Os efeitos patrimoniais do concubinato adulterino

Resumo: A família é a base de qualquer estrutura humana, independente em qual modalidade se configure. No Direito brasileiro o princípio da monogamia ainda é o regente nas relações entre homens e mulheres, porém a infidelidade sempre esteve presente, se configurando como uma mera aventura ou um relacionamento a parte, o concubinato. Este artigo descreve os efeitos patrimoniais que tal instituto pode ter sobre o patrimônio dos envolvidos. A metodologia utilizada baseia-se no levantamento bibliográfico doutrinário e jurisprudencial brasileiro e a conclusão a qual se foi possível chegar é que cada caso deve ser avaliado concretamente, porém não é possível desconsiderar os efeitos patrimoniais que tal instituto pode gerar.


Palavras-chave: Concubinato. Casamento. Adultério. Patrimônio.


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Abstract: The family is the foundation of any human structure, regardless of which mode it is set. In Brazilian law the principle of monogamy is still the ruler in such relationships, but the infidelity was always present, shaping up as a mere adventure or a relationship, the concubinage. This article describes the propriety effects that such an institute can have on the heritage of those involved. The methodology is based on Brazilian literature doctrinal and jurisprudential and the conclusion which was reached is that each case must be evaluated specifically, but it can not drop the property that can generate such an institute.


Keywords: Concubinage. Marriage. Adultery. Heritage.


Sumário: 1. Introdução. 2. Institutos aplicados ao presente trabalho. 2.1. Família. 2.2. Casamento. 2.3. Concubinato. 3. Consequências da aplicação do artigo 1521 do Código Civil/02. 4. Efeitos patrimoniais do concubinato adulterino. 4.1. O direito a meação de pensão. 4.2. O direito de herança e participação na partilha dos bens. 4.3. O direito à indenização por serviços domésticos prestados. 4.4. Outros efeitos patrimoniais. 5. Conclusão. Referencias.


1 INTRODUÇÃO


Durante toda a história humana a infidelidade sempre se mostrou presente, às vezes às claras, às vezes às escondidas.


Numa sociedade em que a banalização de alguns valores morais tidos antes como sagrados e a constante mudança e/ou concomitância de parceiros já são vistas com menor rigor, é necessário se discutir cada situação geradora de obrigações para os indivíduos, garantindo a cada um o que lhe é de direito, ou os protegendo, seja da má-fé e desleixo alheio, seja de sua própria inocência.


O concubinato adulterino é uma situação concreta, que sempre acompanhou a história da humanidade, com grande potencial para geração de direitos e deveres, devido, especialmente, à incidência de casos de dependência econômica entre concubinos, bem como da construção de patrimônio em comum entre as partes impedidas de casar.


Tendo em vista a lacuna legislativa, bem como a constante discussão entre os doutrinadores e ainda, a divergência jurisprudencial sobre o assunto, que é de suma importância para o Direito Civil, especificamente para os campos do Direito de família e das obrigações, o objetivo deste trabalho é analisar o concubinato e os direitos que podem advir desta relação.


 Afinal, existem direitos? Se sim, quais são eles? Por que o Direito, como ciência regulamentadora das situações vividas pela sociedade, ainda não se posicionou perante o concubinato adulterino? Quem é o concubino? Teria ele o direito de meação de pensão com o viúvo de seu parceiro casado, em caso de morte do último e de dependência econômica do primeiro? E o direito de herança, ele poderia participar da partilha dos bens deixados? Haveria direito a alguma indenização? Em caso afirmativo, para quem, que tipo de indenização e com o objetivo de reparar quais danos? 


Através do levantamento bibliográfico e do estudo da jurisprudência, é possível emitir, não necessariamente respostas, mas alguns posicionamentos orientadores, a respeito de tais perguntas.


Para se nortear posicionamentos para tais questões, o estudo será dividido de forma a ter o seguinte conteúdo: O direito à meação de pensão por morte; O direito de herança e participação na partilha dos bens; O direito à indenização por serviços prestados; Outros efeitos patrimoniais do concubinato.


2 INSTITUTOS APLICADOS AO PRESENTE TRABALHO


Com o objetivo de discutir o concubinato e seus efeitos, é necessário contextualizá-lo. Para falar sobre tal tema, é necessário um entendimento do que é família, do instituto do casamento e das próprias características do concubinato:


2.1 Família


Derivada do vocábulo famulus, que significa escravo doméstico, etimologicamente, a palavra família, vem do latim familia que significa o conjunto das propriedades de alguém, incluindo escravos e parentes. (VITAL apud CALDEIRA, 2007). Deste conceito deriva o existente hoje nos dicionários de português, onde são diversos os significados para a palavra, entre eles: conjunto de pai, mãe e filhos; pessoas do mesmo sangue; descendência; linhagem (BUENO, 2000, p. 347).


Na Roma antiga, tal vocábulo significava, dentre outros sentidos, o conjunto de pessoas colocadas sob o poder – pátria potestas – de um chefe – o paterfamilias, e tal poder não cessava nem com o casamento e nem com a maioridade dos membros da família, fossem eles quais ou quantos fossem (CRETELA, 2002).


Para Gonçalves (2008, p. 1):


“Lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vinculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins.”


Afirmando ainda que (GONÇALVES,2008, p.2):  [“…] Para determinados fins, especialmente sucessórios, o conceito de família limita-se aos parentes consangüíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau.


E para Goes (2009, http://www.blog.geninhogoes.com.br/o-que-e-familia):A família é um núcleo de convivência, unido por laços afetivos, que costuma compartilhar o mesmo teto”.


Logo, temos que família deriva dos laços consangüíneos e de afeto, com ou sem coabitação, sendo possível existir ambos ou apenas um desses fatores para sua caracterização.


No contexto jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, caput, designa família como a base da sociedade, reconhecendo nos parágrafos do mesmo artigo, suas formas, sendo elas: o casamento, §1º, a união estável, §3º e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, §4º.


Como há de se perceber, o concubinato não foi inserido no rol de formas de família do Direito Brasileiro, porém, uma vez revestido de suas características, o concubinato tem sido reconhecido como entidade familiar por alguns tribunais brasileiros:


EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENSÃO POR MORTE. CUNCUBINATO. ENTIDADE FAMILIAR. Comprovada a formação de entidade familiar, duradoura, com dependência econômica da concubina, esta tem o direito de perceber a pensão por morte deixada pelo servidor.” (TRF4, AC 2002.71.00.014301-8, Quarta Turma, Relator Márcio Antônio Rocha, D.E. 24/03/2008)


Há de se entender que a sociedade é quem dita o Direito e não o contrário, sendo assim, admitindo-se que a jurisprudência é a forma mais flexível e formal de demonstrar os anseios sociais, é possível se admitir que a sociedade já vem iniciando um processo de aceitação do concubinato como entidade familiar, mesmo que ainda não o sendo por parte da maioria das opiniões.


2.2 Casamento


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Como principal forma histórica de família tem-se o casamento. Dentre seus vários conceitos, temos o tradicional do dicionário, definindo-o como: “Núpcias, enlace, matrimônio” (BUENO, 2000, p. 152) ou “matrimônio: união legítima de homem com mulher; casamento; núpcias” (BUENO, 2000, p. 501).


O casamento é figura presente em todas as civilizações, das mais antigas às mais atuais, estando em sua maioria presente à figura da monogamia. Podemos destacar dentre essas civilizações a israelita, romana, grega e egípcia.


Para os egípcios, segundo Santos (2005, p. 03):


“O casamento era considerado um ideal social cujo desenvolvimento harmonioso dependia exclusivamente dos seus noivos e que devia ter por objetivo seguir o caminho da Maat, a deusa da justiça e da retidão. A fidelidade era considerada a maior garantia da manutenção dessa ordem que afastaria os noivos do grande crime do adultério. Não havia uma lei para o casamento, pois se tratava de uma anuência pessoal entre os dois interessados que se comprometiam a um pacto social”.


Afirma ainda Santos (2005, p. 03): “[…] No Egito faraônico, o aspecto fundamental do casamento era a habitação do homem e da mulher juntos numa mesma casa. Segundo as fontes, casar nada mais seria que fundar uma casa, viver junto”.


No Direito Romano clássico, o casamento era a união monogâmica e espontânea entre homem e mulher romanos, diante de juízes e testemunhas e com as garantias da lei. A justas núpcias ou matrimônio era o casamento legítimo, entre romanos, contraído de acordo com o direito civil, não se aplicando a latinos ou peregrinos. (CRETELLA, 2002)


Durante a Idade Média, os reis começaram a desenvolver casamentos bem elaborados, com o fim de fortalecer suas monarquias unificando-as com as vizinhas e readquirir os grandes feudos do reino, passando assim a ser o casamento uma figura política.


Não há definição precisa na legislação brasileira conceituando casamento, porém, dada sua natureza jurídica, o casamento tende sempre a conceitos semelhantes.


Conforme entendimento de Beviláqua (apud LEITE, 2007, <http://www.giseleleite.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=740093>) o casamento é:


“Um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole, que de ambos nascer.”


E nas palavras de Rodrigues (2007, p. 19):


“Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem assistência mútua.”


Nota-se que o presente instituto, desde o início da história do Direito, é basilar na área do Direito de família, sendo considerado uma de suas principais fontes.


2.3 Concubinato


A figura do concubino acompanha a história da humanidade desde os seus primórdios, tendo relatos da mesma no antigo Egito, Grécia, Roma, Caldéia e Israel.


Segundo Azevedo (2002) a palavra concubinato vem do vocábulo latino concubinatus, que significava mancebia, amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo, ou concubo, (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama.


Para Bueno (2000, p. 185): “Relação entre amantes.” Sendo (BUENO, 2000, p. 53) “Amante: que ama; que aprecia; que gosta de; pessoa que mantém relacionamento íntimo com outra.”


Segundo nosso entendimento, o concubinato se configura como relação afetiva, amorosa e sexual, prolongada no tempo, entre homem e mulher, com possibilidade de gerar prole, formar patrimônio e dependência econômico-financeira, concomitante com a existência de casamento civil, este sem separação fática (grifos nossos).


No Egito, apesar da presença da monogamia no casamento, o concubinato era tolerado. Conforme a situação econômica o homem poderia ter uma ou mais concubinas. Estas tinham estatuto inferior ao da esposa legítima, podendo viver na casa do amante, porém se sujeitando a vontade deste.


Na Caldéia, o casamento era, em regra, monogâmico. O homem tinha direito a uma esposa legítima, porém poderia ter quantas concubinas desejasse. Mas naquela região, o concubinato não era uma união transitória, trazendo direitos e deveres fixados por escrito, tratava-se de uma verdadeira poligamia (OLIVEIRA, 1936, <http://www.pliniocorreadeoliveira.info/BIO>).


Também na Caldéia, a versão histórica mais provável para a criação dos jardins suspensos é que os mesmos foram feitos para a concubina de um dos reis caldaicos, que teria nascido na Pérsia e tratava com desdém as planícies da Mesopotâmia, logo, para dar-lhe maior conforto este ordenou que construíssem tais jardins. (OLIVEIRA, 1936, <http://www.pliniocorreadeoliveira.info/BIO>)


Segundo Bittencourt (1985, p. 64): “entre os gregos, a concubinagem não acarretava qualquer desconsideração e era, em certa medida, reconhecida pelas leis”. A concubina mais conhecida da Grécia antiga foi Aspásia de Mileto, que viveu com Péricles, um dos mais importantes governantes de Atenas no século V a.C., e exerceu grande influência sobre suas opiniões e decisões políticas. Esta sendo, antes deste, concubina de Sócrates e após sua morte, de Alcebíades.


Como é possível perceber, para o mundo antigo a figura do concubinato nada tinha de imoral ou ilegal, muitas vezes tendo um papel crucial para a manutenção dos reinados e das famílias constituídas pelo casamento.


Na história mais atual tem-se o caso Ana Bolena concubina do rei da Inglaterra Henrique VIII, que em 1527, ensejou o pedido, do rei ao papa Clemente VII, de anulação de seu casamento com Catarina de Aragão para que pudesse novamente contrair núpcias. Com a recusa ao seu pedido, o rei rompe por completo o vínculo entre a Igreja da Inglaterra (Anglicana) e a Igreja Católica Romana, e em 1533, torna-se o soberano da Igreja Anglicana.


Apenas quando a Igreja Católica se voltou contra o concubinato este se tornou uma figura carregada de imoralidade e torpeza. Em 1563 foi proibido o casamento presumido e, quase que por conseqüência, também o concubinato, inclusive estabelecendo penalidades contra quem mantivesse esse tipo de relacionamento, sendo advertidos por três vezes, se não terminassem seu relacionamento, poderiam ser excomungados ou até qualificados como hereges (AZEVEDO apud GOMES, <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9624&p=3>).


Na história brasileira, temos a Marquesa de Santos, Domitila de Castro Canto e Melo, como uma das concubinas mais famosas e influentes do Primeiro Reinado, que se relacionou com Dom Pedro I de 1826 a 1829, enquanto este se encontrava casado com a Dona Maria Leopoldina.


A doutrina brasileira até a Constituição Federal de 1988 dividia o concubinato entre puro e impuro, sendo: “O puro era aquele em que os participantes não tinham impedimento para casar, enquanto que o impuro era o contrário.” (GOMES, 2006, <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9624&p=3>). Constituindo assim, o impedimento para casar, a principal diferença entre tais tipos de concubinato. Tal diferença gera efeitos jurídicos completamente diversos.


Após a Constituição de 1988, o concubinato puro passou a ser chamado de companheirismo ou união estável e o concubinato impuro passou a ser chamado apenas de concubinato.


Para Gomes (2006) concubinato é uma relação afetiva, duradoura e pública entre homem e mulher, na qual uma das partes está casada, assim, existindo famílias simultâneas.


No direito brasileiro, o significado de concubinato vem expresso no artigo 1727 do Código Civil de 2002 o qual descreve como concubinato “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”.


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Tais impedimentos vêm elencados no artigo 1521 do mesmo Código, sendo eles:


Art. 1.521. Não podem casar:


I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;


II – os afins em linha reta;


III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;


IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;


V – o adotado com o filho do adotante;


VI – as pessoas casadas;


VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”


Tal artigo ao correlacionar as hipóteses de impedimento ao casamento, desencadeia espécies para o concubinato, este podendo ser de natureza incestuosa, adulterina ou sancionadora.


Na modalidade incestuosa, temos os incisos I a V, onde as relações se dariam entre pessoas com vínculos sangüíneos, de afinidade ou de adoção.


Na modalidade adulterina, temos o inciso VI, onde são impedidos de casar as pessoas casadas, sendo assim, se ambas as partes que se relacionam estão casadas com outras pessoas ou apenas uma delas, estas não podem se casar antes do divórcio da(s) parte(s) casada(s), sob pena de bigamia, que é tipificada como crime no artigo 235 do Código Penal, punida com pena de reclusão de 02 (dois) a 06 (seis) anos.  


E a última modalidade, prevista no inciso VII, tem caráter sancionador, quando o cônjuge sobrevivente encontra-se impedido de contrair matrimonio com o autor condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.


3 CONSEQUÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 1521 DO CÓDIGO CIVIL/02


Ao interpretar o artigo 1727, também do Código Civil, é possível entender que para a configuração do concubinato são necessários alguns elementos, sendo eles: presença de relação não eventual (não esporádica, que detenha certa constância); que a mesma seja entre homem e mulher (diferentes sexos); que exista algum impedimento elencado no artigo 1521 do Código Civil à celebração do casamento entre as partes.


Independente da espécie de concubinato, a omissão legal quanto ao regramento do concubinato faz com que todas as situações que se encaixem em tal configuração estejam desprovidas de proteção legal, não detendo deveres, porém também não angariando direitos, sendo assim, à margem do ordenamento jurídico, surgindo apenas quando influírem em outros institutos já consolidados, como, por exemplo, na doação e no testamento.


O foco deste trabalho é o concubinato adulterino.


4 EFEITOS PATRIMONIAIS DO CONCUBINATO ADULTERINO


No campo do Direito Civil os efeitos recaem, em regra, no patrimônio dos indivíduos. A área mais abrangente, em tal secção do Direito, é a das obrigações, estando presente nos contratos, nos direitos reais, sucessórios e também no de família. Sendo assim, uma vez pertencendo a tal direito é impossível negar ao direito de família efeitos patrimoniais.


E como preleciona o Ministro Carlos Ayres Britto em matéria publicada pelo site Consultor Jurídico <http://www.conjur.com.br/2009-fev-11/concubina-nao-direito-receber-pensao-morte-supremo>:


“Não existe concubinato, existe mesmo companheirismo e, por isso, acho que se há um núcleo doméstico estabilizado no tempo. É dever do Estado ampará-lo como se entidade familiar fosse […] o que interessa é que o núcleo familiar em si mesmo merece toda proteção.” (grifos nossos)


Uma vez no campo familiar, nada mais natural que tal instituto seja regido pelas normas do Direito de família. Porém ainda há uma grande resistência no mundo jurídico em tratar o instituto do concubinato em tal área, sendo alegado, como principal motivação, a proteção ao instituto do casamento. O argumento central é que tratado o concubinato como relação familiar, este preteriria a figura do casamento, assim, como forma paliativa de resolução da questão, o concubinato vem sendo regulado pelo campo das obrigações, como forma de não ignorar seus efeitos, gerando assim enriquecimento ilícito para uma das partes e desamparo jurídico à problemática, e também de não preterir o casamento.


Porém, ainda que a maior parte da doutrina o trate como um negócio jurídico, uma parte da jurisprudência já vem admitindo ao concubinato a possibilidade de geração de direitos e obrigações no plano da assistência social, como se é possível verificar na decisão do Superior Tribunal de Justiça:


 “PENSÃO PREVIDENCIÁRIA – PARTILHA DE PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA – COEXISTÊNCIA DE VINCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA – CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. Circunstâncias especiais reconhecidas em Juízo. Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime no plano da assistência social . Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados . Recurso especial não conhecido” (STJ – REsp 742.685-RJ – 5a Turma – Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca – Publ . em 05.09.2005). (grifos nossos)


Há de se convir que sendo o casamento o principal tipo de família, as regras que o regulam devem ser adequadas analogicamente a outras entidades familiares, como forma de manter, inclusive, o tratamento igualitário entre tais instituições, logo, se um dos deveres do casamento é a assistência mútua, e assim já se aplicando analogicamente à união estável, uma vez reconhecido ao concubinato caráter entidade familiar, não há por que ser desconsiderado tal dever. 


4.1 O direito a meação de pensão


Constituído o concubinato, que não é provido de efeitos legais, levantam-se várias questões, a primeira delas: em caso de dependência econômica de um concubino perante o outro, se o provedor morre, poderia o dependente ter direito a pensão por morte, partilhando-a com o cônjuge sobrevivente do concubino?


Com o fim de responder a tal pergunta e para entender a ordem jurídica perante a questão do concubinato, é necessária a análise de alguns princípios do direito.


Os princípios são preceitos, regras, causas primárias, sendo para o Direito basilar, pois as simples regras jurídicas nada significam se não apoiadas em princípios sólidos. Tais princípios encontram-se escritos e não escritos, podendo ser interpretados, a partir da própria norma jurídica, dentre eles:


4.1.1 O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana


Nada mais natural, em decorrência deste contexto, que a dignidade da pessoa humana estivesse no centro de todas essas legislações, tendo em conta que tal dignidade inerente ao ser humano se funda basicamente em direito comum a todas as pessoas independente de raça, cor, sexo, estado civil, condição social ou econômica, credo, aspecto físico ou opção sexual.


Para Reale (apud GABRIEL, 2004): “a dignidade consiste no reconhecimento de determinados valores pela sociedade como sendo essenciais à sua ordem e desenvolvimento”.


No artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988 tem-se como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. Como norma hierarquicamente superior, todas as normas anteriores e posteriores a Constituição devem obedecer a seus preceitos sob pena de não recepção pelo novo ordenamento ou de inconstitucionalidade, não chegando sequer a viger ou chegando a vigorar, podendo ser submetida ao controle de constitucionalidade.


No campo de aplicação prática de tal princípio, Fiorillo (apud ROCHA, 2009) preceitua que:


“[…] para que a pessoa humana possa ter dignidade (CF, art. 1º, III) necessita que lhe sejam assegurados os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna (educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados) como “piso mínimo normativo”, ou seja, como direitos básicos.”


Uma vez maculado algum dos direitos sociais, a dignidade não encontra respaldo, tendo em vista que não pode se efetivar no plano prático.


Partindo da ótica de tal princípio, com a morte do concubino provedor, o concubino dependente não teria meios financeiros de realizar sua manutenção, com o mínimo necessário para sua subsistência digna, assim passando a não garantir para si os direitos sociais inerentes a realização da dignidade. Neste sentido têm-se vários entendimentos nos Tribunais.


Uma das vertentes de opinião é que é cabível a meação da pensão deixada em função da morte do concubino casado à(o) esposa(o) com a(o) concubina(o), esta possibilidade pautada, especialmente, no amparo a(o) concubina(o), ou seja, na manutenção de sua dignidade, tendo sempre em conta que a realidade fática não pode ser ignorada, apesar da inexistência de um vínculo formal entre as partes ou do caráter adulterino da relação, pois o adultério, por si só não deveria impedir a manutenção da dignidade das pessoas:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SEGURADO. CONCUBINATO. POSSIBILIDADE. 1 – Por mais que esteja em nosso ordenamento prestigiada a monogamia, não se pode fechar os olhos à realidade deixando desamparada a concubina, que, não obstante a inexistência de vínculo formal com o servidor, estava em igualdade de condições com a esposa. Este entendimento não traz consignada a validação da duplicidade de relações maritais; pretende-se, apenas, guiado pelo senso de justiça, regular as conseqüências das circunstâncias fáticas, evitando-se deixar à margem da proteção jurídica a concubina, que tinha vida em comum sob o mesmo teto more uxório com o servidor, embora não com exclusividade. (AG 2005.04.01.056483-2/RS, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 14-06-06, p. 490)” (grifos nossos)


“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA E CONCUBINA. RATEIO. POSSIBILIDADE. 1. Para a concessão do benefício de pensão por morte, no caso de companheira, há necessidade de comprovação de união estável. 2. Na hipótese, ainda que verificada a ocorrência do concubinato impuro, não se pode ignorar a realidade fática, concretizada pela longa duração da união do falecido com a concubina, ainda que existindo simultaneamente dois relacionamentos, razão pela qual é de ser deferida à autora o benefício de pensão por morte na quota-parte que lhe cabe, a contar do ajuizamento da ação.” (TRF4, AC 2000.72.04.000915-0, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Luiz Antonio Bonat, D.E. 15/09/2008) (grifos nossos)


“PENSÃO – ESPOSA E CONCUBINA – DIVISÃO EQUANIME. Agiu bem a autoridade administrativa ao dividir a pensão vitalícia por morte de servidor que em vida manteve concomitantemente duas famílias, entre a esposa legítima e a concubina. Inexiste direito líquido e certo da esposa à exclusividade do recebimento da pensão, se provado está que a concubina vivia sob a dependência econômica do de cujus. Ato administrativo que se manifesta sem qualquer vício ou ilegalidade. Ordem denegada.” (TJ-DF – MS 6648/96 – Acórdão COAD 84999 – Rel. Dês. Pedro de Farias – Publ . em 19.08.1998)  (grifos nossos)


Porém, em contraponto tem-se o entendimento, atualmente, predominante no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, no qual não é cabível a meação de pensão entre a(o) concubina(o) e a(o) esposa(o):


PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ESTATUTÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA LEGÍTIMA E COMPANHEIRA. CONCUBINATO ADULTERINO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 226. LEI Nº 9.278/96, ART. 1º.


1 – No presente caso, a esposa do finado servidor público foi obrigada a ratear a pensão por morte com suposta companheira dele (ou “convivente”, como estabelece  a Lei nº 9.278/96). Trata-se do chamado concubinato adulterino.


2 –  Dispõe o artigo 226, parágrafo 3º, da vigente Constituição da República que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”.


3 – Permitir que suposta amásia de servidor receba pensão pela sua morte, em detrimento da esposa legítima seria permitir o absurdo. A norma constitucional prevê  que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, o que, obviamente, é impossível se um dos conviventes for casado.


4 – Não se pode admitir que uma Constituição que traduz em capítulo especial a preocupação do Estado quanto à família, trazendo-a sob o seu manto protetor, desejasse debilitá-la e permitir que uniões adulterinas fossem reconhecidas como uniões estáveis, hipótese em que teríamos bigamia de direito (TJERJ – AC nº 1999.001.12292). Em uma sociedade monogâmica, o ordenamento jurídico não protege o concubinato adulterino, relação paralela ao matrimônio. A caracterização da união estável depende, inicialmente, da falta de impedimento de ambos os companheiros em estabelecer a relação.” (TRF 2ª Região, AC 262934/RJ, rel. Juiz Antônio Cruz Neto, j. 29/5/2002). (grifos nossos)


Ementa: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPARTILHAMENTO DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. CONCOMITÂNCIA ENTRE CASAMENTO E CONCUBINATO ADULTERINO IMPEDE A CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.


1. Para fins previdenciários, há união estável na hipótese em que a relação seja constituída entre pessoas solteiras, ou separadas de fato ou judicialmente, ou viúvas, e que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto.


2. As situações de concomitância, isto é, em que há simultânea relação matrimonial e de concubinato, por não se amoldarem ao modelo estabelecido pela legislação previdenciária, não são capazes de ensejar união estável, razão pela qual apenas a viúva tem direito à pensão por morte.


3. Recurso especial provido.” (REsp 104316 / RS, 2008/0238547-7 Relator(a) Ministra Maria Thereza de Assis Moura,  Órgão Julgador – 6ª turma. Julgamento 28/04/2009, DJE 18/05/2009) (grifos nossos)


Tal tese se firma sob o fundamento que o concubinato adulterino, por ter como característica a concomitância com o casamento, impede a constituição de união estável e regendo-se o Direito brasileiro sob a ótica da monogamia, inclusive tipificando como crime a existência de um segundo casamento sem a dissolução do primeiro, no artigo 235 do Código Penal, crime de bigamia, logo, os direitos inerentes às entidades familiares não alcançariam o concubinato, não sendo possível a proteção estatal atinja situações que atentem ao princípio supracitado, portanto, não encontrando respaldo no sistema jurídico atual.


“A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. (…). A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina. (RE 590.779, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10-2-09, 1ª Turma, DJE de 27-3-09) (grifos nossos)


Ressalta o posicionamento do Ministro Ricardo Lewandowski em matéria publicada pelo site Consultor Jurídico (<http://www.conjur.com.br/2009-fev-11/concubina-nao-direito-receber-pensao-morte-supremo>) que no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 590779 interposto à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Vitória (ES) que meou a pensão entre a concubina e a viúva, afirmando que uma vez aceita tal possibilidade, se houvessem múltiplas concubinas, a pensão poderia ser pulverizada, o que é inadmissível para o direito. Assim, a pensão deixada seria descaracterizada, não mantendo dignamente nenhuma das partes meeiras.


Porém, é justamente neste sentido que o Direito deve ser aplicado caso a caso, concretamente, sendo esta a função dos julgadores: adaptar o Direito a realidade. Inclusive, por ser, esta figura, pessoa alheia à questão, com maior clareza, frieza, imparcialidade e sem envolvimento emocional, tendo maior possibilidade de enxergar e agir na questão de acordo com a justiça e equidade.


Na condição de consorte do(a) de cujus, independente se legítima ou ilegítima, de boa-fé ou de má-fé,  facilmente a realidade pode se apresentar de forma que a(o) concubina(o) dependa financeiramente do(a) mesmo(a),  e na prática, em regra, é a mulher que, na condição de concubina, se restringe ao lar, não mantendo atividades remuneradas, ocupando-se apenas com os afazeres domésticos, a educação da prole e o cuidado com o companheiro. No momento da morte deste(a) companheiro(a), deveria ela(e) ser abandonada(o) a própria sorte?


Há de se concordar com a primeira vertente, uma vez não angariando meios para sua manutenção, pela dependência, dedicação, pelo caráter fático da questão e alimentar da pensão, esta pensão deixada pelo de cujus, deve ser meada entre a(o) esposa(o) e a(o) concubina(o), com o fim de atender os princípios basilares do direito, como a manutenção digna da parte vulnerável, além de atender à justiça. Ressalta-se que, a pensão por morte é deixada por aquele trabalhador que contribuiu perante a Previdência Social, a idéia central desta pensão é substituir o trabalhador em decorrência de sua morte no sustento das pessoas que dependem financeira dele, é correto afirmar que enquanto vivo, o salário do provedor sustentava ambas as famílias e todos os dependentes.  Porém é essencial que cada situação seja analisada em separado, sem efeitos genéricos, de acordo com o caso concreto e suas peculiaridades, sob pena de ferir o mesmo princípio da justiça cujo tentamos alcançar, causando assim, aberrações jurídicas.

4.2 O direito de herança e participação na partilha dos bens


Como um dos efeitos das relações familiares tem-se os direitos sucessórios, que consistem na transmissão de patrimônio para alguém, denominado herdeiro, em função da morte do proprietário de tal patrimônio, denominado de cujus.


O herdeiro, segundo Bueno (2000, p.405) é: “aquele que herda; legatário, sucessor”. Para o direito pátrio, temos os herdeiros legítimos e os testamentários, sendo estes primeiros àqueles que estão especificados em lei por ordem de vocação no artigo 1.829 do Código Civil:


“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:


I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;


II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;


III – ao cônjuge sobrevivente;


IV – aos colaterais


A divisão patrimonial em uma relação normalmente ocorre em dois momentos: no divórcio ou na morte.  Para o senso comum, uma vez amealhado patrimônio em comum, o natural é a divisão de patrimônio entre as partes.


Porém, verifica-se que o concubino não está incluso no rol legal, a partir dai surge um questionamento: existe direito para a(o) concubina(o) na herança e participação na partilha dos bens deixados pelo de cujus?


Os Tribunais brasileiros, em sua grande maioria, têm entendido que sim, somando várias decisões dividindo o patrimônio deixado pelo de cujus entre a esposa, a concubina e os filhos, como por exemplo:


“EMENTA:  APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. AGRAVO RETIDO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CURADOR ESPECIAL. EFEITOS. Agravo Retido. A apresentação de rol de testemunhas fora do prazo legal é superado quando em discussão ação de estado. Agravo retido que se nega provimento. Preliminar. Caso em que a alegação de impossibilidade jurídica do pedido se confunde com o mérito. Inocorrente afronta ao devido processo legal por rejeição dos embargos declaratórios que visavam rediscutir a prova produzida nos autos. Matéria de apelação. Os “interesses patrimoniais”da mãe e da criança apresentam, em tese, colidência, na medida em que o direito sucessório disputado pela mãe reflete de alguma maneira no direito sucessório da filha. Assim, correta a atuação do curador especial que repele a pretensão da autora, ainda que o “interesse familiar” entre mãe e filha seja convergente. A curadoria especial não é munus exclusivo da Defensoria Pública. E, ainda que fosse, não veio prova de que a comarca é atendida pela instituição. Mérito. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes da Corte . A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. (SEGREDO DE JUSTIÇA)” (Apelação Cível Nº 70009786419, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 03/03/2005). (grifos nossos)


“APELAÇÃO CÍVEL – RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL – UNIÃO DÚPLICE – POSSIBILIDADE -PARTILHA DE BENS – MEAÇÃO – TRIAÇÃO – ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em triação, pela duplicidade de uniões. O mesmo se verifica em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável.” (TJRS – ApCível n.° 70022775605/08 – Rel Dês. Rui Portanova, julgado em 07.08.2008). (grifos nossos)


Tais decisões vêm norteadas pelo princípio da vedação ao enriquecimento sem causa que segundo HENZ: “Consiste no locupletamento à custa alheia”.


Este princípio norteador do Direito Civil brasileiro não é explícito, podendo ser extraído de várias normas, em especial o artigo 884 do Novo Código Civil onde versa que: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.


Para Rosas (2006) a jurisprudência do STF tem aplicado a Súmula número 380 que versa: “Comprovada à existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”.


Tal súmula editada antes da Constituição Federal de 1988 era aplicada apenas para os casos de concubinato puro, hoje união estável. Atualmente, boa parte da jurisprudência e doutrina vem entendendo que a mesma também deve ser aplicada ao concubinato impuro, atualmente com a denominação de concubinato, apenas.


Tal súmula abarca o concubinato dando efeitos mínimos a ele, e deixa evidenciado que este instituto vem tratado no campo das obrigações e não do direito de família, mais uma vez o concubinato é retirado deste campo do direito e renegado a uma simples sociedade de fato entre pessoas, sem caráter afetivo ou familiar.


4.3 O direito à indenização por serviços domésticos prestados


Há de se registrar também que um dos efeitos patrimoniais mais atribuídos pelos Tribunais ao concubinato é a indenização por serviços domésticos prestados consistindo na quantia pecuniária a ser paga pelo(a) ex-concubino(a) casado(a) à(o) ex-concubina(o) em decorrência dos serviços domésticos prestados na constância do relacionamento. Esta indenização vem sendo concedida como alternativa à partilha dos bens quando a(o) concubina(o) não consegue provar que participou de sua aquisição. Consistindo em um verdadeiro “prêmio de consolação”. O objetivo de tal indenização é proteger de alguma forma a(o) concubina(o), mesmo que dando caráter exclusivamente monetário à relação. Como por exemplo:


“CONCUBINATO. RELAÇÃO EXTRACONJUGAL MANTIDA POR LONGOS ANOS. VIDA EM COMUM CONFIGURADA AINDA QUE NÃO EXCLUSIVEMENTE. INDENIZAÇÃO SERVIÇOS DOMÉSTICOS. Pacífica é a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de ser o concubino casado, se possível, como no caso, identificar a existência de dupla vida em comum, com a esposa e companheira, por período superior a trinta anos. Pensão devida durante o período do concubinato até o óbito do concubino.” (STJ – REsp 303.604/SP – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 23/6/2003). (grifos nossos)


“CONCUBINATO. SOCIEDADE DE FATO. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. Segundo entendimento pretoriano, “a sociedade de fato entre concubinos é, para as conseqüências jurídicas que lhe decorram das relações obrigacionais, irrelevante o casamento de qualquer deles, sobretudo, porque a censurabilidade do adultério não pode justificar que se locuplete com o esforço alheio, exatamente aquele que o pratica.” Recurso não conhecido.” (STJ – REsp 229.069/SP – 4ª T. – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. 26/4/2005). (grifos nossos)


Ora, tal indenização que procura a justiça, como forma de não deixar desamparada uma das figuras que deram suporte ao consorte, bem como evitar o locupletamento ilícito, onde uma parte ganha em detrimento da outra, na verdade vem tomada de preconceito, tendo em vista, novamente, a inserção do concubinato no campo das obrigações, e quiçá trabalhista, mais uma vez lhe retirando o caráter familiar, responsabilizando o(a) concubino(a) casado(a) pelo suposto dano causado, quantificando, portanto, o afeto dispensado na constância do relacionamento ou apenas tratando a(o) concubina(o) como um empregado que não recebeu o salário devido.


Neste sentido é a opinião do Lobo (apud GOMES, 2001): “A indenização é degradante, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana”.


4.4 Outros efeitos patrimoniais


As normas de Direito brasileiro pouco falam sobre o concubinato, citando-o apenas com efeitos negativos, sanções, punições ou vedações.


Tem-se isto explícito ainda no Código Civil de 1916, onde em seus artigos 1.177, 1.474 e 1.719 já existiam proibições à figura do concubino, como: de receber doação feita pelo cônjuge adúltero, ser instituído como beneficiário de seguro e impossibilidade de ser nomeado herdeiro ou legatário do concubino testador casado.


Em nada se destoou o Código Civil de 2002, tendo em vista as mesmas previsões, agora constantes no artigo 1801, que versa: “Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros e nem legatários: III – concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos”. E no artigo 550 do mesmo código: “Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal”.


Porém, não mais se manifestou com relação à questão da nomeação como beneficiário(a) do seguro de vida, deixando a cargo do julgador tal questão, cujo vem se posicionando de forma que, consoante com tais regras e lembrando sempre do antigo ordenamento civil, uma vez sendo vedada a doação, seria vedado também o caráter de beneficiária(o) a(o) concubina(o) através da analogia: 


“SEGURO – Morte de segurado – Concubina instituída beneficiaria por segurado com família legítima – Vedação legal de o homem casado doar à amante – Hipótese que, em princípio pode se enquadrar em tal modelo legal – Necessidade de participação da família do morto no processo da demanda em que é reivindicada a cobertura securitária pela concubina -Processo nulo – Apelação provida para tal declaração.” (TJ-SP – Apelação c/ Revisão nº 821922-0/2 – 25ª Câmara Cível – Seção de Direito Privado – Rel. Sebastião Flávio, 2006). (grifos nossos)


Como é perceptível, tem-se que o seguro de vida, que tem como vertente característica um benefício em virtude da morte de alguém, dada a ausência de caráter de herança, só há de ter caráter de doação, logo, analogicamente, também seria possível a anulação do documento que designasse o(a) concubino(a) como beneficiário de tal seguro.


5 CONCLUSÃO


O concubinato é um instituto que vem sempre acompanhando a história da humanidade. Quando figura paralela ao casamento tem sua natureza como adulterina.


Perpetuando-se no tempo, seu desenvolvimento natural é o de qualquer relação, com a formação de uma família com prole e patrimônio próprio ou patrimônio desenvolvido a partir do outro núcleo.


A princípio, o Direito pátrio não acoberta o concubinato, pois, a monogamia é um dos princípios basilares do direito familiar brasileiro, assim, a existência de tal figura fere mortalmente um dos deveres do casamento: a fidelidade. Porém, o concubinato também pode ser uma modalidade de família, apesar de paralela à amparada pelo casamento, pois, normalmente, nestes casos, descende de vinculo afetivo e consangüíneo, tendo assim características de entidade familiar de fato.


Ainda que muito relutantes, o Direito e sociedade brasileira tendem a reconhecer o concubinato como instituto do direito de família, afinal, a supremacia da realidade é que transforma as situações sociais em norma. Há de se observar que o concubinato se encontra inserido e citado no capítulo que trata sobre a família no Código Civil.


Em prol de proteger o casamento, o Código Civil trata apenas dos efeitos negativos dados ao concubinato, ou seja, arraigando-lhe proibições e restrições, como a impossibilidade do concubino ser legatário, herdeiro, beneficiário ou receber doação do consorte casado, sem levar em consideração a realidade fática que pode gerar igualdade de condições para ambas as partes envolvidas em tal relacionamento. Porém, antes de preterir um instituto em prol de outro, o Direito deve proteger os indivíduos que compõem a sociedade. Em consonância com este entendimento, foram desenvolvidos vários princípios que primam por este fim, estando, em grande maioria, presentes na Constituição Federal de 1988, dentre eles o da dignidade da pessoa humana e no Código Civil, o da vedação do enriquecimento ilícito.


A partir desta noção não há como não se conferir efeitos a tal instituto, em especial os patrimoniais que lhe são naturais.


É possível se perceber, especialmente através da jurisprudência pátria, que provada a dependência econômica e a entidade familiar, o concubinato passa a ter efeitos positivos para o Direito, sendo assim, o concubino dependente não pode ser largado a própria sorte, sem meio de subsistir dignamente, logo, a pensão deixada pelo concubino provedor à família amparada pelo casamento na figura do cônjuge sobrevivente deve ser rateada com o mesmo, com o fim de manter sua subsistência e dignidade.


Também não é possível, uma vez que ocorra a morte do concubino casado, vedar a participação do concubino sobrevivente na partilha dos bens deixados, pois, uma vez demonstrada sua contribuição, tal vedação possibilitaria o enriquecimento de uma parte em deterioração da outra e o Direito não pode conceber tal ato.


E por fim, uma vez não configurado todos os requisitos para a caracterização de entidade familiar, e por consequência não contraindo capacidade para mear a pensão deixada com o cônjuge sobrevivente ou participar na herança e na partilha dos bens deixados, tem direito, o concubino, à indenização por serviços domésticos prestados, ainda que configurado o caráter depreciativo da mesma, pois, apesar de tal indenização quantificar o afeto e dedicação empregados ao longo de uma relação amorosa, tem, também, como objetivo evitar o enriquecimento de uma parte perante a depreciação de outra, mantendo sempre um amparo jurídico a quem tanto aparenta desamparado.


 


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Informações Sobre o Autor

Christianne Grazielle Rosa de Alcântara Belfort

Acadêmica de Direito do Centro de Ensino Unificado de Teresina


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