Resumo: O presente estudo tem como objeto o Direito Processual Penal brasileiro. O processo penal tem como finalidade a reconstrução dos fatos (apuração do fato criminoso e de sua autoria) para a aplicação do direito material, o que se consegue através das provas produzidas pelas partes ou pelo juiz, sob o crivo do contraditório. As questões relativas ao processo penal sempre foram objetos de diversas discussões ao longo da história jurídica. Diversos estudiosos defenderam a humanização do processo penal, que evoluiu de um sistema inquisitório para um sistema acusatório. No entanto, ater-se-á, para a realização do presente estudo, questões relativas ao ônus da prova, o que será feito à luz dos princípios e garantias constitucionais, principalmente no que se refere à sua conceituação.
Palavras-chave: ônus; prova; processo; penal; brasileiro.
Abstract: The present study is to analyze the Brazilian Criminal Procedure Law. The prosecution aims at the reconstruction of the facts (determination of a criminal act and his own) to the application of substantive law, which is achieved through the evidence adduced by the parties or the judge, under the scrutiny of the adversary. Questions relating to criminal proceedings have always been objects of various discussions over the legal history. Several scholars have advanced the humanization of the criminal proceedings, that evolved from an inquisitorial system to an adversarial system. However, it will stick to the completion of this study, issues relating to the burden of proof, which will be done in light of the principles and constitutional guarantees, especially with regard to its conceptualization.
Keywords: burden, proof, process, criminal, Brazil.
Sumário: 1. Introdução; 2. Ônus da Prova: considerações conceituais; 3. Conceito de ônus da prova; 4. Distinções entre ônus, dever, obrigação e faculdade; 5. Referências.
1. Introdução
O presente estudo tem como objeto o Direito Processual Penal brasileiro. O processo penal tem como finalidade a reconstrução dos fatos (apuração do fato criminoso e de sua autoria) para a aplicação do direito material, o que se consegue através das provas produzidas pelas partes ou pelo juiz, sob o crivo do contraditório.
Ater-se-á, para a realização do presente estudo, questões relativas ao ônus da prova, o que será feito à luz dos princípios e garantias constitucionais.
As questões relativas ao processo penal sempre foram objetos de diversas discussões ao longo da história jurídica. Diversos estudiosos defenderam a humanização do processo penal, que evoluiu de um sistema inquisitório para um sistema acusatório. Hodiernamente, vários doutrinadores defendem a idéia de o réu, no processo penal, possuir mais acesso às provas e meios de provas para provar a inocência, buscando uma sentença absolutória da forma que lhe for mais conveniente.
Essa mudança de visão em relação ao réu coaduna com os princípios basilares do devido processo legal, base do sistema acusatório. Essa corrente vem ganhando força na seara jurídica, principalmente quando analisamos o direito processual penal sob a ótica constitucional. Não poderia ser diferente, já que a atual Constituição da República é a norma maior de nosso ordenamento jurídico e, pois, tudo o que for contrário à Constituição padece do vício da inconstitucionalidade.
A prova tem como finalidade a reconstrução dos fatos que guardam vínculo com o fato criminoso, influindo no convencimento do juiz. Mas, a quem incumbe o ônus de provar? O art. 156 do Código de Processo Penal (modificado pela Lei n. 11.690/08) estabelece que: “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, assim, tem-se que o ônus da prova incumbe a quem alega. O termo ônus vem do latim onus ou oneris e quer dizer encargo, fardo, carga ou peso, entretanto, não se deve confundir ônus com dever, que é a subordinação ao interesse de outrem, cujo descumprimento acarreta uma pena ou sanção.
Como o processo judicial é um debate entre partes, amparado pelo princípio do contraditório (possibilidade das partes, no processo penal, acusador e acusado, de influenciar a decisão do juiz), decorre que as partes apresentem suas teses afirmativas ou negativas visando uma sentença favorável à tese formulada em detrimento da tese ex adversa.
Aqui, o problema surge em relação a quem incumbe provar as alegações: à acusação (Ministério Público e querelante) ou ao acusado (réu). A este problema, a doutrina chama de ônus da prova, que comumente é conceituado como o encargo de que as partes têm de provar as suas alegações, sendo uma obrigação que se não for cumprida acarretará prejuízos apenas para o encarregado.
Todavia, o processo é composto por partes e o sistema acusatório (modelo de processo penal adotado no Brasil) exige a presença de partes antagônicas, em posição de igualdade e com iguais direitos à prova, assim, boa parte da doutrina reconhece às partes (e não só a uma delas) um direito de provar suas alegações, distribuindo às partes o ônus da prova de suas teses.
Superando a idéia de ônus da prova como encargo das partes, Antônio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 85), à luz do princípio do contraditório, trata da relação entre as partes e a prova como direito à prova e não como ônus, pois o processo penal não constitui mero instrumento de pacificação de conflitos, mas sim instrumento para a mais exata reconstrução dos fatos sobre os quais irá versar a decisão judicial, sendo, portanto, garantia do acusado e da própria jurisdição. Leciona o referido doutrinador:
“O reconhecimento de um verdadeiro direito subjetivo à prova, cujos titulares são as partes no processo (penal, no nosso casso), supõe considerar que as mesmas devem estar em condições de influir ativamente em todas as operações desenvolvidas para a constituição do material probatório que irá servir de base á decisão; nessa visão, a prova, antes de tudo, deve ser atividade aberta à iniciativa, participação e controle dos interessados no provimento jurisdicional. (…)
O direito à prova compreende, em segundo lugar, um poder de iniciativa em relação à introdução do material probatório no processo; trata-se do direito de proposição (indicação, requerimento) de provas (…).” (GOMES FILHO, 1997, p. 85)
Este “direito à prova” não se restringe à comunhão das provas no processo criminal, ou seja, as provas são do processo e não exclusivamente de uma das partes. O “direito à prova” vai além: refere-se também ao direito de produzir provas. Dentro do processo, pois, o réu tem o direito de produzir provas suficientes para provar que é inocente, visando uma sentença absolutória que assim declare.
Assim, para o desenvolvimento do presente trabalho, e adotando a tese da distribuição da atividade probatória (que a doutrina chama tradicionalmente de o ônus da prova) no processo penal brasileiro, passa-se a adotar o seguinte posicionamento acerca da relação entre as partes e a prova: se se presume a inocência, compete à acusação o ônus da prova, carreando os autos de provas suficientes para quebrar esta presunção e obter uma condenação; de outro lado, decorrente do princípio da ampla defesa, deve-se reconhecer ao réu o direito à prova, para produzir provas e contraprovas com a finalidade de influir no convencimento do juiz, que proferirá uma sentença quanto mais justa quanto melhor se puder reconstruir os fatos dentro do processo, o que somente se conseguirá de forma imparcial através do contraditório, ou seja, do debate construído pelo ônus da prova do acusador e do direito à prova do acusado.
Ao fim do processo penal, a sentença proferida (condenatória ou absolutória) interessa ao réu, pois que seus efeitos operam, principalmente, em sua liberdade e em seu patrimônio. Interessa à sociedade, também, pois que não podemos olvidar das conseqüências para a sociedade advindas de uma não condenação e a certeza da impunidade. Assim, para a correta decisão do juiz, faz-se necessário uma reconstrução dos fatos o mais próxima do ocorrido, o que será possibilitado pelo contraditório das provas e contraprovas trazidas nos autos por ambas as partes.
2. Ônus da prova: considerações conceituais
A prova no processo penal tem como finalidade a reconstrução dos fatos que guardam vínculo com o fato criminoso, influindo no convencimento do juiz. Mas, a quem incumbe o ônus de provar?
O art. 156 do Código de Processo Penal (modificado pela Lei n. 11.690/08 de 09 de junho de 2008) estabelece que:
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
Assim, do caput do artigo tem-se que o ônus da prova incumbe a quem alega. A nova redação do art. 156 (modificado pela Lei n. 11.690/08 de 09 de junho de 2008) não alterou a regra sobre ônus da prova, ao contrário, manteve “a regra de que o ônus de se provar o alegado compete a quem fizer a alegação. Trata-se de regra em perfeita sintonia com os princípios gerais de direito, como a boa-fé, a obrigação de dizer a verdade, o esforço para buscar a verdade real, entre outros” (SILVA, 2008, p. 64). Todavia, o entendimento de que o ônus de provar o alegado compete a quem fizer a alegação não é unânime na doutrina.
Para que se possa responder a esta e outras perguntas que surgirão no decorrer do presente trabalho será necessário, primeiro, entender o conceito de ônus da prova.
3. Conceito de ônus da prova
O termo ônus vem do latim onus ou oneris e quer dizer encargo, fardo, carga ou peso; mas a doutrina diverge quanto ao conceito de ônus da prova.
Segundo Fernando Capez (2006, p. 308) ônus da prova é “o encargo que têm os litigantes de provar, pelos meios admissíveis, a verdade dos fatos” e ensina que “a prova não constitui uma obrigação processual e sim um ônus, ou seja, a posição jurídica cujo exercício conduz seu titular a uma condição mais favorável”, cabendo provar que tem o interesse em afirmar.
Para definir ônus da prova Afrânio Silva Jardim (1987, p. 154) aduz que o ônus probandi “é a faculdade ou encargo que tem a parte de demonstrar no processo a real ocorrência de um fato que alegou em seu interesse, o qual se apresenta como relevante para o julgamento da pretensão deduzida pelo autor da ação penal”.
Segundo Cintra (2003, p. 351) , “ônus da prova consiste na necessidade de provar, em que se encontra cada uma das partes, para possivelmente vencer a causa”.
Superando a idéia de ônus da prova como encargo das partes, Gomes Filho (1997, 83-88), à luz do princípio do contraditório, trata da relação entre as partes e a prova como direito à prova e não como ônus, senão vejamos:
“Tradicionalmente, a relação entre as partes e a prova tem sido tratada pela doutrina processual em termos de ônus, o que corresponde a uma ótica que se pode afirmar negativa da questão, pois ao litigante que tinha o encargo de provar e não o fez são atribuídos os riscos da falta de provas no julgamento da causa.
Essa colocação, que, segundo Verde, é própria do formalismo positivista, traz consigo a idéia de que o processo constitui mero instrumento de pacificação de conflitos, sem se importar com uma correta reconstrução dos fatos; assim, revela-se absolutamente insatisfatória e inadequada à moderna concepção de processo justo, especialmente no terreno penal, cujo modelo cognitivo constitui garantia do acusado e da própria jurisdição.”
Sob uma dimensão positiva, Gomes Filho (1997, 83-84) reconhece às partes um direito subjetivo de “empregar todas as provas de que dispõe; com o fim de demonstrar a verdade dos fatos que fundamentam sua pretensão; nessa visão, ressalte-se o papel de colaboração dos interessados na reconstrução mais exata dos fatos sobre os quais irá versar a decisão judicial”.
Do exposto, vê-se que ônus da prova é conceituado ora como um direito subjetivo (faculdade), ora como um dever (encargo). Todavia, os termos direito e dever possuem conceitos diferentes.
4. Distinções entre ônus, dever, obrigação e faculdade
Passa-se a diferenciar os seguintes vocábulos: ônus, dever, obrigação e faculdade. Para tanto, recorreremos à Teoria Geral do Direito.
Segundo Goldschimidit (apud GOMES FILHO, 1997, p. 175), “os deveres são imperativos impostos pelo interesse de um terceiro ou da comunidade, enquanto os ônus são um imperativo do próprio interesse”. O dever pressupõe a existência de um sujeito ativo a quem interessa o cumprimento do dever pelo sujeito passivo da relação jurídica, sendo descumprido um dever pelo sujeito passivo, gerará uma sanção com natureza de coação moral ou de intimidação. Já o ônus está situado no campo da liberdade não havendo ilicitude no descumprimento de um ônus. (HENRIQUE, 2003, p. 176) Perante o ônus não há qualquer posição contraposta como ocorre com o dever.
As obrigações são imperativos do interesse do credor, o qual pode exigir do devedor o cumprimento da obrigação sob pena de lhe ser imposta uma sanção para o cumprimento da prestação não cumprida, sujeitando o devedor à execução forçada. (HENRIQUE, 2003, p. 176)
Quanto às conseqüências do descumprimento de uma obrigação, de um dever e de um ônus, “o inadimplemento de uma obrigação ou de um dever gera uma situação de ilicitude e traz como conseqüência a possibilidade de uma sanção. Já o descumprimento de um ônus configura um ato lícito e não é sancionado.” (HENRIQUE, 2003, p. 177)
Por fim, o termo faculdade corresponde ao termo direito subjetivo, que segundo REALE: “direito subjetivo é a possibilidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio” (REALE, 2002, p. 260). Assim, o sujeito ativo tem a faculdade (possibilidade) de exigir de um sujeito passivo, segundo as normas do direito objetivo, um direito que lhe é garantido. Esta faculdade pode ou não ser exercida pelo titular do direito subjetivo. “Ao direito subjetivo corresponde uma obrigação.” (GOMES FILHO, 1997, p. 176)
Informações Sobre os Autores
Hálisson Rodrigo Lopes
Possui Graduação em de Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2000), Licenciatura em Filosofia pela Claretiano (2014), Pós-Graduação em Direito Público pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2001), Pós-Graduação em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho (2010), Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2011), Pós-Graduação em Filosofia pela Universidade Gama Filho (2011), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá (2014), Pós-Graduado em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes (2014), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2014), Pós-Graduado em Direito Educacional pela Claretiano (2016), Mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2005), Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Atualmente é Professor Universitário da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE) nos cursos de Graduação e Pós-Graduação e na Fundação Educacional Nordeste Mineiro (FENORD) no curso de Graduação em Direito; Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI); e Assessor de Juiz – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Comarca de Governador Valadares
Robledo Karlily de Oliveira Barbosa
Pós-Graduado em Ciências Penais