Investiga-se a existência dos elementos formadores da relação de emprego nos trabalhos prestados pelos ministros religiosos em suas respectivas entidades, investigando os fatores que influenciam a negativa do vínculo e os que contribuem para o seu reconhecimento, concluindo-se pelo enquadramento do pastor evangélico como legítimo empregado da igreja.
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Hoje, no Brasil, há um crescimento religioso expressivo. São inúmeros os templos que surgem a cada dia. No último Censo do IBGE, em maio de 2000, foi constatado um número de 35 mil denominações diferentes. Destas, mais de 1,2 mil haviam surgido após a pesquisa anterior. O número de evangélicos já chega a 26,1 milhões e, segundo previsões de pesquisadores do Instituto de Estudos da Religião-ISER, esse número atingirá 50% da população no ano de 2045.[1]
Essa expansão religiosa tem repercutido em vários setores da nossa sociadede. Um deles é na seara trabalhista. As igrejas, em nome da liberdade religiosa assegurada na Constituição Federal, vêm disciplinando as relações trabalhistas de seus ministros segundo as normas estabelecidas em seus próprios estatutos, porém os trabalhadores estão buscando cada vez mais o Poder Judiciário para discurtir tais relações.
Em São Paulo, os trabalhadores do setor religioso já chegaram inclusive a fundar sindicato – com 3.000 associados – com a finalidade de reivindicar direitos perante a Justiça do Trabalho e, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 1997 a 1999, esses trabalhadores já ajuizaram mais de 444 reclamações trabalhistas, pleiteando o reconhecimento do vínculo empregatício com suas respectivas entidades e os diretios decorrentes do suposto contrato de trabalho.
Para a Doutrina e para a Jurisprudência, o ministro religioso não tem vínculo empregatício com sua entidade. Para elas, o trabalhador da igreja desenvolve um trabalho de cunho espiritual, sem as características do trabalho celetista. A esse respeito, vislumbram-se alguns fatores, bastante relevantes, influenciadores de tal entendimento, a exemplo do voto de pobreza da Igreja Católica, muito difundido no meio secular.
O voto de pobreza foi adotado como fundamento de fé da Igreja Católica e expandiu-se no meio secular devido à influência dessa igreja no mundo, em todos os tempos. Contundo essa idéia foi explorada de forma equivocada. Isso porque, conforme se posiciona Guedes de Amorim,[2] tratando do verdadeiro sentido da pobreza, “miséria e pobreza, perante a genuína dignidade humana, não devem nunca ser confundidas”, ou seja, pobreza, de modo algum, deve ser confundida com miséria, de modo que a pessoa em nome do despreendimento de bens materiais viva indignamente, sem o mínimo de condições para suas necessidades básicas.
A Igreja Católica difundiu esse voto de pobreza, convencendo o Obreiro do Reino a despreender-se de bens materiais visando a buscar seu galardão no Céu, enquanto ela herdaria os bens materiais conquistados pelo trabalho do obreiro, para manter, aqui na terra, a Obra de Deus.
Essa interpretação encontra óbice no livro que disciplina a matéria, na Bíblia Sagrada, qual seja, I Timóteo, capítulo 5, versículos 17 e 18, onde recomenda que os presbíteros que fazem bom trabalho na igreja sejam pagos em dobro, porque todo trabalhador é digno do seu salário.
Ao lado do voto de pobreza está a natureza da matéria tratada, ou seja, o fato de envolver questões relacionadas ao místico, ao espiritual, ao sobrenatural. Isso causa uma certa restrição no homem, que tem conhecimento limitado sobre tais questões, chegando a causar medo mesmo. Afinal, quem não tem medo do desconhecido!
Se um caso desse estiver sendo analisado por uma pessoa que tenha algum temor, que, de certa forma, creia em um Ser Superior capaz de controlar todo o universo e a sua própria vida, essa restrição será ainda maior. E, se essa pessoa tiver formação cristã, com certeza a rejeição será imediata, pois a idéia prevalecente será a de não ir contra esse Ser Superior que, certamente, irá castigar quem se opuser à sua vontade.
Desta forma, em vez de enfrentar o desconhecido, mais seguro é seguir o caminho já percorrido por alguém. E isto faz sentido quando se analisa a posição da Jurisprudência inclinada para a inexistência do vínculo empregatício do ministro religioso. Convém resaltar que boa parte dessa influência a Jurisprudência brasileira recebe do Ministro Ives Gandra Martins Filho que, como membro da mais alta Corte Trabalhista do país, defende veementemente a inexistência do vínculo. É relevante destacar que este, por sua vez, tendo notória formação Católica,[3] sofre influência do voto de pobreza da Igreja Católica.
Também no meio religioso há esse medo, porque de um lado, há a possibilidade de repressão pelos superiores, com represálias e punições a pastores que se envolvem com questões salariais, e, de outro lado, há a opinião dos fiéis, achando que o pastor está se desviando dos caminhos do Senhor. Afinal, o que dizer da vocação de um pastor que procura a Justiça do Trabalho para brigar com a própria igreja por dinheiro?
Endossando a negativa do vínculo empregatício do religioso, está o receio de que a igreja se torne um mercado de trabalho e a vocação do religioso seja desvirtuada.
A esse respeito, é oportuna uma consideração. Hoje, em nome da liberdade religiosa, no Brasil, não há qualquer impedimento para se abrir um templo religioso. Qualquer pessoa, que se diga religiosa, pode fazê-lo, o que, aliás, explica o número expressivo de religiões que surgem a cada dia.
Nesse sentido, já não existe uma migração para o meio evangélico em busca do ganha pão? Será que, a intervenção do Estado, para garantir, pelo menos, os direitos sociais dos obreiros, não seria uma espécie de crivo para algumas igrejas? A própria igreja não poderia ser mais seletiva quanto à contratação e/ou ordenação de seus pastores, já que teria de responder pelos encargos sociais deles junto a César?
Desta forma, afastados os préconceitos místicos impeditivos do vínculo empregatício do ministro religioso, basta analisar a questão sob o ponto de vista jurídico.
2 FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DO PASTOR EVANGÉLICO E SEUS ASSEMELHADOS
Do ponto de vista jurídico e social, é possível verificar-se a existência de fatores que recomendam o vínculo empregatício nas relações do pastor com sua igreja. Isso se confirma, quando analisadas essas relações sob a ótica da própria orientação bíblica, dos requisitos do trabalho voluntário, da condição de contribuinte do ministro religioso junto à Previdência Social e do papel do Estado de garantir e proteger os direitos de seus cidadãos.
2.1 A Recomendação bíblica sobre a legislação secular
No livro de Romanos, situado na segunda parte da Bíblia, chamada Novo Testamento (Rm 13: 1-7), o apóstolo Paulo trata com muita propriedade sobre a submissão dos cristãos à autoridade dos homens.
Diferente não é o ensimaneto do apóstolo Pedro, no capítulo 2, versículos 13 e 14, do seu primeiro livro, orientando os cristãos que vão a países estrangeiros.
Nesse sentido, também é o ensinamento de Jeus Cristo, no livro de Mateus, capítulo 22, versículos 15 a 21, onde está o clássico: Dai a César o que é de César. E, de forma categórica, na passagem bíblica do livro de Mateus, capítulo 17, versículos 24 a 26, Jesus ensina ainda que o cristão dê bons exemplos, submetendo-se à legislação do Estado.
Com efeito, observa-se que a Bíblia tratou da questão dos impostos, dos tributos e da submissão dos cristãos às autoridades seculares, não tratando da Justiça do Trabalho simplesmente porque, naquela época – a época de Jesus Cristo – há mais de dois mil anos, sequer havia trabalho remunerado. Ao contrário, o trabalho era escravo, só vindo ter essa concepção de onerosidade bem mais tarde, no século XVIII, com a Revolução Francesa.[4]
Entretanto, da análise dos textos bíblicos citados, vislumbra-se, claramente, que a Bíblia recomenda a sujeição da igreja à legislação trabalhista, mesmo porque, como beneficiária dos serviços prestados pelos ministros, bem como pelo acúmulo de riqueza que o trabalho deles acaba produzindo, a igreja deve conceder, de forma obrigatória, a contraprestação do obreiro, a fim de que siga o exemplo de Cristo, dando a César o que é de César.
2.2 O não enquadramento dos oficiais da igreja como trabalhadores voluntários
O trabalho voluntário caracteriza-se como prestação de serviços sem remuneração a entidade pública ou entidade privada sem fins lucrativos, mediante termo de adesão (contendo o objeto e as condições do trabalho), não gerando vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim, podendo-se receber apenas indenização pelas despesas realizadas com autorização da entidade (Lei nº 9.608/98).
Os aplicadores do Direito têm caracterizado o trabalho dos religiosos como trabalho volunário. Ocorre que as igrejas, de modo geral, exigem dedicação exclusiva de seus pastores e ainda pagam por ele. Como, então, caracterizar voluntário um trabalho realizado em tempo integral por alguém que não tem uma fonte de renda para garantir o sustento seu e de sua família, como é o caso dos pastores? É, no mínimo, uma afronta ao conceito de trabalho voluntário, principalmente levando-se em conta que no trabalho voluntário, o indivíduo não tem o ânimus de receber uma contraprestação pelo seu esforço despendido, já que o trabalho é prestado sem qualquer remunaração ou salário. Não é isso que acontece com os pastores. Aqui, há a prebenda, chamada também de salário pastoral, destinada ao sustento do pastor e de sua família, que é ajustada no momento da contratação (ou ordenação).
Claro está que a indenização prevista na lei para as despesas realizadas pelo voluntário não tem a mesma natureza da prebenda dos pastores, pois é destinada às despesas necessárias à execução do trabalho realizado e não às despesas pessoais do trabalhador.
Diante disso, o enquadramento do trabalho dos ministros religiosos como trabalho voluntário representa, seguramente, um desvirtuamento do próprio trabalho voluntário, bem como agressão ao ordenamento jurídico, pois se estaria fomentando a burla nas legislações trabalhista, fiscal e previdenciária.
2.3 A condição do Pastor junto à Previdância Social
Para fins de recolhimento junto à Previdência Social, o legislador brasileiro enquadrou o trabalho do religioso na categoria de trabalhador autônomo, regime obrigatório, na modalidade de contribuinte individual.
Em verdade, o legislador forçou a barra porque o trabalho dos ministros religiosos também não se enquadra nessa modalidade de trabalho, uma vez que é prestado por conta da igreja e não dos próprios trabalhadores; também se dá de modo subordinado e não livremente como ocorre com os trabalhadores autônomos.
Esse é um ponto alto a favor do reconhecimento do vínculo empregatício do religioso, porque é onde reside grande injustiça social cometida pelas igrejas contra seus pastores. Muitas delas, depois de usufruirem da força de trabalho do obreiro quando este não está mais apto ao trabalho a igreja simplesmente o desampara.[5]
Algumas igrejas cuidam de seus pastores, fazendo elas mesmas o recolhimento das contribuições previdenciárias relativas a seus ministros e outras provêem até fundos de assistência aos pastores, ou aderem à previdência privada, mas a realidade da maioria é o desamparo dos trabalhadores.
Assim, não é justo que esses trabalhadores, que dão o melhor da sua força de trabalho durante anos para a igreja, quando não puderem mais contribuir para a obra desta, simplesmente sejam dispensados, ficando sem qualquer assistência social do governo ou da própria igreja.
Reconhecendo o vínculo empregatício dos religiosos, o Estado teria, então, condições de garantir os direitos sociais desses trabalhadores deixados à margem do sistema previdenciário, além de ter informações para fiscalizar a ação das igrejas, nesse particular.
2.4 A Possibilidade de Intervenção do Estado nas questões da Igreja
A partir da proclamação da República, o Brasil adotou o princípio da Igreja livre em Estado livre, de sorte que a igreja tem liberdade para realizar seus cultos, bem como para escolher a doutrina que bem lhe aprouver. Os indivíduos têm liberdade de consciência, de expressão, podendo escolher a crença que quiserem ou até declararem-se ateus. Contudo essa liberdade constitucional não quer dizer que o Estado deva ficar à margem de tudo que acontece no mundo religioso. Sempre que a ação da igreja agredir a moral e os bons costumes, o Estado, como garantidor da ordem pública, está legitimado a intervir.
No que diz respeito à organização e ao funcionamento das entidades religiosas, a Constituição Federal restringiu essa liberdade, remetendo a competência para a legislação comum – Código Civil -, que trata da organização das pessoas jurídicas de direito privado (natureza jurídica da igreja). Entretanto o legislador infraconstitucional acabou alargando tal liberdade, dispondo que as Organizações Religiosas sejam regidas por seus próprios estatutos, sem observância do regramento secular (art. 44, IV e § 1º).
Por outro lado, não podemos dizer que essa liberdade seja plena. Pelo menos no que se refere à responsabilidade social dos trabalhadores, a igreja obrigatoriamente deve submeter-se à legislação secular. Aqui o Estado tem o dever de proteger os direitos dos seus cidadãos.
Por seu turno, os trabalhadores, independentemente do cargo ou função que exerçam nas igrejas, sempre que se sentirem lesados ou que tiverem algum direito ameaçado, devem procurar o Estado para proteger esse direito, o que lhes é assegurado na própria Constituição Federal (art. 5º, XXXV, da CF/88). E isso não se aplica somente aos trabalhadores religiosos, mas a todos os fiéis que em tais condições se encontrarem.
Nesse particular, mesmo em se tratando de Igreja livre em Estado livre, a Igreja está sujeita à ação do Estado, que tem o dever de cumprir seu papel, de garantidor dos direitos previstos na sua Carta Magna.
3 NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE RELIGIOSA
A Doutrina e a Jurisprudência brasileira têm entendido que os serviços de cunho religioso prestados pelo ministro à sua igreja, porque de ordem espiritual, não decorrem de profissão de ofício, mas de vocação, ou seja, que o pastor tem uma vocação divina, um chamado de Deus para fazer a obra deste aqui na terra, e, portanto, incompatível com a profissão de ofício secular.
O legislador pátrio, no entanto, quando enquadrou o ministro religioso como trabalhador autônomo, para fins de contribuição da Previdência Social, enquadrou suas atividades como profissão secular, o que fez corretamente, porque, na verdade, todo trabalhador deveria escolher uma profissão por vocação, por dom, por afinidade com o ofício, como é o que se pode dizer seguramente dos pastores. Afinal, vocação nada mais é do que escolha, talento, aptidão. Tanto é verdade que as escolas modernas adotam testes vocacionais para os alunos escolherem os cursos correspondentes às profissões que melhor se identificarem.
Outra não é a conclusão que se tira da aceitação do registro do Sindicato dos Pastores de São Paulo pelo Ministério do Trabalho e Emprego daquele Estado.
E isso se confirma, porque assim como a igreja, embora voltada para o outro mundo, também é deste mundo, e nele uma organização, sujeita a direitos e obrigações seculares, como afirma, com precisão, Délio Maranhão,[6] o trabalho do pastor também é voltado para o outro mundo, mas é exercido no mundo material, na igreja pessoa jurídica de direito privado, perfeitamente sujeito à legislação secular. Podendo conservar as respectivas nomenclaturas (pastor, missionário, obreiro, bispo, presbítero, cardeal, padre, freira) e atribuições a elas inerentes, mas enquadrado como profissão de ofício.
4 ENQUADRAMENTO DO PASTOR EVANGÉLICO COMO LEGÍTIMO EMPREGADO DA IGREJA
Superadas as questões de não intervenção estatal, não enquadramento do pastor evangélico como trabalhador voluntário; desmistificado o voto de pobreza e os demais fatores que influenciam a negativa do vínculo de emprego; verificada a recomendação bíblica sobre a legislação secular; verificado também que o enquadramento jurídico atual junto à Previdência Social é prejudicial ao ministro religioso, bem como definida a natureza jurídica das atividades do pastor como profissão de ofício, basta tão somente verificar a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego (pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica) nas atividades exercidas pelos ministros religiosos e seus assemelhados para o enquadramento destes como legítimos empregados da igreja.
O ministro religioso é pessoa física que presta trabalho à igreja de forma pessoal, não-eventual, onerosa e subordinada. Vejamos:
Aos oficiais das igrejas é confiada uma missão, uma função pessoal que só pode ser realizada por outros com o consentimento da igreja e de forma eventual. Essa missão, em geral, está ligada à realização de cultos, à celebração de ceias, realização de batismos, de cerimônias, e, em alguns casos, à própria administração da igreja. Vislumbrada, aqui, de forma clara, o requisito da pessoalidade no trabalho religioso.
Com relação à não-eventualidade, esta também é de uma clareza solar inconfundível, uma vez que o pastor, quando designado para trabalhar em determinada igreja, em geral, é por tempo indeterminado, sendo seu trabalho nessa igreja de forma permanente, podendo até ser realizado semanalmente, mas, sempre de forma contínua, constante.
Controvérsias há em torno da onerosidade existente na prestação do trabalho religioso, sendo necessária, neste caso, como diz Godinho,[7] uma investigação no plano subjetivo da onerosidade.
Conforme tratado em linhas anteriores, verificou-se que a prebenda paga pelas igrejas aos pastores, conhecida como salário pastoral, ajuda de custos e similares, é ajustada no momento da contratação/ordenação do pastor e se destina a cobrir as despesas com o sustento dele e de sua família, tendo, portanto, a mesma natureza de salário, conceituado este, no artigo 457 da CLT, como sendo a contraprestação devida e paga pelo empregador ao empregado, pelos serviços que lhe são prestados, e, segundo destinação dada pela Constituição Federal, no art. 7º, IV, o salário presta-se a atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Nesse sentido, o quantum recebido pelo pastor como contraprestação pecuniária por seu esforço despendido em favor da igreja, na verdade, é a sua remuneração, leia-se: o salário acrescido de vantagens. É apenas velada a gratuidade alegada pelos doutrinadores nessa modalidade de prestação laboral. A onerosidade é real.
Ponto de maior polêmica, no entanto, tem sido o da subordinação jurídica nas relações eclesiásticas. A doutrina e a jurisprudência brasileiras entendem que não há subordinação jurídica no caso do ministro religioso, mas tão somente subordinação hierárquica.
É possível vislumbrar-se a existência da subordinação jurídica nas relações eclesiásticas em situações como as citadas na Revista Vinde (atual Eclésia), de circulação no meio evangélico, como segue:
Grande parte dos pastores, de fato, dão duro no santo batente dos cultos, aconselhamentos, visitas, cruzadas e um sem número de atividades elcesiásticas. Não obstante, há casos de ministros que são transferidos de uma cidade para outra à sua revelia, ou simplesmente mandados embora, sem um real de indenização. Algumas vezes, basta bater de frente com o mandachuva da igreja para ganhar a rua da amargura, com mulher e filhos[8].
A subordinação jurídica está presente em boa parte das relações eclesiásticas, porém não se pode dar tratamento isonômico a essas relações, uma vez que as igrejas se organizam de formas diversas. E a forma de contratação de seus ministros e o nível de sujeição é de acordo com a forma de governo adotada pela igreja. De modo que em um modelo pode está claramente configurada a subordinação jurídica e em outro não está tão clara assim.
O que se deve ter sempre em mente é que a subordinação é para com a igreja, como pessoa jurídica dotada de personalidade própria. É a igreja, formada pelos vários fiéis (sendo o ministro apenas um deles), quem elabora e aprova o estatuto e o regimento interno, fazendo constar lá toda a forma de administração, incluindo a formação/contratação do pastor, sendo ela também quem destitui ou demite os obreiros, não tendo eles, em regra, cargo vitalício, de modo que, não estando o pastor satisfazendo os interesses da igreja, ela simplesmente o afasta e coloca outro em seu lugar.
A investigação da subordinação jurídica nas relações laborais do religioso, na verdade, deve ser feita no caso concreto.
Mas, para aqueles que entenderem não haver subordinação jurídica na relação em foco, importa trazer o entendimento do professor Roberto Fragalle Filho, exposto no artigo As transformações do trablaho e seu conceito de subordinação jurídica. Segundo ele, em face da dificuldade de se verificar a subordinação jurídica nas relações do pastor com a igreja, pode haver um abandono da lógica jurídica, estrita da subordinação, para adoção de categoarias elaboradas pela sociologia e outros campos do saber, uma vez que, no seu entender, parece não haver dúvida de que a subordianção jurídica, por si só, não mais se encontra apta a responder às indagações e às perplexidades do mundo do trabalho.[9]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É perfeitamente possível o enquadramento dos ministros religiosos e seus assemelhados como legítimos empregados das igrejas e de suas respectivas extensões. Dizer o contrário é uma questão de entendimento, o que é aceito no direito, devido à sua diversidade de interpretações, exaltada por muitos como a Beleza do Direito.
Entretanto, diante do contexto político-sócio-econômico em que as igrejas se encontram atualmente, remeter para a ordem espiritual os conflitos surgidos das relações dos Trabalhadores do Reino nas atividades laboradas em suas respectivas igrejas não satisfaz o ideal de Justiça perseguido por esses trabalhadores, os quais embora executem trabalhos em nome de Deus, fazem-no aqui na Terra, nas mesmas condições que os trabalhadores de outros setores, inclusive tendo eles as mesmas necessidades. A recompensa do religioso pode estar nos Céus, mas o alimento para sua barriga provêm do trabalho realizado por ele aqui na terra.
Assim, visando a dar uma resposta satisfatória a esse fato social que ora se apresenta, o aplicador do Direito não deve recuar diante da questão a si submetida. Deve, sim, ter visão transcendental ao direito positivado e decidir com o entendimento de que o Direito deve acompanhar a dinâmica da sociedade para satisfazer o ideal de Justiça.
Por último, deixa-se para reflexão o que consta no livro de Salmos, da Bíblia: “Bem aventurados os que observam o Direito e os que praticam a Justiça em todos os tempos” (Sl. 106, 3).
Informações Sobre o Autor
Antônia Maria de Castro Silva
Antônia Maria de Castro Silva (Tânia Castro). Bacharela em Direito. Aprovada no exame da OAB. Pós-graduada em Direito do Trabalho. Pós graduanda em Processo Civil. Pós-graduada pela ESMATRA. Servidora Pública Federal (TRT/16)