Resumo: O OGMO é entidade civil de interesse público, sem fins lucrativos, que atua na habilitação e capacitação dos trabalhadores portuários avulsos. Se verificado caráter assistencial destas entidades, a rigor do artigo 195, §7º da Constituição, há que se verificar a imunidade com relação às contribuições previdenciárias.
Palavras-chave: OGMO, trabalhador portuário avulso, direito tributário, imunidade, contribuição previdenciária.
Em 05 de junho de 2013, por meio da Lei nº 12.815, consolidou-se no ordenamento brasileiro um “novo” marco regulatório para o setor portuário. As discussões que pautaram os debates no Congresso Nacional ficaram, em grande medida, adstritos a criar condições mais favoráveis e atraentes para o capital privado, bem como corrigir os rumos da antiga Lei 8.630/93. Alavancou-se a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) como entidade reguladora competente a ordenar as operações em portos organizados e nas instalações portuárias nele localizados.
As figuras do operador portuário e do Órgão de Gestão de Mão de Obra (OGMO), por sua vez, continuam a existir. Importante lembrar que o OGMO é associação civil de utilidade pública sem fins lucrativos, destinado a administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso. O operador portuário, por sua vez, é pessoa jurídica de natureza privada que, uma vez qualificada, opera com a execução da movimentação e armazenagem de mercadorias na área do porto organizado, especialmente com os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações.
São categorias profissionais diferenciadas, em que somente os profissionais habilitados e cadastrados pelo OGMO estão aptos a exercer referidas atividades, podendo ser cedidos em caráter permanente ou não, ou registrados pelos operadores portuários. No caso de cessão, estar-se-á diante de um trabalhador portuário avulso. O organograma abaixo melhor elucida a questão:
Igualmente, reforçou-se a obrigatoriedade do OGMO na criação de comissão arbitral paritária para solucionar litígios envolvendo os operadores e trabalhadores, ainda que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho pacificou entendimento[1] de que este compromisso não afasta a possibilidade do Poder Judiciário apreciar as reclamações. Por fim, repetiu-se a disposição de que o OGMO é solidário ao operador portuário pela remuneração do trabalhador.
Nada de novo, portanto!
Neste sentido, verifica-se na redação da Lei nº 12.815/2013 (que repetiu os preceitos da Lei nº 8.630/1993) dispõe que o OGMO é responsável pela arrecadação e repasse aos beneficiários os valores devidos pelos operadores portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários (art. 32, VII). De outro lado, fixou-se que o operador portuário responde perante os órgãos competentes pelo recolhimento dos tributos incidentes sobre o trabalho portuário avulso (art. 26, VI).
Assim, estar-se-á diante de uma responsabilidade solidária do OGMO e operador portuário pelo recolhimento dos tributos relativos à remuneração, o que inclui as contribuições previdenciárias. Com relação a estas, a Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, no seu artigo 264, determina caber ao OGMO a obrigação de arrecadar as contribuições sociais devidas e, por conseguinte, recolher as contribuições previdenciárias.
Aliás, o Manual GFIP/SEFIP 8.4 especifica que cabe ao OGMO proceder com a declaração, demarcando-se o campo Valor devido à Previdência Social, calculado pelo SEFIP, que conterá o valor das contribuições para a Previdência Social (devidas pelo operador portuário e recolhidas pelo OGMO e parcela descontada do trabalhador avulso), incidentes sobre a remuneração, férias, inclusive o adicional constitucional, e 13° salário pagos ao trabalhador avulso. Perceba que a Receita Federal impõe ao OGMO a obrigação de proceder com o recolhimento da contribuição previdenciária dos trabalhadores avulsos, o qual seria supostamente devido pelo operador portuário.
Ocorre que, se há apenas a cessão do contrato de trabalho do trabalhador, como dispõe o artigo 35 da Lei nº 12.815/2013, haveria fundamento para afirmar que se trata de parcela devida pelo operador portuário?
O vínculo trabalhista que o trabalhador portuário avulso possui, por força de Lei, com exclusividade, é unicamente com o OGMO. Trata-se da redação do artigo 32, II, da Lei 12.815/2013, a saber:
“Art. 32. Os operadores portuários devem constituir em cada porto organizado um órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário, destinado a:
I – administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso;
II – manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o registro do trabalhador portuário avulso;
III – treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário, inscrevendo-o no cadastro;
IV – selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso;
V – estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao registro do trabalhador portuário avulso;
VI – expedir os documentos de identificação do trabalhador portuário; e
VII – arrecadar e repassar aos beneficiários os valores devidos pelos operadores portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários”.
Também reforça este entendimento o disposto no artigo 264, I, da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, que assim dispõe:
“Art. 264. Cabe ao OGMO, observada a data de sua efetiva implementação em cada porto, na requisição de mão-de-obra de trabalhador avulso portuário, efetuada em conformidade com a Lei nº 8.630, de 1993, e com a Lei nº 9.719, de 1998, além de outras obrigações previstas na legislação previdenciária, adotar as seguintes providências:
I – selecionar, registrar e cadastrar o trabalhador avulso portuário, mantendo com exclusividade o controle dos mesmos, ficando, desta maneira, formalizada a inscrição do segurado perante a Previdência Social;”
A relação trabalhista deve se constituir com aquele que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço, nos termos do artigo 2º da CLT, o que se compatibiliza perfeitamente com as atribuições do OGMO. A cessão do contrato de trabalho, ou do trabalho propriamente dito, não transfere a titularidade ativa do empregador, isto é, cedido o empregado celetista, permanece o primeiro como responsável pelos direitos do contrato[2].
Não há porque, neste sentido, pretender criar um vínculo inexistente com o operador portuário. A relação de solidariedade ocorre, unicamente, nos casos em que não há o regular pagamento das verbas remuneratórias, inclusive os tributos. Esse é o sentido e disposição legal da solidariedade.
De consequência, se aplicadas tais noções ao arcabouço legal atinente as contribuições previdenciárias, estipuladas na Lei nº 8.212/1991 (contribuição previdenciária do empregador), tem-se que o OGMO é o empregador, na medida em que empregador é sociedade que assume o risco de atividade econômica, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional, inclusive as associações, por equiparação.
Na qualidade de empregador, por força do artigo 22 da Lei 8.212/1991, o OGMO é obrigado a proceder com o recolhimento da contribuição a cargo da empresa destinado à Seguridade Social, seja ela referente aos 20% incidentes sobre a remuneração, seja a verba calculada em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.
Há que sobrelevar, neste sentido, aquilo que dispõe o artigo 195, §7º da Constituição da República: “são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Os requisitos estipulados em Lei, por sua vez, advêm das disposições do artigo 14 do Código Tributário Nacional e, em complemento, da Lei nº 12.101/2009.
Portanto, caso reconheça-se, por isonomia, que o OGMO atua na condição de entidade que presta relevante serviço social, enquanto que a própria Lei lhe atribui status de associação de utilidade pública sem fins lucrativos, há que valer-se das disposições do artigo 195, §7º da CF e, desta forma, reconhecer a imunidade das contribuições previdenciárias devidas com relação aos trabalhadores portuários avulsos.
A Receita Federal do Brasil tenta, por meio de preceitos infranormativos, como o artigo 266 da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009[3], desvirtuar a natureza jurídica do OGMO, o que certamente não se pode admitir. Os regramentos infralegais não podem infirmar ou reduzir o alcance da norma legal.
Informações Sobre o Autor
Kristian Rodrigo Pscheidt
Advogado da S. B. LEWIS ADVOGADOS ASSOCIADOS. Mestre em Direito Político e Econmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie 2014 possui L.L.M em Direito de Negócios pela FMU 2013 é especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba 2010 possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2008 e graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2004