“Apagar
o fogo com gasolina”, essa é uma expressão muito utilizada nas situações
onde alguém sem a menor condição, ou qualificação age de forma irracional na
tentativa de resolver um problema o qual não domina.
Ao acompanhar os desdobramentos
noticiados pela imprensa motivados pelo caos no sistema de segurança pública em
nosso país, o que mais me preocupa são as aparentes soluções mirabolantes e
completamente irresponsáveis apresentadas por alguns governantes, que pelas
posições que ocupam podem transformar esses delírios em Leis, Decretos ou
Medidas Provisórias e até Emendas Constitucionais.
Para ser mais objetivo, cito como
exemplo a sugestão do Governador da Bahia, César Borges, que se resume a
devolver ao Exército a responsabilidade sobre a Polícia Militar, como era antes
da promulgação da Constituição de 1988. Ele chega a afirmar que “ouviu do
próprio Presidente da República, que foi constituinte em 88, que a Constituição
equivocou-se quando consentiu essa dissociação das polícias militares do Exército”,
conforme entrevista publicada no Jornal Correio da Bahia, afirma ainda que
“a reformulação da polícia é um assunto que merece uma reflexão profunda,
não apenas do Governador da Bahia, mas de todos os governadores, do Governo
Federal e do Exército brasileiro”, ora, o Exército tem suas atribuições
constitucionais, não possui a atribuição e muito menos a competência para
tratar de assuntos relacionados a Segurança Pública, estamos
no século 21 não é possível que ainda existam dúvidas quanto a total falta de
relação e principalmente incompatibilidade entre Segurança Pública e Defesa
Nacional.
O Governador de Pernambuco, Jarbas
Vasconcelos propõe que o Presidente convoque governadores, o presidente do
Supremo Tribunal Federal e as lideranças parlamentares para o debate de solução
de aflitiva urgência, com a possível reforma da Constituição.
No Palácio do Planalto a falta de
comunicação e de consenso é total, isso só contribui para o agravamento da
situação, existem opiniões e interpretações para todos os gostos.
O Presidente da República, através de seu porta voz anuncia que a greve da Policia Militar “é
uma questão afeta aos governos estaduais”, não assumindo qualquer
responsabilidade sobre os reais motivos que levam a esse triste quadro.
O General Alberto Cardoso,
Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional afirmou que movimentos
grevistas de policiais em Estados como Bahia, Alagoas e Pernambuco “surgem
espontaneamente por problemas salariais e de falta de condições de trabalho” e
que “o mote principal tem sido o problema salarial, e a alternativa é a
negociação”, ressaltando a importância dos governos estaduais no diálogo com os
policiais; afirma
ainda ser favorável a unificação das polícias, entretanto paira a dúvida, ela
seria toda civil ou toda militar?
Já o Vice-Presidente
Marco Maciel, com o apoio dos Deputados Inocêncio de Oliveira, líder do PFL, e
Miro Teixeira, líder do PDT, estimulados pela crise da segurança pública, já
acertaram encontros para intensificar as consultas a todos os partidos e
candidatos para o esforço de aprovação da emenda constitucional da convocação
da Constituinte com prazo certo e pauta restrita até o fim do ano. Aberta a sugestões, a proposta inicial
é da eleição simultânea, em 6 de outubro de 2002, de constituintes com mandato
exclusivo para a revisão parcial da Constituição de 88.
Tenho por convicção, que as greves
mesmo que constitucionalmente consideradas ilegais, nos
mostram que algo está errado, que o “braço forte” do estado não é apenas
mecânico, hoje ele é motivado por impulsos, os servidores das áreas de
segurança pública agora pensam, elaboram, e concluem que são cidadãos e como
tal tem os mesmos problemas dos demais brasileiros que contam com sua
proteção e segurança.
Não se pode
questionar os limites de uma greve, impossível também mensurar e considerar uma
greve legal ou ilegal, vez que a greve é uma faculdade exercitável pelo
trabalhador de forma unilateral, sem sujeição a critérios que dão ao referido
direito a dimensão de uma arma exercitável em condições extremas, como a
dificuldade em exercer sua cidadania plena, e atender minimamente suas
necessidades como alimentação, saúde, educação, segurança, transporte e
condições de trabalho.
A limitação aceitável do direito de
greve não é, portanto, o ponto em que pode causar inconveniência à população,
em tese, toda greve é inconveniente do ponto de vista do cidadão. Assim sendo,
cabe ao estado evitar ao máximo a necessidade da greve, ou seja, dotar os
integrantes dos serviços exclusivos e essenciais de condições satisfatórias de
trabalho, para que o cidadão seja bem atendido por esse serviço, e o servidor,
que também é um cidadão tenha condições de exercer sua cidadania plena.
Dessa forma entendo que a melhor
solução seria a imediata regulamentação do direito de greve aos integrantes do
sistema de segurança pública, impondo limites e regras, isso evitaria que
policiais grevistas apareçam travestidos de marginais, mascarados e com suas
armas em punho, e não tornariam necessárias as
ocupações dos quartéis pelas mulheres e filhos dos militares insatisfeitos como
ocorreram nos estados do Paraná e Tocantins.
Como disse, a greve é a medida de força
entre empregadores e empregados, é a ação indiscutível e melhor caminho para
que o trabalhador seja ouvido, e de ver considerados e, parcialmente
resolvidas, as soluções do que se reivindicam.
A palavra cidadania deve ser entendida
no seu melhor significado como título de honra, prezado e amado por todos.
Se é verdadeira a afirmação de que o
Policial é um cidadão, esse faz jus ao pleno exercício da cidadania que lhe
garante entre outros direitos a igualdade a todos perante a lei; a liberdade de
pensamento e sua expressão sendo vedado todo tipo de censura.
Isso me leva a recordar dois conceitos
pertinentes à cidadania e seu exercício, o primeiro é de Aristóteles, em suas
palavras sempre oportunas:
“Nem sempre é a mesma coisa ser
uma boa pessoa e um bom cidadão”.
O segundo é de Sir Francis Bacon, num
ensaio sobre a velhacaria:
“Nada prejudica
mais o Estado do que homens velhacos que se fazem passar por sábios”.
Essas duas afirmações devem ser
recordadas sempre que apelamos ao espírito crítico no julgamento da conduta
pública e privada de nossos políticos, bem como de suas soluções abstratas para
problemas verdadeiramente concretos como nesse exato momento utilizar as Forças
Armadas para solucionar problemas inerentes a Segurança Pública, apagando de
suas memórias as profundas cicatrizes e as covas rasas resultantes do Regime
Militar.
O momento é de reflexão e responsabilidade,
a sociedade e os integrantes do Sistema de Segurança Pública, através de seus
clubes, associações e sindicatos e toda a família Policial de nosso país devem
estar atentos impedindo toda e qualquer tentativa de violação ou usurpação dos
direitos conquistados ao longo dos anos, que culminaram com o efetivo
reconhecimento do Policial como cidadão, apoiado e reconhecido pela sociedade,
não desviando jamais seu compromisso e responsabilidade com o fortalecimento do
Estado Democrático de Direito, amparado no princípio constitucional de que
segurança pública é direito do cidadão e papel do estado, assim sendo, o
Policial deve servir ao cidadão, pois os governantes passam,
a cidadania jamais.
Informações Sobre o Autor
Wlamir Motta Campos
Consultor Legislativo, Especialista em Gestão de Políticas Públicas nas áreas de Segurança Pública e Defesa Nacional.