Observamos nos últimos tempos que vários governadores e parlamentares, deputados ou senadores, vêm enfrentando processo nos quais sofrem condenação com imposição de perda de mandato. Embora tais decisões impliquem em afastamento da atividade pública, repetidamente são mantidos no cargo por liminares deferidas pelos Tribunais Superiores reservando a execução do julgado ao esgotar da instância recursal e isso é compreensível em nome da estabilidade política e administrativa.
As leis que disciplinam responsabilidade penal de agentes públicos prevêem possibilidade de afastamento do cargo e prisão do agente acusado no ato de recebimento da denúncia, quando a investigação policial está concluída e a perspectiva de culpa formalizada na denúncia criminal ou, na decisão condenatória, quando o conhecimento judicial está ultimado. Assim mesmo quando a efetividade não é comprometida com suspensão liminar, como dito.
Entretanto, evidenciando o pouco apreço para com as instâncias inferiores do Poder Judiciário temos observado um concerto político com claros propósitos desmoralizadores das cortes e seus integrantes.
Vivenciamos o emprego da Polícia Federal e da mídia em tais propósitos de uma forma a fazer inveja a históricos déspotas de triste memória, isto porque uma vez concluído seu sinistro propósito, desaparece do cidadão o amparo do judiciário altivo, restando a opressão deslavada.
Há pouco mais de dois anos realizaram o primeiro ensaio macabro vitimando o presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, depois repetiu-se tentativas com maior ou menor alcance em vários Estados de Federação.
Observa-se de comum em tais intentos que as autoridades judiciárias são apontadas, a partir de conjecturas, envolvimento com fatos graves, normalmente com personalidades importantes do cenário político, tudo misturado, como num saco de gatos, para serem apresentados como quadrilha ou organização criminosa.
A partir dessa construção primária, são obtidos ainda nos primórdios da investigação, sem flagrância ou prova concreta, prisões temporárias ou preventivas e, com elas a Polícia Federal conjugada com a grande mídia constroem espetáculos com a exibição das autoridades como troféus em processos sem mais propósito que o escândalo televisivo. Ao final da fase investigatória, a maioria das acusações sequer obtém sustentação para denúncia do Ministério Público, o restante resulta em processos que se somam nos escaninhos abarrotados dos Tribunais Superiores.
A questão mais aflitiva é de que sem que uma autoridade judiciária seja seduzida pela avidez do escândalo ou pelo romantismo da justiçagem tais concertos seriam reduzido ao insucesso.
Anote-se que não nos cabe censurar tais decisão de per si, mas questionar a oportunidade de sua prolação, levando-a para uma fase mais amadurecida do procedimento com a investigação policial já concluída, mantendo o prestígio da prudência.
A outra questão a nos atormentar é a de que a sede de sangue não almeja o magistrado, mas o próprio poder judiciário e a magistratura, isto porque a qualquer raciocínio lógico imporia que o agente público exercendo cargo ou função importante seja afastado das funções, para proteção do Estado, antes de ser preso, mesmo porque é curial que os funcionários e agentes públicos no exercício da função representam parcela do poder estatal, mas respondem pessoalmente pelos eventuais abusos ou excessos praticados, também em nome da estabilidade política e da regularidade da administração.
Observamos atônitos que no episódio da prisão do presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo a repetição trágica da mesma orquestração. Apresentam inicialmente um fato grave – fraude fiscal na importação de veículos de luxo envolvendo empresários e o governador de Rondônia e seu filho, casos de nepotismo na Justiça Capixaba e o encontro de grande quantidade de dinheiro na casa de um dos desembargadores e a grande mídia, reduziu a indicação à acusação genérica de venda de sentenças. Aí, ponho-me a pensar sobre a efetiva ligação entre esses fatos, que demandam investigação individualizada, para sem apontados como conjunto único.
Questiono porque as autoridades não foram apenas afastadas de suas funções para resguardar a integridade do Estado, até que os fatos fosses esclarecidos a tempo oportuno? Porque das prisões em fase tão prematura do procedimento?
Atormenta-nos mais a possibilidade de as escabrosas e pouco claras acusações não serem confirmadas, como sói acontecer na maior parte das investigações da laboriosa Polícia Federal em tempos globais. Como reparar as graves lesões nas instituições e nos acusados? A quem interessa a desmoralização de um poder da república?
Informações Sobre o Autor
Daniel Ribeiro Lagos
Juiz de Direito e Diretor da Associação dos Magistrados do Estado de Rondônia