como que fossem celebrados contratos com entidades de previdência complementar como mera diversificação de investimentos.
O regime diferenciado de tributação tratado contempla as permissões legais conferidas aos participantes e às instituidoras ou patrocinadoras de planos coletivos de deduzirem da base de cálculo do imposto de renda os valores dos rendimentos destinados a contribuições a entidade de previdência complementar, observados os limites estabelecidos. Contempla, ainda, a permissão de dedução da base de cálculo do referido imposto dos valores recebidos pela entidade de previdência complementar a título de contribuições.
Esse regime diferenciado de tributação abrange também a isenção do IR sobre os valores dos rendimentos auferidos por meio da aplicação dos recursos oriundos das contribuições no mercado financeiro e/ou imobiliário pela entidade de previdência complementar.
O regime em menção abarca, ainda, nova forma de apuração do imposto de renda e da aplicação das alíquotas respectivas (regime regressivo), visando a estimular os participantes a permanecerem vinculados a planos de benefícios até o final do período de diferimento do contrato entre eles firmado com a entidade.
Todas essas medidas são salutares e efetivamente contribuem para o crescimento do segmento de previdência complementar e, consequentemente, para ampliação da proteção conferida aos cidadãos brasileiros que possuem meios para custear sua própria previdência privada.
Informações Sobre o Autor
Marina Grimaldi de Castro
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos 2009 pós-graduada no MBA Executivo Júnior em Direito da Economia e da Empresa pela FGV 2005 e bacharel em Direito pela Universidade FUMEC 2002. Professora do curso de graduação em direito do IBMEC e do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Empresarial ofertado pelo IEC/PUC Minas. Advogada e consultora