Dentre todas as controvérsias surgidas em torno do advento da Lei n. º 11.441/07 esse é o que tem suscitado maiores dúvidas entre todos aqueles que operam o direito no que pertine à sua aplicabilidade ou não, e caso se entenda afirmativamente a forma de como será posto em prática.
Trata-se de um questionamento complexo, poderíamos pensar numa primeira análise, porém quando paramos para refletir sobre o objetivo a que se destina a observância do segredo de justiça percebemos que a intenção do legislador foi a de proteger, em alguns casos, a identidade e as informações que possam vir a prejudicar a imagem dos jurisdicionados que se encontram em peculiar situação. Por isso, mais especificamente nas separações e nos divórcios consensuais, causas que dizem respeito ao estado da pessoa realizadas no âmbito judicial correm em segredo de justiça.
O Direito Processual Civil, como é sabido de todos aqueles que o operam, é informado por vários princípios, entre os quais encontra-se o princípio da publicidade, o qual também se constitui em preceito constitucional. Depreende-se do mencionado princípio a seguinte lição, senão vejamos:
“Na prestação jurisdicional há um interesse público maior do que o privado defendido pelas partes. É a garantia da paz e harmonia social, procurada através da manutenção da ordem jurídica. Todos, e não apenas os litigantes, têm direito de conhecer e acompanhar tudo o que se passa durante o processo. A publicidade da atividade jurisdicional é, em razão disso, assegurada por preceito constitucional (CF, art.93, IX: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos…”). Por isso, a justiça não pode ser secreta, nem podem ser as decisões arbitrárias, impondo-se sempre a sua motivação, sob pena de nulidade.”
Existem, contudo, exceções previstas no próprio Diploma Processual Civil ao princípio da publicidade de forma que os processos possam correr em segredo de justiça, sendo assegurado o conhecimento do conteúdo dos atos processuais praticado somente às partes e seus advogados. Observemos quais as situações em que se exige o sigilo:
“Art.155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I- em que o exigir o interesse público;
II- que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.”
Dessa forma, a regra geral, portanto, é a de que todos os atos são públicos, exceto nos casos do art.155, incisos I e II do Código de Processo Civil em que haverá sigilo das informações.
Só que da mesma forma que dispôs acerca da exceção da publicidade, o Pergaminho Processual Civil explicitou mais uma vez a exceção à observância do segredo de justiça, permitindo, por conseguinte, o acesso de terceiro ao conteúdo processual desde que demonstre interesse jurídico. Previsão essa que está positivada no art.155, Parágrafo único do Diploma Legal supramencionado.
Ainda no que diz respeito ao assunto ora tratado, não nos olvidemos ademais para os dispositivos regulados na Lei dos Registros Públicos, a saber, a Lei n.º 6.015/73. Mais benevolente do que o artigo supracitado assevera essa norma legal no seu art.17 que: “Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”.
Ora, percebe-se então que essa norma legal não exige a conditio sine qua non do Código de Processo Civil, a saber, a demonstração do interesse jurídico. Logo, em se tratando de lavratura de escritura pública a publicidade é irrestrita consoante interpretação do referido dispositivo legal.
Desta feita, cumpre-nos, portanto, indagar se a opção pela via administrativa-cartorária para a realização das separações e divórcios consensuais irá por de lado à observância do segredo de justiça, uma vez que existe prévia previsão acerca da permissionabilidade de qualquer pessoa consultar o conteúdo das certidões cartorárias. .
Não há porque questionarmos se haverá segredo de justiça no procedimento administrativo, pois como o próprio nome está a indicar a sua ocorrência limita-se à via judicial. Assim, seria possível haver segredo de justiça fora da justiça? Creio que não.
A verdade é que a maioria dos estudos que encontramos acerca do tema falam que não é possível a incidência do segredo de justiça, mas sem mencionar os argumentos que o levaram a tomar tal posicionamento. Citemos, a mero título exemplificativo, a conclusão feita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual afirma não haver sigilo para as escrituras públicas de separação e divórcio consensuais; logo, o disposto no art.155, inciso II do Código de Processo Civil incide apenas nos processos judiciais.
O que se deve discutir não é a aplicabilidade do art.155 do Código de Processo Civil ao procedimento extrajudicial, mas sim o direito ou não de sigilo do casal durante a realização do referido procedimento no que concerne às informações contidas na escritura pública.
Como já ficou explicitado acima é possível que qualquer pessoa obtenha perante o cartório certidão do registro independentemente do motivo do seu pedido.
Então, se afirmássemos que deveria haver uma restrição à publicidade enunciada no já referido art.17 da Lei de Registros Públicos, pensariam alguns estarmos diante de um aparente conflito entre artigos do mesmo Diploma Legal. Só que esse mesmo Diploma já prevê exceções à ampla publicidade. É o caso do testamento, que em virtude de sua natureza tem a publicidade restrita.[2] O terceiro somente poderá ter acesso à certidão quando demonstrados os motivos e interesses de tal requerimento, devendo a ordem ser judicial e não da competência do tabelião.
Partindo desse mesmo princípio é que defendemos a idéia de que aos interessados deverão ser assegurados o sigilo cartorário, a exemplo do que ocorre com o testamento, possibilitando que os terceiros se submetam a mesma conditio sine qua non que é exigida pelo Código de Processo Civil, ou seja, deverão provar os motivos de tal requerimento perante autoridade judicial, a qual decidirá pela permissão ou não.
Para tanto os cartórios deverão melhorar a sua estrutura, colocando à disposição das partes todos os meios para que seja assegurado o sigilo. E uma das medidas que mais se tem cobrado pelos operadores do direito consiste em reservar uma sala para o atendimento e espera em particular do casal até a lavratura da escritura.
Dessa forma, em sede do procedimento administrativo deve haver o sigilo cartorário, e não segredo de justiça, este restrito apenas à via judicial. A indagação, por conseguinte, que deve prevalecer é quanto à observância ou não do sigilo, não havendo espaço para uma discussão inócua.
Bibliografia:
Notas:
Informações Sobre o Autor
Ívano José Genuino de Morais Júnior
Advogado em Recife(PE) e Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto dos Magistrados de Pernambuco-IMP/UCAM.