Resumo: O presente trabalho tem como objetivo efetuar uma análise acerca do tribunal do júri, desde sua formação história, seus fundamentos previstos na Constituição Federal, Código de Processo Penal e doutrina, assim como efetuar uma análise acerca da sua estrutura, composição e procedimento quando do julgamento dos crimes dolosos contra a vida para, ao final, efetuar uma abordagem crítica acerca da sua funcionalidade quanto ao atendimento do proposto pelo instituto, à luz dos ditames dos direitos e garantias fundamentais.
Palavras-chave: Júri. Processo Penal. Direitos fundamentais.
Abstract: The current paper has the objective of making an analysis of the Brazilian Jury Court, going through its historical formation, constitutional basis, criminal procedure code and doctrine, as well as analyze its composition e its judgment procedure of the intentional crimes against life, aiming, at the end of it, make a critical approach about its functionality as to as the legal content proposed by the institute, in the light of the dictates of fundamental rights and guarantees.
Keywords: Juri. Criminal Proceedings. Fundamental Rights.
Sumário: 1. Introdução; 2. Fundamentos, princípios informadores e características do tribunal do júri; 3. O rito especial do júri; 3.1. A primeira fase: judicium accusationisou de formação de culpa; 3.2. A segunda fase: instrução e julgamento em plenário ou judicium causae; 4. Considerações finais.
1. Introdução
Um julgamento justo. Este é, sem dúvida, o objeto de busca incessante por todos os aplicadores do direito ao longo dos séculos, sobretudo na seara criminal. Um processo que contemple a aplicação da lei penal no caso concreto, com a concretização da pena, respeitados seus fundamentos (repressão ao injusto, prevenção geral e social e ressocialização do preso) é, pode-se dizer, o grande objetivo e desafio não só do Processo Penal brasileiro, mas também de diversos outros países e ordenamentos jurídicos ao redor do globo.
Isto porque, considerando o atual panorama axio-jurídico em que se encontra a ordem constitucional brasileira – pautada sempre no respeito integral aos direitos humanos e pela observância das garantias fundamentais do homem e do cidadão – não mais se admite um processo criminal que deixe de observar todas as prerrogativas e direitos fundamentais para a escorreita aplicação da lei penal. De igual forma, levando-se em consideração aplicação de princípios informadores, em consonância com o dever de representação e identidade que a sociedade deve ter com o poder judiciário, deve o ordenamento jurídico contemplar institutos que viabilizem não somente um devido processo legal, mas um devido e justo processo legal.
Neste sentido encontra-se o Tribunal do Júri, instituto sui generis na ordem jurídica brasileira, vez que o julgamento não é de competência de um juiz togado, mas sim de sete juízes leigos, membros da comunidade, geralmente sem qualquer conhecimento jurídico, com o papel de serem os aplicadores do direito quando julgamentos de alguns dos crimes mais graves previsto no estatuto repressor brasileiro: os crimes dolosos contra a vida.
2. Fundamentos, princípios informadores e características do tribunal do júri.
O Código Penal, em seu Título I, Capítulo I, da Parte Especial, define, do artigo 121 ao artigo 127, os crimes cujo bem jurídico protegido pode ser considerado como o mais importante, dentre todos os demais bens penalmente relevantes: a vida. Especialmente alocado como os primeiros crimes em espécie do diploma repressivo pátrio, os crimes contra a vida, pela importância e grave dano à ordem pública e pessoal não só do ofendido, mas como de seus familiares e da comunidade em geral, não poderiam ter um desenrolar processual como dos demais crimes previstos no Código Penal e em demais leis extravagantes. A gravidade dos seus reflexos, quando consumados os delitos, merecem maior atenção do Estado.
A instituição do Tribunal do Júri data de tempos remotos, com relatos de que os primeiros julgamentos populares são oriundos da Palestina, onde haviam tribunais que conheciam processos criminais e crimes puníveis com a pena de morte. Entretanto, pode-se afirmar que as bases modernas do tribunal, com respeito aos direitos fundamentais do homem e das garantias fundamentais provêm da Inglaterra. Rangel, desta forma, é claro ao afirmar que:
“É desse ponto comum, Inglaterra, que vamos partir para a história do juro no Brasil, passando pela transferência da família real (entre 25 e 27 de novembro de 1807) para a nossa terra natal, com as consequências inerentes à elevação do Brasil, em dezembro de 1815, à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves (2011, p. 532)”.
Portanto, é diante dessa influência história do direito britânico que, atualmente, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII[1], reconhece a instituição competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida: o Tribunal do Júri. Nesta toada, o Código de Processo Penal, em seu artigo 74, §1º[2], define que os crimes previstos do artigo 121 ao 127 do Código Penal (crimes dolosos contra a vida), tanto consumados quanto tentados, serão de competência do Tribunal do Júri o respectivo julgamento.
O Júri Popular, conforme os ensinamentos de Pacelli(2014, p.719), tem sua razão de ser pelo fato da gravidade dos resultados advindos da prática de um crime doloso contra a vida. Estes – conforme referido acima – destacam-se dos demais delitos previstos no Código Penal, uma vez que um julgamento por populares, despidos de qualquer conhecimento jurídico, tornaria a justiça criminal mais democrática, uma vez que nada mais justo, segundo suas palavras, que membros da comunidade julguem aquele que transgrediu à norma penal, vindo a causar tamanha dor e transtorno à toda a população, reforçando o ideal de justiça, alicerce do Estado Democrático de Direito.
Távora, de igual forma, dispõe que:
“Com a Constituição do Brasil de 1988, o tribunal do júri foi confirmado como direito e garantia fundamental. Garantia de sujeição ao tribunal popular nos crimes de sua competência, para atendimento ao devido processo legal. É direito, conferido de forma ampla, de participar da atividade do Judiciário, na condição de jurado. (2015, p. 826)”.
Nucci (2007, p. 667), também neste sentido, sustenta que é o tribunal do júri “um direito individual, consistente na possibilidade que o cidadão de bem possui de participar, diretamente, dos julgados do Poder Judiciário […]. Constitui cláusula pétrea na Constituição Federal (CF,art. 60, §4º, IV[3])”.
Desta forma, o fundamento do tribunal do júri, segundo posição adotada pelos autores supra, reside justamente na necessidade de participação da população nos julgamentos dos crimes que mais afetam o seu cotidiano, mormente em razão da crescente violênciapercebida e sentida pela população dia após dia.
Entretanto, Paulo Rangel (2011, p. 532), faz adverte que “No júri, os iguais não julgam os iguais, basta verificar a formação do Conselho de
Sentença: em regra, funcionários públicos e profissionais liberais. E os réus? Pobres.Normalmente, traficantes de drogas e, excepcionalmente, Um de nós”.
De igual forma sustenta Pacelli que, embora defenda a instituição do tribunal do júri, adverte acerca de eventuais casos de julgamentos injustos, conforme se observa:
“Costuma-se se dizer que o Tribunal do Júri seria uma das mais democráticas instituições do Poder Judiciário, sobretudo pelo fato de submeter o homem ao julgamento de seus pares e não ao da Justiça Togada. […] Mas não se pode perder de vista que nem sempre a democracia esteve e estará a serviço do bem comum, ao menos quando aferida simplesmente pelo critério da maioria. […] E o Tribunal do Júri, no que tem, então, de democrático, tem também, ou melhor, pode ter também, de arbitrário (2014, p. 719)”.
O fato é que o júri popular, conforme visto, tem sua razão de ser na própria Carta Magna da República, d’onde discussões acerca da efetiva democratização do procedimento engrandecem os argumentos e a da busca da justiça pelo legislador e pelo aplicador do direito.
E, assim sendo, importante dizer que, além dos princípios informadores do processo penal, detém o tribunal do júri princípios próprios, previstos no já aludido art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, a saber: a) a plenitude de defesa;b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos e d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
O primeiro diz respeito ao direito do réu em não somente efetuar a defesa técnica, por meio de seu defensor constituído, público ou dativo, mas também de apresentar a sua própria defesa com relação aos fatos a ele imputados, valendo-se de qualquer forma de argumentação para convencer os jurados (sentimental, social e o direito ao silêncio) de que não foi ele o autor do fato ou que o mesmo não aconteceu conforme narrado na peça acusatória inicial. Vale dizer, ainda, que este princípio revela-se aplicado na segunda fase do procedimento do tribunal do júri, a saber: a fase do julgamento em plenário ou judicium causae (TÁVORA, 2015, p. 826).
Por conseguinte, o princípio do sigilo das votações tem o condão de garantir um julgamento, pelos jurados, despido de qualquer espécie de influência, seja de âmbito externo ao tribunal como também entre os próprios jurados ou pelo acusado a estes. Tal princípio estabelece como regra que todos os jurados são incomunicáveis entre si, durante todo o julgamento em plenário, de forma que eventuais dúvidas devem ser direcionadas somente ao juiz-presidente, devendo a votação ocorrer em sala especial para tanto ou, na falta desta, ser determinado que o público se retire, devendo permanecer somente o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça, conforme dispõe o artigo 485 do Código de Processo Penal[4]. De igual forma, o sigilo das votações compreende a cautela necessária por parte do juiz-presidente para que este não revele as votações do jurados após os quesitos, evitando qualquer influência, como referido (LOPES JR., 2014, p. 758-759).
A soberania dos vereditos, por sua vez, diz respeito ao julgamento dos fatos e estes sequer podem ser modificados pela instância superior, em caso de recurso de apelação, determinando-se somente a realização de novo júri, com a anulação do já realizado. Isto é, o Tribunal de Justiça não absolve o acusado, caso este tenha sido condenado em plenário, de forma que o veredito dado pelos jurados – que, na segunda fase do procedimento, julgam os fatos, como se verá adiante – sendo este soberano até par ao segundo grau de jurisdição, uma vez que a materialidade do crime e suas circunstâncias é matéria de fato, somente se admitindo mudança em caso de nova decisão em novo plenário (TÁVORA, 2015, p.827).
Contudo, sabias são as palavras de Pacelli quanto à aparente imutabilidade da decisão que pode causar eventual julgamento injusto, advertindo que:
“[…] a garantia da soberania dos vereditos deve ser entendida em termos, tendo em vista ser possível a revisão de suas conclusões por outro órgão jurisdicional (os tribunais de segunda instância e os tribunais superiores), sobretudo por meio da denominada ação de revisão criminal (art. 621 do CPP[5]). Embora semelhante possibilidade, à primeira vista, possa parecer uma afronta manifesta à soberania dos vereditos, pode-se objetivar em seu favor o seguinte: a ação de revisão criminal somente é manejável no interesse do réu e somente em casos excepcionais previstos expressamente em lei (art. 621, I, II e III, CPP); funciona, na realidade, como uma ação rescisória (do cível), legitimando-se pelo reconhecimento da falibilidade inerente a toda a espécie de convencimento judicial e, por isso, em todo o julgamento feito pelos homens (2014, p. 718)”.
Por fim, o último princípio informador do tribunal do júri diz respeito à competência do plenário para julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, previstos do artigo 121 ao 127 do Código Penal, conforme alhures mencionado. A competência do tribunal do júri é taxativa, de forma a não se admitir interpretações extensivas ou analógicas do texto legal ordinário e constitucional. Contudo, importante mencionar que em caso de crimes comuns conexos, o tribunal do júri está autorizado a julgá-los, ainda que, posteriormente, na fase de julgamento em plenário, ocorra a absolvição do crime doloso contra a vida, objetivando-se, com isso, o aproveitamento dos atos processuais e economia processual (LOPES JR, 2014, p. 727).
Com relação às características do procedimento do tribunal do júri, pode-se afirmar que se trata de um instituto jurídico sui generis, uma vez que é composto por duas fases: a primeira chamada de instrução preliminar ou judicium accusationis, destinada à formação da culpa, e a segunda destinada ao julgamento do caso em si mesmo, ou seja, se o acusado deve ou não ser responsabilizado pelo fato típico (ou fatos típicos) a ele imputados, chamada de acusação em plenário ou judicium causae (PACELLI, 2014, p. 720).
Ainda, Távora, dispõe que o tribunal do júri detém também as seguintes características:
“a) Orgão heterogêneo: na Constituição de 1988, o júri popular é reafirmado como órgão do Poder Judiciário. Sua composição é formada por um juiz-presidente e por vinte e cindo jurados, nos termos da nova redação do art. 433 do CPP […], dos quais sete compõe o Conselho de Sentença. O juiz-presidente aplica o direito de acordo com os fatos que são julgados pelos jurados. Aquele, o juiz do direito, estes, o juiz dos fatos. […]; b) órgão horizontal: não há o que se falar em hierarquia entre o juiz presidente e os jurados. Têm funções diversas, e a conjugação de esforços faz a harmonia do tribunal; c) órgão temporário: o tribunal funcionará durante alguns períodos do ano. Desta forma, a reunião do júri é o período do ano em que o tribunal opera, ao passo que a sessão do júri concentra a realização do julgamento […]; d) decisões por maioria de votos: não é necessário, ao contrário do que ocorre no júri norte-americano, que haja unanimidade na votação. Basta a obtenção de quatro votos num determinado sentido para que se tenha a majoritariedade na votação de cada quesito […](2015, p. 828-829”).
Portanto, uma vez analisados os fundamentos, princípios e características do tribunal do júri à luz da abalizada doutrina, cumpre agora efetuar a análise do procedimento em si, abordando ambas as fases: judicium accusationis e judicium causae.
3. O rito especial do júri
Como exposto, o procedimento do julgamento dos crimes dolosos contra a vida é caracterizado por ser bifásico, isto é, com uma fase preliminar, onde se afere a possibilidade jurídica do julgamento dos fatos pelos jurados, quando do conselho de sentença, e uma fase de julgamento propriamente dito, em que se afere, de fato, a materialidade do delito imputado ao acusado, bem como sua autoria.
Passa-se, então, à análise de ambas as fases, com suas características intrínsecas.
3.1. A primeira fase: judicium accusationis ou de formação de culpa
Com a consumação ou tentativa de um crime doloso contra a vida e com a consequente notitia criminis, efetuada perante a Autoridade Policial, após findo o regular inquérito policial, surge, para o Ministério Público – ou para o querelante, no caso de omissão daquele, por meio da queixa crime subsidiária – o dever de promover a persecução criminal caso presentes as condições da ação penal, para a apuração da verdade real.
Desta forma, a primeira fase do procedimento do tribunal do júri nasce da forma acima relatada, assim como ocorre nos demais crimes previstos no Código Penal ou em leis especiais, caso inexistentes normas processuais que disponham o contrário.
Como dito, a esta fase é denominada de instrução preliminar ou judicium accusationis, cuja função é destinada para aferir a possibilidade de existência de crime de competência do tribunal do júri. E, como bem apontado por Pacelli:
“Como não se exige, nem se poderia exigir, ao menos rigorosamente, que os jurados fundamentem racionalmente suas decisões, pela via argumentativa, […] a medida, de resto, revela-se bastente útil até mesmo para evitar que pessoas para as quais a lei reconhece a justificação da conduta (legitima defesa, estado de necessidade etc.) sejam encaminhadas ao tribunal do júri, correndo ali o risco de eventualmente serem condenadas, dependendo da qualidade de atuação das partes em plenário (2014, p. 720)”.
O procedimento em si, tal como seu início, não difere do procedimento comum ordinário, regulado do artigo 394 ao artigo 405 do Código de Processo Penal. Vale dizer, assim, que o processo tem início com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público ou pelo querelante, a qual deve narrar os fatos do caso e, ao final, pedir pela procedência da ação penal para ver condenado o acusado do ou dos crimes ali narrados. Esta é a oportunidade, ainda, para que sejam arroladas testemunhas para audiência de instrução preliminar, no número de oito para cada fato, à luz do que elenca o artigo 95 do Código de Processo Penal (LOPES JR, 2014, p. 728).
Após oferecida a denúncia ou queixa-crime, caberá ao juiz, caso presentes as condições da ação, recebe-la e determinar a citação do acusado para que responda à acusação, de forma escrita, no prazo de 10 dias, contados da data do efetivo cumprimento do mandado de citação, conforme Inteligência do art. 406 do Código de Processo Penal[6]. Cabe ressaltar que, assim como o é para a acusação, é a reposta escrita à acusação a oportunidade para que o réu apresente arrole as testemunhas necessárias – oito para cada réu -, assim como alegue defesas de natureza processuais, como preliminares, juntar documentos e defender-se quanto aos fatos narrados na denúncia, constituindo, pois, a defesa técnica.
Távora (2015, p. 831), afirma que a resposta escrita à acusação é peça obrigatória e que, caso não seja apresentada pelo réu, deverá ser nomeado defensor público ou dativo para que o faça. Ainda, continua o autor afirmando que não há mais o que se falar em defesa preliminar, uma vez que a reforma trazida com a Lei nº 11.689/2008 colocou o depoimento do acusado como último ato da instrução criminal.
Em seguida, será então realizada a audiência de instrução preliminar, regulada pelo artigo 411 do Código de Processo Penal[7]. Seu deslinde ocorre nos mesmos moldes do rito comum ordinário, com a colheita do depoimentodo ofendido (quando possível, em caso de crimes tentados, por exemplo), passando à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação, após às da defesa e, por fim, ao interrogatório do acusado. Ainda na audiência, será efetuado o reconhecimento de pessoas ou coisas, assim como, caso necessário, ouvidos peritos em caso de eventual dúvida acerca de perícia existente.
Finda a instrução, será aberto o tempo para as alegações finais orais, primeiramente à acusação e, logo após, à defesa. O tempo será de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez. Havendo mais de um acusado, o tempo para os debates será individual a cada réu.
Por fim, o juiz da primeira fase irá prolatar, oralmente ou por escrito, a decisão que irá autorizar ou não a instrução e julgamento em plenário. Caso tenha sido comprovado a prova da materialidade do delito e indícios suficientes da sua autoria, a decisão será de pronúncia. Sua fundamentação, conforme aduz o artigo 413 do Código de Processo Penal[8] será adstrita à existência da materialidade e indícios suficientes de autoria, devendo, ainda, dispor acerca da existência de circunstâncias qualificadoras e causas de aumento de pena. Discorrendo o juiz a mais, a decisão será nula por excesso de linguagem. A natureza da decisão de pronúncia é interlocutória mista não terminativa, pois põe fim a uma fase do procedimento sem, contudo, extinguir o processo. (RANGEL, 2011, p. 572).
Julgando não haver provas suficientes, o juiz irá prolatar a decisão de impronúncia que, ressalta-se, não faz coisa julgada. Isto porque, como tal decisão visa efetuar somente um juízo de admissibilidade para o julgamento em plenário, pode o Ministério Público oferecer nova denúncia, desde que instruída com novas provas. De igual forma, pode o juiz da primeira fase aplicar o instituto da emendatiolibelli, de forma a desclassificar o crime para outro doloso contra a vida ou não, caso em que deverá encaminhar os autos para o juízo competente. A natureza da decisão de impronúncia é terminativa, pois encerra o processo sem julgamento de mérito, ao passo que a de desclassificação é interlocutória modificadora de competência (LOPES JR, 2014, p. 737-739).
Pode ocorrer, ainda, a chamada despronúncia, a qual consiste na impronúncia de um réu que havia sido anteriormente pronunciado, quando da interposição de recurso em sentido estrito. Assim, ocorre quando o juiz faz a retratação, própria do efeito regressivo do aludido recurso (TÁVORA, 2015, p. 841).
Por fim, importante se faz a ressalva que, caso presentes um ou mais requisitos elencados no artigo 415 do Código de Processo Penal[9], o juiz irá extinguir a ação penal e todo o procedimento sumariamente, isto é, antes de realizada o julgamento em plenário, julgando o mérito da causa. Trata-se da chamada absolvição sumária, cuja importância, nos dizeres de Pacelli, resulta no fato de que:
“Quando resultar provado […] ter o agente praticado o fato acobertado por quaisquer das causas excludentes da criminalidade, poderia ser perigoso o encaminhamento da matéria ao conselho de sentença. Os riscos de uma condenação obtida mais pela excelência da performance pessoa do responsável pela acusação que pelo exame sereno e cuidadoso dos fatos não valem a preservação, a qualquer custo, da competência do tribunal do júri (2014, p. 724)”.
Cabe ressaltar que tal medida é excepcional e ocorre quando há provas inequívocas acerca da inexistência de tipicidade, materialidade, autoria ou incidências de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, ressalvando-se a inaplicabilidade de tal instituto quanto à inimputabilidade, exceto quando for a única tese defensiva (TÁVORA, 2015, p. 842).
Vigora, nesta fase, ao contrário do procedimento comum ordinário, o princípio in dubio prosocietate. Isto é, a impronúncia deve ocorrer em situações excepcionais, dada a sumariedade de cognição e fundamentação do juiz acerca dos fatos. Ou seja, nos dizeres de Paulo Rangel, “na dúvida, diante do material probatório que lhe é apresentado, deve o juiz decidir sempre a favor da sociedade, pronunciando o réu e o mandando para júri” (2011, p. 575).
Contudo, continua o autor afirmando que:
“[…] se há dúvida, é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima convicção (2011, p. 576)”.
Finda a fase da instrução preliminar, com a pronúncia do ou dos acusados, passar-se-á à segunda fase do procedimento do júri, a qual irá findar o processo com o efetivo julgamento do seu mérito.
3.2. A segunda fase: instrução e julgamento em plenário ou judicium causae
A segunda fase do procedimento do tribunal do júri tem seu início, após a preclusão da decisão de pronúncia,cuja intimação deve ocorrer na forma estabelecida no artigo 420 do CPP[10]. Assim, serão pessoalmente intimados do decisum o acusado, o defensor nomeado e o Ministério Público; e sob publicação no órgão incumbido à publicação dos atos oficiais da comarca, o defensor constituído, o querelante e o assistente de acusação.
Intimadas as partes, serão os autos encaminhados ao juiz-presidente do tribunal do júri, com a respectiva intimação das partes (acusação e defesa) para que apresentem o rol de testemunhas que irão depor em plenário, no total de cinco por fato e/ou por acusado, assim como indiquem quais as diligências necessárias a serem feitas antes do julgamento, conforme dispõe os artigos 422[11] e 423[12] do CPP.Pacelli (2014, p. 735), ainda, aduz que “caso o Ministério Público não tiver arrolado o número máximo de testemunhas, o assistente poderá completar o rol”.
Importante se faz a menção acerca da juntada de documentos para serem utilizados durante o julgamento em plenário. Segundo consta no artigo 479 do CPP[13], não será permitida a leitura de qualquer documento que não houver sido juntado no prazo de três dias úteis anteriores à data do julgamento, devendo-se, ainda, dar-se ciência à parte contrária.
O motivo de tal regra, conforme bem elucida Aury Lopes Jr. (2014, p.756), justifica-se na medida em que deve ser garantido o contraditório em todas as fases do procedimento, de forma que o julgamento fora do aludido prazo daria enorme vantagem a uma das partes em detrimento da outra. Portanto, segundo o autor, a medida que se impõe, por parte do juiz, é proibir terminantemente qualquer menção ao documento a que se pretenderia usar, a fim de proteger a higidez do julgamento.
Antes, contudo, do julgamento em plenário – e, aliás, de todas as medidas procedimentais acima elencadas -, deverá ser efetuado o alistamento dos jurados, este feito anualmente anualmente pelo juiz-presidente, mediante os requisitos elencados pelo artigo 436 do Código de Processo Penal, destacando-se a obrigatoriedade da função de jurado. Os requisitos não são muitos, bastando que seja o jurado em potencial maio de dezoito anos e tenha notória idoneidade.
Continua o dispositivo em comento afirmando que nenhum jurado poderá ser preterido por motivos de raça, sexo, credo, classe socioeconômica ou instrução social. E assim o é por que a própria natureza do instituto – julgamento popular – demanda tal vedação. Se assim não fosse, uma das principais características deste procedimento anulada: a democracia e a efetiva participação popular, e não um júri elitizado (TOURINHO FILHO, 2011, p. 403).
Ainda, os jurados devem ser imparciais, sendo-lhe aplicáveis o disposto nos artigos 112, 252, 253 e 254 do Código de Processo Penal. Vale ressaltar, que a recusa para o serviço de jurado deve ser justificada, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 436,§2º, do mesmo diploma legal.
Desta forma, para que se possam efetuar as sessões de julgamento, é imperioso que sejam sorteados os jurados que formarão o conselho de sentença, por meio de sorteio. Este deverá ser realizado por meio de uma audiência, aberta ao público, mediante a presença de um representante do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 432[14], 433[15] e 447[16] do CPP).
Antes, contudo, uma ressalva: pode acontecer que, devido à gravidade do crime ou às circunstâncias pessoais do acusado, um julgamento realizado na comarca onde o crime se consumou não se revele imparcial, resulte em risco à segurança pessoal do réu ou possa ofender a ordem pública. Caso alguma destas situações ocorram, deverá ocorrer o chamado desaforamento, previsto no artigo 427 do CPP[17], que deverá se requerido pelo Ministério Público, assistente, querelado ou acusado, caso em que o julgamento poderá ser realizado em outra comarca da região em que inexistam os motivos que ensejam o desaforamento.
Ainda, poderá ser desaforado o júri quando houver atraso superior a seis meses para sua realização, comprovando-se o excesso de serviço, conforme dispõe o artigo 428 do CPP. De igual forma, inadmite-se que haja desaforamento quando estiver pendente de julgamento recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, exceto quando de novo julgamento após a anulação do precedente, conforme inteligência do parágrafo 4º do mesmo dispositivo legal.
Quanto ao tema, adverte, oportunamente, Pacelli:
“Todo cuidado será pouco na aplicação dessa norma. O desaforamento sempre causa tumulto no procedimento, sobretudo em relação à inquirição de testemunhas, cujo depoimento, via de regra, é de fundamental importância na solução da causa. Seria ponderável privilegiar-se a celeridade no julgamento em detrimento da instrução? A nosso aviso, nem sempre. Ou, mais, que isso, pensamos a aplicação do aludido dispositivo deverá ser a exceção e não a regra, sempre com olhos postos no eventual risco em relação à instrução do processo, que poderá ficar comprometida com o desaforamento (2014, p. 737-738)”.
Por fim, adverte Aury Lopes Jr (2014, p. 748), à luz do disposto na Súmula nº 712 do STF, que “quando o pedido não for realizado pela defesa, deverá ela, obrigatoriamente, ser ouvida, sob pena de nulidade da própria decisão que determinar o desaforamento”.
Assim, definidos os jurados que irão atuar nas sessões de julgamento ao longo do ano, conforme as regras estabelecidas pelo artigo 425 do CPP, e não sendo desaforado o júri, passar-se-á ao julgamento propriamente dito, em plenário, cujos principais atores são: partes (acusação e defesa), réu, juiz-presidente e o conselho de sentença, compostos pelos jurados.
O juiz-presidente declarará aberto os trabalhos do tribunal do júri, passando ao sorteio dos sete jurados que irão compor o conselho de sentença. Segundo o artigo 463[18] do CPP, estando presentes, na sessão, pelo menos quinze jurados, proceder-se-á à abertura da sessão. Não havendo tal número, serão sorteados tantos suplentes quanto necessário e submetido o julgamento para nova data (art. 464[19] CPP).
Távora (2015, p. 858-859), pontualmente, adverte que eventuais nulidades quanto ao número de jurados ou à sua escolha deverão ser arguidas pelas partes neste momento, pois, conforme entendimento do STJ, tais nulidades não se configuram como absolutas, mas sim relativas. De igual forma, esclarece o autor quanto às ausências:
“A ausência do acusadosolto que tenha sido devidamente intimadonão justifica sua condução coercitiva, nem tampouco o adiamento do júri. Já se estiver preso, sua presença é obrigatória, ressalvado pedido expresso de dispensa subscrito pelo réu e por seu advogado. Já a ausência injustificada do defensor constituído e do membro do Ministério Público, impõe o adiamento para a data mais próxima. Quanto ás faltas injustificadas, cabíveis são as providenciais disciplinares junto aos órgãos de corregedoria das respectivas instituições (TÁVORA, 2015, p.858)”.
Acerca do tema, Aury Lopes Jr (2014, p. 751) aduz acerca do direito de não comparecer do réu, referindo, ainda, que a sua ausência na sessão de julgamento não importará qualquer prejuízo jurídico. Decorre o respectivo direito, na visão do autor, em “uma decorrência lógica do direito de silêncio […],mas que infelizmente não vinha merecendo o devido respeito e tratamento, […], não apenas no júri, mas especialmente na fase policial, em CPIs e também no próprio interrogatório judicial”.
Ao proceder à abertura da urna e o respectivo sorteio dos jurados que irão compor o conselho de sentença, pode, primeiro, a defesa e, após, o Ministério Público, recusar três jurados sorteados injustificadamente, procedendo-se o sorteio quanto aos demais.As recusas motivas ocorrerão em razão de motivos de impedimento, incompatibilidade e proibição, sem qualquer limite numérico, cabendo ao juiz decidir no ato sobre a procedência ou não da alegação. Caso, em razão das recusas – especialmente em casos onde haja mais de um acusado – não se verifique o número mínimo para a composição do conselho de sentença (o chamado estouro de urna), será adiado o julgamento, com a convocação dos suplentes e a possível separação do julgamento quando da pluralidade de réus (PACELLI, 2014, p. 741).
Assim, formado o conselho de sentença, o juiz presidente advertirá os jurados acerca da impossibilidade de comunicar-se entre si, procedendo-se à abertura dos trabalhos, com o respectivo compromisso. Passa-se, então, à instrução em plenário.
O ato inicial da instrução, conforme inteligência do art. 473[20] e 474[21], ambos do CPP é a oitiva do ou dos ofendidos, quando mais de um, passando-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, com a ordem de questionamento dependendo de quem as tiver arrolado e, por fim, ocorrerá a qualificação e o interrogatório do réu ou dos réus, quando mais de um.
Aqui, contudo, ocorre uma inversão no rito, uma vez que, nos depoimentos do ofendido e das testemunhas, o juiz formulará as perguntas primeiramente, passando a palavra à acusação e à defesa, ao contrário do que ocorre no procedimento comum ordinário. Os jurados – denotando sua importância e o estímulo de suas participações no julgamento – poderão formular perguntas, mas somente por intermédio do juiz (TÁVORA, 2015, p, 862).
Pacelli, quanto a este ponto, critica tal modo de proceder, aludindo que todos os procedimentos instrutórios deveriam ser unificados, a fim de melhor se garantir o devido processo legal e o sistema acusatório, dispondo que:
“a) Em qualquer julgamento, as partes (Ministério Público, assistente, defesa) devem iniciar a inquirição, cabendo ao juiz complementá-lo, querendo; b) as perguntas devem ser feitas diretamente, sem mediação pelo juiz; c) igual procedimento deve ser adotado em relação à inquirição do ofendido e das testemunhas (art. 212 CPP); as partes, diretamente, iniciam as perguntas, cabendo ao juiz presidente a complementação que se fizer necessária […] (2014, p. 746)”.
Ainda, quanto à instrução probatória em plenário, Aury Lopes Jr (2014, p. 753), também critica o modo pelo qual ela ocorre, afirmando que “em plenário poderá ser realizada uma instrução plena. […] Infelizmente, a instrução em plenário é uma exceção. A regra é a patologia: prova produzida na primeira fase […] e mera leitura de peças em plenário.
Ponto importante é a vedação do uso de algemas por parte do réu, em plenário conforme dispõe o art. 474, §3º, do CPP.Caso tal proibição não seja observada, importará em nulidade absoluta, pois flagrante o prejuízo para a defesa. Essas só podem ser utilizadas em casos extremos, caso seja necessário à condução dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes,conforme entendimento já pacificado pelo STF, na Súmula Vinculante nº 11. (NUCCI, 2012, p. 240).
Após a colheita dos depoimentos e interrogatórios, passar-se-á aos debates, em que cada parte sustentará, oralmente, pela condenação ou absolvição do réu.
Inicialmente, terá a acusação o tempo de uma hora e meia para expor as suas teses (sendo acrescentado tal tempo em uma hora, caso haja mais de um acusado julgamento), tendo igual tempo a defesa. Após – e querendo – ambos terão mais uma hora para a réplica, por parte da acusação e da tréplica, por parte da defesa. Esta, contudo, somente existirá se a acusação proceder à réplica. Caso contrário, ecerrar-se-ão os debates e passar-se-á à quesitação.
Aury Lopes Jr entende que tal procedimento afronta o direito de plenitude de defesa, ao aduzir que:
“Sérios problemas terá o advogado de defesa se não for capaz de expor claramente suas teses na primeira fase dos debates, deixando o restante para a tréplica. Isso porque, se o acusador perceber essa falha e não optar por fazer a réplica, os debates serão encerrados e não haverá mais oportunidade para a defesa falar. […] Deixar ao poder discricionário do acusador não é uma quebra de igualdade? Uma fragilização do contraditório? Não viola a garantia constitucional de “plenitude de defesa”? A despeito de majoritário entendimento em sentido diverso, pensamos que há uma violação inequívoca do devido processo (2014, p. 754)”.
Nos debates, é vedado que a acusação faça referência à decisão de pronúncia (inclusive da sua leitura), salvo quanto à questão de direito, assim como ao silêncio por ventura utilizado pelo réu ou sua ausência em plenário, em sua defesa pessoal, quando do seu interrogatório. Do contrário, a defesa, exercendo o seu direito de plenitude defensiva, pode utilizar-se de qualquer espécie de argumentação em favor do réu, seja esta de cunho jurídico ou emocional (art. 478[22] CPP).
Nucci (2012, p. 240), critica tal posição legal, sustentando que “a lei ordinária extrapolou, invadindo o campo da autonomia das partes. […] O MP possui independência funcional, garantida em lei complementar, e não pode ser cerceado, em sua manifestação, por equívoca norma ordinária”.
Contudo, o Ministério Público, não obstante ser o órgão encarregado da acusação, poderá pugnar pela absolvição do acusado, uma vez que sempre atua como custos legis, conforme bem elucida Távora (2015, p. 863)
Concluídos os debates, a próxima etapa será o julgamento por parte do conselho de sentença, através dos quesitos.
Para tanto, o juiz-presidente encaminhará os jurados para a sala secreta ou, caso inexistente no local do julgamento, esvaziará o plenário, sobretudo requerendo que o réu se retire, para que não haja influência na votação com a sua presença, mormente alguma intimidação aos jurados.
O julgamento, conforme dito, será efetuado por meio dos quesitos. Estes deverão ser elaborados de forma clara, levando em consideração os termos da pronúncia ou da decisão que admitiu o julgamento, assim como as considerações das partes. Sua composição deverá ser efetuada com proposições afirmativas, indagando-se acerca da materialidade de autoria do delito na seguinte ordem: a) materialidade do fato; b) autoria ou participação; c) se o acusado deve ser absolvido e IV) se existe causa de aumento ou diminuição de pena alegada pela defesa (arts. 482[23] e 483[24], ambos do CPP).
Importante ressaltar que havendo a resposta negativa de mais de três jurados a respeito dos quesitos sobre a materialidade e autoria do delito, o réu estará automaticamente absolvido. Do contrário, havendo mais de três votos em sentido afirmativo, dos mesmos quesitos, o julgamento terá prosseguimento com o julgamento dos quesitos seguintes, conforme dispõe os parágrafos 1º e 2º do aludido artigo 483 do CPP. O motivo é a concretização do princípio do sigilo das votações, uma vez que não se saberá se o réu foi condenado ou absolvido por unanimidade (NUCCI, 2012, p. 241).
Seguindo o julgamento, duas situações podem ocorrer, conforme bem ensina Távora:
“Caso não haja tese de desclassificação do delito doloso contra a vida para outro que não o seja, o quesito seguinte (terceiro ou quarto, conforme aletalidade do resultado imponha o desdobramento da primeira questão) que deve ser inserido perguntará se “o jurado absolve o acusado?” […] se houver alegação de tese de desclassificação para delito diverso do doloso contra a vida, a questão desclassificatória será dirigida aos jurados sempre antes do terceiro ou quarto quesito (antes de indagar se “o jurado absolve o acusado?”). […] Esse o sentido que deve ser depreendido do §4º do artigo 483 do CPP […] (2015, p. 866-867)”.
Este quesito – se o jurado absolve o acusado – continua o autor, deve tem o condão de abranger todas as teses de defesa diversas da desclassificação, importando em quesito genérico. Não importa qual seja o motivo da absolvição, caso positiva a resposta, já que este quesito, como dito, abrange todas as teses abordadas pela defesa. Se, a esta altura, o jurado não tiver sido absolvido, já estará condenado, passando-se à análise de existência de causas de diminuição de pena. As causas agravantes ou atenuantes serão reconhecidas pelo juiz-presidente, quando da sentença (TÁVORA, 2015, p. 868).
Quanto à desclassificação, deve-se observar se está foi própria ou imprópria. A primeira ocorre quando os jurados entendem que o crime não é de competência do tribunal do júri, sem indicar qual o delito em comento. Assim sendo, o juiz-presidente tem amplos poderes para o julgamento, inclusive para absolver o acusado. A segunda ocorre quando os jurados entendem que crime em comento não é de competência do tribunal do júri, mas indicam qual o delito cometido (ex: os jurados entendem que o caso é de homicídio culposo). Desta forma, deve o juiz-presidente observar tal decisão dos jurados, estando vinculado. Quanto aos crimes conexos, proceder-se-á o seu julgamento, ainda que tenha ocorrido a desclassificação, ocorrendo a prorrogação da competência do tribunal do júri e o aproveitamento dos atos de instrução (LOPES JR., 2014, p; 760).
Por fim, efetuada a votação dos quesitos, o juiz-presidente irá prolatar a sentença condenatória ou absolutória, a depender do resultado da votação dos quesitos. Se for condenatória, deverá fixar o quantum da pena, levando em consideração a existência de agravantes ou atenuantes. Sendo absolutória, o réu deverá sem imediatamente posto em liberdade. Após prolatada a decisão, esta será lida em plenário, estando as partes intimadas do seu conteúdo para o oferecimento de eventual recurso de apelação.
Encerra-se, desta forma, o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
4. Considerações finais
Como visto, o tribunal do júri tem sua existência vinculado a um passado de conquista de garantias individuais e respeito aos direitos humanos, prezando-se pela justificação democrática do Poder Judiciário, oxigenando as funções de jurisdição com a participação popular efetiva para julgar os crimes que mais abalam a sociedade como um todo: os dolosos contra a vida.
Sendo assim, é inegável que tal instituto tem grande importância, sobretudo para atingir plenamente os fundamentos e objetivos da República, elencados na Constituição Federal. Tanto é assim que a própria Carta Magna o traz como direito fundamental (art. 5º, XXXVIII), dispondo, inclusive, de princípios próprios que visam da maior efetividade e segurança jurídica aos julgados pelo júri.
Entretanto, se notória é a importância dada pelo legislador ordinário e constituinte, notória também deve ser a preocupação de todos que atuam no julgamento de tais crimes.
Isto porque, se é verdade que a fase de instrução preliminar tem o condão de ser um verdadeiro juízo de admissibilidade para o julgamento pelo júri, também é verdade que o mínimo erro ocorrido quando da pronúncia pode acarretar em uma condenação injusta.
Tal motivo se dá pelo fato de que o conselho de sentença, como visto, é composto por sete juízes leigos, populares, sem qualquer ou com pouco conhecimento do direito penal, processual penal ou constitucional, ou seja, conhecimento jurídico.
E sim, este é o proposito do tribunal do júri: a participação popular, mas deve-se levar em conta que, mormente nos dias atuais, onde a violência é tamanha e crescente a ponto de ser um fato “banal” no dia-a-dia, que o simples fato de ver um sujeito sentado ao banco dos réus, muitas vezes já preso e cujo julgamento já foi autorizado por um juiz togado pode acarretar em uma condenação automática por parte dos jurados.
Isto porque pode ocorrer que os populares (juízes, neste caso), em razão da violência que sentem na pele todos os dias, “vingar-se-iam” do “criminoso” a todo custo, a fim de suprir os danos causados a si mesmos ou a terceiros, sejam eles próximos ou não.
Assim, o cuidado maior deve residir na primeira fase (judicium accusationis), para que somente seja pronunciado o réu que se tenha um mínimo de “certeza”, juridicamente falando. E não se trata somente de prova da materialidade e indícios suficientes da autoria, como diz a lei. Não, a justa causa, sobretudo, deve estar amplamente presente, a fim de autorizar o juiz a pronunciar o réu e leva-lo ao julgamento pelo júri.
Portanto, o tribunal do júri é, de fato, um instrumento importantíssimo à democratização da justiça, mas pode resultar em uma “democratização da injustiça”, não cumprindo o papel primordial a que lhe foi dado: o respeito aos direitos e garantias fundamentais do réu.
Informações Sobre o Autor
Matheus Patussi Brammer
Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade de Passo Fundo/RS – UPF; pós-graduando em direito penal e processual penal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS