Resumo: O objetivo do presente estudo é discorrer sobre os principais desafios da administração pública brasileira na prevenção e no combate aos ilícios transnacionais, as perspectivas envolvendo a implementação da norma no país e para ter acesso a informações sobre fatos dessa natureza e eventualmente investigar e sancionar um ente privado que tenha praticado o suborno transnacional. Buscar-se-á, ainda, abordar as dificuldades na obtenção de dados e informações, seja no cenário interno, seja no âmbito internacional, e propor sugestões com o fim de contorná-las e, ou superá-las. Pretende-se, ainda, tratar do suborno transnacional à luz das principais normas estrangeiras que abordam o tema, comparando-as com a Lei Anticorrupção brasileira de nº. 12.846/2013, que trouxe à baila a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas nacionais por atos lesivos cometidos contra a administração pública estrangeira.
Palavras-chave: Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais – Normas internacionais – Lei anticorrupção brasileira – Suborno transnacional – Principais desafios.
Abstract: The objective of the present study is to discuss the main challenges of the Brazilian public administration in the prevention and combating transnational bribery, the perspectives involving the implementation of the norm in the country and to have access to information on facts of this nature and to investigate and sanction a private entity that has practiced transnational bribery. It will also seek to address the difficulties in obtaining data and information, both internally and internationally, and to propose with a view to circumventing and / or overcoming them. It is also intended to deal with transnational bribery in light of the main foreign norms that approach the subject, comparing them with the Brazilian Anti-Corruption Law nº. 12.846/2013, which brought to the attention the administrative responsibility of national legal entities for harmful acts committed against the foreign public administration.
Keywords: Convention on the Fight against Corruption of Foreign Public Officials in International Business Transactions – International Standards – Anti-Corruption Law – Transnational Bribery – Challenges.
Sumário: 1. Introdução – 2. Suborno transnacional no cenário da Lei Anticorrupção nº. 12.846/2013 – 3. Suborno transnacional no cenário internacional – 4. Comparativo entre as principais normas estrangeiras e a Lei nº. 12.846/2013 – 5. Desafios e perspectivas para o estado brasileiro – 6. Conclusão – 7. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno da globalização dos mercados com a internacionalização da indústria e dos capitais expandiu o comércio internacional, ampliou a rede de trocas e diminuiu as barreiras entre Estados do mundo inteiro, o que estimulou a internacionalização dos ilícitos e da corrupção. Houve, assim, um processo de ampliação geográfica dos crimes devido à facilitação causada pela maior circulação de mercadorias e de pessoas no mercado global.
Nesse contexto, surgiu a figura do crime organizado transnacional como atividade que utiliza as facilidades de intercâmbio no contexto da globalização para expandir sua área de influência pelo mundo e dificultar o trabalho estatal de fiscalização e manutenção da segurança, podendo ser resultado de outras práticas ilícitas, a exemplo da corrupção e da lavagem de dinheiro, que passaram a ter transcendência internacional, o que exige por parte dos Estados uma ação coordenada para combatê-la eficazmente.
Avalia-se que a corrupção transnacional e outros crimes a ela associados são importantes ameaças à segurança da sociedade mundial, pois atravanca o desenvolvimento social, econômico – ao distorcer as condições internacionais de competitividade –, cultural e político.
Dentro desse cenário, pode-se entender a importância da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, que instituiu o principal mecanismo internacional de combate ao crime organizado, já que incorporou um conjunto novo de elementos que refletem a necessidade atual de combate a esse tipo de crime.
A prática do suborno transnacional ou a corrupção corporativa acontece com o principal objetivo de auxiliar as empresas a obterem um negócio. Assim, o suborno corporativo estrangeiro afeta a própria estabilidade das negociações que ocorrem no exterior, além de afetar o clima competitivo doméstico, especialmente quando as empresas nacionais se envolvem em práticas dessa natureza, em substituição a uma competição saudável por negócios em países estrangeiros.
A preocupação com condutas dessa natureza por parte das empresas surgiu nos Estados Unidos já nos anos 70, quando a U.S. Securities and Exchange Commission – SEC iniciou investigações para apurar pagamentos milionários supostamente indevidos realizados por várias empresas norte-americanas a funcionários públicos estrangeiros com o objetivo de obter negócios fora de seu território de origem[1]. Assim, com o objetivo de combater o suborno transnacional, os norte-americanos instituíram o Foreign Corrupt Practice Act – FCPA em 1977.
A edição do FCPA não se fundamentou em questões éticas e morais tão somente, mas foi resultado do fato de que o pagamento de propinas a um agente público estrangeiro pode prejudicar a concorrência entre as empresas e corresponde a uma violação às leis de mercado e às bases do regime capitalista.
De acordo com a exposição de motivos da referida norma, “Corporate bribery is bad business. In our free market system it is basic that the sale of products should take place on the basis of price, quality, and service. Corporate bribery is fundamentally destructive of this basic tenet. Corporate bribery of foreign officials takes place primarily to assist corporations in gaining business. Thus foreign corporate bribery affects the very stability of overseas business. Foreign corporate bribes also affect our domestic competitive climate when domestic firms engage in such practices as a substitute for healthy competition for foreign business”[2].
A partir do FCPA, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE elaborou a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros, que se tornou um marco no combate à corrupção na esfera de transações comerciais internacionais.
Inicialmente, o suborno de funcionários públicos estrangeiros foi tratado pelo Grupo de Trabalho da OCDE sobre Suborno em Transações Comerciais Internacionais instituído em 1994 pelo Comitê sobre Investimento Internacional e Empresa Internacional da OCDE para monitorar o cumprimento da Convenção da OCDE contra a Corrupção em todos os Estados Partes.
Como resultado do trabalho desse grupo, firmou-se o primeiro acordo multilateral relacionado ao combate do suborno de agentes públicos estrangeiros, firmado em 1997 pelos Estados membros da OCDE, aos quais se somaram outros países como o Brasil, Argentina e Chile.
Em outubro de 2002, por meio do Decreto nº. 4.410, o Brasil promulgou a Convenção Interamericana contra a Corrupção, cujos propósitos são promover e fortalecer o desenvolvimento, por cada um dos Estados Partes, dos mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção; e promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados Partes a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações adotadas para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício (art. II). No mesmo sentido dispõe o artigo 1º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção quanto à promoção e o fortalecimento das medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção. Além disso, tratam da promoção da cooperação, da integridade e da devida gestão dos assuntos e bens públicos.
Ao deixar de ser um problema local para converter-se em um fenômeno transnacional que afeta todas as sociedades e economias, a troca de informações, a integração dos processos e dos fluxos de trabalho entre governo e sociedade, e a cooperação internacional torna-se fundamental e imprescindível para prevenir e combater a corrupção de modo efetivo e eficaz.
No preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, assinada pelo Brasil em 09/12/2003 e incorporada ao ordenamento jurídico pelo Decreto 5.687, de 31/01/2006, ressalta-se a preocupação do país com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção para a estabilidade e a segurança das sociedades, pois enfraquece as instituições e os valores democráticos, éticos e de justiça, ao comprometer o desenvolvimento sustentável de seus diversos setores, e ao afetar o Estado de Direito ao gerar instabilidade política.
Uma das vertentes do combate à corrupção estabelecida por esta Convenção é a obrigação de cada Estado signatário de adotar medidas visando à prevenção e o combate ao suborno de funcionários públicos estrangeiros. Dispõe seu artigo 16[3], o seguinte:
“1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido internacionalmente, a promessa, oferecimento ou a concessão, de forma direta ou indireta, a um funcionário público estrangeiro ou a um funcionário de organização internacional pública, de um benefício indevido que redunde em seu próprio proveito ou no de outra pessoa ou entidade com o fim de que tal funcionário atue ou se abstenha de atuar no exercício de suas funções oficiais para obter ou manter alguma transação comercial ou outro benefício indevido em relação com a realização de atividades comerciais internacionais.
2. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, a solicitação ou aceitação por um funcionário público estrangeiro ou funcionário de organização internacional pública, de forma direta ou indireta, de um benefício indevido que redunde em proveito próprio ou no de outra pessoa ou entidade, com o fim de que tal funcionário atue ou se abstenha de atuar no exercício de suas funções oficiais.”
O Brasil assumiu o compromisso de combater de forma eficiente o suborno transfronteiriço em 2000 com a publicação do Decreto 3.678, que promulgou a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, ratificada em junho daquele ano.
Um conceito para o suborno transnacional pode ser encontrado na Convenção Interamericana de Combate à Corrupção, ratificada pelo Brasil em 2002 com a promulgação do Decreto nº. 4.410, de 07 de outubro daquele ano, como já mencionado, in verbis:
“Suborno transnacional é o oferecimento ou outorga, por parte de seus cidadãos, pessoas que tenham residência habitual em seu território e empresas domiciliadas no mesmo, a um funcionário público de outro Estado, direta ou indiretamente, de qualquer objeto de valor pecuniário ou outros benefícios, como dádivas, favores, promessas ou vantagens em troca da realização ou omissão, por esse funcionário, de qualquer ato no exercício de suas funções públicas relacionado com uma transação de natureza econômica ou comercial” (Art. VIII)
No caso, por exemplo, de uma empresa privada brasileira realizar uma promessa ou pagamento de benefício pecuniário ou qualquer outra vantagem indevida, diretamente ou por meio de intermediários, a agente público estrangeiro para obtenção de um proveito que resulte em prejuízo à administração pública estrangeira em transações comerciais realizadas no exterior, restará configurado o suborno transnacional.
Com a assunção desse compromisso brasileiro de combater o suborno transfronteiriço, foram inseridos no Código Penal Brasileiro, alguns dispositivos criminalizando a prática da corrupção por particular contra a Administração Pública Estrangeira, além da alteração na Lei de lavagem de dinheiro em 2012 (Lei nº. 12.683/12) e a promulgação da Lei nº. 12.846/2013 – conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa – que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro, normas com a finalidade de combater administrativa e civilmente essa modalidade de infração atribuível às pessoas jurídicas.
No Brasil, trata-se de atos lesivos praticados à administração pública estrangeira, que atentem contra o patrimônio público estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo país. Refere-se, portanto, ao suborno de funcionários públicos de outros países levado a efeito por pessoas jurídicas nacionais ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, conforme dispõe o parágrafo único do caput do art. 1º da Lei 12.846/2013.
Outros países, a exemplo do Reino Unido, Itália, Turquia, França e Chile, já possuem normas jurídicas que admitem a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção relacionados ao suborno transnacional, algumas das quais serão tratadas a seguir.
O advento da Lei Anticorrupção brasileira, além de atender aos anseios da comunidade internacional quanto aos compromissos assumidos por nosso país a partir da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE, surgiu em um momento em que o mundo atravessa um cenário complexo em que casos de corrupção envolvendo empresas e governos têm sido constante no dia-a-dia da sociedade.
Recentemente veio à tona o esquema de corrupção envolvendo a Construtora Norberto Odebrecht em vários países[4]. Em janeiro desse ano, conforme noticiou o jornal Folha de São Paulo, “o ex-presidente peruano Alejandro Toledo (2001-2006) teve sua prisão preventiva decretada por suspeita de ter embolsado US$ 20 milhões em propinas. Na Colômbia, o presidente Juan Manuel Santos foi acusado de ter recebido US$ 1 milhão para a campanha de 2014 à reeleição, o que ele nega”.
Casos dessa natureza atingiram, ainda, autoridades de Venezuela, Equador e Panamá, conforme a notícia. Em dezembro do ano passado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos – DOJ revelou que a Odebrecht admitira a distribuição de US$ 439 milhões em 11 países da América Latina – Argentina (U$ 35 milhões) e México (U$ 10,5 milhões) – e da África. Após investigações envolvendo a práticas de suborno nos Estados Unidos, o DOJ homologou acordo de leniência da empresa e aplicou multa de US$ 2,6 bilhões, dos quais U$ 2,39 bilhões seriam destinados ao Brasil[5].
A demanda por uma atuação ética e regular, tanto das empresas quanto dos funcionários públicos, cresce a cada dia e impõe que autoridades públicas e executivos se organizem para responder, de forma efetiva, aos desafios que se impõem; seja no estabelecimento de instrumentos aptos a prevenir e combater o ilícito transnacional eventualmente sancionando os responsáveis pelos danos causados, seja na formatação de programas de integridade capazes de prevenir e detectar de forma eficiente, desvios dessa natureza, ou na cooperação entre os envolvidos no sentido de identificar os casos e instruir de forma eficaz, os processos de responsabilização.
2. Suborno transnacional no cenário da Lei Anticorrupção nº. 12.846/2013
A Lei Anticorrupção nº. 12.846/2013 entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014 e, com ela, o Brasil introduziu em seu ordenamento jurídico, a possibilidade de se responsabilizar administrativamente – e de forma objetiva – uma empresa brasileira ou uma sociedade estrangeira que tenha sede, filial ou representação no País, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, por atos lesivos causados à administração pública estrangeira, a exemplo de pagamento de propina a agentes públicos estrangeiros para obtenção das mais diversas vantagens em negócios a serem firmados ou executados no exterior .
Quanto às pessoas físicas – dirigentes ou administradores das empresas – além da previsão na Lei nº. 12.846/2013, responsabilização individual encontra-se estabelecida em outras leis brasileiras, a exemplo do Código Penal e Lei de Improbidade Administrativa.
Ao conceituar “agente público estrangeiro”, a Lei da Empresa Limpa estabeleceu que se trata do agente que, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.
Além de equiparar as organizações internacionais ao conceito de administração pública estrangeira, a norma considera como parte dessa administração, os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público daquele país.
O artigo 5º da referida Lei elenca os principais tipos normativos, estabelecendo em caso de descumprimento de seus incisos, as sanções de multa – no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação – e a penalidade reputacional que obriga a empresa a publicar amplamente a decisão que a condenou. Ambas as penas poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, a depender das peculiaridades do caso concreto e da gravidade e natureza das infrações.
Atuando no exterior, caso um dos representantes de uma empresa brasileira ou sociedade estrangeira com sede, filial ou representação no Brasil prometa, ofereça ou dê, direta ou indiretamente, vantagem indevida a um agente público estrangeiro, ou a terceira pessoa a ele relacionada, o ente privado poderá ser responsabilizado administrativamente no Brasil por meio de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR e ser punido por isso.
Além disso, não poderá o ente privado oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou terceira pessoa a ele relacionada, nem financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na Lei, tampouco utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
No que toca à sua participação em licitações e contratações públicas, não poderá atuar de forma a frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público, a licitação pública ou o contrato dela decorrente; impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; tampouco criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.
Não poderá, ainda, sob pena de ser sancionada administrativamente, obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais ou manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.
No que toca às sanções judiciais, a lei prevê, dentre outras, a suspensão ou interdição parcial de suas atividades e dissolução compulsória da pessoa jurídica.
Além disso, com o objetivo de garantir a atividade de investigação pelo poder público, a Lei 12.846/2013 proíbe qualquer interferência indevida nessa atividade por parte da pessoa jurídica privada. Eventuais dificuldades na realizada da atividade de investigação ou fiscalização por parte de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou interferência em sua atuação, poderá resultar na aplicação de elevadas multas ao ente privado.
A competência para investigar, processar e julgar essa pessoa jurídica no Brasil pela prática de suborno transnacional é exclusiva do Ministério da Transparência e Controladoria – Geral da União – CGU, nos termos do artigo 9º da Lei 12.846/2013, observado o disposto no Artigo 4 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação do Decreto nº. 3.678/2000, c/c artigo 14 do Decreto 8.420/2015 que a regulamentou.
Como se trata de lei nova que estabeleceu inédita competência para a CGU no que tange à apuração de responsabilidade administrativa por suborno praticado em outros países por empresas nacionais, a troca de experiências com outros países que já promoveram a regulamentação sobre a prevenção e o combate ao suborno transfronteiriço torna-se fundamental para o desenvolvimento dos trabalhos e o aperfeiçoamento das normas jurídicas brasileiras. Nesse sentido, buscou-se no tópico seguinte, trazer à baila algumas características das principais legislações estrangeiras que tratam do suborno transfronteiriço.
3. Suborno transnacional no cenário internacional
Consoante já dito, os Estados Unidos, o Reino Unido, Itália, Turquia, França e Chile, dentre outros, já possuem normas jurídicas que admitem a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção relacionados ao suborno transnacional.
A norma norte-americana, conhecida como FCPA – Foreign Corrupt Practices Act – normatiza a relação entre entes privados e públicos, enquanto a britânica – UK Bribery Act – foi além para regular também a relação existente unicamente entre empresas privadas. Portanto, a nova norma cobre todos os casos de propina, ou seja, tanto os que envolvem um agente público quanto os que envolvem somente empresas e funcionários do setor privado.
A Lei Anticorrupção do Reino Unido – Bribery Act 2010 foi aprovada em 08/04/2010 e entrou em vigor em 1º/07/2011. Apesar de os subornos serem ilegais no Reino Unido há bem mais tempo, o Bribery Act representa significativa alteração na legislação britânica nas áreas empresarial e de negócios. É considerada uma das leis mais rígidas do mundo sobre suborno transnacional[6] e da mesma forma que a Lei Anticorrupção brasileira, surgiu como resposta à pressão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.
A nova legislação estabeleceu quatro principais crimes, a saber:
a) corrupção ativa – oferecer, prometer ou dar propina.
b) corrupção passiva – solicitar, concordar em receber ou aceitar propina.
c) suborno de um funcionário público estrangeiro. Neste caso, a lei prevê a responsabilização criminal de qualquer empresa pelos atos de seus representantes, agentes e prepostos que derem, prometerem ou oferecerem qualquer tipo de vantagem com o objetivo de levar uma terceira pessoa a praticar ato indevido. A norma afeta companhias britânicas e operações internacionais de empresas estrangeiras que operam no Reino Unido, estabelecendo multas ilimitadas para as corporações responsáveis pelas práticas ilícitas.
d) contravenção corporativa de falha na prevenção da prática do suborno – a responsabilidade é gerada por uma pessoa que age a favor ou em nome da empresa que paga o suborno.
A título de defesa, a empresa poderá demonstrar que a organização possuía procedimentos adequados (termo não definido pela norma, mas sujeito a seis princípios – proporcionar procedimentos, compromisso do alto escalão, avaliação de risco, due diligence, comunicação e treinamento, e monitoramento e revisão), os quais devem ser avaliados pelos tribunais britânicos em cada caso. No caso da lei britânica, trata-se da única matéria de defesa na hipótese de ter sido identificada a prática do suborno.
A penalidade prevista no Bribery Act 2010 para as organizações comerciais é a aplicação de multa de valor ilimitado, a ser definido pelo Tribunal, enquanto a alta administração da companhia (diretores) poderá se sujeitar a processos de impedimento que os impeçam de atuar como diretores por até 15 (quinze) anos, e os empreiteiros públicos poderão ser excluídos de contratações públicas.
Além disso, destaca-se a lei francesa nº. 1.691/2016, recentemente publicada., e a lei chilena – Lei nº. 20.393/2009. Esta última estabelece a responsabilidade penal da pessoa jurídica por danos causados direta ou indiretamente, em seu interesse ou proveito, por seus sócios, controladores, responsáveis, principais executivos ou representantes, nas hipóteses em que a infração for resultado do descumprimento dos deveres de direção e supervisão por parte da empresa. Dentre as penas previstas na legislação chilena, está a possibilidade de dissolução da pessoa jurídica, a proibição de contratar com a administração pública, a perda de benefícios fiscais, a multa, dentre outras.
A Turquia, assim como o Chile, previu a responsabilização penal das pessoas jurídicas[7], especialmente por meio do Código Penal Turco nº 5237, que entrou em vigor em 1/06/2005, e foi alterado pela Lei 4.782 para proibir expressamente a corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais[8].
Na Itália, o Decreto Legislativo n. ° 231/2001 introduziu a noção de responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, aplicável às infrações de suborno, desde que a infração seja cometida em benefício da corporação pelos seus administradores ou empregados. Apesar de ser qualificada como uma infração administrativa pela lei, o assunto é tratado por um tribunal criminal de acordo com as regras do processo criminal instaurado contra os funcionários das corporações. Em 2012, com a publicação da Lei italiana de n. ° 190/2012, entrou em vigor uma reforma significativa do sistema italiano de combate à corrupção, introduzindo, entre outras coisas, novas infrações relacionadas ao suborno e outras punições além das já existentes na norma anterior. De acordo com Roberto Pisano[9], essa iniciativa acabou por ampliar a esfera de responsabilidade das empresas privadas envolvidas em suborno.
Na tabela a seguir, encontram-se compiladas as principais características das normas inglesa, americana e italiana.
Do exposto, distinguem-se algumas diferenças significativas entre os países em destaque no que tange à regulamentação da responsabilidade das pessoas jurídicas quanto ao suborno transnacional. A título de exemplo, em parte deles, a responsabilidade imputada à pessoa jurídica é criminal, enquanto no Brasil e na Itália, regulamentou-se a responsabilidade administrativa da empresa.
Destaca-se, ademais, que as leis anticorrupção brasileira e norte-americana estabelecem um limite para a aplicação da sanção de multa, enquanto que no Bribery Act 2010 não há limites para o valor dessa sanção. A legislação anticorrupção britânica estabelece, ainda, punição de destituição do cargo e impedimento para que um diretor da companhia, por exemplo, continue na gestão da empresa por até 15 (quinze) anos em caso de práticas de suborno, punição essa não prevista na norma brasileira. A italiana trouxe a possibilidade de a empresa ser proibida de dar publicidade a seus bens ou serviços, o que poderá gerar impactos na atividade comercial e econômica da pessoa jurídica na Itália.
Vê-se, portanto, que as pessoas jurídicas que mantenham negócios no exterior poderão sofrer consequências diversas quando de eventual prática de um ilícito transnacional, a depender do país onde tiverem atividades.
Se uma empresa exportadora brasileira, a título de exemplo, subornar um funcionário público no Reino Unido, poderá ser responsabilizada no Brasil por suborno transnacional com a sanção de multa de até 20% do seu faturamento bruto – dentre outras sanções, além de poder ser punida pelas autoridades inglesas com multa de valor ilimitado com base no Bribery Act 2010.
Desse modo, o aprofundamento dos estudos envolvendo a legislação estrangeira sobre a responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de ilícito transfronteiriço, e eventuais propostas legislativas deles decorrentes, poderá ser um caminho adicional para aproximar os países quanto a esse tema e permitir maior eficiência e efetividade no combate a esse tipo de infração.
4. Desafios e perspectivas PARA O ESTADO BRASILEIRO
O Grupo de Trabalho da OCDE responsável pela avaliação do Brasil no que tange à implementação e aplicação pelo país, da Convenção sobre o Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais e instrumentos correlatos, após elogiar o país pela promulgação da Lei Anticorrupção, ressaltou em seu Relatório da Fase 3 sobre o Brasil, preocupação em relação ao baixo nível de repressão ao suborno transnacional no país[10].
Além disso, destacou o Grupo sobre a preocupação quanto à proatividade por parte do Brasil em detectar, investigar e processar os casos de suborno transnacional.
O Grupo de Trabalho identificou algumas deficiências que podem prejudicar a capacidade brasileira de detectar a corrupção e o suborno transfronteiriço, processar e eventualmente responsabilizar pessoas em virtude dessas práticas. O país ainda não oferece proteção ao denunciante, em especial aos funcionários do setor privado que denunciam suspeitas de suborno estrangeiro, por exemplo. Além disso, em razão da complexidade que envolve o instituto da prescrição no Brasil, há de acordo com a OCDE, a possibilidade de que os acusados, sobretudo os mais ricos e poderosos, recorram à justiça para atrasar o andamento dos processos e, assim, garantirem a prescrição dos ilícitos.
Em documento intitulado “Brazil Policy Brief” [11] da OCDE, elaborado em novembro de 2015, a Organização destacou que o país deve “empenhar-se em investigar e processar rapidamente os indivíduos e empresas por subornos supostamente pagos a países estrangeiros, inclusive os signatários da Convenção Anti-Suborno da OCDE”.
A nosso sentir, algumas questões de ordem prática devem ser consideradas no que tange à investigação e ao processamento de empresas pela prática de suborno transnacional. A primeira delas refere-se à obtenção tempestiva de informações pelos órgãos competentes para a investigação, sobre eventuais práticas ilícitas ocorridas em países estrangeiros.
Os países lesados podem tomar ciência da prática de suborno transnacional em seu desfavor, por exemplo, a partir de notícias de mídia internacional. Nessas hipóteses, e a depender de sua legislação, o país sede da empresa responsável pela infração no território estrangeiro poderá investigar e eventualmente responsabilizar a pessoa jurídica pela irregularidade praticada além de suas fronteiras. Entretanto, nem sempre isso ocorre da forma como deveria, especialmente nas situações em que o fato não for noticiado pela mídia estrangeira, o que poderá impedir ou atrasar as apurações sobre o caso.
A obtenção tempestiva de informações pela autoridade competente e o processamento rápido e efetivo desses dados visando à investigação e ao processo envolvendo a prática do suborno transnacional por empresas privadas brasileiras e estrangeiras com sede, filial e representação no país mostra-se como um dos maiores desafios do Brasil no combate a esse tipo de ilícito.
Nesse contexto, considera-se que o fortalecimento da cooperação jurídica interna e internacional é fundamental para a superação de dificuldades daquela natureza, situação que impõe uma atuação efetiva do poder público no sentido de se aparelhar para enfrentar esse novo cenário.
Importante o desenvolvimento pelos órgãos públicos competentes, de canais de denúncia com linguagem adequada para o recebimento e o processamento de informações envolvendo as práticas de suborno transnacional, permanente capacitação dos servidores públicos que atuarão diretamente com a matéria – na investigação e processamento por suborno transnacional, pois o necessário intercâmbio de provas e informações poderá exigir, além de apurado conhecimento técnico sobre as práticas ilícitas, capacidade de entendimento sobre a língua do país onde ocorreu a infração administrativa investigada, seja na tradução de documentos produzidos originalmente em língua estrangeira, seja na participação desses agentes em operações conjuntas com outros países ou em fóruns internacionais de discussão sobre o tema.
Além disso, requer-se a realização de um trabalho de divulgação das questões envolvendo a Lei Anticorrupção e o suborno transnacional para os órgãos e entidades públicas brasileiras e estrangeiras, e a conscientização sobre a importância do tema.
No âmbito interno, torna-se fundamental o estabelecimento de parcerias, inclusive formalmente estruturadas, entre o Ministério da Transparência e Controladoria – Geral da União – órgão detentor competência exclusiva para a responsabilização administrativa e a firmatura de acordos de leniência em razão de práticas de suborno transnacional no Brasil – e os órgãos e entidades públicas do país, de todas as esferas de governo, que eventualmente trabalhem com dados e informações sobre a atuação e os negócios das empresas brasileiras em países estrangeiros.
Considera-se extremamente importante a formatação de uma rede organizada e integrada de troca de dados e informações formada por parceiros do setor público e privado, no âmbito interno e internacional, com o estabelecimento de fluxos de trabalho definidos entre os órgãos e entidades públicas e de efetiva comunicação com o setor privado, de modo que, ao tomarem ciência de irregularidades envolvendo a atuação de empresas nacionais fora do Brasil, saibam o que fazer e possam comunicar imediatamente as autoridades da CGU sobre o fato sob suspeita.
Cita-se, como exemplo, o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que oferece financiamento para apoiar a expansão internacional das empresas brasileiras. O Banco colocou em prática medidas para detectar o suborno estrangeiro[12].
A Convenção Interamericana contra a Corrupção prevê a necessidade da adoção de medidas que “impeçam o suborno de funcionários públicos nacionais e estrangeiros, tais como mecanismos para garantir que as sociedades mercantis e outros tipos de associações mantenham registros que, com razoável nível de detalhe, reflitam com exatidão a aquisição e alienação de ativos e mantenham controles contábeis internos que permitam aos funcionários da empresa detectarem a ocorrência de atos de corrupção (Art. III, 10)”. [grifei]. Dispõe, ainda, que convém que os Estados Partes e, portanto, o Brasil, estabelecer medidas para exigir dos funcionários públicos que informem as autoridades competentes dos atos de corrupção de que tenham conhecimento (Art. III, 1).
Essa obrigação deve ser normatizada em todo o país, de modo a tornar mais clara a responsabilidade daquele que tiver conhecimento de um ilícito transnacional envolvendo uma pessoa jurídica brasileira ou estrangeira com sede, filial ou representação no Brasil, de comunicar ao órgão competente sobre o fato, sob pena dessas situações ficarem à mercê da atuação do Estado.
Nos termos do artigo 29 da Lei Anticorrupção, consoante já dito, compete à Controladoria-Geral da União celebrar acordos de leniência nos casos de atos lesivos contra a administração pública estrangeira.
Com o setor privado, a conscientização sobre o assunto e o estabelecimento dessas parcerias torna-se imprescindível, na medida em que o próprio ente privado, ao identificar uma prática supostamente ilícita, poderá investigá-la, especialmente se dispuserem de programas de integridade estruturados e em efetivo funcionamento, e denunciá-la à CGU e a outros órgãos de combate a fraudes e corrupção, nas hipóteses em que os fatos tenham ou não o envolvimento direto da empresa.
Se o fato irregular ter sido cometido por uma empresa concorrente, a empresa prejudicada que denunciar a prática do suborno estará contribuindo para a criação de um ambiente concorrencial mais limpo e transparente, o que beneficiará o mercado em que atua, a economia e o país de uma forma geral. Caso o fato ilícito tenha sido praticado internamente, a pessoa jurídica poderá ser beneficiada com a redução de eventuais sanções, caso denuncie, proponha a assinatura de um acordo de leniência com a CGU e passe a colaborar com o órgão de controle na investigação dos fatos.
A celebração do acordo de leniência está prevista no artigo 16 da Lei 12.846/2013 para as pessoas jurídicas que efetivamente colaborarem com as investigações e o processo administrativo e poderá isentar a pessoa jurídica da sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória, de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos, e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
Ademais, convém ressaltar que a adoção, aperfeiçoamento ou aplicação de programas de integridade pelas empresas deve integrar cláusula desses acordos.
A questão da autodenúncia, em que uma empresa noticia às autoridades públicas competentes, falhas e irregularidades ocorridas internamente, é tema de grande relevância, em especial no caso de empresas que ainda não dispõem de um programa efetivo de integridade.
Apesar de óbvia a importância da investigação de fatos supostamente irregulares pelas empresas, cientificar os órgãos de controle do setor público acerca do resultado dessas apurações, ou seja, apresentar uma autodenúncia, pode ser matéria delicada para aquelas onde ocorreram os ilícitos, especialmente em virtude das rígidas regras estabelecidas pela Lei Anticorrupção no que tange à responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas.
Nada obstante, ao reportar um problema, a empresa poderá estar prevenindo a ocorrência de outras falhas ou irregularidades, eventualmente mais graves. Na ausência de investigações nessas hipóteses, diz-se que a corrupção tende a crescer – pedidos de subornos aumentam e os negócios se tornam mais dependentes dos atalhos. Contas ocultas inicialmente projetadas para transferir fundos para funcionários públicos, por exemplo, podem ser colocadas em uso para transferir dinheiro de volta para os próprios empregados.
Permitir que um problema atinja o ápice pode ter um efeito mais amplo ao incentivar os corruptos dentro de uma organização, além de ter efeitos negativos nos negócios. O suborno, muitas vezes anda de mãos dadas com problemas de gestão.
Além disso, um funcionário, um fornecedor, ou algum outro terceiro já pode ter relatado um problema para as autoridades, que já podem estar investigando o assunto e, intencionalmente e para não atrapalhar as investigações, não terem alertado a empresa acerca da apuração em andamento. Se, nessa situação, a empresa adotar as providências necessárias e informar espontaneamente sobre a ocorrência do ilícito, caso seja confrontada pelas autoridades responsáveis pela investigação, a pessoa jurídica estará em uma posição muito melhor para responder, inclusive se for o caso de buscar a firmatura do mencionado acordo de leniência com a administração pública brasileira, pois já terá realizado a sua própria investigação sobre o assunto e reportado os fatos às autoridades competentes.
De acordo com os professores Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch e Victor Santos Rufino, a firmatura de um acordo poderá ser proveitoso para ambas as partes – empresa e setor público, pois “soluciona o dilema estatal de conduzir uma investigação complicada, custosa e com difíceis chances de sucesso, e, ao mesmo tempo, permite ao setor privado minimizar os custos, econômicos e reputacionais, de carregamento de uma investigação ou processo sancionatório, além de seguir em frente com suas atividades normais em um intervalo de tempo hábil”[13]. Para eles, os programas de integridade “representam, nesse ambiente, uma tentativa das pessoas jurídicas de prevenir ou mitigar a ocorrência e os efeitos de ilícitos que, muitas vezes, podem ser deflagrados pela conduta de poucos funcionários, em universos de colaboradores que usualmente superam a casa dos milhares”.
No âmbito externo, consoante mencionado, considera-se imperioso o fortalecimento da cooperação jurídica internacional – instrumento por meio da qual o Estado brasileiro poderá receber e solicitar de outro Estado medidas administrativas ou judiciais para fins de procedimento investigatório no âmbito da sua jurisdição (troca de informações sobre a legislação dos países, citações, intimações, obtenção de provas, tomada de depoimentos ou declarações – inclusive por meio de teleconferência ou videoconferência)[14], de modo que eventuais práticas ilícitas cometidas por empresas brasileiras nos Estados parceiros, por exemplo, possam ser imediatamente comunicadas ao Brasil pelas autoridades estrangeiras e devidamente apuradas pela autoridade competente em território nacional em sede do PAR.
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, assinada pelo Brasil em 09/12/2003 e promulgada por meio do Decreto n°. 5.687, de 31/01/2006, trouxe um rol de normas regulamentando a cooperação jurídica internacional (artigos 43 a 50), o que possibilita às autoridades brasileiras, solicitarem cooperação jurídica exclusivamente com base neste instrumento, independentemente da existência de outro acordo ou tratado bilateral, inclusive no que tange aos pedidos de assistência relacionados a procedimentos nos âmbitos civil e administrativo, como é o caso do processo administrativo de responsabilização de pessoas jurídicas nos casos de prática de suborno transnacional.
O Relatório da Fase 3 sobre o Brasil, elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre suborno da OCDE, destacou que quase metade dos casos de corrupção de agentes públicos cometidos durante transações comerciais internacionais envolve agentes de países desenvolvidos, talvez porque os países que possuem um elevado nível de desenvolvimento humano – IDH podem estar “aptos a cooperar entre si para detectar casos de corrupção, compilá-los e comunicá-los às autoridades repressivas de outros países […] e mais dispostos a compartilhar informações, tendo menos a perder se um investidor do primeiro plano se retira do mercado“.
Além dos canais tradicionais de cooperação internacional, considera-se também fundamental o aperfeiçoamento dos canais de denúncia existentes no País, de modo a prepará-los para receber dados e informações sobre as práticas de suborno transnacional – seja dos setores público e privado, seja de fontes estrangeiras parceiras – e direcioná-los tempestivamente às autoridades competentes para a investigação.
5. CONCLUSÃO
À medida que a economia brasileira continua a se desenvolver e a sua participação nas exportações e nos investimentos mundiais cresce, aumenta sua exposição aos riscos de suborno estrangeiro.
O estabelecimento de medidas efetivas com a finalidade de prevenir, detectar, processar e responsabilizar de forma rápida e efetiva aqueles que insistem em recorrer à prática do suborno para alavancar seus negócios no exterior é fundamental para o desenvolvimento sustentável da economia no mundo.
A construção de uma rede integrada de informações estabelecida interna e externamente com os setores público e privado, poderá ser uma alternativa para que o País supere esse desafio e alcance efetividade e eficiência em suas investigações e processos voltados ao combate do ilícito transfronteiriço.
O fortalecimento da cooperação torna-se imprescindível diante desse cenário e, a partir de uma atuação efetiva do poder público brasileiro no sentido de se aparelhar para enfrentar os novos desafios que se impõem a partir da publicação da Lei Anticorrupção, e do aprofundamento dos estudos envolvendo a matéria, o Brasil poderá alcançar ótimos resultados no combate ao suborno transfronteiriço.
Informações Sobre o Autor
Aline Cavalcante dos Reis Silva
Coordenadora-Geral de Responsabilização de Entes Privados da CGU. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB e em Farmácia Clínica pela Universidade de Brasília – UnB. Especialista em Direito Público. Auditora Federal de Finanças e Controle da Controladoria – Geral da União – CGU. Corregedora Setorial da CGU (2006-2016)